Reminiscências
de uma década:
costumes
e mentalidades representados no cinema de Frank
Capra nos anos 1930
Mariana
Naxara Poli*
Trabalho apresentado à Escola de Engenharia de São Carlos da
Universidade de São Paulo, como requisitos para obtenção de créditos da
disciplina Habitação, Metrópole e Modos
e Vida, ministrada pelo Professor Dr. Marcelo Tramontano.
USP, São Carlos, Janeiro de 2006
1. INTRODUÇÃO
2. CONTEXTUALIZAÇÃO:
O CINEMA PRÉ-1930
2.2 SOBRE OS PRIMÓRDIOS DO
CINEMA
3. 1930´S:REVERBERAÇÕES
NA SOCIEDADE NORTE-AMERICANA
4. FRANK CAPRA E O
SONHO AMERICANO
5. AS PRODUÇÕES DE
CAPRA EM 1930: ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES DOS FILMES ESCOLHIDOS
7. REFERÊNCIAS
Como diz um sábio chinês da última dinastia: “Para adquirirmos conhecimento, é preciso participar da prática que transforma a realidade. Para conhecermos o gosto de uma pêra, é preciso transformá-la, comendo-a”.
Umberto Eco
No decorrer da disciplina interessaram-me, de modo especial, os assuntos
acerca das modificações nas mentalidades e nos modos de vida da sociedade
ocidental no decorrer da história da civilização moderna. Principalmente porque
essas modificações foram e são representadas e adquiridas de modo concreto na
vida doméstica das sociedades[1].
A partir desse pressuposto, três questões acompanharam-me durante o exercício
da pesquisa aqui apresentada:
1ª - O que
estou estudando é relevante (ou seja, interessa à sociedade, à academia e à
atualidade)?
2ª - Eu
domino o assunto ou posso garantir que o tema escolhido será desenvolvido de
forma coerente e concisa (ou seja, terei disponíveis os subsídios
imprescindíveis ao exercício proposto)?
3ª - O que
eu posso gerar com esse esforço e qual a sua viabilidade (ou seja, quais
produtos pertinentes poderei oferecer através dessa monografia)?
Tendo como
prerrogativa a intenção de desenvolver um exercício para a fecundidade do
pensamento que deve ter, em sua essência, o prazer que rege o sentido da busca,
da investigação, ou do caminho a ser percorrido, posso afirmar,
respondendo às questões acima:
1º - O
trabalho pode ser pertinente, pois trata de investigar representações de
modificações relevantes da sociedade norte-americana na primeira metade do
século XX, mudanças de comportamento, de costumes e modos de vida que
reverberaram em vários aspectos na sociedade contemporânea, de maneira geral.
2º - A
afinidade com o tema proposto facilitou o desenvolvimento do trabalho. Assistir
aos filmes e ler os livros da bibliografia escolhida, exercícios que seguiram
os rigores científicos de análise e estudo, foram práticas prazerosas e
instigantes.
3º - Como
produtos, além das análises, a monografia também propiciou uma edição de
imagens pertinentes àqueles que se interessarem, futuramente, por desenvolver
trabalhos em um tema similar.
O que vale é
percorrer um caminho, é escavar, e não propriamente o que se encontra ao final.
Georg Simmel
Os filmes de Frank Capra, de modo
geral, são caracterizados, por muitos
teóricos e críticos de cinema, como simplistas e ingênuas produções, sem cunho
artístico ou conceitual; porém, para as intenções dessa monografia, é
principalmente por essa razão que os filmes de Capra foram escolhidos para
análise das mentalidades e modos de vida dos norte-americanos na década de 1930.
O que hoje denominam “indústria do entretenimento”, sem dúvida uma das mais
lucrativas dos EUA atualmente, dissemina costumes, hábitos e valores por todo o
mundo, mudando relações sociais e modos de habitar.
O esforço
aqui é compreender, através de populares filmes norte-americanos, aclamados e
assistidos por um grande público, como representações de costumes e valores
podem influenciar nas mentalidades e na criação de novos padrões sociais.
Em relação
à pesquisa sobre produções de Frank Capra, encontrei em seus filmes da década
de 1930, elementos interessantes para análise de costumes. Por isso, pautei
a monografia em quatro de seus filmes feitos nessa década
[2]
. Na pesquisa sobre a biografia do diretor, encontrei vários
estudos sobre suas produções e constatei que os quatro filmes escolhidos como
objetos dessa monografia, estão entre os mais estudados.
Entretanto, tais estudos, encontrados em artigos publicados na
internet, falam das principais características dos argumentos dos filmes de
Capra: as fábulas e comédias sociais onde o homem americano é retratado como a
pessoa íntegra, otimista, que acredita e reivindica seus direitos em busca da
verdadeira felicidade[3].
Por isso, achei interessante abordar tais filmes através de outro olhar,
percebendo as “entrelinhas” das representações dos costumes, dos hábitos, da
mentalidade que regia, na década de 1930, as necessidades de transformações da
vida doméstica dos norte-americanos.
Quanto aos
objetivos dessa pesquisa, vale reiterar aqui o que foi definido no plano de
pesquisa:
Criar uma linha de raciocínio na qual os
filmes escolhidos, subsídios iconográficos, articulem-se aos subsídios
teóricos;
Analisar, a partir dessa linha de raciocínio,
a representação dos espaços domésticos nesses filmes bem como dos costumes,
hábitos e valores;
Questionar e discorrer como Frank Capra interferiu, através de seus
filmes, no American Way of Life e no modo de fazer cinema em Hollywood,
e quais influências ele recebeu para realizar sua filmografia.
Procuro, acima de
tudo, ensinar a ver
D.
W. Griffith
O cinema é a forma
de arte correspondente aos perigos existenciais mais intensos com os quais se
confronta o homem contemporâneo.
Walter
Benjamim
O fenômeno Hollywood
não poderá ser compreendido se aceitarmos o conceito estereotipado de uma
indústria dominada pela estupidez e pela cobiça.
John
Howard Lawson
Algumas considerações sobre o surgimento da indústria cinematográfica de Hollywood são necessárias como introdução à análise proposta. É claro que não cabe aqui destrinchar essa história com detalhes; existem muitos autores que se debruçaram na história dos primórdios do cinema e são encontrados, facilmente, livros sobre o tema. Iniciemos então um breve panorama histórico, com o intuito de tangenciar os embriões que culminaram no nascimento de Hollywood, de sua consolidação enquanto indústria cinematográfica e de suas contribuições na transformação de cidades e de modos de vida da sociedade norte-americana, modificações que seriam, mais tarde, representadas em películas de diretores como Frank Capra.
Sabe-se que foi na segunda metade do século XIX, período da chamada
Segunda Revolução Industrial e de grandes invenções e inovações tecnológicas,
que o cinema surgiu[4]. De modo
geral, nesse curto espaço de tempo (mais ou menos 5 décadas), o mundo
transformou-se por completo, graças às interferências das invenções sentidas e
absorvidas pela vida doméstica da sociedade, além da urbanização intensa das
cidades que estavam cada vez mais higienizadas e saneadas e do aumento
considerável da população economicamente ativa. Os EUA viviam em uma época de
expansão territorial, graças à política expansionista: “Em 1790, o país tinha
17 estados, quase 4 milhões de habitantes e 2,3 milhões de quilômetros
quadrados de área territorial. Em 1860 – após várias guerras e anexações – os
estados eram 35, a população excedia 31 milhões, e a área já era mais de três
vezes superior à original” SABADIN, 2000, p.25.
