Definição de Cibernética


“Cibernética é interdisciplinaridade aplicada. Ela provê conceitos e terminologias para se construir pontes entre diferentes domínios de conhecimento (“inter” do latim: entre). (...) Cibernética é também transdisciplinaridade (...) Por onde anda, um ciberneticista vê o fenômeno ubíquo do controle e da comunicação, aprendizagem e adaptação, auto-organização e evolução. As lentes cibernéticas permitem que se veja qualquer domínio de conhecimento específico e seus sistemas como casos especiais de formas cibernéticas abstratas e gerais.”
(SCOTT, 2004, p.1367)

Cibernética é o nome dado à ciência que se volta para o estudo da comunicação e da regulação nos sistemas. Ela oferece, a partir da circularidade dos processos de feedback e auto-regulação, meios para se compreender os fluxos de informações e a comunicação [mensagens] que se estabelecem entre partes de um sistema, que pode ser orgânico ou construído. No intuito de se designar estas idéias, o matemático Norbert Wiener, no fim dos anos 1940, derivou a palavra cibernética do grego kubernetes, ou “piloto”, a mesma palavra grega de que deriva-se a palavra “governador”. A palavra já havia sido usada por Ampère com referência à ciência política no início do século XIX.

O lançamento do livro Cibernética no ano de 1948 lançou as idéias de Wiener e efetivou um novo campo oficial de pesquisa. A idéia da comunicação e do controle é exemplificada por Wiener segundo a passagem: ”Quando me comunico com outra pessoa, transmito-lhe uma mensagem, e quando ela, por sua vez, se comunica comigo, replica com uma mensagem conexa, que contém informação que lhe é originariamente acessível, e não a mim”. [WIENER, 1948, p.16]. Sua idéia original é que a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que disponha, cujo papel se torna cada vez mais importante se consideradas as mensagens entre o homem e o homem, entre o homem e a máquina, e entre a máquina e a máquina.

Um ponto importante é que todo sistema possui uma meta ou objetivo, pelo qual se direciona a alcançar. Nesse movimento, há constantes interferências do ambiente e dos sistemas circunvizinhos, que são transmitidas em forma de informação ao sistema como realimentação, ou feedback. A idéia da regulação é receber esta informação, analisar a diferença entre o estado atual e o objetivo, detectar o erro e corrigi-lo, o que se repete circularmente e iterativamente. A esta cibernética, que se baseia em sistemas observados, dá-se o nome de “cibernética de primeira ordem”.

O rejuvenescimento desta teoria, que inicia a “Cibernética de Segunda Ordem”, vem a partir dos ciberneticistas Heinz von Foerster e Gordon Pask, com a introdução da noção do observador, na década de 1960. Este período será o início do recorte temporal nesta pesquisa, e mais especificamente a partir do artigo de Gordon Pask intitulado “The architectural relevance of cybernetics” (“A relevância arquitetônica da cibernética”) no periódico inglês Architectural Design de setembro de 1969. O diferencial proposto parte de sistemas de observação e não somente em observar sistemas, ou seja, é reconhecida a inseparabilidade entre o observador e o sistema. De acordo com o ciberneticista Paul Pangaro, a segunda ordem implica em uma evolução e ampliação das noções de “comunicação e regulação” para “linguagem e concordância”, e de “sistemas baseados em metas, tanto orgânicos ou construídos” para “lingüística e sistemas baseados em metas, tanto orgânicos ou construídos” [PANGARO, 2004].

Gordon Pask [1928 - t1996] foi um ciberneticista inglês que realizou contribuições importantes em diversos campos do conhecimento, desde a psicologia, computação, tecnologia, educação até arquitetura, entre outros. Seu trabalho com cibernética revela o grande interesse pela organização nos sistemas. Sua atenção se volta para como os sistemas se regulam, se reproduzem, evoluem e aprendem, sendo o ponto alto da organização, a estabilidade e o equilíbrio. Segundo Gordon Pask “grande parte da cibernética se concentra em como a estabilidade é mantida com mecanismos de regulação” [PASK, 1961. p. 11]. Para isto, o autor sugere a construção ou abstração das características de um dado artefato em um sistema, que exiba interação entre as partes, mesmo que algumas controlem outras. O observador pode ser entendido como um homem, animal ou máquina capaz de aprender sobre o seu meio ambiente. Este aprendizado reduz a incerteza sobre o meio, pois se toma conhecimento dos eventos que nele ocorrem: o foco é para o que ele aprende, ou seja, o que torna mais certo. A fonte da incerteza advém de nós mesmos e nosso contato com o mundo. “Um observador real é capaz de reconhecer um pouco, mas não completamente, possíveis formas de comportamento. Estas formas reconhecíveis são suas percepções e há um conjunto finito delas” [PASK, 1961, p. 11].

