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RIKEN YAMAMOTO Arquiteto
Entrevista a Marcelo Tramontano . Yokohama, 7 de julho de 1994

MT As cidades japonesas, tanto quanto as de alguns outros países, estão entrando na Era Pós-Industrial, em que novos conceitos como diversidade, fragmentação, virtualidade, preocupações ecológicas, etc, encontram-se em emergência. Em sua opinião, como podem estes conceitos influenciar a criação arquitetônica, e sobre quais principais conceitos você baseia o seu trabalho?

RY Esta pergunta é, ao mesmo tempo, interessante e difícil de responder. Eu procuro fazer minha arquitetura de acordo com o meu caráter e minha lógica pessoal. Sou, por outro lado, uma pessoa vivendo no Japão do século 20, recebendo, talvez, influências tanto do espírito do século quanto da cultura japonesa. Quando digo Japão, refiro-me ao Japão modernizado, similar ao Brasil modernizado, à Europa ou Estados Unidos. Talvez tenhamos todos problemas parecidos, os mesmos problemas globais. E eu gostaria de estar propondo soluções para problemas globais, não apenas para problemas especificamente japoneses. Esta talvez seja a razão pela qual você se interessa pelo meu trabalho. Bem, espero que seja! (risos)

MT Você diz que seu trabalho visa apresentar soluções para problemas globais e faz uma arquitetura que poderia também ser chamada de internacional ou global. Não é exatamente arquitetura japonesa, nem exatamente ocidental. Seria possível falar de seu trabalho fazendo uma diferença entre seus elementos japoneses e ocidentais? Em outras palavras, em sua arquitetura, o que poderia ser referenciado à cultura japonesa?

RY Eu reconheço meu trabalho como global, mas visto do seu ponto de vista, quero dizer, do ponto de vista do estrangeiro, meu trabalho é, talvez, muito especificamente o de um arquiteto japonês. Talvez a minha visão se justifique pelo fato de eu estar no Japão, e no século 20, talvez tão fortemente amarrado a esta sociedade que não sou capaz de ter uma visão mais ampla. Visto de fora, meu trabalho pode parecer muito japones sem que eu perceba. Do meu ponto de vista, eu faço um trabalho global e internacional.

MT Com toda certeza, sim! Mas eu noto, por exemplo, que sua recente "Casa em Okayama" repousa sobre pisos elevados que me lembram muito tipologias tradicionais japonesas.

RY E como lhe pareceria o mesmo piso elevado sobre uma base maciça?

MT Bem, neste caso eu não pensaria na tradição japonesa, mesmo se a organização geral da casa, com seus diferentes pequenos edifícios em torno de um pátio central, lembra-me, sem dúvida, o princípio de organização de uma minka [1]

RY Eu acho que o piso elevado sobre uma base compacta é mais europeu, italiano. O piso elevado de madeira é, certamente, mais japones. A diferença é, talvez, o material: um é feito de pedra, o outro, de madeira. Mas, apesar das plantas e das formas serem semelhantes, qualquer pessoa pode reconhecer com facilidade "isto é japones" e "isto é italiano".

MT Antes de vir ao Japão, eu havia visto fotos do seu conjunto de habitações Hotakubo, em Kumamoto, feitas antes e depois da ocupação. Nas primeiras, os apartamentos estavam vazios e podiam-se ver claramente as superfícies de concreto e de vidro. Nas fotos feitas depois da ocupação, há várias cortinas de bambu penduradas fora das janelas. Agora que estou morando no Japão, tenho outra visão daquelas fotos porque muitas janelas nas cidades japonesas estão cobertas exteriormente por cortinas de bambu. O que você pensa desta apropriação do edifício que você projetou?

RY Eu falei com os usuários de Hotakubo sobre proteção contra insolação direta, e sugeri que usassem cortinas de bambu porque têm um ótimo comportamento. Foi assim que eles escolheram este material tradicional japones. Se voce concordar, vou lhe mostrar uma foto do Conjunto de Habitações Hotakubo. Esta não é uma tipologia muito usual no Japão. Talvez ela também seja diferente das habitações européias e brasileiras usuais. O que você acha deste projeto? Ele o remete ao modo de vida japones ou ao ocidental?