No início do século XX, os EUA vivenciaram um período de acolhimento de
imigrantes de todas as partes do mundo:
“assim como os Mousevitch, milhares de famílias de nomes estranhos
chegavam aos Estados Unidos também acreditando não haver gastos na América,
um simpático simbolismo de esperança de dias melhores. A Estátua da Liberdade
acenando sua tocha era o primeiro sinal do Novo Mundo que os imigrantes
europeus avistavam de seus navios(...)” SABADIN, 2000, p. 79.
É possível deduzir que, a partir dessa intensa imigração de pessoas de
culturas e costumes díspares, a intolerância e o sentimento preconceituoso dos
norte-americanos tradicionalistas e conservadores acabou por criar os primeiros
guetos e bairros de imigrantes[5].
Além disso, havia uma crescente demanda por habitações para essa população, o
que incrementou a produção seriada da habitação.
A invenção do cinema só veio a sublinhar essas modificações e
transformações reverberadas na sociedade norte-americana, ajudando a redefinir
as cidades, em vasto crescimento de implementação urbana. O cinema, que no
início do século XX era dominado pelos franceses, demandava inúmeras casas de
exibição. SABADIN (2000, p. 80), descreve algumas peculiaridades a respeito das
primeiras casas de exibição de filmes nos EUA:
“Quando os Cinetoscópios de Edison (a partir de 1894) e os Cinematógrafos dos Lumière e similares (a partir de 1896) começaram a se popularizar, os teatros de vaudeville e as penny arcades passaram a se adaptar para as novidades, improvisando qualquer canto onde fosse possível projetar um filme”.
Na época, essas pequenas salas de exibição[6] foram alvo de intolerância da parte de norte-americanos conservadores, e salas foram fechadas por ordem judicial.
Exemplo de uma penny
arcade, do início do século XX
FONTE: SABADIN, 2000
Essas considerações nos servem para esboçar uma idéia das transformações
na sociedade norte-americana no início do século XX. Uma sociedade que, naquela
época, se encontrava em pleno desenvolvimento econômico, através da implantação
de indústrias, de expansão territorial, de inovações tecnológicas. Assim como o
cinema em seus primórdios, a moda, no mundo ocidental do início do século XX,
era dominada pelos franceses; na segunda metade do século XIX, os costumes e
modos de vida que Paris exportavam eram os cobiçados também pela aristocracia
norte-americana[7].
O impacto das reformas de Haussmann copiados em sociedades de todo o
mundo, causou mudanças significativas nas cidades norte-americanas que iam se
modernizando e demandavam, sob a luz daqueles anos de inovações
revolucionárias, novos modos de se viver, de se relacionar, novos valores e
necessidades:
“Por volta de 1880, os padrões de Haussmann foram universalmente
aclamados como o verdadeiro modelo do urbanismo moderno. Como tal, logo passou a
ser reproduzido em cidades emergentes, em todas as partes do mundo” BERMAN,
1997, p. 147.
Existem algumas incongruências e incertezas sobre o seu verdadeiro inventor, pois várias experiências da época e de tempos mais remotos tangenciaram a origem do cinematógrafo, como comenta LAWSON:
“Muitos homens, em muitos países, contribuíram
para a invenção do cinema e o número de inventores e de imitadores é tão grande
que se torna difícil estabelecer a quem cabe o mérito da inovação. Além do
mais, a idéia de projetar imagens em movimento remonta a muitos séculos atrás”
(LAWSON, 1967, p.16).
Entretanto, 1895 foi o ano que marcou o nascimento do cinema. Os irmãos
Lumière foram os responsáveis por fazer as adaptações no Cinetoscópio[8]
de Thomas Edison (que chegou a Paris para uma exibição em 1894) para que as
imagens fossem projetadas para uma platéia, nascendo assim, o Cinematógrafo:
“Comercialmente,
tratava-se de um verdadeiro achado, pois permitia que uma única pessoa filmasse, revelasse e projetasse os filmes, o
que facilitou sua rápida difusão ao redor de todo o planeta” (SABADIN, 2000, p. 48).
Assim, a primeira exibição de cinema data de 22 de Março de 1895, com a projeção pública de La Sortie des Usines Lumière. Em 28 de dezembro de 1895, no Salão Indiano no subsolo Grand Café de Paris, o cinematógrafo foi apresentado para um público de 100 pessoas a cada sessão de 20 minutos a um franco por pessoa (SABADIN, 2000).
Autores que contam a história dos primórdios do cinema concordam sobre a importância dos franceses na propulsão do invento pelo mundo, no início do século XX. Georges Mèlié e seus experimentos ilusionistas promoveram uma verdadeira revolução para a linguagem cinematográfica. Sua ousadia fez com que o cinema tomasse um novo rumo. Sua importância foi tal que os EUA começaram a fazer cópias ilegais das produções de Mèliés:
“Enquanto Lumière e seus seguidores trabalhavam com enormes limitações temáticas, filmando trens e bondes, Mèliés ousava transpor para a película a clássica história de Cinderela (em 1899), e não hesitava em contratar 500 figurantes para rodar Joanna D´Arc, em 1900(...) ele foi um grande inovador, utilizando em suas produções idéias das mais simplórias às mais elaboradas” (SABADIN, 2000, p. 65).
Para garantir sua sobrevivência, o cinema
precisava articular a administração do capital das produções, ou seja, o lado
empresarial, à arte e experimentação. Assim, o cinema torna-se indústria, e
isso se deu graças ao francês Charles Pathé. Pathé construiu, em Vincennes, um
estúdio cinematográfico, em 1902. Seu principal objetivo era a exportação de
filmes para diversos países do mundo e, assim, implantou um império econômico
que só se abalou quando culminou a Primeira Guerra Mundial.
Segundo SABADIN (2000, p. 75),
“o império Pathé, construído numa rapidez
astronômica, durou até 1929, quando Charles, após um longo e doloroso processo
de desativar gradativamente seus negócios, aposentou-se e foi desfrutar sua
fortuna na Riviera Francesa”.
Sobre a origem histórica de Hollywood, cabe ressaltar que uma série de
fatos culminou na ida de jovens cineastas para o Oeste dos EUA. Dentre esses
fatos, “A Guerra das Patentes”, uma luta pelo monopólio da indústria
cinematográfica norte-americana cujo capital crescia violentamente, criou um
esquema no qual grandes produtores e investidores da época implementavam meios
de eliminar a concorrência na produção e distribuição de filmes:
“A Motion Pictures Patents Company incluía sete dos principais produtores
norte-americanos, o maior truste francês, a Pathé, (...) Mèliés e o maior
importador norte-americano de filmes estrangeiros, George Kleine. O grupo
dispunha de dezesseis patentes fundamentais, obtidas por meio de um acordo
sobre a exploração de direitos com Thomas Edison, e, inclusive, um contrato com
a Eastman Kodak Company pelo qual o filme virgem seria fornecido somente a
membros do truste” (LAWSON, 1967, P. 38).
