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Os Annales
e as suas influências com as Ciências Sociais Olívia
Pavani Naveira
olivia@klepsidra.net Bacharel em História / Graduanda em Letras - USP download |
Sobre os Annales
A revista dos Annales foi fundada em 1929 tendo como principais mentores Marc Bloch e Lucian Febvre. Sua nova abordagem para o estudo da História trouxe conseqüências e influências até os dias de hoje.
A revista se consagrou conjuntamente com a obra de seus principais fundadores . O movimento dos Annales, normalmente chamado de Escola dos Annales, não possui exatamente, os elementos que constituem uma escola, rigidamente organizada fechada estritamente em torno de uma convicção ou paradigma.
Para o entendimento da formação e da configuração do que consideramos como os Annales, torna-se mais acertado entendê-lo como um movimento, que não se restringe somente às publicações contidas nos “Annales d’histoire économique et sociale”.
Entre as obras de maior destaque daqueles
que compuseram o movimento dos Annales encontram-se os “Reis Taumaturgos”
de Marc Bloch, publicado em 1924, ou seja, antes da fundação da revista,
e o “O Mediterrâneo” de Fernand Braudel. Encontramos neste movimento, uma certa unidade em sua composição, mas não uma homogeneidade. Jacques Revel o define como um conjunto de estratégias, uma nova sensibilidade, uma atividade que de fato mostra-se pouco preocupada com definições teóricas |
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A revista dos Annales passou
por diversas reformulações desde que foi fundada. Em
sua primeira concepção, os trabalhos de seus principais pensadores Marc Bloch
e Lucian Febvre, fizeram-na conhecida e reconhecida mundialmente. Com a proposta de renovar-se e manter-se sempre atual, notamos nos anos 60 uma grande repercussão da revista
e forte influência de Fernand Braudel. Na terceira
“fase” dos Annales , ou na chamada Nova História destacam-se historiadores como LeGoff, Duby. A revista nasce como uma publicação reivindicadora e renovadora, assumindo posições altamente críticas em relação ao tipo de historia que costumava ser realizada principalmente na Academia. Apesar de também se dirigir ao público leigo, foi no ambiente acadêmico que os Annales travaram seus principais debates. |
![]() Georges Duby |
As propostas encontravam-se em dois eixos centrais, a da reivindicação de uma história experimental científica e a da convicção de uma unidade em construção entre a história e as ciências sociais. Uma das características iniciais dos Annales está na reflexão dos historiadores tanto em relação a sua área de estudos, como sobre suas formas de trabalho. Preocupa-se em tirar a história de seu isolamento disciplinar, de forma que as formas de pensar em História, estejam abertas as problemáticas e a metodologias existentes em outras ciências sociais, no que costumamos denominar de interdisciplinaridade
História e as Ciências Sociais no início do século XX
Em
1903, um sociólogo chamado François publicou na revista
“Revue de synthèse historique” um importante artigo, que discutia a metodologia usada tradicionalmente em história.
Simiand no início do século já trazia em seu texto, idéias que de vinte anos
mais tarde, seriam reelaboradas e discutidas e modernizadas
pelo Movimento dos Annales.
Simiand
era um sociólogo durkheimiano, que criticava a metodologia histórica hoje
conceituada como positivista em que se acreditava
que o essencial na História seria estabelecer os fatos. A sociologia no início
do século constituía-se como uma nova ciência social. Esta possuía um dinamismo
e uma articulação com o social, que não se possuía em História.
No início do século XX, nota-se na França um constante debate
entre historiadores e sociólogos, que trouxeram aproximações e ferrenhas
distinções entre as duas disciplinas. O texto de Simiand
encontra -se situado entre estas constantes discussões e debates. O autor
acreditava que seria possível uma unidade metodológica para todas as ciências
sociais, incluindo a História. No entanto, a interdisciplinaridade que defendia, era concebida a
partir da existência de um modelo unificado que serviria para todas as áreas
do conhecimento humano.