Outra contribuição importante para teoria advém de Ross Ashby, nos anos 1970, que desenvolve seus estudos mais voltados para a observação na biologia, que aproxima “sistema” de “organismo”. Sua busca é imbuída por paralelismos entre máquina, cérebro e sociedade, e como o provimento de uma linguagem comum poderia aproveitar descobertas em cada um destes ramos. Para ele, a cibernética é vista como a arte do comando e uma teoria das máquinas que não aborda coisas, mas modos de comportar-se. Tais formas de comportamento são observáveis na medida em que são regulares, determinadas ou reprodutíveis. Segundo Ashby “é nos sistemas mais complexos que os métodos da cibernética revelam seu poder” [ASHBY, 1970, p. 5].

Ainda nos anos 1970, o Stafford Beer ressalta que o comportamento dos grandes sistemas interativos, é regido por leis naturais – na carne, no metal, no tecido social e econômico. “Estas leis tem a ver com auto-regulação e auto-organização” [BEER, 1972, p. 629]. Elas constituem o “princípio gerenciador” pelo qual os sistemas crescem e são estáveis, aprendem e se ajustam, se adaptam e evoluem. Diversos sistemas parecidos são, na verdade, um, aos olhos da cibernética, porque manifestam um comportamento viável – aquele que conduz à sobrevivência. O fato mais importante até então, que a cibernética revelou, é que esse comportamento é governado mais pela estrutura dinâmica do sistema, do que por eventos especiais ocorrendo em seu interior ou por valores particulares assumidos pelas principais variáveis. Para ele, a indústria é um organismo, que tem o mesmo problema em preservar sua identidade e sobreviver ao fluxo de seu ambiente como qualquer animal, podendo evoluir ou entrar em decadência.

Vale ressaltar que cronologicamente ao surgimento da cibernética por Wiener, houve a primeira proposta para uma teoria geral dos sistemas por Ludwig von Bertalanffy. As duas teorias contribuíram mutuamente para um entendimento melhor acerca de sistemas, porém, a cibernética “não pode levar em conta todos os aspectos da teoria Geral dos Sistemas” [LANDAU, 1972, p. 609], porque ela está em um nível mais alto de generalidade e pode até mesmo incluir o campo da cibernética, como também incluir a teoria dos Jogos e teoria da Informação. A cibernética, como uma disciplina trans, abstrai, de muitos domínios, modelos de grande generalidade. Estes modelos trazem ordem às complexas relações entre disciplinas, “provêem uma “língua franca” para a comunicação inter-disciplinar, e servem também como poderosa ferramenta pedagógica e cultural para a transmissão de conhecimentos e entendimentos chaves para as próximas gerações” [SCOTT, 2004, p. 1367].

A atualidade do tema Cibernética no domínio da arquitetura e do design, para o Brasil e em nível internacional, ficou evidente com o acontecimento de diversos eventos, que estamos acompanhando pessoalmente ou à distância. Entre 2005 e 2006 foram e deverão ser realizados diversos congressos, seminários e encontros sobre o tema, entre eles, para citar alguns a Conferência da American Society for Cybernetics (ASC), sobre o tema “The Many Interpretations and Applications of Cybernetics, entre 27 e 30 de outubro de 2006, em Sonoma, Estados Unidos; a conferência “The Cybernetics Society 31st Annual Conference”, realizada em setembro de 2006 em Londres, Inglaterra; a conferência The 18th International Conference on Systems Research, Informatics and Cybernetics, realizada em Agosto de 2006, em Baden-Baden, Alemanha; o Encontro 18th European Meeting on Cybernetics and Systems Research (EMCSR), em abril de 2006 em Viena, Áustria; o 4th Chapter Conference on Applied Cybernetics, realizado em setembro de 2005 em Londres, Inglaterra; o Congresso Internacional 13th WOSC – World Organization of Systems and Cybernetics, sobre o tema “Systemics and Cybernetics dealing with Innovation”, em julho de 2005, em Maribor, Eslovênia. No Brasil destaca-se o simpósio e bienal de arte e tecnologia do Instituto Itaú Cultural “Emoção Art.ficial 3.0 – Interface Cibernética”, realizado entre 19 e 22 de julho de 2006, com a presença de diversos nomes relacionados à cibernética, como o ciberneticista norte-americano Paul Pangaro, que é responsável atualmente por parte do acervo de Gordon Pask, o físico alemão Otto Rössler, o filósofo francês Edmond Couchot, o arquiteto norte-americano Usman Haque, a crítica de arte britânica Jasia Reichardt, que foi curadora da exposição de arte cibernética de 1968 intitulada “Cybernetic Serendipity”, as artistas brasileiras Diana Domingues e Daniela Kutschat, entre outros, que por diversos meios e linguagens, transitam o território conceitual de interfaces e cibernética, combinação proposital, segundo o instituto, para o entendimento da idéia de interatividade. A relevância do tema para o instituto é evidenciada para a nova edição do programa Rumos Itaú Cultural de 2006/2008, com o título “Arte Cibernética”, prevendo apoio à produção de obra em arte e tecnologia e apoio à pesquisa acadêmica, com o objetivo de incentivar a produção e à pesquisa neste segmento no Brasil.