Não obstante, o público de cinema ficava cada vez mais exigente e o truste não tinha capacidade de ser coerente a essa demanda crescente. Os chamados produtores independentes, dentre eles, Carl Laemmle e Willian Fox, que estavam fora do esquema do truste, primavam pela qualidade em seus filmes, o que agradava aos distribuidores. Tais produtores iniciaram uma luta contra a Patents Company e, durante 1909 e 1913 houve uma verdadeira guerra, de episódios violentos entre os dois grupos[9] que acabou levando os produtores independentes a buscar no Oeste norte-americano um refúgio para a realização de seus filmes.
O sul da Califórnia, além das propriedades do clima ameno e da luz intensa propícia para a filmagem de cenas externas, também era uma região de difícil acesso à interferência do truste, pois era próxima da fronteira com o México e a América Central; essas características atraíram cineastas de todo o país:
“em 1913, Hollywood era uma aldeia nos arredores de Los Angeles, muito semelhante a uma cidadezinha do faroeste por causa dos estúdios improvisados e rusticamente construídos” (LAWSON, 1967, p. 39).
Aproximamo-nos, assim, dos embriões que resultaram nas grandes companhias cinematográficas norte-americanas, com cede em Hollywood. De 1908 a 1918 começam a nascer os grandes estúdios norte-americanos, que cresceram através do desenvolvimento econômico vivido pelos EUA em decorrência da devastação européia durante a Primeira Guerra Mundial.
Hollywood em 1905, antes dos
grandes estúdios
FONTE: SABADIN, 2000
Nesse período, Hollywood foi se consolidando como a terra do cinema e,
inclusive os produtores pertencentes ao truste da Patents Company, passaram a
adotar o lugar para gravações durante os meses de inverno. Uma grande figura
surge, em meio a esse turbilhão criado pelo cinema em Hollywood: D.W. Griffith.
Livros sobre a história do cinema dedicam capítulos inteiros a esse personagem
imprescindível à evolução do cinema norte-americano. Cabe aqui apenas ressaltar
que Griffith influenciou toda uma geração de cineastas, inclusive Frank Capra.
É tido como um visionário e, realmente, mudou os rumos da linguagem
cinematográfica, como fez Mèliés, alguns anos antes. A preocupação central de
Griffith era contar histórias maiores, criando mecanismos para acentuar a
dramaticidade do enredo:
“Em Pippa Passes, a linguagem cinematográfica torna-se poesia
virtual. Ao nascer do sol, a luminosidade penetra no quarto de Pippa; pela
primeira vez na história do cinema mudanças de luz e sombra são empregadas para
expressar uma atmosfera” (LAWSON, 1967, p.42).
Com a Primeira Guerra Mundial devastando a economia européia, os EUA
aproveitaram para incrementar sua economia, de maneira voraz. O crescimento
populacional atrelado à vinda de imigrantes, a força da indústria
norte-americana, a bancarrota das empresas cinematográficas européias, o
fortalecimento dos independentes de Hollywood, e mais alguns acontecimentos
similares, fizeram dos EUA os dominadores das produções cinematográficas que
foram exportadas na época da Primeira Grande Guerra: “De 1915 para 1916, as
exportações dos filmes norte-americanos foram simplesmente multiplicadas por
cinco, considerando-se a metragem total das películas” (SABADIN, 2000, p.140).
QUADRO 1: LONGAS-METRAGENS
PRODUZIDOS (1913-1919)
|
ITÁLIA |
REINO UNIDO |
ALEMANHA |
EUA |
1913 |
29 |
18 |
49 |
12 |
1914 |
16 |
15 |
29 |
212 |
1915 |
39 |
73 |
60 |
419 |
1916 |
57 |
107 |
107 |
677 |
1917 |
37 |
66 |
117 |
687 |
1918 |
46 |
76 |
211 |
841 |
1919 |
151 |
122 |
345 |
646 |
FONTE: Adaptado de SABADIN, 2000
Assim, Hollywood consolida-se como a maior indústria cinematográfica mundial. A partir daí, grandes nomes surgem como o de Charles Chaplin, Rodolfo Valentino e Mary Pickford, os atores tornaram-se estrelas, personalidades idealizadas e copiadas, e os seus salários multiplicavam-se em igual proporção ao enriquecimento da indústria.
Em 1927, o
cinema sonoro gerou encanto e assombro de forma até mais convulsiva do que a
primeira exibição do cinematógrafo de Lumière. A Warner, uma produtora modesta,
se comparada aos outros estúdios da época, como a Paramount e a Metro, com o
filme “O Cantor de Jazz” apresentou ao mundo um cinema reformulado, fazendo uma
grande revolução à atividade cinematográfica através da implementação do som
aos filmes a serem produzidos. Após alguns conflitos e
adaptações, o filme sonoro ou o cinema falado atraiu multidões aos cinemas
mesmo naqueles tempos de crise mundial e guerra: “A pequena Warner, que tinha
um cachorro como astro maior, cresceu 32.000% entre 1927 e 1929” (SABADIN,
2000, p.246).
Continuar sonhando, sabendo
que estou sonhando.
Nietzsche
Walter BENJAMIM (1994) deixou-nos heranças preciosas, como reflexões contidas em um célebre ensaio de 1936, acerca do poder que o cinema, sua técnica e linguagem exercem no imaginário do espectador e o impacto disso sobre a cultura. Segundo o autor, uma das funções sociais do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e o aparelho, ou a câmera cinematográfica:
“O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico (...) Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro sentido” (p. 174).
O cinema, assim, mostra-se como um instrumento especialmente poderoso de impacto sobre a sociedade.
Quando o cinema surgiu, a sociedade, que se queria cada vez mais “moderna”, demandava a ficção para um reconhecimento ilustrado de sua condição[10], e, a descrição cinematográfica da realidade, como BENJAMIM (1994) coloca, “é para o homem moderno infinitamente mais significativa que a pictórica” (p. 187), já que o cinema propicia a penetração, através da mediação de um aparelho, em uma “realidade” que é decodificada e assimilada por uma coletividade. A reação coletiva desse público garante ao cinema o poder de explorar e de intervir o desejo coletivo; seu poder na transmissão de informação foi revolucionário[11], pois divulgava para um grande público, numa época onde a representação da sociedade era feita através de meios de expressão de contemplação individual, modos de vida, objetos e produtos, relações sociais, a vida urbana, entre tantas outras “realidades”, através de sua liberdade em adentrar na intimidade, no âmago das relações sociais, de mazelas e de vitórias[12].
Em relação às formas de recepção das representações cinematográficas, BENJAMIM diz que o cinema demanda especialmente uma recepção de seu público através da distração pois, cada vez mais, para as massas, a obra de arte é objeto de diversão, ou, como se costuma ouvir hoje em dia, entretenimento. Dessa maneira, através de todos os artifícios propiciados pelo olhar cinematográfico mediado pelo aparelho, o cinema tem o poder de transformar a humanidade em espetáculo para si mesma: “sua auto-alienação atingiu o ponto que lhe permite viver sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem” (BENJAMIM, 1994, p. 196).
As reflexões de Walter Benjamim desse ensaio de 1936 são extremamente atuais, como se pode perceber na citação acima. Pode-se visualizar produções cinematográficas milionárias sobre os mais absurdos argumentos e roteiros, onde o espetáculo está em deixar o público perplexo diante, por exemplo, de seus inimigos, de sua mente perversa ou de seus desejos libertinos.