Com as ciências sociais no início do século XX, o homem deixou de ser considerado pelo pensamento como sujeito e tornou-se objeto. Na perspectiva de Simiand, a constituição de uma verdadeira ciência social passaria por exigências conceituais como da escolha de hipótese para a realização de uma pesquisa.
O que será retomado em 1930 pelos Annales, quando conceituam a perspectiva da história-problema. O sociólogo durkheiniano criticava a dimensão temporal cronológica da História. A temporariedade daria-se entre as variações e recorrências. Seguindo as explicações de Jacques Ravel, a classificação segundo Simiand, seria construída sobre fatos sociais, desembocando, portanto numa identificação de sistemas.
A Historia, na perspectiva sociológica, seria uma abordagem
entre outras do fenômeno social, além de dar conta dos fenômenos do passado.
Possuía uma posição importante entre as ciências sociais, mas não central.
Nos Annales, apesar da influência de Simiand e das ciências sociais, a interdisciplinaridade, e a integração da História entre as ciências sociais, não seguem exatamente o modelo Durkheimiano.
Diferente do que propunham os sociólogos, a partir dos
anos 30 e por mais de uma geração, o que ocorre é que a História será o centro
das atenções entre as ciências sociais, ou as ciências do Homem, como costuma-se
denominar na França. A partir dos Annales, a História deixa de ser uma disciplina
preocupada com os meandros políticos, para assumir a questão do social. Procurar
entender a sociedade, as formas de sociabilidade, nos diversos tempos vividos
pelo homem, que caracteriza-se por ser um ser social.
A História, como uma disciplina a ser ensinada nos colégios
e na universidade, percebida como uma carreira intelectual, encontrava muito
mais apoio e prestígio durante o período das duas Grandes Guerras Mundiais,
do que as outras ciências sociais como a sociologia, e a antropologia. Pode-se
dizer, que houve um certo imperialismo dos Historiadores na França, calcados principalmente nas figuras de Bloch, Febvre e posteriormente
Braudel. O que inicialmente era uma revista marginal, tornou-se uma publicação
de grande prestígio na França.
Os Annales e o Marxismo
Durante o século XIX, encontramos entre os intelectuais e cientistas sociais, duas principais tendências de análise; a cientificista, que no campo da história podemos denominar de positivista e a marxista. A história de tendência positivista pode ser considerada como possuidora de uma visão muito conservadora da sociedade, tendendo a reproduzi-la e mantê-la sem uma vontade modificadora. Já a história de tendência marxista, alinha-se principalmente com os movimentos políticos e culturais que se concentraram entre o final do século XIX até meados do século XX, tendo até os dias de hoje uma grande repercussão e prática.
![]() Eric J. Hobsbawn |
Principalmente a partir dos
anos 10, teremos uma influência muito grande de Marx e do marxismo nos diversos
tipos de interpretações sociais da vida humana. Entre as obras de Marx, destaca-se
“O Capital” e sua obra de maior cunho histórico “O
18 Brumário”. Atualmente, Eric J. Hobsbawn pode ser considerado como um dos historiadores marxista de maior prestígio historiográfico
com livros importantes como “A Era do Capital”, “A Era das Revoluções” entre
outros. |
Com Marx discute-se o destino
do sujeito, transformando-o em um objeto de um novo
saber. Sua analise desloca-se para um conceito de que as
condições materiais da vida são dadas. Tem-se o chamado materialismo histórico
em que as análises sociais são permeadas principalmente pelas análises econômicas.
As condições de vida material são a estrutura dentro
da qual a consciência circula e pela qual é condicionada. Não compreende-se
o irracional como ausência de ordem, mas como ordem
sem consciência. Deseja-se reencontrar a consciência e restituir o homem
a sua posição de sujeito. Segundo José Carlos Reis, Marx vê uma sociedade estruturada e dentro desta estrutura o trabalho negativo. Essa negatividade pode ser tanto subjetiva quanto objetiva. É a práxis da classe revolucionária e é o desenvolvimento das forças produtivas, que se dá pela lógica mesma da estrutura e independente da luta de classes. |
![]() Karl Marx |
O século XIX, no qual Marx viveu e escreveu
sua obra, é marcado pelo Iluminismo. As grandes bases para o entendimento
do mundo estariam na razão, embebecida da idéia de progresso. No século XX
temos o esfacelamento desses conceitos.
