Os levantamentos de
população existem no Brasil desde o início da colonização, mas
só foram aperfeiçoados e ganharam periodicidade em meados do
século XVIII. Por influência do Iluminismo, Portugal se
preocupava em colher informações precisas sobre suas riquezas.
Entre elas, a mais importante, sem dúvida, era seus
habitantes. Após a independência brasileira, aumentou a
preocupação com as estatísticas de população, que serviriam
não só para cobrar impostos ou convocar as pessoas para o
exército: era necessário contar os votos nas províncias e
definir o número de deputados que cada uma teria. Várias
tentativas foram feitas para apurar esses dados, mas todas
elas esbarravam em uma série de dificuldades. Os ministros do
Império solicitavam informações sobre a população das
províncias por intermédio de ofícios. Embora algumas
respondessem aos apelos, o mais comum era enviarem como
resposta reclamações e desculpas por atrasos, imperfeições ou
simples ausência de dados.
Os problemas se avolumavam
quando o próprio Estado imperial tentava realizar esses
levantamentos, já que não possuía funcionários específicos.
Era necessário contar com a boa vontade dos secretários
das províncias, dos párocos,
juízes de paz e delegados de polícia, que precisavam
interromper seus afazeres cotidianos para se dedicar à tarefa
extra de contar habitantes. Às vezes, eles entravam em
conflito com os vizinhos, pois as fronteiras das paróquias e
distritos não eram bem definidas.
Outro problema grave
era a falta de coordenação dos trabalhos. Como havia apenas um
vago pedido do ministro do Império, cada um respondia como bem
entendia. Assim, os mais eficientes realizavam prontamente
seus trabalhos. Outros protelavam, enviando os resultados de
seus distritos vários meses, e mesmo anos, após o pedido
inicial. Esta demora prejudicou seriamente os estudos de
população, pois muitas pessoas podiam mudar de distrito ou
paróquia e serem contadas duas vezes, ou simplesmente não
serem contadas.
O que caracteriza um censo "moderno"?
Em primeiro lugar, é necessário que o levantamento seja
simultâneo, ou seja, que as pessoas dêem as informações tendo
como referência um mesmo dia do ano. Em segundo, é preciso
determinar qual área cada recenseador vai cobrir, para evitar
que dois agentes visitem um mesmo local. Além disso, todos os
habitantes de cada área precisam ser contados. E, por último,
deve-se enumerar individualmente todas as pessoas. Desta
forma, o formulário do censo contempla cada
indivíduo.
Em 1852, aconteceu no Brasil a primeira
tentativa de se realizar um recenseamento seguindo estes
princípios. No ano anterior, os regulamentos do censo e do
registro dos nascimentos e óbitos haviam sido aprovados na Lei
Orçamentária. Este esforço ocorria em um momento significativo
para o Brasil, já que a década de 1840 chegava ao fim com o
Império alcançando a estabilidade política. Depois de
superados os problemas das revoltas imperiais, as elites
políticas começavam a resolver outras questões, até então
pendentes. Assim, em 1850 foram aprovados o Código Comercial,
a Lei de Terras e a Lei do Tráfico de Escravos. Nos anos
seguintes, outros pontos foram colocados na agenda política,
dentre os quais o censo nacional.
A notícia da
obrigatoriedade do registro civil, no entanto, deu origem a
nova série de revoltas, estimuladas pelo boato de que ele
teria por fim escravizar a "gente de cor". Distúrbios graves
foram registrados nas províncias da Paraíba, Ceará, Alagoas,
Sergipe e Pernambuco, provocando a suspensão do censo pelo
próprio governo em 1852. Com o passar dos anos, cresceram os
problemas relacionados à falta de dados demográficos. Os
debates em torno do fim gradual da escravidão e da implantação
de políticas educacionais careciam de informações precisas
sobre quantos eram os brasileiros, livres e escravos. E
assumia proporções de crise política quando o assunto era o
colégio eleitoral de cada província: como estimar quantos
deputados cada uma teria sem poder confiar nas estatísticas
de população?
Quando ressurgiu, em 1871, o tema do
censo encontrou enorme receptividade na elite política. Sua
lei e seus regulamentos foram rapidamente aprovados, e, no dia
1º de agosto de 1872, começaram os trabalhos do primeiro
Recenseamento Geral do Império, como foi chamado, em todo o
território nacional, menos nas províncias que, por alguma
falha, adiaram seus levantamentos. Em Mato Grosso,
transferiu-se a data para o 1º de outubro de 1872. Em Goiás,
foi feito em 25 de junho de 1873, e em Minas Gerais, em 1º de
outubro do mesmo ano. A última província a realizar seu
levantamento populacional foi a de São Paulo, em 30 de janeiro
de 1874. E apenas 32 das 1.473 paróquias do Império não
participaram do primeiro censo.