A experiência estética propiciada pelo cinema garante aos seus espectadores a vivência de outros mundos, de outras realidades, como possibilidades de existência. Com isso, o sentido de realidade se perde, ou, como BENJAMIM coloca, perde-se a aura[13]. DROGUETT reflete sobre essa perda, através de uma análise acerca dos meios de comunicação:
“ao se
multiplicar as imagens do mundo, perde-se o sentido da realidade, (...)
por uma espécie de perversão da lógica, o mundo dos objetos manipuláveis pela
ciência técnica, veio a ser o mundo das mercadorias, das imagens e do mundo
fantasmagórico dos meios de comunicação” (DROGUETT in BALOCH, 2000, p.
27).
Através desses diálogos, isto é, das considerações e reflexões dos teóricos expostos até aqui, construo a base de minhas análises sobre o cinema de Frank Capra da década de 1930. Considerando que o cinema não só transmite informações, mas é um meio de comunicação de massa por excelência, divulgando modos de vida, incutindo valores e desejos no cotidiano das pessoas, representando modelos de famílias, peculiaridades nas relações sociais e nas habitações, convencendo sociedades ou quebrando padrões de socialidade, que meu olhar focalizará os filmes analisados para essa monografia.
A década de
1930 caracteriza-se por um período de grandes transformações na mentalidade e
no modo de vida dos norte-americanos. Isso foi, de maneira especial,
representado nos filmes produzidos na ocasião pela indústria de Hollywood.
Muitas produções da época tratavam de amenizar o choque vivido pela sociedade
dos EUA com a quebra da bolsa de Nova York e pela crise econômica mundial do
entreguerras. O desemprego em massa atingia principalmente os trabalhadores das
grandes indústrias que se fortificaram durante os anos de 1920, período de
prosperidade sem precedentes na história econômica dos EUA[14]. É claro
que a década na América gerida por Roosevelt e o seu New Deal foi cheia
de novidades; o esforço na superação da crise não só vinha do âmbito político,
como contagiou as mentalidades norte-americanas, incentivando mudanças em nome
da auto-estima e estimulando a luta pela prosperidade, legitimada em nome do
patriotismo, assim como auto-sugestões típicas de livros de auto-ajuda que já
vinham, desde a década de 1920, tomando lugar nas discussões familiares e entre
colegas de trabalho[15].
Segundo HOBSBAWM, antes do colapso de 1929, os bancos norte-americanos estavam sobrecarregados de dívidas não saldadas da habitação. Durante a Grande Depressão, a construção civil nos EUA foi transformada em empreendimento público num intuito de retomada do crescimento da economia, para ativar o consumo e o setor privado (BERMAN, 1997). Isso modificou o modo de morar dos norte-americanos, o que pode ser observado no filme “Felicidade Não se Compra” de Frank Capra, de 1946.
Também foi
na década de 1930 que Robert Moses, “o maior criador de formas simbólicas de
Nova York” (BERMAN, 1997, p. 274) empreendeu enormes modificações na vida
urbana e dos habitantes da maior cidade do mundo. Seus projetos, com famosas
vias expressas e parques, interferiram e influenciaram nos rumos da modernização
urbana. A personalidade de Moses foi aclamada e rechaçada por teóricos e
críticos do século XX:
“Moses
(...) tinha a energia e o entusiasmo de um Haussmann. (...) ao contrário dos
teóricos da “cidade-jardim”, ele amava genuinamente Nova York – à sua maneira
cega – e jamais teve boas intenções” (BERMAN, 1997, p. 287, 291).
Interessante
perceber a contraposição constante que Capra faz em seus filmes, entre a cidade
e a vida tumultuada dos grandes centros (quase sempre Nova York) e a pacata
vida das cidades pequenas, onde seus habitantes trazem arraigados valores de
integridade e desapegados dos bens materiais.
Outra
modificação importante, também representada em filmes da década de 1930, foi a
quebra de padrões no que tange o papel da mulher na sociedade. Naquela década,
a mulher começaria a consolidar sua luta na conquista de um outro espaço, além
daquele imposto e vigente, isto é, o de
dona-de-casa típica, com seus afazeres domésticos e zelo familiar; entretanto,
como representada em filmes clássicos[16], ela
poderia agora ser uma mulher moderna, inserida no mercado de trabalho,
inteligente e culta, esperta e perspicaz, conhecedora dos modelos urbanos de
conduta, mas ainda assim, afetiva, intuitiva e em busca do amor eterno.
O colapso
econômico e o drama vividos pelos norte-americanos, acostumados à prosperidade
e à autoconfiança, abalaram as bases dessa sociedade. Pode-se perceber,
conforme descrevem alguns autores, que o escape para essas reverberações era
buscado veementemente nos meios de comunicação, que a partir de então, iriam se
tornar uma das mais lucrativas e hegemônicas indústrias dos EUA. HOBSBAWM
(2002, p. 106) expõe esse fato:
“Na
verdade, em um campo – a diversão e o que mais tarde veio a chamar-se de meios
de comunicação – os anos entreguerras viram uma reviravolta, pelo menos no
mundo anglo-saxônico, com o triunfo do rádio de massa e da indústria de cinema
de Hollywood”.
Com essa
crescente prosperidade, os estúdios de Hollywood não mediam esforços para
importar profissionais gabaritados do exterior[17]:
“Hollywood tomou tudo o que o mundo podia oferecer de melhor e muitas vezes
procurou adaptar o objeto de sua aquisição aos seus próprios interesses”
(LAWSON, 1967, p. 84). Na década de 1930, Hollywood se tornou a grande
indústria cinematográfica mundial e os palácios do cinema que exibiam suas
produções aviltavam-se com mesma identidade megalômana.
O período
entreguerras, onde o capitalismo se sentiu verdadeiramente ameaçado por quase
não dar conta de contradições inerentes ao seu sistema, também acolhe uma
preocupação norte-americana típica, e que se solidificou durante as décadas
seguintes: a ameaça do sistema soviético que, na década da grande Depressão,
vivia com prosperidade, industrialização crescente e sem o fantasma do desemprego[18].
Sem
pretensões de esmiuçar a década de 1930 nos EUA[19], o
panorama histórico exposto até aqui nos serve como pano de fundo para as
análises e interpretações sobre o cinema de Frank Capra e de reverberações nos
costumes e modos de vida da época em seus filmes.
A história da vida pessoal de Frank Capra é facilmente encontrada nas inúmeras biografias sobre o cineasta. O importante aqui é introduzir às análises dos filmes escolhidos, questões e conceitos das crônicas de Capra relacionadas aos modos de vida e às mentalidades norte-americanas de uma década específica. Com as discussões já apresentadas sobre a década de 1930 e o cinema Hollywoodiano, é preciso agora somar peculiaridades da personalidade de Frank Capra para aos subsídios necessários para as interpretações.
