Primeiramente queremos agradecer ao doutorando Fábio Queiroz que auxiliou todo desenvolvimento da pesquisa, bem como todo o Nomads.usp que a partir de suas atividades ajudou a enriquecer todo o processo e os resultados deste trabalho.
Os objetivos da pesquisa eram de coletar o material internacional e fazer leituras sobre inovações, em comparação com a produção paulista ·, não no sentido de procurar elencar soluções mais ou menos apropriadas, mas apresentando alternativas de agenciamento espacial que poderiam ser implantadas na produção brasileira, com potencial em termos de permitir outras possibilidades de usos dos espaços. Portanto não cabe aqui uma comparação de qualidade em relação a esta produção, mas levantar uma leitura sobre soluções encontradas nos projetos estudados e desenvolver aproximações com resultados das outras pesquisas do Nomads.usp sobre a produção paulistana.
Algumas dessas soluções estão diretamente relacionadas à estrutura espacial das unidades e representam rupturas frente ao modelo convencional de apartamento - segundo os 6 pontos colocados por Queiroz e Tramontano (2009). Outras soluções encontradas, embora nem sempre interfiram na estrutura espacial das unidades, ampliam possibilidades de usos ou estimulam novas relações entre usuários e espaço. Apresentamos, a seguir, uma síntese dessas soluções projetuais identificadas como inovadoras durante a pesquisa e que poderiam representar alternativas para a produção paulistana:

1. Soluções que se relacionam à estrutura espacial - 6 pontos

Em relação aos seis principais pontos (QUEIROZ; TRAMONTANO, 2009) que caracterizam as plantas dos apartamentos paulistanos e os vinculam aos seus congêneres parisienses (divisão em cômodos; estanqueidade funcional; hierarquia entre espaços; tripartição da habitação; articulação dos cômodos por dispositivos de circulação; e hierarquia entre circulações – melhor explicados no Item 2.1.2) observamos as seguintes soluções, consideradas inovadoras:

_Com relação à divisão em cômodos:

Entre os projetos estudados, a estratégia de organização de espaços baseada na compartimentação da planta em cômodos nem sempre é utilizada, ou passa por revisões.
Algumas propostas recuperam a idéia moderna de planta livre, permitindo que os usuários escolham a configuração das plantas ou se preferem mantê-la sem compartimentações.
Em outros projetos as plantas não apresentam espaços confinados, além daqueles destinados aos banheiros. As áreas para usos distintos são definidas através de recursos distintos, sem o uso, ou com o uso reduzido de paredes. A supressão de paredes entre espaços de convívio e de preparação de alimentos, por exemplo, integrando essas atividades, é uma característica freqüente entre os exemplares estudados.
Inflexões na planta podem conferir certa privacidade a espaços de recolhimento, destinados ao sono ou ao trabalho em casa. Variações na cota do piso - por exemplo, com degraus - ou a presença de equipamentos definindo usos e ambientes diferentes num mesmo espaço. Ou pode haver painéis móveis que permitem fechar temporariamente alguns espaços.

_Com relação à estanqueidade funcional:

A respeito da estanqueidade funcional dos espaços, com a vinculação de atividades a cômodos determinados, encontramos  exemplares que possuem cômodos que podem ser reconfigurados ou cuja posição, formato e acesso permitem ou sugerem usos diversos, ou mesmo a sobreposição de usos.
Como comentado acima, a existência de painéis móveis entre cômodos permite que os espaços sejam divididos ou integrados, dependendo das atividades dos moradores. Em alguns casos, os apartamentos têm armários que se deslocam ao longo de trilhos, funcionando como divisórias espessas móveis permitindo a reconfiguração da planta cotidianamente.
A presença destes espaços, passíveis de serem abertos ou fechados e de assumirem atividades distintas, modifica a relação entre o usuário e a unidade, possibilitando propostas de layouts diferentes e aproximando as unidades da idéia moderna de flexibilidade, de poder adequar o espaço a usos e necessidades diferentes de seus moradores, sem demandar reformas.