Hotakubo Housing Complex, Kumamoto

MT Eu não faria muitas relações entre este projeto e a arquitetura tradicional japonesa, mesmo percebendo nele alguns elementos desta arquitetura. Por exemplo, este espaço comum, tão transparente, me lembra certos espaços das casas tradicionais japonesas que tem o mesmo tipo de transparência quando os shôji [2] são retirados.

RY Eu vou lhe explicar esse sistema. Trata-se de um grande pátio interno e, em torno dele, unidades de habitação, mais ou menos como na casa em Okayama. Em Okayama você tem cômodos individuais em torno de um espaço da família, portanto o sistema é similar. Tanto nas habitações coletivas como nas casas particulares, temos um problema. Não apenas no Japão, mas em todos os países modernizados temos o mesmo sistema familiar: pai, mãe e filhos formam uma unidade, uma família nuclear. Suponho que vocês tenham o mesmo sistema no Brasil e na Europa.

MT Sim, temos, mas tanto no Brasil como na Europa, e até mesmo no Japão, este sistema está começando a alterar-se, à medida em que novos formatos de grupos domésticos vão surgindo.

RY Sim, é verdade. Neste sistema, a família é a menor unidade social e é auto-suficiente. Há espaço para se fazer de tudo dentro desta família, incluindo a manutenção do grupo, cuidar das crianças e dos idosos. Esta é a unidade social, mas quando quatro ou cinco destes grupos são colocados juntos é muito difícil criar relações entre eles porque este grupo maior, formado por diversas famílias, não constitui uma unidade social. Eles estão juntos apenas por acaso. A questão é: como estabelecer tais relações? Eu acho que é quase impossível. Eles não tem razões para viver juntos, mas os membros de uma mesma família tem uma razão forte para fazê-lo. Muitos projetos de habitação não propõem razões para que as pessoas vivam aí, juntas: eles apenas reúnem pessoas. Quando fizemos Hotakubo, apesar de o grupo familiar não estar funcionando perfeitamente, nós tivemos que considerar perfeita esta unidade. Assim, o projeto apenas pôde ser concebido imaginando que a família que vai viver nessas casa é uma família ideal. Mesmo sabendo que este modelo está chegando ao fim - os pais tem de trabalhar fora de casa e não podem tomar conta nem dos filhos, nem de seus próprios pais - temos que considerar que este modelo permanece vivo para efeito de projeto.

Hotakubo Housing Complex, Kumamoto

MT Estamos agora vivendo a desintegração deste modelo. Há cada vez mais mulheres trabalhando fora de casa, e os membros do grupo doméstico gozam de crescente autonomia. No entanto, este é apenas um curto instante na história da família. Em tempos remotos, tanto a parentela européia como a japonesa vivia em grupo, sob o mesmo teto, antes de reduzir-se a uma família extensa de tres gerações. O padrão da família nuclear disseminou-se pela Europa em torno da virada do século, enquanto que no Japão isto só foi ocorrer depois da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, uma tendência está se afirmando, tanto no Japão quanto na maioria dos países industrializados: os casais DINKs - double income no kids -, sem filhos. Eles não são nada mais do que passos em direção a uma sociedade de indivíduos vivendo sozinhos. Pude visitar alguns conjuntos de habitação social no Japão e notei que, em geral, o projeto arquitetônico baseia-se nas necessidades da família nuclear, mesmo que saibamos todos que existe uma forte tendência a uma sociedade de pessoas sós. Eu gostaria de saber o que você pensa sobre novos espaços capazes de abrigar esta nova sociedade. O que você proporia, como princípio?