Frank Capra
(1897-1991) foi um imigrante italiano nos EUA. Foi para a América com sua
família aos seis anos de idade, em 1903. Segundo TOPLIN (2005), Capra, para
ajudar a família pobre, teve vários empregos, antes de se dedicar à carreira de
cineasta. Parece que a sua história na América influenciou os temas recorrentes
em seus filmes da década de 1930: o homem humilde e comum, que vence e
conquista a glória com seus esforços e ideais altivos, contornando e vencendo
obstáculos advindos das mazelas da vida moderna, da concorrência desleal, da
ganância e do preconceito. Dessa forma, seus filmes são mistos de drama e
comédia, onde predomina “a exaltação ao homem comum, cujo bom caráter prevalece
sobre a corrupção e as armadilhas do sistema” [20].
|
FIGURA - Cena de “Felicidade não se compra”, de 1946
FONTE: www.cineplayers.com
São
questões recorrentes nos argumentos de Capra na década de 1930, que farão parte
das análises [21]:
§
O papel no cotidiano ou a conduta dos gêneros – as
diferenças entre homens e mulheres, suas obrigações e atitudes determinadas
pela sociedade norte-americana;
§
O otimismo, a fé na democracia e a auto-confiança do
homem comum norte-americano que busca, por meios íntegros e éticos, a prosperidade
material e de espírito [22];
§
A contraposição entre o campo e a cidade, incutindo
valores nas personalidades das pessoas do campo ou da grande cidade, de modo
quase sempre caricatural;
§
O apego aos exemplos dos símbolos nacionais
norte-americanos, como Abraham Lincoln, característica que deu aos críticos
ofensivos de Capra elementos para ridicularizá-lo no uso freqüente daquilo que,
vulgarmente chamamos, clichês [23].
As análises e interpretações dos filmes apresentados a seguir dizem respeito a uma categoria específica: estilo de vida[24]. No conjunto dessa categoria, encontramos critérios de análises como hábitos e processos de socialização passíveis de se incorporarem nos modos de vida e nas mentalidades, de modo geral. Especificamente, trata-se de analisar:
1º - os gêneros masculino e feminino, em uma contraposição segundo suas condutas, hábitos, valores, costumes e regras sociais;
2º - o caráter do homem comum norte-americano, segundo ideais, sonhos e integridade disseminados e discutidos nos filmes;
3º - a relação sujeito e objeto, de acordo com as críticas e leituras do diretor acerca do homem inserido em dois meios distintos – o campo e a cidade;
Esses critérios, que fazem parte do conjunto definidor do estilo de vida do homem comum norte-americano, segundo o olhar de Capra e disseminado na sociedade dos EUA nos anos de 1930, direcionaram as interpretações e análises apresentadas adiante. Os filmes analisados são[25]:
“Aconteceu naquela noite” de 1934;
“O galante Mr. Deeds” , de 1936;
“Horizonte Perdido”, de 1937;
“A mulher faz o homem”, de 1939.
Vale lembrar que anexo a essa monografia há uma edição de cenas de filmes de Frank Capra. As cenas escolhidas ilustram as análises descritas adiante. Entretanto, não foi possível a inserção de cenas de dois filmes que fazem parte dessa análise: “Aconteceu naquela noite” e “A mulher faz o homem”. Isso pelo fato de não se ter à disposição nas locadoras pesquisadas, tais filmes em VHS, somente em DVD. Por isso, optei por adicionar ao anexo cenas complementares de outros dois filmes, que não estão descritos nas análises por serem da década de 1940: “Adorável vagabundo”, de 1941 e “Felicidade não se compra”, de 1946.
O primeiro filme de sucesso de Capra foi a comédia
romântica “Aconteceu naquela noite”, com os atores Clark Gable
e Claudette Colbert, estrelas consagradas já na década de 1930. No filme, Capra
apresenta um jovem jornalista[26],
preocupado em encontrar uma boa matéria para reconquistar seu ex-chefe que
acabara de demiti-lo. Gable representa um homem atrevido, astuto e prático. O
seu personagem trata de passar ao público a imagem de alguém desapegado de
romantismo, que não acredita no amor ideal. Colbert interpreta uma mulher rica
e mimada, prestes a se casar com um playboy fútil, fato que desagrada
seu pai; por rebeldia, ela resolve fugir de trem para afrontar o pai. É quando,
ao acaso, os dois personagens se encontram, vivenciando situações que mudam o
caráter dos personagens.
O
interessante, para essa análise, é a maneira como os personagens vão, na medida
em que se apaixonam, modificando suas mentalidades e seus valores. A mulher,
nesse filme, apesar de rebelde, é extremamente romântica e vulnerável. Ela se
apaixona por um homem rude a princípio, mas que, em certas situações mostra-se
carinhoso e dedicado. Esse mote é freqüente em comédias românticas da
atualidade; é uma fórmula que funciona com o grande público, pois trata do amor
ideal, dos conflitos de um casal, que passando por inusitadas situações, provam
que o amor redime os defeitos do ser humano. Essa mensagem é recorrente nos
filmes de Capra. Além disso, a mulher, no caso desse filme, tem suas funções
sociais bem definidas: suas roupas, seus gestos e ações intensificam o caráter
frágil, mas com a máscara da rebeldia como disfarce.
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FIGURA - Cenas de “Aconteceu naquela noite”, de 1934
FONTE: www.cineplayers.com
Segundo
TOPLIN (2005)[27],
esse filme teve grande impacto nos costumes norte-americanos. Um exemplo disso
é a influência que uma cena exerceu na indústria de roupas masculinas: o
personagem de Gable tira sua camisa na frente da protagonista, revelando não
usar uma peça íntima que, até aquela época era costume dos homens, uma camiseta
regata. Assim, os fabricantes de roupas masculinas da época tiveram uma
diminuição considerável em suas vendas.
Em “O galante Mr. Deeds”, Capra preocupa-se em trazer
uma mulher forte e emancipada para o seu público, assim como ressalta esse
caráter em “A mulher faz o homem”. A atriz Jean Arthur, que representou essas
mulheres nos dois filmes, tornou-se um ícone, um ideal de mulher
norte-americana na década de 1930. Revistas direcionadas ao público feminino
traziam reportagens sobre a vida pessoal da atriz. A figura ao lado ilustra uma
dessas revistas. A matéria trazia os seguintes dizeres de Arthur: "I'd
love to have babies," says Jean. "Not just one baby, but three or four. So, I'll simply have to take
time off, now and again, to have them."[28]
No filme “O Galante Mr. Deeds” encontramos uma cena que revela algo
importante em relação às modificações de costumes e mentalidades na vida
doméstica dos norte-americanos: duas mulheres emancipadas, dividindo gastos num
apartamento na cidade grande. Aí se patenteia uma nova forma de morar,
característica dos tempos modernos e da mulher batalhadora e vitoriosa no mundo
dos negócios, mostrados no filme.
Louise “Babe” Bannet[29],
personagem de Arthur, é uma jornalista bem sucedida, ganhadora de prêmios e
requisitada pela imprensa. É designada a escrever matérias sobre o jovem
rústico e provinciano que chegou à cidade grande para receber e administrar sua
herança de vinte milhões de dólares. Fingindo-se de “mulher comum”, ela se
aproxima do jovem e ingênuo Deeds (interpretado por Gary Cooper), e passa a
ridicularizá-lo em matérias jornalísticas, apelidando-o de “homem-cinderela”.
Contudo, ela se apaixona pelo caráter íntegro e honesto do jovem, que percebe
nas mínimas coisas, valores amortecidos pela vida na cidade grande. O filme
todo permeia os rituais da conquista, os jogos infantis de um casal que se
descobre, como na célebre cena em que Bannet bate com duas varetas uma lata de
lixo e Deeds a acompanha, imitando uma tuba[30].
