UNIDADES EXPERIMENTAIS DE HABITAÇÃO 001 e 002

Marcelo Tramontano, Guto Requena

Como citar esse texto: Tramontano, M., Requena, C. A. Unidades experimentais de habitação 001 e 002. In: revista Téchne, n. 49, p. 56-59. São Paulo: Pini, 2000.

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Unidade 001 Produto de diversas pesquisas sobre as atuais condições da moradia popular brasileira, as Unidades Experimentais de Habitação 001 e 002 foram construídas no campus da Universidade de São Paulo, em São Carlos, com estrutura principal de eucalipto serrado, vedações de painéis de madeira, taipa-de-mão e terra-palha, cobertura de chapa prensada de resíduos de celulose com betume, sobre estrutura de madeira laminada colada de pinus, além de alguns fechamentos com chapa ondulada de fibra de vidro translúcida. Financiado, principalmente, pela Fapesp, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e pelo CNPq, Conselho Nacional de Pesquisas, o projeto tem como preocupação central uma reflexão sobre a necessidade de redesenho do espaço doméstico contemporâneo, e, particularmente, busca redefinir critérios para a concepção de unidades de habitação de interesse social. Esta necessidade de redesenho se justifica pelas profundas alterações por que tem passado os grupos familiares contemporâneos, tanto em seu formato como em seu modo de vida, quantificadas com clareza por Censos e pesquisas comportamentais diversas. É por esta razão que as Unidades 001 e 002 não constituem protótipos destinados a serem repetidos infinita e identicamente, apesar de trazerem embutidos em sua proposta princípios de seriamento dos componentes construtivos, que podem ser utilizados na combinação de espaços e volumes arquitetônicos absolutamente distintos entre si. Em outras palavras, as soluções técnicas utilizadas é que são prototípicas, e, por isso, o custo de cada elemento da construção nos interessa mais do que o custo da unidade completa. Além disso, como seu interior não obedece à hierarquia típica da casa convencional, já que seus cômodos são vedados por elementos flexíveis, sobretudo no piso térreo, usos múltiplos vêem-se viabilizados, respodendo a necessidades contemporâneas. Mais importante do que gostar ou não das edificações resultantes, é perceber que a existência destas casas quer chamar a atenção para o fato de que é possível trabalhar de forma inovadora e barata, quando se trata de produzir habitação social no Brasil, desde que se tenha a disposição para questionar espacialidades, materiais e técnicas construtivas convencionais.

Unidade 001: interior As Unidades Experimentais de Habitação 001 e 002 possuem área em torno de 54 metros quadrados cada uma, o que corresponde a valores encontráveis em unidades de habitação social já ampliadas, no estado de São Paulo, e apresentam uma estrutura espacial bastante simples. Os equipamentos fixos, hidráulicos em geral, concentram-se em um único bloco, o de Serviços. Os espaços destinados a abrigar as demais atividades distribuem-se no bloco sem equipamentos fixos, denominado, por oposição, bloco de Espaços Servidos. Os dois blocos foram distanciados um do outro, criando um espaço intersticial que abriga circulações horizontais e verticais e que também se caracteriza como local de convívio, vedado por chapas onduladas translúcidas de fibra de vidro. Com um pé-direito duplo (caso da Unidade 002) ou triplo (Unidade 001), esta área central recebe generosa iluminação natural e constitui um espaço absolutamente novo no programa da habitação social brasileira, ainda que seu fechamento com chapas translúcidas baseie-se em uma prática bastante disseminada entre moradores de casas populares do estado: a de cobrir boa parte da área não construída de seus lotes com este material. Essas chapas foram utilizadas em cobertura plana – Unidade 001 – e curva – Unidade 002, e seu desempenho térmico é bastante satisfatório quando associado a uma ventilação natural eficaz. Neste sentido, a área central de ambas as casas é fartamente ventilada, com grandes portões que podem, quando abertos, significar a supressão completa de uma parede externa. Com relação à durabilidade das chapas, observações efetuadas ao longo dos dois últimos anos revelaram um comportamento acima do esperado, sem perfurações, envelhecimento ou descolamentos significativos.

A construção das casas obedeceu a um cronograma peculiar. A Unidade 002 foi, na verdade, a primeira a ser executada, em 1998, e apenas um ano depois iniciou-se a construção da segunda casa. Este intervalo de tempo permitiu que se reestudassem soluções construtivas e espaciais testadas na construção da Unidade 002, aperfeiçoando-as na Unidade 001. Em cada casa, montou-se primeiramente a estrutura principal, seguida pela execução do barroteamento dos pisos. A ossatura das vedações de madeira veio a seguir, com a dupla finalidade de suportar os lambris de pinus e contraventar a estrutura principal. Na seqüência, foram executadas as coberturas opacas, as vedações de madeira e de terra crua, e instaladas as esquadrias. Por fim, vieram os fechamentos com as chapas translúcidas de fibra de vidro, as instalações hidráulica e elétrica, ambas aparentes, a pintura e os acabamentos.