Entre os séculos XIX e XX encontramos a existência de diversos tipos de manifestação das idéias marxistas. Destaca-se por um lado, o marxismo iluminista, que crê na utopia comunista, beirando o idealismo hegeliano. Esse marxismo age no sentido da História – Razão, que crê na consciência do sujeito e na consciência revolucionária, que faz a revolução em nome da razão.
Encontramos também, um marxismo não utópico, tendo sido o pioneiro na elaboração de uma concepção estrutural da história e que entrará em certos atritos ou discordâncias com as tendências de análise histórica dos Annales.
A história realizada pelos marxistas é uma história estrutural e econômico- social essencialmente política. Para eles, o evento é ruptura, transformação profunda, desintegração e transição estrutural, mudança que renova a estrutura, que a fortalece, que explora as suas potencialidades e a torna mais duradoura.
Os Annales não possuem uma percepção progressista continuista da história, recusando as idéias de progresso e em grande parte de revolução. Muitas vezes, os marxistas criticam os historiadores ligados aos Annales por seu conservadorismo, uma vez que não existe entre eles uma teoria de mudança social e da luta de classes.
Por não pensarem em mudança, luta e revolução, os Annales são considerados pelos marxistas como reacionários, como correspondentes de uma história que interessaria ao capital e a dominação. Por fim, em função de uma diferença teórico metodológica, encontramos um conflito entre os Annales e os Marxistas mais ortodoxos, que acabam se transformando em disputas por “paixão ideológica”.
Para os Annales, diferente da interpretação marxista, a economia não desempenha um papel determinante no conjunto dos funcionamentos sociais. Sendo estas as principais críticas de Bloch e de Febvre à percepção marxista. Os Annales defendem que a tarefa das ciências humanas é explicar o social complexificando-o e não simplificando através de abstrações.
Marc Bloch, Os Reis Taumaturgos e
os Annales
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Marc Bloch, nasceu em 1886 na França, sendo considerado um dos fundadores da Revista dos Annales, morreu em 1944 fuzilado pelos nazistas, tendo participado ativamente da Primeira Guerra Mundial entre 1914 e 1918. Somente com a análise de sua trajetória individual e seu engajamento político, já somos capazes de nos contrapor às críticas marxista que acusavam que seguiam as linhas de analise propostas pelos Annales de empatia política e de conservadorismo da parte dos intelectuais. |
Marc Bloch pode ser considerado como
um dos primeiros historiadores do movimento dos Annales, não tendo ficado
de forma alguma atrelado apenas a Revista dos Annales. Um de seus livros
mais importantes “Os Reis Taumaturgos” foi escrito em 1924 e trará em grande
parte as propostas que serão defendidas pelo movimento principalmente a partir
dos anos trinta.
A proposta do livro, apesar de ter sido
elogiado e bem recebido pela comunidade acadêmica trouxe estranheza para
a maioria dos intelectuais que o leram. Considerado por muitos como o fundador
da antropologia histórica, Bloch fez história com o que antes era entendido
como anedota ou supertição, ou seja, o poder miraculoso de curo dos Reis
da França e da Inglaterra.
Além da experiência que teve com a primeira
guerra mundial, o ambiente da Universidade de Estransburg pode ser considerado
como um dos maiores influenciadores para a constituição de suas problemáticas
e de sua carreira intelectual. Como a cidade havia sido retomada pelos franceses,
assistimos a uma tentativa de desligamento da Universidade com sua tradição Alemã, sendo assim, foram chamados
para lá, alguns dos jovens intelectuais dos mais brilhantes
da França.
Bloch vivia, portanto em um ambiente de grande efervescência, tendo sido muito influenciado pelas conversas com os colegas e amigos Blondel e Halbward, ambos antigos alunos de Durkheim. Seu contato com as ciências sociais era muito grande, dessa forma tornava-se possível começar a perceber o estudo da História de uma maneira diferente, incrementar novos conceitos e paradigmas nas pesquisas.
