o design do pensamento
trechos da entrevista da Profa. MSc. ROTI NIELBA TURIN
ao Nomads.usp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  ouverture - nomads.usp
nomads:
 
Qual a sua visão, em relação a suas concepções de realidade, sobre a questão da virtualidade em relação a concretude?
roti:
 

A partir de uma linha de pensamento dos processos de semiosis, o que entendo como concretude e como realidade, só se manifesta na linguagem. As linguagens são o suporte de todos os significados que existem e que forjam toda a comunicação e informação do mundo que conhecemos. A grande manifestação da concretude só acontece nas linguagens, que são as mediadoras do nosso pensamento e sua relação com o mundo. Tudo o que absorvemos do mundo e para ele devolvemos só pode se concretizar apoiando-se nessas linguagens, que se manifestam através de códigos - ou sistemas, na sua grande maioria artificiais -, para que se tenha uma maior interatividade homem x máquina, homem x e natureza, assim como todas as variáveis que envolvem este processo.
Em primeiro lugar tem-se que perceber que a nossa inserção no mundo se dar a partir do conhecimento desses sistemas e códigos, mediados por linguagens. Ao rastrear a semiosis veremos que se trabalhamos com o pensamento, que é uma substituição, e que mundo e as coisas se manifestam de uma forma facetada, multivalente e plurívoca, o objeto nunca é o mesmo, o fenômeno nunca se manifesta de forma idêntica. Portanto, a representação deste real, deste fenômeno pode ter uma série de significados.
Quando a linguagem se amplia, gera novas articulações e novas possibilidades de mediação, de diálogo com o mundo. Nisso já está embutida uma intraface, porque é o objeto falando de si para si, propondo novas qualidades, e que por ser múltiplo ele vai oferecer esta multi-possibilidade. O objeto, tendo muitas possibilidades de significação, pode manter interfaces muito inusitadas, inesperadas. Isso não é sinal de uma invenção, mais sim de uma leitura mais apurada do objeto, enxergando suas potencialidades.
Quanto mais me aproximo do fenômeno para que ele possa produzir representação, para que possa se concretizar, ser afável, em termos de linguagem, é preciso concretizá-lo em linguagem. Uma idéia não é nada sem a sua representação, sem a mediação de códigos, não tendo como se manifestar sem sua concretização. A realidade é uma mediadora, e a consciência é o topos onde se processa essa tradução, para possibilitar a mediação. E os códigos do mundo são o suporte da concretude. Hoje o suporte é as novas mídias, a televisão, o computador, que em outros tempos era o papiro e, mais anteriormente, era a pedra, sendo tudo muito equivalente. Muda-se o suporte, mas o núcleo da célula da significação é semelhante, e o processo da comunicação na sua mediação de linguagem se equivale.

nomads:
 
Imaginando suportes que possam vir a ser tridimensionais, como a holografia, realidades ampliadas, isso mudaria?
roti:
 
