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CORPOTRABALHO | ||||||||||||||||||||||||||||||||
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Tem se tornado uma tarefa cada vez mais difícil acompanhar a publicação de livros acerca do tema "corpo". Isso porque, houve um aumento significativo não apenas de edições isoladas, mas de coleções preicosas. Uma obra importante, neste sentido foi publicada nos anos 80 pela Zone (MIT Press), acerca dos "Fragmentos para uma História do Corpo Humano", dividida em três volumes, reunindo textos de diferentes autores provenientes de diversos países para estudar o corpo em suas distintas dimensões (histórica, cultural, social e assim por diante). Esta edição, organizada por Michel | Feher, parecia, à primeira vista, um tanto fragmentada, como o próprio nome sugeria, mas mesmo assim trouxe uma contribuição fundamental aos estudos do corpo , abrindo as portas para muitas outras iniciativas do gênero. Questões mais específicas relacionadas às possíveis "ações corporais" como: esportes, fitness, artes do corpo, ou mesmo referentes à saúde e à estética, já ocupavam, há mais de 20 anos, as prateleiras das bibliotecas, no entanto, quando se tratava de uma possível "ontologia do corpo", o interesse, embora milenar, foi particularmente | reavivado na última década, com mais destaque para os últimos cinco anos. Nas artes, é a chamada "performance" que, desde o começo do século com os movimentos Dadá e Surrealismo, tem enlaçado corpo simbólico e corpo biológico, arte e vida, de forma inseparável, iluminando outras atividades (usualmente chamadas de artes cênicas) como a dança e o teatro. Do ponto de vista ontológico (do ser) e epistemológico (do conhecer), chamar a atenção para o fato de que o corpo do artista não pode ser entendido como uma entidade apartada do corpo | cotidiano, assim como a cultura não pode ser separada da biologia, traz mudanças importantes não apenas para as análises teóricas acerca do corpo, mas para a sua apresentação ao mundo. O mesmo vale para a chamada "preparação corporal". Neste sentido, vale a pena lembrar não apenas as técnicas específicas de preparação para ações espetaculares ou extra-cotidianas, mas também para aquilo que se poderia considerar uma teoria do corpo, que começou a ser formulada por filósofos como Heidegger e Husserl, por exemplo. Tais | estudos apontam para a necessidade de um entendimento de um conhecimento encarnado ou corporificado. Ou seja: nada somos sem nosso corpo. Não porque "possuímos um corpo", uma espécie de "pensão"para o nosso "eu", mas porque, como explicou Heidegger, a nossa existência é de natureza encarnada e não há outra possibilidade de conhecermos, estarmos ou discutirmos o mundo a não ser munidos de nossos corpos. Este tipo de entendimento vem de uma longa trajetória. Em 1913, Husserl desenvolveu a noção de Leib | (corpo vivo) em oposição a körper, que seria descrição física do corpo (publicada em 1912 – Ideias II). Em 28, Heidegger desenvolveu tal fenomenologia em uma espécie de ontologia, substituindo a noção de subjetividade e de mundo, por dasein ou existência humana. É ele quem desloca a questão de corpo para a de incorporação. "Não temos um corpo, somos incorporados". Quem fará uma síntese entre estes dois pensamentos será Merleau-Ponty nos escritos de 45, 62 e 64. O conceito de corpo (leib) de Husserl, iluminado por Heidegger (especialmente a | noção de ser no mundo) vai clarear a conexão entre corpo, ações e percepção já estudadas anteriormente por Descartes. Assim, ao invés do conceito de ser de Heidegger, Ponty introduz a noção de carne. Se a perversão do dualismo cartesiano que propunha a separação entre corpo e mente já havia sido exercitada por Hegel, Marx, Kierkegaard e Nietzsche, é com a fenomenologia do século 20 que conquista novos modos de descrição. É assim que o historiador e filósofo Michel Foucault, por exemplo, desenvolverá uma teoria do corpo apoiada no pensamento | de Nietzsche mas com raízes em Ponty. Isso porque, a carne, para Ponty, é entendida como uma intersecção de estruturas e forças que interagem sem a dominação de uma sobre as outras ou um agente controlador central. Foucalt vai estudar constelações diferentes de poder (hospital, regimes políticos, escolas, prisões etc) como nexos fundamentais ao entendimento das configurações do corpo. Assim, diferentes pensamentos vão sendo conectados criando não apenas uma nova teoria para o corpo, mas outras possibilidades de atuação -- isso tudo de forma inseparável (ação | e cognição na mesma escala temporal). A dança-teatro dos últimos dez anos mostra algumas possibilidades de entender o corpo não apenas macroscopicamente e nem tampouco apenas do ponto de vista de um sujeito e sua subjetividade, mas no trânsito com o ambiente. Os conceitos espaço-temporais propostos encontram novas soluções para a criação de padrões de movimento. Mostrar alguns exemplos destas propostas que, muitas vezes, emergem de diálogos culturais, parece interessante não apenas para repensar o corpo, mas a noção | de cultura. Aqui, cultura não é um lugar, mas uma rede complexa de informações. Corpo não é apartado do lugar onde está, mas um continuum. Christine Greiner |
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