A pesquisa "Habitação e Novas Mídias: Pensamento Digital e Concepção Arquitetônica" compilou uma série de 50 projetos de diversas partes do mundo, que de alguma forma exemplificam e pontuam o pensamento de arquitetos e produtores de espaços com relação à uma Habitação que utiliza novas tecnologias de comunicação a distância, seja em seu funcionamento, concepção ou na sua relação com espaços virtuais. Uma vez montado esse banco de dados, analizou-se os projetos e os respectivos escritórios responsáveis e montou-se uma tabela visando organizar os dados obtidos dessa seleção. Entrevistas foram realizadas a alguns dos arquitetos autores dos projetos selecionados, de forma a apreender a visão desses escritórios sobre as questões abordadas pela pesquisa.

A compilação dos 50 projetos aqui apresentados é de extrema importância para se abrir outros caminhos nesta área de pesquisa. Pouco, ou quase nada, tem se falado sobre o assunto em publicações nacionais e verificou-se durante esses meses a amplitude que o tema das novas mídias engloba e a quantidade de material importado disponibilizado. Notou-se ainda que na maioria das vezes esses projetos estão intimamente ligados aos sites dos respectivos escritórios, e que para entendê-los é importante navegar pelo site e entender o contexto geral de conceitos dos arquitetos.

Um dos pontos comuns em alguns destes escritórios é a produção interdisciplinar de arte via novas mídias. Estes profissionais muitas vezes possuem realizações em diversos formatos, que vão desde experimentações no espaço concreto até o virtual. Design de objeto, mobiliário, instalações, moda, música, vídeos e sites. Muitas vezes, a tecnologia de informação à distância, aliada à cibercultura que se cria, é o elo comum nestas realizações "via bits e via átomos". É devido a este fator também que o site destes arquitetos se torna uma peça fundamental nessa engrenagem, funcionando tanto como um portal de acesso a essas produções como uma interface para as realizações no virtual.

Alguns dos projetos possuem nas suas vedações e fachadas, telas de cristal líquido que possibilitam uma constante transformação da paisagem, e algumas vezes uma hibridização entre o concreto e o virtual, chamado por alguns autores de "mix realities", como por exemplo Philippe Quéau, Henri-Pierre Jeudy, William Mitchell e Manuel Castells. Têm-se como exemplos a "Hyperhouse", a "Digital House", a "Nomad Use Camaleonic", que podem ter suas "peles" mudando de cor, recebendo imagens e acessando espaços virtuais. Verificou-se que esta tela de cristal líquido já está sendo pesquisada e desenvolvida por alguns centros de pesquisa, como no exemplo da NASA, que desenvolveu o AMLCDs (Active Matrix Liquid Crystal Displays) e que atualmente está em fase de testes em bases aéreas militares no Estados Unidos.

A casa torna-se a própria interface com o mundo.

Estas superfícies substituem o monitor do computador e a tela da televisão, por exemplo, servindo como interface para se assistir filmes, ouvir músicas, conversar pelo telefone e se checar emails. Esse foi um dos tópicos apontados nas conclusões do primeiro ano de pesquisa ("Equipamentos e seus Usos no Habitar Contemporâneo), onde verificou-se uma tendência na produção de equipamentos híbridos, por exemplo, entre o celular e o palm top. No caso da "pele interativa" aqui descrita, o híbrido se dá entre esses equipamentos de comunicação à distância e na mescla entre o espaço concreto e o virtual. Verificou-se também uma forte tendência na dissolução das interfaces de acesso ao ciberespaço, como teoriza Roy Ascott (um dos pioneiros e principais teóricos da cibercultura), ou seja, cada vez mais, equipamentos como lap tops e celulares estarão sendo incorporados à nossas vidas de forma a se tornarem imperceptíveis, seja devido a sua brusca redução de tamanho, ou a sua hibridização, etc. Centros de pesquisa como o MIT - Massachussets Institute of Technology, vem desenvolvendo sérias pesquisas sobre este tema, por exemplo, sobre werable computers, onde, num futuro próximo, seria possível literalmente se vestir um computador. No livro "O que será? Como o novo mundo da informação transformará nossas vidas". São Paulo: Companhia das Letras, 2000, de Michael Dertouzos, o autor descreve um bom exemplo de Mixed Realities (mescla entre concreto e virtual) e de Wearable Computers, onde um homem sai caminhar e enquanto se exercita, checa seus emails e conversa com um parente a partir dos seus óculos de sol, que servem não apenas para protegê-lo dos raios ultravioletas como também é um monitor semitransparente que responde às ações da retina do usuário.
Se a casa se torna a própria interface com o mundo externo, como se dá o acesso à essa tecnologia? Alguns autores pensam no funcionamento desta habitação a partir de equipamentos como palm tops, comando via voz, leitura de retina etc, na maioria das vezes baseados nas pesquisas dos grandes centros de tecnologia.

A partir destas interfaces entre casa/morador, novas relações são estabelecidas. Alguns arquitetos, como Greg Lynn, NOX, Hariri, etc, falam, por exemplo, sobre a Habitação respondendo à estímulos dos moradores, através de sensores que captam a temperatura, a altura e a entonação da voz e movimentos dos moradores. A casa poderia responder espacialmente à esses estímulos, transformando ambientes, tocando uma música, mudando a intensidade das luzes, exibindo um filme nas telas de cristal líquido etc. Tudo dependeria da programação do software do edifício frente aos moradores/usuários.