Uma nova crítica ao modo positivista de fazer história acabou por ser gerado, e os questionamentos teóricos sobre história puderam ganhar novos fôlegos metodológicos.
“Os reis Taumaturgos”, nas palavras de Jacques Lê Goff cresceram em um humo interdisciplinar, que podem ser inseridos no mais atualizado pensamento histórico e antropológico dos anos 20. Pode-se notar em Bloch, uma influência Durkheimiana, principalmente em função de como o autor tratava seu objeto.
Na conceituação de Durkheim, o sagrado
é definido como uma representação da sociedade. Tanto um como o outro autor,
foram amplamente influenciados por Fustel de Coulanges . Henri
Sée amigo e colega de Bloch, considerava de que o método sociológico tal como definiu Durkheim
era em grande parte um método histórico.
O autor do “Os reis Taumaturgos” tinha
a seguinte opinião sobre Durhkeim: “Ele ensinou-nos a analisar com maior
profundidade, a considerar os problemas mais de perto, a pensar, eu ousaria
dizer, menos barato.”[1]
Marc Bloch, aprendeu a não pensar barato, mas também não seguiu a metodologia
sociológica durhkeimiana.
Assim como com a
sociologia, seu contato com a historiografia Alemã foi muito importante,
principalmente em relação à com a temática desenvolvida, como a questão da
história da autoridade monárquica, das insígnias e do etnolegalismo.
O trabalho de Bloch é reconhecido principalmente
pela sua uma extrema erudição,e entre as várias leituras
do autor, podemos apontar o seu conhecimento do trabalho
de dois antropólogos James Frazer e Lucien Levy- Bruhl.
Ambos foram muito importantes para os estudos em antropologia e apesar de terem sido criticados e ultrapassados
metodologicamente, são lidos até hoje,
O autor, a partir de seus estudos, abriu a possibilidade da pesquisa história se ampliar largamente em diálogos com outras áreas. Os Reis taumaturgos dialogam com ciências nascentes de sua época como a psicologia coletiva, biologia, além da etnografia comparada, a medicina popular comparada e o folclore.
“Os Reis taumaturgos”, em sua estrutura de pesquisa , já apontava para duas das grandes propostas de inovação dos Annales. A primeira seria explicar o milagre na sua duração e em sua evolução, e em segundo, a busca de uma explicação total, de uma história total.
A proposta de que o que criou a fé no milagre, foi à idéia de que ali devia haver um milagre, tornou-se uma das bases da história das mentalidades e da psicologia histórica.
Considerado como um mergulho da história profunda, o milagre régio podia ser considerado como uma gigantesca notícia falsa. Partindo-se da premissa de que era preciso “compreender o passado pelo presente”, a experiência de Bloch com os soldados de 1914 a 1918 e as propagações das notícias falsas, serviram como um estopim para sua análise das formas de pensar das pessoas durante a Idade Média em relação ao milagre régio.
Bloch, portanto influência e é influenciado. Suas obras e novas proposições não nascem de “geração espontânea” e o diálogo entre História e as Ciências Sociais, a partir dos estudos e das interpretações destes homens, é um fato a ser entendido no contexto de estudo e erudição a que se propunham. Seria impossível realizar-se uma obra original sem o estudo daquilo que se tinha realizado anteriormente.
A partir dos Reis Taumaturgos e da força que os Annales tomarão em suas interpretações, teremos novas questões a serem levantadas. O diálogo com as ciências sociais nos anos 30 estava só começando.
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![]() Apologia da História, última obra de Bloch, escrita no campo de concentração |
Atualmente a antropologia histórica tem se tornado uma área com vastos pesquisadores se debruçando em diversos temas e restabelecendo diálogos e inovando metodologicamente.
