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"Você
me acha um homem lido, instruído?" |
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Nas palavras de Christopher Freeman, "um paradigma tecnológico é um agrupamento de inovações técnicas, organizacionais e administrativas inter-relacionadas cujas vantagens devem ser descobertas não apenas em uma nova gama de produtos e sistemas, mas sobretudo na dinâmica da estrutura dos custos relativos de todos os possíveis insumos para a produção. Em cada novo paradigma, um insumo específico ou conjunto de insumos pode ser descrito como o 'fator chave' desse paradigma caracterizado pela queda dos custos relativos e pela disponibilidade universal. A mudança contemporânea de paradigma pode ser vista como uma transferência de uma tecnologia baseada principalmente em insumos baratos de energia para uma outra que se baseia predominantemente em insumos baratos de informação, derivados do avanço da tecnologia em microeletrônica e telecomunicações." [1] O conceito de paradigma tecnológico (...) ajuda a organizar a essência da transformação tecnológica atual à medida em que ela interage com a economia e a sociedade. Em vez de apenas aperfeiçoar a definição, de modo a incluir os processos sociais além da economia, penso que seria útil destacar os aspectos centrais do paradigma da tecnologia da informação para que sirvam de guia em nossa futura jornada pelos caminhos da transformação social. No conjunto, esses aspectos representam a base material da sociedade da informação. A primeira característica do novo paradigma é que a informação é sua matéria-prima: são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas anteriores. O segundo aspecto refere-se à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias. Como a informação é uma parte integral de toda atividade humana, todos os processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente moldados (embora, com certeza, não determinados) pelo novo meio tecnológico. A terceira característica refere-se à lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações, usando essas novas tecnologias da informação. A morfologia da rede parece estar bem adaptada à crescente complexidade de interação e aos modelos imprevisíveis do desenvolvimento derivado do poder criativo dessa interação. [2] Essa configuração topológica, a rede, agora pode ser implementada materialmente em todos os tipos de processos e organizações graças a recentes tecnologias da informação. Sem elas, tal implementação seria bastante complicada. E essa lógica de redes, contudo, é necessária para estruturar o não-estruturado, porém preservando a flexibilidade, pois o não-estruturado é a força motriz da inovação na atividade humana. Em quarto lugar, referente ao sistema de redes mas sendo um aspecto claramente distinto, o paradigma da tecnologia da informação é baseado na flexibilidade. Não apenas os processos são reversíveis, mas organizações e instituições podem ser modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela reorganização de seus componentes. O que distingue a configuração do novo paradigma tecnológico é sua capacidade de reconfiguração, um aspecto decisivo em uma sociedade caracterizada por constante mudança e fluidez organizacional. Tornou-se possível inverter as regras sem destruir a organização, porque a base material da organização pode ser reprogramada e reaparelhada. Porém, não devemos evitar um precipitado julgamento de valores ligado a essa característica tecnológica. Isso porque a flexibilidade tanto pode ser uma força libertadora como uma tendência repressiva, se os redefinidores das regras sempre foremos poderes cosntituídos. De acordo com Mulgan, "as redes são criadas não apenas para comunicar, mas para ganhar posições, para melhorar a comunicação." [3] Portanto, é essencial manter uma distância entre a avaliação do surgimento de novas formas e processos sociais, induzidos e facilitados por novas tecnologias, e a extrapolação das conseqüências potenciais desses avanços para a sociedade e as pessoas: só análises específicas e observação empírica consefguirão determinar as conseqüências da interação entre as novas tecnologias e as formas sociais emergentes. Mas também é essencial identificar a lógica embutida no novo paradigma tecnológico. Então uma quinta característica dessa revolução tecnológica é a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado. Assim, a microeletrônica, as telecomunicações, a optoeletrônica e os computadores são todos integrados nos sistemas de informação. Ainda existe, e existirá por algum tempo, uma distinção comercial entre fabricantes de chips e desenvolvedores de software, por exemplo. Mas até mesmo