FIGURA - Cena de “O Galante Mr. Deeds”, de 1936
FONTE: www.cineplayers.com
Em “A mulher faz o homem”, temos a representação de uma mulher também emancipada e atuante na cidade moderna e turbulenta de Nova York. Arthur dá luz à máxima “por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. Nesse filme, o astro hollywoodiano, consagrado nos filmes de Capra, James Stewart, também é o caricato homem comum da cidade pequena que vai para a metrópole, mas agora se dedica ao cargo de senador, vivenciando os meios corruptos e inescrupulosos da política. Arthur, em sua personagem, se encarrega de defender aquele homem das garras da corrupção e da ambição dos homens que querem anular o jovem idealista e sonhador, que acabara de chegar. Como é de se esperar, os dois se apaixonam e vivem o amor ideal.
O casal relembra os ideais norte-americanos representados por símbolos como Lincoln, como a busca da liberdade, da democracia e da vitória. Esses personagens representam também Frank Capra, que como imigrante conquistou prestígio em meio ao preconceito e intolerância. O homem comum do campo, com seus ideais altivos e integridade que se sobrepõem aos valores imorais dos corruptos, preconceituosos e ambiciosos da metrópole, representa o processo de vitória do próprio Capra na América. A mulher, tende a ser a coadjuvante nesse processo de superação do homem, com a sua dedicação, intuição e sensibilidade. Porém, o papel secundário dos personagens coadjuvantes (a eles delegados a função de potencializar as qualidades, tanto do protagonista quanto do antagonista) nesse caso assume o caráter modificador da narrativa pois é a mulher a responsável por lançar os personagens masculinos no enredo de conflitos que terão que perpassar a fim de atingir sua premissa dramática, ou seja, concluir o périplo do herói.
Em relação à esse critério, podemos observar nesses filmes distinções de relações familiares, novos núcleos sendo formados. Mas a família nuclear ainda tem seu espaço privilegiado, embora a questão urbana, a vida moderna a qualquer custo, apareçam, quase sempre, na figura da mulher emancipada. Na manchete da revista sobre a atriz Jean Arthur, citada anteriormente, percebemos que, apesar de ela interpretar quase sempre, a mulher independente, a revista trata de divulgar sua vontade de ser mãe, de constituir uma família segundo os modelos conservadores.
FIGURA - Cena de “A mulher faz o homem”, de 1939
FONTE: www.cineplayers.com
O impacto das mulheres retratadas por Capra
deve ter sido grande para a sociedade norte-americana da época. Em 1946, Capra
volta a retratar a mulher ideal aos modelos de família nuclear, mãe de vários
filhos, companheira, compreensiva e forte, na personagem Mary, de “Felicidade
não se compra”.
Os valores
disseminados nos filmes de Capra estão sempre repletos de citações patrióticas
e símbolos nacionais. O hino dos EUA e as figuras ilustres que constituíram os
ideais norte-americanos segundo uma nação forte e próspera, repetem-se em quase
todos os filmes de Frank Capra. Em especial, filmes da década de 1930, tratam
do tema “democracia” em uma busca pela auto-estima abalada com os tempos
de crise.
Em “Horizonte Perdido”, adaptação literária de um best seller de James Hilton, filme que tratou de disseminar o nome “Shangri-lá” pelo mundo trouxe questões como a busca pela felicidade na exacerbação de valores como o desapego e a perseverança. O filme começa trazendo os seguintes dizeres:
“Nesses
dias de guerra e rumores de guerra, você já não sonhou com um lugar onde
houvesse paz e segurança, onde a vida fosse um prazer eterno? Claro que sim.
Todo mundo já sonhou. Alguns chamam de Utopia, outros de Fonte da
Juventude, outros simplesmente de aquela casa no campo. Um homem que
tornou seu sonho realidade foi Conway, um homem do leste da Inglaterra,
soldado, diplomata e herói. Nossa história começa na cidade de Baskul, China,
onde Conway foi enviado para evacuar 90 brancos antes que fossem mortos numa
revolução local. 10 de março de 1935, Bascul”.
O herói do filme, que é levado à Shangri-lá pelos nativos, questiona com uma mulher, a aparente familiaridade que sente ao passear no lugar; ela diz: “talvez tenha sempre sido parte de Sahngri-lá (...) há um pouco de Sahgri-lá em cada um”. Na verdade, temos aqui uma menção de valores que, naqueles tempos de crise e de rumores de guerra, estavam perdidos. O homem americano se via em uma situação na qual o patriotismo e a esperança nos símbolos nacionais estavam abalados. Capra leva às telas um lugar ideal, onde tais valores estão incutidos e engrandecidos. A mensagem que pode ser tirada é a seguinte: não importa o quanto a crise afeta o seu meio... a América está dentro de você. E ele não é discreto ao abordar essas questões; as crianças, nativas de Shangri-lá, aprendem canções folclóricas norte-americanas, os costumes e o idioma inglês. Todos falam inglês, inclusive os exóticos nativos. Tudo em Shangri-lá é índice dos EUA. A enorme e suntuosa edificação é referência da arquitetura moderna norte-americana; os costumes domésticos retratam os rituais comuns ocidentais como os jantares e as regras de etiqueta; a decoração e o mobiliário representam uma casa burguesa da época.
FIGURA - Cena de “Horizonte Perdido”, de 1937
FONTE: www.cineplayers.com
Os discursos e diálogos desse filme tratam de intensificar a questão da
sobrevivência em tempos difíceis, mas com a esperança da prosperidade no
horizonte. O herói, Conway, explica o mundo “de fora” para a ingênua e inocente
moça, com a qual virá a ter um romance:
“As pessoas lutam para sobreviverem.”
“Por que?” – pergunta a moça – “Porque todos querem conquistar o seu
lugar, coisas assim”, responde Conway.
Há também nesse filme uma clara menção aos costumes “esquisitos” dos “outros”, ou seja, os nativos são os estrangeiros. O ideal de beleza, principalmente representado pelas mulheres desse filme, é o ocidental.
Em “A
mulher faz o homem”, de 1939, Capra traz à tona questões relacionadas à
política dos Estados Unidos. Como lembramos anteriormente, os anos de 1930
foram cruciais no desenvolvimento e consolidação da credibilidade
norte-americana como próspera e hegemônica nação mundial, principalmente pelo
sentimento que arrasou a Europa nos anos entreguerras; o panorama mundial
favorável à regimes fascistas e ditatoriais influenciavam o temor na população
norte-americana que defendia a democracia e a liberdade como jargões
publicitários.
No filme de 1939, o tema político é atrelado à questões relacionadas aos
valores de integridade e de moral. A política é então tratada como algo
arraigado à cultura daquele país, com suas especificidades exaltadas nas
virtudes do homem da cidade pequena que ainda mantém valores vitais à política,
à ação governamental. Isso é patenteado em um trecho do filme “O Galante Mr.
Deeds”, quando Deeds e Babe Bannet visitam o túmulo de Grant,e lêem os escritos
no busto daquele símbolo nacional:
“I see a small (Ohio) farmboy
becoming a great soldier, I see thousands of marching men. I see general Lee
with a broken heart surrendering. And I can see the beginnings of a new nation
like Abraham Lincoln said. And I can see that Ohio boy being inaugurated as
president. Things like that can only happen in a country like America” [31]
Capra trata de questões relacionadas ao homem modificado pelo meio em que vive. Sempre, em seus filmes, principalmente nos analisados aqui, toma o campo ou a pequena cidade como o meio mais libertador e afetivo, fazendo do homem criado segundo regras sociais das províncias, um ser íntegro, otimista e sem grandes ambições. Quando esse mesmo homem se depara com a metrópole, sente-se um estrangeiro, muitas vezes ridicularizado por seu otimismo e ingenuidade excessivos.