_Com relação à hierarquia entre espaços

Em relação à hierarquia entre os espaços, ela parece ser modificada em muitos dos exemplares estudados.
Foi freqüente verificar, entre os exemplares analisados, plantas com o acesso pela circulação da zona íntima - em geral, esse é a única entrada para a unidade. Assim, eventuais visitantes apenas chegariam aos espaços de convívio na zona social - normalmente por onde se dá o acesso principal nos apartamentos paulistanos - após terem percorrido o corredor que leva aos dormitórios. Essa configuração permite supor que os espaços de convívio nessas unidades estariam mais voltados ao uso pelos moradores ou para a eventual recepção informal de convidados, sendo o papel de representação social do grupo familiar, normalmente conferido às salas, menos predominante. Além disso, como já foi comentado anteriormente, pode-se também imaginar uma maior individualidade dos membros da família, já que não é preciso passar pela área social, e, portanto, pelo controle dos outros moradores, para se entrar ou sair de casa.
Esse caráter de individualidade é ainda reforçado em casos em que há acessos do exterior diretamente em dormitórios.
Em algumas plantas, verifica-se uma ausência de hierarquia dos cômodos. O acesso se dá em um corredor de circulação que leva a uma seqüência de cômodos semelhantes em termos de dimensões ou forma - com exceção de cozinha e banheiros. Nesses apartamentos, apesar da evidente compartimentação de suas plantas, não fica clara a função de cada cômodo, cabendo aos usuários a decisão sobre quais usos serão atribuídos a cada espaço.

_Com relação à tripartição da habitação

A tripartição da habitação com o agrupamento de cômodos em zonas Social, Íntima, e de Serviços, é modificada em diversos exemplares encontrados, gerando plantas com uma diversidade de arranjos que não é verificada na produção paulistana.
Dentre os projetos estudados foi comum encontrar plantas com quartos separados da zona íntima. Em muitos casos, todos os espaços passíveis de uso como dormitórios encontram-se posicionados de forma independente nas plantas, permitindo que seus usos se dêem, também, de forma mais independente - por exemplo, um quarto utilizado como escritório, sala de TV ou quarto de brinquedos das crianças.
Foram encontradas plantas que contavam com quartos atomizados e com mais de um acesso, relacionando-se com diferentes ambientes, como salas e até mesmo cozinhas.
Também foram encontrados, em algumas plantas, banheiros separados da zona íntima, mais distantes dos dormitórios e localizando-se na zona social, ou próximos da entrada do apartamento - mesmo em apartamentos de mais de dois dormitórios. Além disso, em alguns casos, foram verificados banheiros com mais de uma entrada e contam com divisórias internas móveis, de forma a servir simultaneamente a mais de uma pessoa - permitindo, portanto, que sejam entendidos como equipamentos da habitação.
Quanto à zona de serviço, o que se verifica é que nem sempre ela existe - tendo como referência os projetos analisados. Muitas vezes, encontram-se cozinhas integradas a salas. Algumas vezes, nem há um espaço claramente identificado como cozinha mas apenas os equipamentos de estocagem e preparação de alimentos sobrepostos aos espaços de convívio.  A área de serviço, comum nos apartamentos paulistanos, costuma ser reduzida a um espaço mínimo onde se encontram, apenas, máquinas de lavar e secar roupas e, às vezes, armários. Esse pequeno espaço não se encontra, necessariamente, ligado à cozinha e, muitas vezes, sequer existe. Nesses casos, conta-se com os equipamentos para o cuidado com as roupas embutidos em armários em diferentes posições no apartamento - na cozinha, em um banheiro ou corredor junto aos dormitórios ou à entrada do apartamento.
Cabe notar, que a ausência de dependências de empregados é claramente um reflexo de fatores culturais, como colocado anteriormente, no Item 2.1.6.

_Com relação à articulação dos cômodos por dispositivos de circulação

Em alguns exemplares foi observada a ausência de corredores de circulação como forma de articulação entre os cômodos. Nestes exemplares a integração entre os cômodos se dá de forma direta a partir de portas, painéis moveis ou armários moveis.
A ausência ou redução de corredores de circulação, associada a painéis móveis entre os cômodos aumenta as possibilidades de integração entre espaços - entre cozinha e sala, sala e quarto, quartos entre si etc. - possibilitando tanto romper a estanqueidade funcional dos ambientes, como a tripartição da unidade. Por exemplo, a conformação de uma zona íntima, articulada por um corredor que leva aos quartos, não é observada nesses casos.
Assim, amplia-se a diversidade de possibilidades de layouts e usos das unidades, o que pode ser muito interessante no panorama paulistano, frente aos diferentes tipos de grupos domésticos que conformam a população (IBGE, 1998, 2006).