Conflitos, Diálogos e Influências: História e os Annales
e Levi Strauss
Ao contrário do que pretendia Durkheim, o campo das ciências sociais foi dominada na França principalmente a partir dos anos 30, em torno do estudo da História e não de uma metodologia em comum para todas as áreas do conhecimento. Os Annales surgem desses diálogos interdisciplinares, mas tornam-se mais celebres e ganham mais destaque intelectual, do que as outras ciências humanas.
Uma das explicações para a “tomada de cena” pela História neste período, encontra-se no nacionalismo advindo da Segunda Guerra Mundial e da importância que passa a ser dada ao resgates da memória, muito associadas ao estudo da história. As ciências sociais, apesar de sua importância encontram-se um pouco apagadas do contexto intelectual universitário, fato que começará a ser mudado com a publicação de Tristes Trópicos de Claude Levi Strauss em 1955. |
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Foi principalmente a partir da publicação de Antropologia
Estrutural, em 1958 que Levi Strauss passou a ter um forte impacto na academia,
ultrapassando os muros das universidades francesas. A
partir dos anos 60 passam a serem lidos e valorizados os primeiros livros
do autor como o Nambikware de 1948 e as Estruturas
Elementares do parentesco publicado em 1949.
O estruturalismo, como será conhecido esse movimento em
torno das obras de Levi Strauss, tomará nos anos 60, um cunho muito radical
expresso em um forte antihistoricismo.Atribui-se essa posição muito em função
da necessidade da Antropologia, principalmente a etnologia “levistroniana”,
de se afirmar perante as outras ciências, principalmente a história.
Vivia-se nesse período uma decepção muito grande com a
história contemporânea e os rumos que o mundo havia tomado após a Segunda
Guerra. Temos movimentos estudantis, como o “Proibido
proibir” conflitos de rua, a realidade da Guerra Fria, e nos países da América
latina, os golpes de Estado e as ditaduras militares. Em muitas partes do
mundo, o clima era de insatisfação e de contestação.
Os acontecimentos cotidianos estavam desencadeando uma
certa abdicação, degradação dos antigos preceitos aliados à História.
![]() Fernand Braudel |
Entre os Annales, o historiador que mais dialogou com esse movimento estruturalista
liderado por Levi Strauss, foi Fernand Braudel. É
bastante conhecida a influência e repercussão de um artigo de Braudel publicado
em 1958 sobre a “longa duração”, que foi publicado no mesmo ano de Antropologia
Estrutural de Levi Strauss.
Ambos os escritores tiveram passagem pelo Brasil, tendo dado aulas e palestras na Universidade de São Paulo. Tristes Trópicos foi escrito por Strauss a partir das experiências que este teve quando vivia no Brasil, contendo diversos trabalhos de campo que foram realizados com índios que se encontram em territórios brasileiros. |
A metodologia estruturalista permitia poucos espaços para o tipo de pensamento histórico ocidental e quando este tentava ser aplicado, não produzia sentido ou efeito para a análise desenvolvida. O que se nota atualmente principalmente com trabalhos como os de Marshal Sahlins[2], é que todos os povos possuem suas formas de representação sobre o seu passado, mas que não necessariamente estas representações são históricas no molde ocidental de conceber história. A maneira de conceituar história para a civilização Ocidental não é a mesma que para outros povos e formas de pensamento.
O que Braudel procurava assim como os
Annales, era uma história sem fronteiras. Apesar da
recusa estruturalista da história por parte de alguns antropólogos , foram
montadas relações entre as ciências sociais e a história, que tornaram-se
profundas e proveitosas para todas as áreas, ampliando
assim, as possibilidades de interpretação nos estudos das humanidades.
Os estudos de História Social e de Antropologia Social têm-se tornado cada vez mais interdisciplinares e entre os historiadores que tem-se debruçado sobre a perspectiva de uma antropologia histórica destacam-se Robert Darton, com seus estudos sobre leitura, sobre mentalidade. Entre os livros publicados pelo autor, destaca-se uma coletânea de ensaios, cujo título “O Grande Massacre de Gatos e outros episódios da história cultural francesa”, já chama a atenção para um dos ensaios “Os trabalhadores se revoltam: O Grande massacre de gatos na Rua saint- Severin”, que pode ser considerado como uma das melhores experiências de debruçamento e interdiciplinaridade entre a história social e a antropologia social. |
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Na busca de entender a graça, por traz de um massacre de gatos, ocorrido na França às voltas da Revolução francesa, o autor trabalha o relato de um operário da época, com a maestria de interpretar o documento e compreender todo um código social, contido naquelas palavras. Um jogo que configura-se em ir ao documento, ir ao contexto e voltar ao documento para então compreender o outro, a piada que não se entende.