Os estilos de vida retratados por Capra nos dois meios – campo e metrópole – são contrapostos durante todo o desenrolar das histórias. O homem comum, da cidade pequena, acaba vencendo na metrópole graças aos seus valores e ideais altivos, altruístas. Nos filmes, a imagem da cidade pequena é representada em cenas domésticas, nos interiores das casas e nas ruas. Em “o Galante Mr. Deeds”, aparece, logo no começo da história, uma placa de boas vindas aos forasteiros, na pequena cidade de Mandrake Falls. Na placa está escrito: “Bem vindos à Mandrake Falls, onde o cenário envolve e onde os problemas não acontecem”.
Assim, Capra traz às telas dos cinemas e apresenta ao grande público os
arquétipos ou personagens típicos da cidade e do campo, que se compõem segundo
o meio em que vivem, agindo e interagindo com a cidade de modos diversos e
peculiares; Frank Capra utiliza a linguagem cinematográfica, com apelo popular
e sendo condizente com seu meio de expressão, para sublinhar as diferenças de
caráter de homens distintos, que produzem e reproduzem padrões de sobrevivência
e de relações sociais segundo a vivência em espaços também distintos. A
urbanidade da metrópole, sua dinâmica, seus ritmos, a circulação das
informações do poder e do dinheiro geram, segundo os filmes de Capra, um ser
defensivo, prepotente, ambicioso sem limites, representado de maneira tão
caricatural quanto o ser que veio do campo. Apenas a mulher da cidade grande
tem maiores chances de redenção pelo encantamento que a aproximação com os
valores do homem do interior propiciam
no decorrer das histórias, como já foi dito.
Dessa forma, os estilos de vida observados segundo relações entre os
gêneros, regras sociais, valores e ideais são representados nessa contraposição
constante entre o campo e a metrópole. Os modos de vida e as mentalidades
disseminadas nos filmes de Capra exacerbam os meios vividos como grandes
produtores de condutas e costumes. Numa época onde o modo de vida moderno das
metrópoles era, via de regra, o mais admirado e desejado pela sociedade
norte-americana, os filmes de Capra vinham rechaçando justamente esse modo de
vida. E por que?
Podemos vislumbrar uma resposta à essa questão, observando uma outra
contraposição interessante e também muito recorrente nos filmes analisados: o
poder da “palavra falada” e o da “palavra escrita”. Capra defende o homem do
campo, orador sábio pela experiência, porém inculto; por outro lado, critica o
cinismo dos repórteres e jornalistas, pessoas necessariamente urbanas, que
constroem “fatos” segundo interesses imediatistas, compondo reportagens
sarcásticas e manipuladoras.
Na verdade, não era o “espaço” campo ou o “espaço” metrópole que estavam
em discussão, e sim os modos da sociedade se apropriar desses espaços. Porque o
homem do campo pode vencer na cidade e continuar com seus mesmos valores,
graças à sua sabedoria popular; já o homem da metrópole, precisa exercitar uma
parte perdida de seu ser, graças à arrogância, à intolerância, à amargura de
não poder ter tempo para o ócio, para observar a paisagem e os lugares
destinados à memória da nação; esse homem precisa se redimir e aprender com o
homem comum, do campo, a rever seus valores, a reconquistar o que foi perdido.
As grandes mudanças nos padrões de comportamento e nas mentalidades de uma sociedade acontecem por desdobramentos, evoluções e ou revoluções que vão sendo incorporados, pouco a pouco, durante o espaço/tempo, no decorrer da história. De maneira geral, foi essa a afirmação sedimentada durante o desenvolvimento da disciplina e patenteada durante essa pesquisa.
Como ignorar o poder transformador da indústria cinematográfica de Hollywood, na sociedade norte-americana e mundial? O cinema, por si só mudou a história da civilização moderna, desde os seus primórdios. Essa modificação foi incorporada pelas sociedades de todo o mundo com rapidez impressionante. A turbulência da nova invenção fez do início do século XX, juntamente com o impacto de todas as invenções do período revolucionário da Segunda Revolução Industrial, transformou os padrões vigentes da sociedade mundial; nos Estados Unidos, assim como em todo mundo, em cada lugar a sua maneira específica, o cinema foi responsável por quebrar padrões de comportamento, por disseminar novos modos de vida, por modificar regras de socialidade na vida quotidiana, transformar modelos domésticos, ditando modas e estilos de vida, incrementando as indústrias de todos os ramos, criando novas demandas de consumo, mandando a mulher ao trabalho, quando da conjuntura de guerras e de maridos no front, mandando-a de volta para casa e para os filhos, quando do término das guerras.
Os filmes de Frank Capra da década de 1930 retratam uma sociedade que necessitava acreditar no valor do indivíduo, no homem bom e capaz de mudar toda uma sociedade a sua volta, apenas com o poder da esperança. Essas mensagens morais, os clichês famosos de Capra, retratam os norte-americanos preocupados com as crenças nacionalistas, com os símbolos da liberdade e com os rumos da modernidade como disseminador e inquisidor de novos padrões. Os EUA precisavam garantir sua hegemonia e dominação num mundo de crises econômicas, culturais e políticas e Capra tratou de disseminar os ideais norte-americanos como os essenciais para aquela realidade.
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FAUUSP, 1998.
FILMES DE FRANK CAPRA:
“A felicidade não se compra”, de
1946 (Continental Home Vídeo)
“Adorável Vagabundo”, de 1941
(Continental Home Vídeo)
“A mulher faz o Homem”, de 1939
(Continental Home Vídeo)
“Horizonte Perdido”, de 1937
(Continental Home Vídeo)
“O Galante Mr. Deeds”, de 1936
(Continental Home Vídeo)
“Aconteceu naquela noite”, de 1934
(Continental Home Vídeo)
FILME DE ORSON WELLES:
“Soberba”, de 1936 (Continental Home
Vídeo)
http://www.leninimports.com/frank_capra_p.html
http://www.lib.berkeley.edu/MRC/capra.html
http://www.albany.edu/jmmh/vol2no1/Capra1.html
http://www.moviediva.com
http://www.cineplayers.com
http://www.hollywoodvideo.com
* Arquiteta Urbanista, Mestre em Engenharia Urbana. E-mail:
nanaxara@hotmail.com
[1] Exemplos recorrentes em
minha investigação: o impacto das invenções em meados do século XIX na divisão
de cômodos e na criação de mobiliários para as habitações; as modificações do
papel da mulher na vida doméstica modificando de maneira decisiva a sociedade
no século XX; a diminuição sistemática do núcleo familiar em três séculos – do
XVI ao XIX; os meios de comunicação ditando regras para garantir a perpetuação
do ciclo do capital através do culto ao consumo; entre outros.
[2] Frank Capra dirigiu, na
década de 1930, 13 filmes.
[3] Nessa década, os EUA
tentavam se reerguer da Crise de 1929 e as comédias sociais de Capra
funcionavam como mensagens positivas para a luta pela prosperidade, ou então,
para escape da realidade acometida pelo “crash” da Bolsa de Nova York.
[4] “De um lado, a febre de
inovações técnicas entusiasmava populações inteiras. (...) por outro lado, a
massa populacional crescia em proporções nunca vistas, e muitos ganhavam
quantidades de dinheiro também em medidas jamais conhecidas antes. Todos esses
fatores (...) desembocaram finalmente no cinema, misto de arte, tecnologia e
lazer que atingiu em cheio os corações de um numeroso mercado proletariado que
nascia naquele final de século” SABADIN, 2000, p. 24.