RY É verdade que esta tendência está se consolidando, e temos de procurar soluções para o futuro. No Japão, existem edifícios de habitação para pessoas sós, chamados de one-room mansions [3], nos quais pessoas sozinhas podem viver em um espaço bem pequeno. Eu não concordo com este sistema porque crianças não podem compartilhar este cômodo único, nem deficientes físicos, nem pessoas idosas, já que eles precisam receber cuidados de outras pessoas. Nós temos de encontrar uma solução para crianças e pessoas idosas ou com limitações físicas. Eu creio que nós podemos conceber um sistema de habitação para eles, e não apenas para pessoas saudáveis e independentes. One-room mansions só abrigam pessoas saudáveis e independentes, e eu gostaria de projetar para crianças, idosos e deficientes físicos.

Assim, proponho um sistema que eu chamo de Threshold [4], o qual é uma solução possível para problemas de habitação no futuro. O usuário da casa em Okayama é uma família de tres pessoas, e cada uma delas tem muitas relações sociais fora de casa. A própria família constitui uma das várias relações sociais de cada membro, o que reforça a preservação do grupo. Neste espaço doméstico também poderia viver uma família nuclear, já que cada um pode escolher seu lugar de acordo com o grau de privacidade desejado. Proponho, assim, estes espaços individuais ao redor de um espaço coletivo maior, extamente como em Hotakubo, que obedece os mesmos princípios: diversas entradas individuais para os espaços individuais que comunicam com um espaço comum maior. Contrariamente, o sistema mais usual no Japão de hoje é o da família nuclear convencional, que possui uma entrada direta para o espaço comum, a partir do qual chega-se aos espaços privativos.

[Hotakubo : planta de uma unidade]

MT Pensando no futuro, ainda que já se trate do presente, quais espaços você proporia para uso comum em uma habitação coletiva?

RY Antes projetar Hotakubo, expliquei aos agentes do governo que eu gostaria de acrescentar, no piso térreo, diversos equipamentos sociais urbanos, como uma biblioteca, por exemplo, uma creche, um espaço de lazer para idosos, uma loja de conveniência, uma locadora de vídeo... Hoje há apartamentos no piso térreo, mas é muito fácil transformar sua função. A creche, por exemplo, poderia, inclusive, ser utilizada pela população vizinha ao conjunto, assim como a biblioteca. Tais equipamentos poderiam promover uma relação com a vizinhança externa. Acho muito necessário acrescentar estes equipamentos aos projetos de habitação, mas, obviamente, este é um objetivo difícil de atingir.

MT Falando um pouco mais sobre o interior dos espaços domésticos de hoje, como você imagina a possível evolução de suas partes? Apenas para dar um exemplo, o momento do banho em algumas metrópoles ocidentais torna-se, gradualmente, um momento de relaxamento, o que já é um antigo hábito japones. Para cozinhar, dispomos de um crescente número de equipamentos eletrônicos, e assim por diante. Qual é a sua visão da evolução do espaço de banho, do espaço de cozinhar, do espaço de ficar só, ou do de encontrar os outros, ...?

RY Na casa de Okayama, eu tentei expresar minhas idéias sobre este ponto. A cozinha é apenas um estreito espaço de preparação de alimentos, e ocupa, tanto quanto o espaço de banhos, um edifício separado. As refeições serão tomadas na varanda ao lado da cozinha, o que poderia ser uma idéia interessante também para o Brasil.

MT Sim, esta é uma solução muito comum, sobretudo nas regiões mais quentes do meu país, mas, no Japão, os invernos são muito mais frios do que no Brasil. Então eu me pergunto sobre como seus clientes usariam este espaço durante a estação fria.

RY Esta casa está localizada no departamento de Okayama, onde o clima é basicamente cálido e quase sem estação chuvosa. Assim, eles podem usar com facilidade este lugar, de março até novembro.

MT E de novembro até março...?

RY Eles podem usar o interior da cozinha. Esta casa não tem living room, apenas grandes e privativos cômodos individuais, além de um lugar para cozinhar e o espaço de banhos. Parece-me que não é necessário criar um espaço específico para que as pessoas se encontrem, já que os membros de um grupo doméstico vão, de qualquer forma, encontrar-se por acaso. Eu sou freqüentemente criticado no Japão por causa dessa idéia, porque a casa japonesa tem, invariavelmente, um cômodo central para os encontros dos membros da família.