Merlau Ponty em seu texto intitulado
“De mauss a Claude Lévi Strauss” discute muito bem os caminhos que levaram
Strass ao estruturalismo, e como compreende-lo metodologicamente.
A preocupação de Strauss assim como
o da sociologia era a de conseguir realizar o acesso
ao outro, processo que também se realiza nas investigações históricas.
Nem Durkheim, nem Levy Bruhl, que chegaram a influenciar as interpretações de Bloch para escrever Os Reis taumaturgos, conseguiram atingir com suas análise o melhor acesso a interpretações para o “outro”, como será feito por Levi Strauss. No entanto, a contribuição de cada um desses autores foi muito importante, para as mudanças e ampliações nesta busca pelo entendimento e interpretação do Homem, a tomada do homem como objeto.
![]() Claude Levi-Strauss
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O social, como o próprio homem, pode ser entendido em dois pólos ou faces, como significante, em que pode-se compreender o homem por dentro e na intenção pessoal, que encontra-se mediatizada pelas coisas. Mauss,em seu “Ensaio sobre o Dom, forma arcaica da troca” teria , segundo Merlau Ponty, antecipado uma sociologia mais elástica, uma antropologia social. |
Durkheim se propunha a tratar os fatos sociais como coisas e não mais como um sistema de idéias objetivas, mas só conseguiu representar social através do psíquico. Ampliava as representações para formas coletivas ou individuais e não sociais.
O autor, com a sua conceituação de morfologia social procurava uma gênese ideal das sociedades, mas assim o simples , a sociedade simples acabava sendo confundida com o essencial e com o antigo. Para Durkheim as sociedades primitivas são sistemas mais simples.
Levy- Bruhl, a respeito de uma mentalidade pré-lógica, não dava uma abertura para o que havia de imutável nas culturas ditas arcaicas, as congelava em uma diferença intransponível
Faltava, portanto, entre esses dois autores, a penetração paciente no objeto e a comunicação com ele.
O início dessa comunicação será dado por Marcel Mauss, que não chegou a polemizar com a escola francesa, mas se diferiu dos outros autores na sua maneira de entrar em contato com o social. Mauss chama de resíduo que se encontra entre as variações e correlações, a partir disso, seria possível encontrar as razões profundas da crença,
Encontramos nestes autores preocupações que já estavam presentes em Marc Bloch em seu estudo sobre o poder de cura dos reis. A sua procura por um entendimento de um rito Ocidental, que existiu historicamente; traz necessariamente alguns diálogos, com o trabalho desses antropólogos que procuram conceituar e compreender os ritos em outras culturas.
Para Mauss era preciso penetrar no fenômeno, lê-lo. O fato social já não era uma regularidade compacta, mas um sistema eficaz de símbolos, uma rede de valores simbólicos em se insere no individual mais profundo. Assim, não havia mais o simples absoluto, nem a pura soma, mas em toda parte, totalidades ou conjuntos articulados mais ou menos ricos.
Mauss no entanto, ficou na troca indígena, não chegou a um modelo. Seguindo suas pistas Levi Strass foi mais longe. O autor denominará de estrutura a maneira como a troca está organizada em um setor da sociedade ou na sociedade inteira. Os fatos sociais não são mais coisas nem idéias, mas estruturas.
A estrutura organiza os elementos que nele entram de acordo com o princípio interior, a questão do sentido. Ela é praticada como óbvia, e é por isso que se pode dizer, que a estrutura tem a sociedade e as pessoas, mais do que a sociedade e as pessoas a tem, ou seja, tem a estrutura. Comparando com a maneira de se pensar a lingüística, em que Strauss deve muito a Saussere, o sujeito que falante de uma língua, o português por exemplo, não precisa para falar, para se comunicar com as pessoas, que passar pela análise lingüística da língua, que conhecer sua estrutura gramatical, sua composição estrutural.