[5] “Daí a indignação geral que
a personagem vivida por Elizabeth McGovern causa ao visitar o bairro de
judeus-russos, no filme Na Época do Ragtime. Por outro lado, no mesmo
filme, Sarah, a empregada da família, mora no sótão da casa dos seus patrões,
convivendo normalmente com eles (desde que suas visitas entrem pela porta dos
fundos, é claro!). Por que? Sarah, apesar de negra, é americana nativa, e não
imigrante, e por isso a ela é dispensado um tratamento diferenciado”. SABADIN,
2000, p. 79.
[6] “Como assistir a um programa
custava um níquel (cinco centavos), tais armazéns foram batizados de nicolets,
nickeldromes, nickel theaters ou nickelodeons, dependendo
da cidade onde fossem instalados. Por motivos óbvios, eram também chamados de poeiras”
(SABADIN, 2000, p. 80).
[7] É especialmente esclarecedor o filme “Soberba” de Orson Welles, de 1936, que conta a história de uma família da aristocracia norte-americana. O filme representa os anos de 1880 e traz discussões não só acerca de costumes da época, mas dos impactos decorrentes de invenções como o automóvel, como tais invenções eram rejeitadas pelos conservadores, e de como modificavam os modos de vida doméstica; também é interessante perceber as relações entre patrões e empregados, a figura da mulher na sociedade e a moda ditada por Paris nas indumentárias, nos costumes e na tipologia das casas, nos ambientes internos e externos.
[8] O inventor da lâmpada elétrica,
Thomas Alva Edison que enriqueceu com essa e outras invenções, construiu o
Cinetoscópio: uma caixa com manivela acoplada a um fonógrafo que exibia filmes
de aproximadamente 15 metros. Em 22 de maio de 1891 aconteceu a primeira
exibição pública do invento no National Federation of Women´s Club, evento
registrado no New York Sun: “O surpreso e satisfeito clube de mulheres viu uma
pequena caixa de pinho postada no chão. (...)Ao se olhar pela abertura, via-se
a figura de um homem, uma maravilhosa fotografia. Ele fazia reverências,
sorria, acenava com as mãos e tirava seu chapéu com graça e naturalidade
perfeitas. Todos os movimentos eram perfeitos” in SABADIN, 2000, p.36.
[9] “Um dos incidentes mais pitorescos foi o rapto de Mary Pickford, levado a cabo por Laemmle. Para evitar interferências com o filme independente que a estrela estava realizando sob a direção de Thomas Ince, Laemmle levou-a para Cuba. A mãe da atriz foi enviada atrás deles num navio especialmente fretado pela Patents Company, na esperança de que a estrela se deixasse convencer e voltasse a trabalhar para o truste. Por Cuba estar fora da jurisdição norte-americana, a produção independente pôde continuar” (LAWSON, 1967, P. 39).
[11] (o cinema) “explora
secretamente, no interesse de uma minoria de proprietários, a inquebrantável
aspiração por novas condições sociais” BENJAMIM, 1994, p. 185.
[12] Segundo XAVIER (1997, p.
370), “aceito e valorizo o olhar mediador do cinema porque as imagens que ele
me oferece têm algo de prodigioso, (...) advindo de sua liberdade ao invadir a
intimidade (uma liberdade da qual eu usufruo sem riscos), de sua precisão e
destreza nos maiores desafios”
[13] “Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução” BENJAMIM, 1994, p. 170.
[14] “os EUA tinham estado muito
distantes do conflito (...). Assim, longe de perturbar sua economia, a Primeira
Guerra Mundial, como a Segunda, beneficiou-os espetacularmente. Em 1913, os EUA
já se haviam tornado a maior economia do mundo (...). Em 1929, respondiam por
mais de 42% da produção mundial total (...). Em suma, após o fim da Primeira
Guerra Mundial, os EUA eram em muitos aspectos uma economia tão
internacionalmente dominante quanto voltou a tornar-se após a Segunda Guerra
Mundial. Foi a Grande Depressão que interrompeu temporariamente essa ascensão”.
HOBSBAWM, 2002, p.101.
[15] Em nota, HOBSBAWM (2002, p. 104) lembra: “(...) a década de 1920 foi a do psicólogo Émile Coúe (1857-1926), que popularizou a auto-sugestão otimista através do slogan constantemente repetido: Todo dia, em todos os aspectos, estou ficando cada vez melhor”.
[16] Como exemplos “A Mulher faz
o Homem”, de 1939, “O Galante Mr. Deeds”, de 1936 e “Aconteceu naquela noite”,
de 1934, todos de Frank Capra e analisados mais adiante.
[17] “O fluxo de diretores da
Europa Central, como Lang, Lubitsch e Wilder, para o outro lado do Atlântico –
e praticamente todos eles eram vistos como intelectuais em suas terras nativas
– iria ter impacto considerável sobre a própria Hollywood (...)” HOBSBAWM, 2002, p. 183.
[18] A ameaça soviética pode ser
encontrada representada em inúmeros filmes Hollywoodianos, bem como em comédias
e séries de TV da segunda metade do século XX. Como não lembrar de “Jeannie é um
Gênio” e os caricatos personagens que representavam astronautas russos?
[19] Numa década, a cada ano,
fatos importantes acontecem. Poderíamos lembrar de inúmeras especificidades da
década de 1930, também representadas em filmes de Hollywood, mas não cabem nos
limites dessa monografia.
[20]
Citação extraída de http://www.moviecom.com.br/personalidades/detalhe.asp?id=25500,
em dezembro de 2005.
[21] Considerando as minhas
impressões sobre os filmes analisados e sobre os artigos pesquisados sobre o
cineasta. Os artigos podem ser encontrados no sítio http://www.albany.edu/jmmh
[22] Como fábulas populistas,
seus filmes intensificavam a confiança dos norte-americanos na democracia, o
que funcionava particularmente para aquela sociedade dos anos 30 e 40, abalada
pela Grande Depressão.
[23] Segundo TOPLIN (2005), os
defensores de Capra costumavam retrucar, dizendo que tais clichês tratavam de
exacerbar o caráter e o patriotismo dos
norte-americanos, valores captados pela veia sensível do cineasta.
[24] Utilizei como embasamento
teórico discussões sobre as reflexões de Simmel, em WAIZBORT, 2000.
[25] Títulos originais, respectivamente: “It happened one night”; Mr. Deeds
goes to town”; “Lost Horizon”; “Mr. Smith goes to Washington”.
[26] Capra trata, em quase todos os filmes dessa análise, a imprensa como meio transformador de relações sociais quotidianas.
[27] Disponível
em http://www.albany.edu/jmmh/vol2no1/Capra1.html.
[28] Disponível em
http://www.moviedivas.com.
[29] Segundo LEVINE, 2005
(albany.edu/jmmh/vol2no1/Capra1.html) o apelido “babe” significa a perda de
valores graças à vida vivida, desde sua infância, na cidade grande. Não só Babe
Bannet, mas vários personagens dos filmes de Capra têm nomes com esse tipo de
sugestão.
[30] Deeds era tocador de tuba na
pequena cidade de “Mandrake Falls”.
[31] LEVINE,
2005, disponível em http://www.albany.edu/jmmh/vol2no1/Capra1.html2005.