Com respeito a eventos relacionados à teoria de sistemas, submetemos o artigo “Pensar sistêmico na arquitetura: a questão da moradia segundo Cedric Price”, que teve seu resumo aprovado, ao “II Congresso Brasileiro de Sistemas”, que acontece em outubro deste ano, com o tema “Visão Sistêmica para um Mundo Sustentável”, organizado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, de Ribeirão Preto-SP. O objetivo do congresso é questionar como os diversos campos do conhecimento estão preocupados e preparados para a resolução dos problemas causados pelas transformações derivadas de um mundo globalizado, que muitas vezes fragmenta, dispersa e trata as questões sociais, econômicas e ambientais de forma desintegrada, e como a abordagem sistêmica pode contribuir para essa discussão.

Os processos cibernéticos de comunicação

Para Gordon Pask, o observador influencia na determinação das respostas dos sistemas cibernéticos através de processos circulares e interativos, e a uma forma específica de interação que denominou “Teoria da Conversação”. Esta teoria é em certos aspectos um desdobramento da noção da caixa preta. Quando se considera algo como uma caixa preta, falamos sem saber o que está em seu interior, como ela funciona. Não se pode abrir a caixa, o que está dentro é um mistério. “Isto acontece quando conversamos com outras pessoas. Nunca sabemos o que elas estão pensando, mas construímos nosso próprio entendimento de como nós pensamos que elas pensam, e agimos de acordo.” [GLAVILLE, 2001, p. 658] Um ponto central na teoria da conversação é de que não temos os mesmos entendimentos que as outras pessoas, cada um entende de sua maneira e não à maneira do outro. Uma conversação paskiana é baseada nas experiências do dia-a-dia, com pelo menos dois participantes, onde um deles cria um espaço [domínio de conversação] a ser compartilhado por ambos através da linguagem falada. Através de apresentação, que não é entendimento, o segundo participante cria seu próprio entendimento a partir da colocação do outro e apresenta de volta ao primeiro. Deste modo, o primeiro cria um entendimento sobre a apresentação e sobre o princípio original que o levou a se comunicar, e este processo se repete até um acordo, ou desacordo. A Teoria da Conversação é uma proposta cibernética que oferece um modelo para a “construção de conhecimento”, entre domínios de conversação que se interagem e cooperam por meio de processos comunicacionais.

Segundo Ranulph Glanville, ciberneticista e arquiteto inglês, a interação é um produto sem restrições entre participantes, não direcional [por exemplo, circular], não causal, e sem controle [eventual ou fundamental]. A interação [ao contrário de ação e reação], se dá em um intervalo “entre”, e ocorre em um espaço “entre” participantes, ou seja, a interface, cuja “ descrição funcional é uma determinação efêmera, flutuante e transiente sobre a forma com que o observador e a ‘caixa preta’ se comportam juntos para manter a minha interação com ela, neste determinado momento” [GLANVILLE, 2001, p. 655].

Processos cibernéticos de comunicação foram a tônica, por exemplo, do projeto CyberSyn, realizado por Stafford Beer durante os anos de 1970 a 1973 para o governo de Salvador Allende no Chile. O projeto previa uma rede de máquinas telex, subutilizadas e adquiridas pelo governo anterior, instaladas em fábricas e minas e conectadas a um computador central em Santiago, realizando a comunicação entre trabalhadores e governo, por meio de princípios cibernéticos de comunicação e conversação - um tipo de internet socialista, décadas antes de seu tempo. Em 1972, durante uma longa greve de mais de 50.000 caminhoneiros estimulados pela CIA, o Cybersyn foi usado para planejar a distribuição de alimentos através de uma rede alternativa de caminhoneiros fiéis ao governo. Com o golpe militar de Pinochet em 11 de setembro de 1973, o centro de controle foi destruído. Este centro de controle era composto por um computador central, painéis informativos e cadeiras equipadas com comandos e controles, desenhadas pelo designer chileno Gui Bonsiepe, atualmente Professor Visistante da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro [UERJ].