 

_Com relação à hierarquia entre circulações

A existência de uma relação de hierarquia também entre circulações, separadas para o uso de patrões e empregados, inclusive no âmbito coletivo do edifício também não foi encontrada nos exemplares estudados - fator este que, assim como a ausência de dependências de empregados e colocado no item 2.1.6, têm clara relação com fatores culturais.
Nos exemplares em que foram verificados mais de um acesso, fica claro não se tratar de entradas social e de serviços, reflexo de uma questão social - relacionada à segregação de empregados -, como nos casos das duas entradas em apartamentos brasileiros. Contar com mais de um acesso para os moradores da unidade parece ressaltar a individualidade ou liberdade entre integrantes do grupo familiar. Como comentado anteriormente, os apartamentos podem contar com entradas em salas, na circulação da zona íntima ou mesmo diretamente nos dormitórios. Os muitos casos onde se tem o acesso principal pela cozinha, mostram que esse espaço não é entendido como um local de rejeição.
Essa liberdade de posicionamento de acessos, além de alterar a hierarquia entre as circulações - e também entre os cômodos - certamente amplia as possibilidades de configuração de plantas.

2. Soluções além dos 6 pontos

Observamos outras características que, ainda que às vezes menos evidentes a partir das plantas ou nem sempre diretamente relacionadas com à estrutura espacial da unidade, podem implicar em outras possibilidades para os espaços no que se refere às relações entre os usuários e destes com o próprio espaço ou com o exterior. São aspectos relacionados às aberturas dos espaços para o exterior - envolvendo as soluções, dimensões e formas de esquadrias - e a geometria dos espaços.
Além disso, outra característica que foge da estrutura espacial da unidade, mas que trata do edifício como um todo, é a multiplicidade de opções de plantas no edifício que, como colocado anteriormente, não é inédita, mas gera uma diversidade que pode ser interessante se retomada na produção paulistana.

_Quanto a relação com o exterior

A presença de grandes vãos de janelas pode permitir, obviamente, maior oferta de iluminação e ventilação natural nos ambientes. Mas também pode favorecer o contato dos usuários dos espaços com o exterior, diminuindo a sensação de confinamento. Além disso, as aberturas para o exterior de alguns dos exemplares encontrados estão posicionadas em pontos distintos para cada unidade, de forma a não constituir um padrão repetitivo nas fachadas.
Também foram encontradas aberturas com formatos diferenciados (polígonos irregulares ou círculos, por exemplo), tornando a aparência dos edifícios menos uniformizada e gerando elementos de diferenciação no interior das unidades.
Ainda com relação às aberturas das unidades para o exterior, alguns dos projetos estudados contavam com elementos móveis na composição de fachadas que funcionam como filtros. Em alguns projetos são anteparos que visam controlar a incidência de luz do sol, em outros casos esses elementos permitem aos moradores deixar os espaços mais ou menos abertos para o exterior, explorando as vistas ou conferindo maior privacidade, mas também alterando a configuração das fachadas.

_Quanto a geometria dos espaços

Quanto à geometria dos espaços, foi interessante notar uma série de soluções que, apesar de não implicarem numa reestruturação dos espaços, estimulam novas relações dos usuários com esses espaços.
Por exemplo, variações na altura entre o piso e o teto das unidades, conferindo qualidades distintas aos espaços, de acordo com a altura de seus pés-direitos.
A presença de pés-direitos duplos, em si - embora tenha sido encontrada com frequência entre os exemplares analisados - não representa uma inovação, sendo uma solução verificada em exemplares paulistanos, inclusive de décadas passadas. Contudo, na produção atual paulistana, os apartamentos que apresentam essa característica remetem à idéia dos lofts nova-iorquinos e são geralmente direcionados a compradores de maior poder aquisitivo.
Além de permitir uma percepção diferenciada do espaço pelos usuários, os pés-direitos duplos promovem a integração visual de espaços localizados em cotas distintas dentro da unidade.
Outra característica interessante encontrada em alguns exemplares são planos não perpendiculares entre si nas vedações verticais e horizontais. Isso implica em sessões de paredes, tetos e mesmo pisos inclinados. Alguns projetos apresentam paredes tombadas, tetos inclinados e pisos em rampa. Tais elementos levam os moradores a rever maneiras como usam e se relacionam com os espaços. Em outros casos, existem degraus no piso definindo áreas - ou plataformas - de uso.