A etnologia, portanto passa a ser uma especialidade definida não por um objeto particular, as sociedades primitivas, mas torna-se uma maneira de pensar, que se impõe quando o objeto é o “outro” e que exige a própria transformação daquele que a observa.
A tarefa do etnólogo torna-se a de alargar a sua razão (a razão ocidental) para torna-la capaz de compreender aquilo que nele e nos outros precede e excede a razão.
A grande crítica da ciências sociais e em particular do estruturalismo antropológico de Lévi Strass em
relação à história, vai contra o tipo de história
positivista, que encontra-se em busca da verdade e da neutralidade e não diretamente aos novos movimentos de análise historiográfica.
No entanto, a história feita pelos Annales não é levada em conta pelos antropólogos.
A história criticada pelos estruturalistas, já não servia
nem mesmo para o próprio historiador. Em geral, as sociedades estudadas pelos
antropólogos não possuíam os documentos históricos normalmente considerados
como tal, pelos historiadores positivistas. No entanto, com os Annales, discutia-se
uma abertura maior para a análise de outros tipos
de fontes, como as iconográficas.
Já não se esperava do historiador uma neutralidade em seus estudos e em seus trabalhos,não se acreditava mais que os documentos falassem por si. Sabe-se que a História é filha de seu tempo, e o que se propõem é o método regressivo, em que o retorno, ao contrário do que se propunham os positivistas nunca é um retorno absoluto.
Temos a questão da História como problema, que volta-se para
o passado para debruçar-se sobre uma pergunta, uma questão, formulada pelo
pesquisador.
Dessa forma, em seu intercambio com a antropologia, a história
propõem-se a uma “etnografia histórica” em que os documentos são vestígios
na mão do historiador. A partir do instrumental da etnografia podemos perceber
como podem existir muitas histórias e muitos tempos.
A História e a Antropologia dedicam-se a entender a sociedade,
tendo o homem como o seu objeto, porém sobre perspectivas diferente e que
valem a pena ser preservada. Não há metodologia mais correta e nem um determinismo
de uma área do conhecimento sobre a outra, o que notamos são recortes e preocupações distintas.
Por isso que a interdisciplinaridade é muito importante. Essa pode ser considerada como uma das mais importantes
contribuições dos Annales para o fazer história, uma abertura e uma proposta
de abertura para o diálogo da história com todas as outras áreas do conhecimento.
Interdiciplinaridade, esta é uma proposta em relação ao conhecimento,
que merecia uma longa duração... apesar da fragmentação que temos notado
nas tendências das pesquisas atuais.
Bibliografia
Bloch, Marc Leopold Benjamin – “Os reis taumaturgos: O caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra “ São Paulo, Companhia das letras, 1993,
Burke, Peter- “A escrita da história: novas perpectivas”. São Paulo, UNESP, 1992
Lévi- Strauss Claude – “Mito e Significado”. Lisboa, Edições 70, 1989
Lévi- Strauss Claude – “História e Etnologia” in: Antropologia estrutural.
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975
Mauss, Marcel – “Ensaio sobre a dádiva”. In sociologia e Antropologia. São Paulo, EPU, 1974
Merlau- Ponty - “De Mauss a Claude Lévi Strass” Coleção “Os Pensadores” . São Paulo, Abril Cultural, 1980
Reis, José Carlos – “Escola dos Annales – A inovação em história”. São Paulo , Paz e Terra, 2000
Revel Jacques – “A invenção das sociedades”. Lisboa, Diefel, 1989
[1]
Bloch, Marc Leopold Benjamin – “Os reis taumaturgos: O caráter sobrenatural do
poder régio, França e Inglaterra” São Paulo, Companhia das
letras, 1993. pg 15
[2] Sahlins, Marshal “Ilhas de História” . Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999