Um dos aspectos
interessantes deste Recenseamento Geral é que ele teve como
base territorial as paróquias, que compõem uma divisão
eclesiástica, e não civil. Talvez se esperasse, com isto,
garantir a colaboração dos clérigos, que eram considerados
funcionários públicos e, mais do que isso, os únicos membros
da burocracia estatal, presentes em todo o território
brasileiro. Os padres, com evidente influência sobre a
população, foram um importante ponto de apoio para o censo,
atuando como divulgadores e membros das comissões censitárias.
Isto ocorreu sobretudo nas regiões distantes, onde eram poucos
os habitantes alfabetizados e realmente habilitados aos
trabalhos exigidos. Ironicamente, este apoio ocorreu no início
dos conflitos que conduziram à separação definitiva entre a
Igreja e o Estado no Brasil: a chamada Questão
Religiosa.
Em 1877, após cinco anos de trabalho, o
ministro do Império pôde finalmente comunicar à Assembléia
Geral Legislativa o final da impressão dos resultados do
recenseamento. Embora apresentando problemas nos seus dados
finais, foi uma vitória da burocracia imperial. Já para a
elite política e intelectual da época, era a entrada do Brasil
no seleto clube das "nações civilizadas" que realizavam
estatísticas de população.
Em meados do século XIX, se
começou a pensar na necessidade de censos nacionais, prática
que se vinha espalhando pelo mundo ocidental desde o século
XVIII. Em 1749, os trabalhos censitários tornaram-se
sistemáticos e periódicos na Suécia. Em seguida, na Noruega e
na Dinamarca (1769), na Espanha (1787), nos Estados Unidos
(1790), na França (1800) e na Inglaterra (1801). Com o avançar
do século XIX, realizar censos passou a ser um sinal de
modernidade e de afirmação de autonomia do Estado
nacional.
O segundo recenseamento só ocorreu em 1890,
no período republicano. Embora parecido com o censo de 1872,
teve diferenças sensíveis de execução, em especial no prazo
para sua preparação - publicado em decreto no dia 12 de
agosto, teve que ser realizado em 31 de dezembro, menos de
cinco meses depois. A pressa na execução refletiu
negativamente nos dados apurados, causando demora na tabulação
dos resultados e subenumeração dos habitantes. O censo de 1900
também esteve cercado de problemas. Seus dados nunca foram
apurados totalmente e devem ser vistos com desconfiança. Em
1910, o censo foi suspenso devido à conjuntura política
instável. Porém, três anos depois, se começou a organizar o
que seria o melhor trabalho censitário da época.
O ano
de 1920 surge como uma data importante, por situar-se a dois
anos do centenário da independência. O Estado Republicano
organizava, para 1922, uma exposição internacional e desejava
que ela retratasse bem o povo e a nação.Assim, decidiu
realizar um censo demográfico e econômico. Dado o amplo
planejamento, o trabalho foi bem-sucedido e apresentou
qualidade singular. Dois anos depois, já era possível
apresentar um retrato da nação no Pavilhão da Estatística
montado na Exposição Universal do Rio de Janeiro. Em 1930, o
censo foi novamente suspenso, em decorrência da Revolução de
1930, que trouxe inovações profundas para a vida dos
brasileiros. Uma de suas principais conseqüências foi o
processo de reformas do aparato estatal brasileiro. A reforma
administrativa e a criação de inúmeras agências estatais
também atingiram a produção de estatísticas. Neste contexto
foi fundado, em 1936, o Instituto Nacional de Estatística, que
dois anos depois passou a se chamar Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), responsável a partir de então
pela realização dos censos.
Com o IBGE, a produção de
estatísticas assumiu um caráter sistemático e especializado,
exigindo a criação de um corpo técnico estável. As atribuições
do órgão estavam fortemente marcadas pelo nacionalismo do novo
Estado brasileiro. O censo de 1940 apresentou uma qualidade
invejável e foi o primeiro a realizar estudos demográficos
indiretos, recorrendo a cálculos estatísticos sofisticados
para a época.O censo de 1940 iniciou uma série de
procedimentos que duram até hoje. Desde então, os
recenseamentos ocorreram a cada dez anos (exceto em 1991), com
a introdução de questões cada vez mais detalhadas.
Recentemente o IBGE anunciou que irá realizar novo
censo em 2005, com as atividades a serem desenvolvidas em
2004, 2005 e 2006 já constando do Plano Plurianual de
Investimento e custos previstos no Orçamento. Nesses três anos
estão previstos R$ 650 milhões, dos quais R$ 560 milhões em
2005, R$ 40 milhões para trabalhar os dados em 2006 e R$ 50
milhões agora em 2004 - a maior parte para atualizar a
cartografia brasileira e os 235 mil mapas que servirão de base
para os recenseadores contarem com eficácia milhões e milhões
de brasileiros.
Tarcísio Botelho é professor do
mestrado em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais e doutor em História Social pela
Universidade de São Paulo, com a tese População e nação
no Brasil do século XIX
(1998).
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