Unidade 002 Ao contrário da casa convencional, onde o custo costuma ser o principal critério de projeto, preferiu-se, nas Unidades, escolher materiais e soluções construtivas que respondessem, primeiramente, às necessidades elencadas pelo projeto, que nasceram de uma revisão da casa popular convencional: quis-se muita iluminação e ventilação naturais, por exemplo, por um custo reduzido, possibilidade de contínua reorganização do espaço, e desierarquização dos cômodos. Além disso, buscou-se utilizar materiais alternativos e ambientalmente adequados, como a madeira de reflorestamento, a palha e a terra-crua, que permitissem um canteiro com baixo consumo de energia, e com pouco desperdício tanto de materiais como de mão-de-obra. Esta é uma das razões pelas quais as instalações elétrica e hidráulica são aparentes, evitando-se ter que retrabalhar as paredes no momento de instalar os dutos. Outra preocupação central é a de se utilizar materiais de fontes renováveis, cuja produção possa ser controlada sem gerar problemas ambientais. É por isso que se utilizou madeira de reflorestamento e capim coast-cross, que podem ser fornecidos em grande escala por produtores, caso necessário. Por fim, é importante lembrar que a maioria dos materiais são empregados, preferencialmente, em peças curtas ou elementos de pequenas dimensões, possibilitando o uso de produtos de menor valor comercial e minimizando o uso de gruas e andaimes, apesar de as casas terem ambas mais de um piso. As peças de madeira, por exemplo, medem todas, no máximo, 3 metros de comprimento.

Estruturas


Unidade 001: estrutura e Bloco de Serviços Para facilitar a implantação em qualquer tipo de terreno, a estrutura das Unidades apóia-se sobre fundações convencionais de concreto. No caso das construções em São Carlos, utilizaram-se fundações em radier; na qual estão chumbadas esperas metálicas que recebem os pilares de eucalipto, afastando-os do contato direto com o solo. Aliás, todas as ligações entre vigas e pilares foram feitas através de peças metálicas especialmente desenhadas, já que, por causa da limitação de comprimento das peças de madeira, os pilares são descontínuos e se interconectam a cada piso. Para garantir a estabilidade do conjunto, dois tipos de contraventamento foram experimentados: o que se utiliza da ossatura dos painéis de vedação, interno à estrutura, com desenho em "v", e outro, usado apenas no Bloco de Serviços da Unidade 001, empregando vergalhões de construção, externos à estrutura, em "x". Todas as peças estruturais remetem-se às seções comerciais: pilares serrados compostos, de 12X12 (duas peças de 6X12), vigas de seção "I"composta (mesas de 2,5X10 e alma de 6X12), e barrotes de 6X12. As peças receberam duplo tratamento anti-fungos, através de autoclave e de pincelamento de pintura stain.

O desempenho da estrutura sob ação do vento foi simulado e avaliado através de um ensaio que aplicou-lhe forças horizontais, com a utilização de um cabo de aço acoplado a um anel dinamométrico, medindo o valor das forças aplicadas. O cabo foi tracionado com um esticador, e os deslocamentos foram medidos no lado oposto da edificação com a utilização de três relógios comparadores com sensibilidade de centésimos de milímetros, instalados nos pontos de cruzamento de vigas com pilares da lateral da edificação e no ponto mais alto do painel adjacente. As deformações situaram-se dentro de limites totalmente aceitáveis, notando-se que o contraventamento em "v", feito pela ossatura dos painéis de vedação, mostrou-se mais eficiente do que os vergalhões de construção colocados externamente, em "x".

Terra-palha


Secagem de blocos dos terra-palha Largamente utilizada em países do norte europeu como isolamento termo-acústico ou como vedação pura e simples, a terra-palha foi produzida, aqui, com capim coast-cross, solo argiloso e água. A importância deste material está na simplicidade de seu processo construtivo e na utilização de matérias primas naturais e renováveis, além de combinar baixa densidade com isolamento termo-acústico,e de permitir a pré-fabricação dos elementos da construção. Empregada em apenas um dos blocos de Espaços Servidos da Unidade 002, a técnica presta-se à produção de blocos pré-fabricados ou de paredes monolíticas moldadas in loco. Ambas as técnicas foram utilizadas na Unidade 002: paredes monolíticas no térreo e blocos no piso superior.

Os blocos, de 7,5 cm de espessura, 30 cm de altura e 45 cm de comprimento, foram encaixados nos montantes de pinus pré-fixados nas vigas e pilares da estrutura principal. Internamente, receberam um revestimento feito com argamassa de terra, e externamente com tábuas de 12X2,2 cm e mata-juntas de 4X2,2 cm. Por um lado, os blocos apresentam maior facilidade de montagem, pois todos os componentes em questão são pré-fabricados – incluindo a ossatura de madeira – e fáceis de manusear no canteiro. No entanto, a produção dos blocos é bastante longa, exigindo uma grande área de secagem, o manuseio cuidadoso e constante durante todo o período de secagem, e o transporte para o canteiro. Já as paredes monolíticas são produzidas in loco, através do preenchimento de grandes formas pré-fixadas nas vigas e pilares da estrutura principal, e sua execução foi muito mais rápida do que o esperado. Diversos fatores permitem supor que esta técnica seria mais adequada à produção em grande escala de paredes e casas do que os blocos, ainda que não constitua uma produção "seca", como a dos blocos ou dos componentes de madeira, que são apenas montados no canteiro. O custo total do metro quadrado da vedação com blocos de terra-palha girou em torno de R$ 45,00, enquanto que a mesma área de parede monolítica custou aproximadamente R$ 41,00, mão-de-obra e fechamento externo de madeira inclusos.