A investigação mais aprofundada dos processos cibernéticos de comunicação na América Latina, em especial, poderá contribuir para um resgate deste período de maior desenvolvimento da disciplina [a partir dos anos 1960] que infelizmente coincide com um período bastante frágil nas políticas locais, representado pelas ditaduras militares e a contestação, censura e bloqueio de ações e iniciativas que envolvem comunicação, conversação e qualquer forma de interação que pudesse permitir a aproximação de ideais “socialistas” da época. Desta forma, torna-se fundamental a pesquisa sobre pesquisadores e acadêmicos, no intuito de se verificar uma lacuna sobre o pensamento cibernético, ou mesmo seus modos de aplicação e utilização nos mais diversos campos disciplinares durante este período.

O designer de “sistemas”

Gordon Pask inicia o diálogo com a arquitetura no ano de 1960, através de seu envolvimento como consultor de cibernética no projeto Fun Palace de Cedric Price. Segundo John Frazer:
“O pensamento arquitetônico avant-garde nos anos 1960 estava preocupado com as questões sobre flexibilidade, impermanência, pré-fabricação, computadores, robótica, e uma abordagem global sobre energia, recursos e cultura. O pensamento sistêmico implícito na arquitetura inevitavelmente levava em consideração a cibernética e a cibernética inevitavelmente levava em consideração Gordon Pask”. (FRAZER, 2001, p. 642).

A publicação do artigo “The architectural relevance of cybernetics” (“A relevância arquitetônica da cibernética”) no periódico inglês Architectural Design de setembro de 1969, aproximaria ainda mais as duas disciplinas, através da defesa de que os arquitetos são os primeiros designers de sistemas que foram forçados a se interessarem cada vez mais pelas propriedades organizacionais dos sistemas, ou seja, seu desenvolvimento, comunicação e controle, e que os conceitos abstratos da cibernética podem ser interpretados em termos arquitetônicos, e quando apropriados, identificados como sistemas arquitetônicos reais. O autor diz que “há uma demanda para pensamentos orientados a sistemas enquanto que, no passado, havia apenas um desejo mais ou menos esotérico para isto” (Pask, G., 1969). Gordon Pask não só introduz os conceitos de cibernética na arquitetura, mas também lança a idéia do arquiteto como “designer de sistemas”. O edifício, e a forma de produção do edifício podem ser entendidos como sistemas arquitetônicos, ou seja, o produto e o processo são sistemas. A atualidade das idéias de Pask são relevantes para uma compreensão melhor acerca do papel do arquiteto dentro do contexto sistêmico, como enfatiza o crítico de arquitetura Neil Spiller: “hoje, mais de trinta anos depois, é possível pra nós visualizar a essência do trabalho de Pask” (Spiller, N., 2002. p. 77).

A respeito disto, a arquitetura e o design contemporâneos têm se lançado em questionamentos que vão além do produto, ou espacialidade, mas para o processo projetual, principalmente sob o olhar do tratamento da informação e da comunicação, e da conversação entre domínios disciplinares, como um novo campo exploratório. Tais processos de design se preocupam com os elementos envolvidos dentro e fora dos domínios em que se originam, envolvendo a participação do usuário e considerando questões como colaboração, e por sua vez, consideram questões relevantes à cibernética. Muitos designers estão percebendo a confluência da cibernética sobre a prática atual e a necessidade de modelos mais específicos que tratem dos objetivos ou metas, interações e limitações, e que possibilitem o entendimento dos diversos níveis de complexidade dos sistemas. De acordo com Bernard Scott,


“Uma formulação simples embora importante sobre a essência da cibernética, é que seus conceitos chave são ‘processo’ e ‘produto’ e que sua principal metodologia é modelar a forma dos processos e seus produtos, abstraídos de qualquer incorporação particular. Assim, por exemplo, um processo de controle, cujo produto é a manutenção de algumas situações, deve ser reconhecido e modelado como tal, independente de sua incorporação particular como sistema biológico, artificial ou social.” [SCOTT, 2004, p. 1367].

A compreensão dos níveis apresentados acima, da cibernética de forma mais ampla, passando pelos processos cibernéticos de comunicação até a idéia do designer de sistemas, são fundamentais para um entendimento a respeito do papel da mídias nas atuais formulações e aplicações da cibernética mais amplo sobre os processos de design permeados pela teoria cibernética, em especial à sua segunda ordem.