Mudaria muito, porque existiria uma extensão completa dos cinco sentidos. Freqüentemente, nos esquecemos que a nossa inserção no mundo é uma inserção sinestésica, com os estímulos que vêm para a nossa epiderme através dos cinco sentidos, sendo elaborados no cérebro. Destes sentidos é que nascem todas as linguagens. Mesmo a indução telepática é uma linguagem de sensibilidade sinestésica. A televisão, sendo háptica pelo seu próprio conteúdo tecnológico, envolve totalmente seu espectador. Como ela ainda trabalha na concretude de linguagem extremamente baseada no conteúdo e não elabora a sua estrutura de linguagem, não faz metassignagem, não tem uma reflexão do código sobre o próprio código que, esta é envolvência nos torna extremamente passivos. Não interagimos com ela. A proposta da informatização, da informatização automatizada via computador, já tem uma proposta de envolver mais o usuário no processo, tornando-o menos passivo. Só que o modo que está sendo organizado ainda é um baseado em normas e regras antigas, isso em termos de grande massa, já que pontualmente já existem pessoas que estão entendendo a linguagem do computador. Mesmo porque o computador pode ser usado para coisas mais objetivas, produzindo informações necessárias e extremamente funcionais, como também pode ser usado para gerar novas formas de elaboração de pensamento. Que é o que aconteceu com todos os meios de comunicação.
Já a tridimensionalização não estar muito distante de nós. Quando eu trabalhava em Mogi das Cruzes, com Paulo Martins, já pensávamos em trabalhos arquitetônicos holográficos. O trabalho de graduação em arquitetura do Paulo consistia em uma cortina holográfica que vinha da Escola Normal São Caetano até o Teatro Municipal de São Paulo, gerando um outro entorno para a cidade. Mas fomos extremamente banidos pela escola.
Mas não vejo isso como uma coisa improvável, pelo contrário, é altamente provável: já existe o cinema holográfico, já existe a televisão holográfica. Mas a tecnologia ainda não está tão desenvolvida para produzir isso em larga escala. Lembremos Mayume quando foi ao Japão e entrou num jardim de cerejeiras holográfico.
Agora isso muda. E muda porquê? É o novo suporte de linguagem, é o suporte que trabalha no mundo da aparência. Só que o mundo da aparência se viabiliza, ele é e não é, o tempo inteiro, ele é sempre o 'vir a ser'. E isso, enquanto estímulo sensorial, vai produzir um novo ser humano, que não é um Blade Runner, um homem-máquina. E eu creio que, muito possivelmente, estejamos vivendo um tipo de ritual de passagem para um novo Renascimento. Nós vamos renascer, resgatando os nossos sentidos de uma maneira espetacular, como quando éramos das cavernas. Mas agora num estágio avançado, detentores de um conhecimento lapidado e elaborado.
Se começarmos a ler os índices, percebemos que estamos, na verdade, em busca deste resgate. Novos modos de habitar, novos designs, a preocupação com o ecossistema, a medicina alternativa... De uma forma grotesca, bastante conteudista, estamos ainda buscando o nosso novo reconhecimento. Infelizmente, o que se fala do mundo virtual parece criar uma distância, porque ainda é muito simulacro, é signo de signo de signo de signo... Mas, pensando no mundo da vitalidade, existe um paradoxo: você trabalha o mundo da virtualidade, esse mundo que é que e não é, este que está colocado aqui, não o holográfico, o que virá, onde estamos pensando em um modo de aplicar, um modo de viver, onde nós somos o centro das organizações de novos pensamentos. E tem alguma coisa de virtual nisso? Não tem. O que existe é a possibilidade de potencializar o significados e criá-los adequadamente às suas necessidades, àquelas cuja sensibilidade está à flor da pele.
E só parar e observar. Ora, as novas mídias, o mundo das vitalidades, o mundo Pierre Lévy... Mas o que estamos realmente querendo? É ser feliz, ser completo, não a felicidade romântica, mas o 'ser feliz' da complementaridade, é ser íntegro, inteiro, é saber sentir, saber fazer sua própria radiografia, saber ler os seus processos mentais. Quando você está lendo seus processos mentais, você está lendo seus processos sensíveis, porque as linguagens nascem das leituras sensíveis.
nomads:
  Sobre a tendência de equipar o indivíduo com telefones celulares, notebooks, onde ele faz parte de uma rede, mas ainda como indivíduo, que circula no território da cidade levando com ele uma série de possibilidades de comunicação à distância... o que você pensa sobre isso? E ainda, como ficaria deste espaço público da cidade em relação ao espaço privado, a partir desses novos aparatos?
roti:
 
Não tem mais espaço público e não tem mais espaço privado. Quando você está dentro de seu automóvel, você acha que está isolado do mundo externo, mas você está com seu telefone celular, janelas se comunicam com o mundo. Existe o paradoxo, o conflito e o contraste ao mesmo tempo, tendo que saber trabalhar isso. Eu não acredito mais no espaço privado, nós não temos mais espaço privado. O celular é o que, a princípio, deixa-nos menos em que espaço privado, ou seja, em qualquer lugar do mundo que você esteja, você tem uma patrulha ideológica ao seu lado. Claro que ele também é utilizado para coisas importantíssimas, como nos aeroportos onde você vê pessoas tomando decisões pelo celular. Mas na maioria das vezes em uma comunicação de futilidades. Só que existe uma relação entre esses espaços, que não são mais nem público nem privado, que acaba nos conduzindo à noção de espaço que temos. E a arquitetura vai ter que repensar isso. Por exemplo, Hawkins, em 'A casca de noz', conclui que este espaço é o espaço quântico, é o 'vir a ser'. E aí que eu defendo a construção do pensamento. A escola não pode mais ser compensatória como está sendo até hoje. Isso significa você encher a cabeça dos alunos de conteúdo, de histórias. E isso ele não precisa mais, ele tem redes de integradas, e o que ele precisa é de um saber emancipatório, que surge no momento em que ele é um sujeito da sua ação, do seu pensamento, onde e ele sabe ser seletivo e decidiu. Neste momento ele sabe observar as variáveis do mesmo processo, ele estará preparado para usar os significados. E isso é a perda do espaço contínuo e o resgate do espaço descontínuo. Mas é descontínuo continuizado pela sua mente. No momento em que você sujeito da sua ação, você tem o conhecimento e o saber legitimados, e aí não existe mais certo nem errado, não existe mais público ou privado. O que existe é uma articulação, aparentemente invisível, mas vai se manifestar nas linguagens do cotidiano.