essa diferenciação fica indefinida com acrescente integração de empresas em alianças estratégicas e projetos de cooperação, bem como pela incorporação de software também nos componentes dos chips. Além disso, em termos de sistemas tecnológicos, um elemento não pode ser imaginado sem o outro: osmicrocomputadores são em grande parte determinados pela capacidade dos chips, e tanto o projeto quanto o processamento paralelo dos microcomputadores dependem da arquitetura do computador. As telecomunicações agora são apenas uma forma de processamento da informação; as tecnologias de transmissão e conexão estão, simultaneamente, cada vez mais diversificadas e integradas na mesma rede operada por computadores.[4] A convergência tecnológica transforma-se em uma interdependência crescente entre as revoluções em biologia e microeletrônica, tanto em relação a materiais quanto a métodos. Assim, avanços decisivos em pesquisas biológicas, como a identificação dos genes humanos e segmentos do DNA humano só conseguem seguir adiante por causa do grande poder da informática. Por outro lado, o uso de materiais biológicos na microeletrônica, apesar de ainda muito distante de uma aplicação mais genérica, já estava em estágio experimental, em 1995. Leonard Adleman, um cientista de computação da Universidade da Califórnia, usou moléculas sintéticas de DNA e, com a ajuda de uma reação química, provocou seu funcionamento de acordo com a lógica combinatória do DNA, como um material básico para a computação.[5] Embora a pesquisa ainda tenha um longo caminho a percorrer rumo à integração material entre a biologia e a eletrônica, a lógica da biologia (a capacidade de autogerar seqüências coerentes não programadas) está cada vez mais sendo introduzida nas máquinas. A área mais avançada da robótica refere-se a robôs com capacidade de aprendizagem, usando a teoria da rede neural. Assim, no laboratório de rede neural do Centro de Pesquisa Conjunta da União Européia, localizado em Ispra, na Itália, um cientista da computação, José Millan, há anos, está ensinando pacientemente alguns robôs a aprenderem sozinhos com esperança de que, em um futuro próximo, eles sejam bem empregados em atividades como vigilância e manuseio de material em instalações nucleares. [6] O atual processo de convergência entre diferentes campos tecnológicos no paradigma da informação resulta de sua lógica compartilhada na geração da informação. Essa lógica é mais aparente no funcionamento do DNA e na evolução natural e é, cada vez mais, reproduzida nos sistemas de informação mais avançados à medida em que os chips,computadores e software alcançam novas fronteiras de velocidade, de capacidade de armazenamento e de flexibilidade no tratamento da informação oriunda de fontes múltiplas. Embora a reprodução do cérebro humano com seus bilhões de circuitos e insuperável capacidade de recombinação, a rigor, seja ficção científica, os limites da capacidade de informação dos computadores de hoje em dia estão sendo superados a cada mes. A partir da observação dessas mudanças extraordinárias em nossas máquinas e conhecimentos sobre a vida e com a ajuda de tais máquinas e conhecimentos, está havendo uma transformação tecnológica mais profunda: a das categorias segundo as quais pensamos todos os processos. Segundo as idéias propostas pelo historiador de tecnologia Bruce Mazlish, "é necessário reconhecer que a evolução biológica humana, agora melhor entendida em termos culturais, impõe à humanidade - a nós - a conscientização de que ferramentas e máquinas são inseparáveis da evolução da natureza humana. Também precisamos perceber que o desenvolvimento das máquinas, culminando com o computador, mostra-nos, de forma inevitável, que as mesmas teorias úteis na explicação do funcionamento de dispositivos mecânicos também têm utilidade no entendimento do animal humano - e vice-versa, pois a compreensão do cérebro humano elucida a natureza da inteligência artificial." [7] De uma perspectiva diferente, baseada nos discursos da moda nos anos 80 sobre a "teoria do caos", na década de 90 uma rede de cientistas e pesquisadores convergiam para uma abordagem epistemológica comum, identificada pela palavra "complexidade". Organizado em torno de seminários do Instituto Santa Fé, no Novo México (originalmente um clube de físicos altamente capacitados da empresa Los Alamos Laboratory, e, logo após, contando com a participação de um grupo seleto de ganhadores do Prêmio Nobel e seus amigos), esse círculo intelectual tem como objetivo a comunicação do pensamento científico (inclusive ciências sociais) sob um novo paradigma. Seus membros procuram entender o surgimento de estruturas auto-organizadas que criam complexidade a partir da simplicidade e ordem superior a partir do caos, mediante várias ordens de interatividade entre os elementos básicos na origem do processo.