Taipa-de-Mão


Unidade 002: barreamento da taipa e parede de terra-palha Recuperada das construções tradicionais brasileiras, a taipa-de-mão, ou popular ‘pau-a-pique’, viu-se otimizada através da adição de fibras (coast-cross, 5 a 10 cm de comprimento) à mistura de terra argilosa, e do redimensionamento e pré-fabricação da ossatura de madeira de pinus. Seguindo-se a intenção de pré-fabricação, pensou-se em levar à obra o painel já barreado, mas testes em modelos revelaram a enorme dificuldade em se manusear painéis tão pesados. Assim, painéis-ossatura de 75 cm de largura foram pré-fabricados e fixados à estrutura principal da Unidade 002, onde receberam barreamento manual, tendo-se o cuidado de fazer ranhuras com as pontas dos dedos para facilitar a posterior aderência do emboço. A espessura final das paredes de taipa-de-mão nas duas Unidades é de 10 cm. Como foi verificada entrada de água de chuva entre os painéis, decidiu-se utilizar, na Unidade 001, uma ossatura única, cobrindo todo o vão de 3 metros entre pilares, em lugar de painéis independentes. O resultado foi excelente, e a fresta criada pela prevista retração da mistura de terra, descolando-se ligeiramente dos pilares, foi preenchida com um mastique à base de óleo de mamona, desenvolvido pelo Instituto de Química de São Carlos, da USP.

O custo total do metro quadrado das paredes de taipa-de-mão das Unidades ficou em torno de R$ 27,00, incluindo mão-de-obra, revestimento de argamassa de terra, pingadeiras no topo de cada painel e mastique de vedação. Pelo seu caráter experimental, este mastique é bastante caro e eleva o custo das paredes. O valor total por metro quadrado representa uma média dos valores obtidos nas Unidades 001 e 002.

Painéis de Madeira


Ossatura dos painéis de vedação de madeira O sistema de vedação com painéis de madeira do blocos de Espaços Servidos das Unidades compõe-se de painéis-ossatura de pinus, de 97,7cm de largura, fechados externamente com chapa de aglomerado com tanino, de 8mm de espessura, e, internamente, com lambris de pinus (réguas de 10X2,2cm). Além disso, na Unidade 002, os painéis receberam revestimento externo de tábuas e mata-juntas, enquanto na Unidade 001 usou-se um ripado horizontal de peças de 10X2,2cm, com espaçamento de 1,5cm entre elas. Este ripado é, na verdade, um sarrafeamento de peças curtas que, além de utilizar um volume de madeira muito menor do que os fechamentos tradicionais de tábua e mata-juntas, permite uma circulação de ar permanente sobre a chapa de aglomerado, aumentando a durabilidade do sistema. Todas as peças foram tratadas em processo de autoclave, e os revestimentos externos receberam pincelamento de pintura stain pigmentada.

Diferentes possibilidades de isolamento térmico estão sendo experimentadas nos painéis de madeira. Na Unidade 002, havia-se decidido aprisionar ar em seu interior, de modo a formar um colchão isolante, solução que acabou revelando-se, por diversas razões, bastante ineficiente. Já na Unidade 001, o vazio interno dos painéis foi preenchido, no piso térreo, com argila expandida, no piso intermediário, com manta de lã de vidro, e no piso superior, com colchão de ar. Neste último piso, a cobertura de telha Onduline (chapa prensada de resíduos de celulose com betume) recebeu forro de pinus e isolamento de chapas de isopor, apresentando comportamento térmico muito satisfatório. No entanto, no que se refere aos desempenhos termo-acústico e lumínico, ainda estão sendo realizadas medições com instrumentos, que deverão fornecer dados relativos aos diferentes momentos do dia, nas quatro estações do ano, a fim de permitir conclusões confiáveis.

Obra: Unidades Experimentais de Habitação 001 e 002
Local: Universidade de São Paulo, campus de São Carlos, SP
Projeto arquitetônico: Marcelo Tramontano
Ano do projeto: 1995
Ano da construção: 1998 (Unidade 002) e 1999 (Unidade 001)
Principais financiadores: FAPESP, CNPq, SwissContact
Principais parceiros e fornecedores: Coberfibras de Itápolis, Gang-Nail do Brasil, Montana Química, telhas Onduline, EMBRAPA, Instituto Florestal do Estado de São Paulo
Coordenação Geral: Profs. Drs. M. Tramontano, A. Ino, I. Shimbo