Técnicas Construtivas

Verificou-se que existe uma grande distância entre projeto e sistema construtivo, deixando claro que ainda não existe uma completa integração entre o projeto arquitetônico e a evolução dos sistemas construtivos. Muitas vezes estes espaços têm de se adequar a sistemas tradicionais de construção. Um olhar mais atento à pesquisas de novos materiais e sistemas deveria ser traçado, de forma a contemplar as questões levantadas pelos arquitetos. Alguns dos escritórios estudados têm essa preocupação, como no caso do Greg Lynn, que ao propor a "Embryo House", procura estender sua pesquisa formal à construção, propondo técnicas diferenciadas, como a produção robótica de placas cortadas sob jato de água de alta pressão. Dessa forma, novos materiais tendem a surgir assim como híbridos de materiais já existentes. Segundo a entrevista concedida pelo arquiteto Sulan Colatan, "os arquitetos precisam se tornar engenheiros de softwares e engenheiros de material, pois os arquitetos, com as novas tecnologias, podem produzir o material que quiserem, com as características necessárias ao projeto".

Com relação ao uso dos materiais, notou-se nas propostas para construções no espaço concreto muita fibra de vidro, devido aos grandes avanços na sua produção e às suas características físicas, como leveza, maleabilidade, impermeabilidade, resistência ao fogo, etc. e em muitos casos, como já apontado acima, o uso de materiais convencionais, como madeira, vidro, metal etc.

Outro ponto comum entre alguns projetos, é a ligação que eles trazem no seu discurso entre arquitetura e a indústria automobilística. A produção de autos evoluiu tecnicamente de forma muito expressiva e segundo alguns escritórios, a arquitetura deveria se aproveitar deste exemplo, principalmente com relação a produção em massa de casas industrializadas. Por exemplo, carros conceito, que produzem a sua própria energia ou ainda o carro europeu smart, um típico carro projetado desde seu conceito até seu funcionamento para grandes metrópoles, possuindo dimensões reduzidas, podendo ser estacionado em qualquer local e com baixo consumo de gasolina.

Alguns projetos tocam ainda no ponto da sustentabilidade na arquitetura, como geração da própria energia, por exemplo, como no caso do "Unplug Building" onde toda a fachada captaria energia e tornaria o edifício auto-suficiente, ou o "Amphibious Living" , que traz no seu discurso a questão do convívio pacífico com a natureza, sustentabilidade energética, tratamento de água e esgoto etc, questões estas imprescindíveis para uma Habitação no futuro. Vale notar que fica completamente ausente a questão da reciclagem de materiais na quase totalidade dos projetos aqui apresentados.

Design via Internet - co-autoria.

Outro tópico de bastante destaque e de fundamental importância para o entendimento do tema e para se traçar futuras previsões, é a questão do co-design trazido por estes projetos, como por exemplo a Variomatic House, Offtheroad_5speed, onde, graças ao advento de novas tecnologias na produção e concepção dessas residências, o morador torna-se também co-autor do seu projeto. Os termos flexibilidade e interação encontram seu uso mais expressivo em alguns dos projetos compilados, pois as casas não se restringem a simplesmente empurrar paredes ou possuir móveis com rodinha, mas sim numa participação do morador desde o processo de concepção espacial e uso dos materiais, até previsão de custos.

A grande difusão da internet nos últimos anos vem trazendo à tona a questão da autoria, redescutindo-a. Um texto, uma imagem, uma idéia: uma vez sendo lançadas na web, poderiam elas estar sendo rearranjadas, rediscutidas? A obra se torna de certa forma, uma obra aberta, onde não existe um autor exclusivo, e sim uma rede de autores trabalhando juntos. Alguns desses arquitetos, de certa forma reforçam esta idéia, indo contra um momento anterior onde se existia um grande mestre, um grande autor. O arquiteto é o mentor de todo um processo, e o usuário pode ser o co-autor. Vem sendo desenvolvido, por exemplo, o Copyleft, um registro para a não exclusividade de autoria dentro da web, o registro de um produto para que ele nunca possa ser de propriedade única, particular (como o Copyright), e sim para ser de domínio público.

Dois exemplos desse conceito podem ser a Variomatic House SM e a Embryo House. Na Variomatic House SM, o morador pode visualizar sua casa através do site interativo, podendo escolher os materiais, fazer intervenções espaciais, escolher a cor e tipo de revestimento e saber o custo final da obra. Além disso consegue encomendar o modelo em 3D e saber exatamente como ficará seu projeto. No caso da Embryo House, o morador pode fazer modificações espaciais, por exemplo abrir janelas e portas em qualquer lugar graças ao sistema construtivo completamente flexível que se assemelha a uma escama de peixes.
Estes são dois exemplos importantes de projetos que investigam e questionam o processo como um todo trazido pela questão das novas mídias no espaço doméstico, não apenas a sua forma plástica advinda do desenvolvimento de novos softwares, mas os métodos construtivos, a produção em massa não estandartizada etc.

Em alguns projetos (como a Chimerical Housing - projeto n.33, e Truss Wall House - projeto n.23) nota-se a pesquisa mais restrita as novas formas possibilitadas pelo uso de novos softwares e ao desenvolvimento de novos materiais e técnicas construtivas, mas o espaço interior continua a reproduzir o clássico modelo burguês parisiense do século XIX com sua tripartição em social, íntimo e serviços e uma série de cômodos estanques. Nem em todos os casos é possível notar uma grande transformação no convencional programa de uma residência.

Alguns dos projetos que visam experimentar o ciberespaço, como por exemplo, a Virtual House (projeto n.3), Boolean House (projeto n.36), The Moebious House (projeto n.31) e the Guest House (projeto n.15), mostram as possibilidades de uma habitação desprovida de gravidade e ductibilidade, por exemplo, sendo possível sua total flexibilidade e rearranjo. Alguns destes exemplos também mostram a importância e a influência de conceitos e formas provenientes da matemática nestes projetos (boolean, moebious, etc), sem dúvida devido aos sofisticados softwares que permitem visualizar operações matemáticas e formas em 3D.