[8] Embora freqüentemente descartado pela ciência tradicional como sendo uma proposição não comprovável, esse projeto é um exemplo do esforço realizado em diferentes ambientes no sentido de encontrar um terreno comum para a troca de experiências intelectuais entre a ciência e a tecnologia na Era da Informação. Porém, essa abordagem parece impedir qualquer estrutura sistemática de integração. O pensamento da complexidade deve ser considerado mais como um método para se entender a diversidade do que uma metateoria unificada. Seu valor epistemológico pode ter-se originado do reconhecimento de que a natureza e a sociedade possuem a capacidade de fazer, acidentalmente, descobertas felizes e inesperadas. Não se pode afirmar que não haja regras, mas as regras são criadas e mudadas em um processo contínuo de ações deliberadas e interações exclusivas. O paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu fechamento como um sistema, mas rumo à abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos. Assim, a dimensão social da revolução da Tecnologia da Informação parece destinada a cumprir a lei sobre a relação entre a tecnologia e a sociedade proposta algum tempo atrás por Melvin Kranzberg: "A primeira lei de Karnzberg diz: A tecnologia não é nem boa, nem ruim, e também não é neutra." [9] É uma força que provavelmente está, mais do que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da mente. Mas seu verdadeiro uso na esfera da ação social consciente e a complexa matriz de interação entre as forças tecnológicas liberadas por nossa espécie e a espécie em si, são questões mais de investigação que de destino.
Notas [1] C. Freeman Prefácio da parte II. In: Dosi et al (orgs.) Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. [voltar ao texto] [2] Kelly faz uma análise eficaz das propriedades da lógica de redes em alguns parágrafos: "O átomo é o passado. O símbolo da ciência para o próximo século é a Rede dinâmica... Enquanto o átomo representa uma clara simplicidade, a Rede canaliza o poder confuso da complexidade... A única organização capaz de crescimento sem preconceitos e aprendizagem sem guias é a rede. Todas as outras topologias são restritivas. Um enxame de redes com acessos múltiplos e, portanto, sempre abertas de todos os lados. Na verdade, a rede é a organização menos estruturada da qual se pode dizer que não tem nenhuma estrutura... De fato, uma pluralidade de componentes realmente divergentes só pode manter-se coerente em uma rede. Nenhum outro esquema - cadeia, pirâmide, árvore, círculo, eixo - consegue conter uma verdadeira diversidade funcionando como um todo." Embora físicos e matemáticos possam contestar algumas dessas afirmações, a mensagem básica de Kelly é interessante: a convergência entre a topologia evolucionária da matéria viva, a natureza não estanque de uma sociedade cada vez mais complexa e a lógica interativa das tecnologias da informação. [voltar ao texto] [3] Mulgan, G. J. Communication and control: networks and the new economies of communication. New York: Guilford Press, 1991. p. 21 [voltar ao texto] [4] Williams, F. The new telecommunications: infrastructure for the information age. New York: Free Press, 1991. [voltar ao texto] [5] Allen, J. New computers may use DNA instead of chips. San Francisco Chronicle, 13 de maio, 1995. [voltar ao texto] [6]Millan, J. Rapid, safe and incremental learning of navigation strategies. IEEE Trasactions on Systems,Man and Cybernetics, 26 (6). 1996. [voltar ao texto] [7] Mazlish, B. The fourth discontinuity: the co-evolution of humans and machines. New Haven: Yale University Press, 1993. [voltar ao texto] [8] A difusão da teoria do caos para uma grande audiência deveu-se, em grande parte, ao best seller de Gleick, J. Chaos. New York: Viking Penguin, 1987. Ver também Hall,N. (org.) Exploring chaos: a guide to the new science of disorder. New York: W. W. Norton, 1991. Para um relato claro e intrigante sobre a escola da "complexidade", ver Waldrop, M. M. Complexity: the emerging science at the edge of order and chaos. New York: Simon & Schuster, 1992. [voltar ao texto] [9] Kranzberg, M. The information age: evolution or revolution? In: Guile, B. (org.) Information technologies and social transformation. Washington: National Academy of Engineering, 1985. [voltar ao texto]
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Esse
texto foi extraído do livro A sociedade em rede, de Manuel Castells. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.77-81. |
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