MT Isto significa que você previu, ao fazer o projeto, que as pessoas poderiam encontrar-se em qualquer parte da casa, incluindo cozinha e banheiro?

RY Sim, todas as dimensões foram definidas levando esta premissa em conta. Esta casa é excelente para fazer festas! (risos) Eu fiz outra casa em Tóquio segundo o mesmo princípio mas organizada de maneira um pouco diferente. O grupo doméstico é composto de duas irmãs, o pai delas, e a família de uma das irmãs. Lá, você tem um hall de entrada e, bem ao lado, dois quartos para os filhos e um para o avô. A cozinha localiza-se na parte central da casa, adjacente a um pátio interno. Um segundo pátio situa-se no fundo do terreno com um lugar para a irmã solteira. Isto significa que o desenho da casa controla o relacionamento entre todos os membros dessa grande família que vivem juntos.

Ryokuentoshi, Yokohama

MT Você disse certa vez que o programa de necessidades não existe antes do projeto, mas, ao contrário, é definido pelo design arquitetônico ao mesmo tempo que o trabalho projetual. Você gostaria de falar um pouco mais sobre isto?

RY Bem, esta casa é um exemplo disso. Podemos alterar as relações entre os membros de um grupo doméstico através do desenho de seu espaço de morar, ou, pelo menos, podemos controlá-las. Isso é verdadeiro para o projeto de habitações, mas também para o de outros espaços coletivos, com muitas funções, como bibliotecas e museus. Tomemos o caso dos museus de arte. Muitas performances e expressões artísticas podem ser vistas na cidade, e não necessariamente em um museu de arte. No entanto, muitos museus decidiram exibir apenas pinturas em seus fechados edifícios-caixa, e, assim, decidem que apenas pinturas são obras de arte. Os museus decidiram este programa mas, como eu não concordo com ele, posso ter uma interpretação minha sobre o que é arte e, então, propor outros espaços. Outro exemplo são os edifícios escolares. O sistema educacional é, com freqüência, rígido demais tanto para os alunos como para os professores. Um sistema educacional pressupõe, diretamente, um sistema espacial. Se escolhermos modificar o sistema convencional de classes de quarenta alunos, temos também que mudar a composição espacial. Essa relação entre composição espacial e sistema educacional, essa combinação entre essas duas partes, eu chamo de programa.

MT Como professor universitário, que tipo de relação você faz entre sua atividade projetual e seu trabalho acadêmico com os alunos? Como você discute os conceitos dos quais estamos falando com os seus alunos?

RY Sempre digo aos meus alunos: não existem condições pré-determinadas, não existe programa pré-concebido. Nós é que devemos criar tanto as condições quanto o programa. Criar o programa ou criar condições é fazer Arquitetura. Por exemplo, proponho aos alunos fazer um projeto de habitação. A maioria deles elabora um programa referindo-se a um grupo doméstico composto por mãe, pai, e um, dois ou tres filhos. Eu recuso esse programa porque, nesse momento, ele não é muito usual. Acho que devemos considerar a família contemporânea. Para fazer Arquitetura, esta capacidade crítica é o mais importante, e não a habilidade de desenhar uma forma. Desenhar formas não é tão difícil.

Hiroshima Fire Station

1 Minka é o nome genérico das casas rurais tradicionais japonesas, compostas de várias edificações ao redor de um pátio murado. [ voltar ao texto ]

2 Shôji são divisórias leves cuja ossatura é feita por peças delgadas de madeira e vedadas com papel branco translúcido. [ voltar ao texto ]

3 Os japoneses usam a palavra inglesa mansion (=mansão) para designar os edifícios de apartamentos. Os apartamentos dos one-room mansions assemelham-se às kitchenettes ocidentais. [ voltar ao texto ]

4 Em portugues, limiar, ou portal. [ voltar ao texto ]

 

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