_Quanto a multiplicidade de plantas

Como comentado anteriormente, algumas das características apontadas como inovações na pesquisa representam soluções projetuais já exploradas anteriormente, mas não encontradas usualmente na produção paulistana recente. É o caso da oferta de unidades com diferentes plantas em um mesmo edifício.
Na verdade, tal solução, que caracterizou edifícios reconhecidos como exemplares de boa arquitetura da produção moderna na cidade de São Paulo, já podia ser observada desde os primeiros exemplares produzidos na capital, datando da década de 1910 (como pode ser verificado através do banco de dados sobre apartamentos paulistanos do Nomads.usp).
A oferta de plantas distintas num mesmo edifício é considerada como uma característica inovadora nessa pesquisa por não ser uma solução habitual na produção das décadas recentes, mas, principalmente, por se tratar de soluções de desenho que resultam não apenas na variação do número de dormitórios, mas em organizações espaciais distintas.
Vale notar ainda que a maior parte dos edifícios estudados possua mais de dois tipos de apartamentos, sendo que alguns chegam a contar com mais de 70 tipos, com dimensões e soluções de desenho distintas, o que nos parece ser uma iniciativa voltada a atender a diversos perfis de moradores, misturando idades e formatos familiares no mesmo edifício.

De fato, alguns pontos apresentados, ainda que sejam considerados como inovações nesta pesquisa, representam soluções já exploradas anteriormente, como a planta livre ou a variedade de opções de plantas em apartamentos, ou mesmo o uso de vedações móveis entre ambientes. Contudo, no menos no que diz respeito à produção recente de apartamentos na cidade de São Paulo, tais soluções parecem ter sido deixadas de lado. Dessa forma, poderiam ser entendidas como inovações caso fossem adotadas em novos projetos. Como coloca Wilheim:
“Onde estão os arquitetos herdeiros de mestres da arquitetura residencial? Não mais se encontram, e perdoem a generalização, pois exceções certamente existem, projetos que emulem os esplêndidos edifícios Esther (Vital Brasil), Prudência (Rino Levi), Louveira (Artigas), General Jardim (O. Bratke), Mena Barreto (Aflalo e Gasperini), Guaimbé (Mendes da Rocha), Higienópolis (Heep), Sto. André (Pilon), Copan e Eiffel (Niemeyer) – todos exemplos de boa arquitetura, forte identidade, criatividade, bom ambiente para os seus moradores, enriquecendo a paisagem de suas ruas. E, na ocasião, bem vendidos, com lucro para seus empreendedores” (WILHEIM, 2008).
É importante ressaltar que, embora os projetos estudados geralmente apresentem aspectos que os diferenciam das plantas habituais de apartamentos paulistanos , não foi usual encontrar vários pontos de inovação em uma única planta. Porém, a variedade de soluções encontradas, na produção de diversos escritórios de arquitetura de diversos países, indica que parece haver outras posturas projetuais frente ao programa residencial.
Sobre essa diversidade na produção estrangeira, o pesquisador Dr. Douglas Brandão observa que “a literatura mostra uma variedade de arranjos para os espaços domésticos no mundo (...) que levam ao confronto com a estrutura mais restrita do desenho habitacional brasileiro” (BRANDÃO, 2002).
Talvez, considerando o panorama paulistano, fosse interessante compreender melhor tais posturas, no sentido de revisar o desenho das plantas dos apartamentos produzidos pela iniciativa privada na cidade (QUEIROZ, 2008).
Tendo em vista a diversidade de grupos familiares existentes no Brasil (IBGE 1998, 2006; NOMADS.usp 2007), uma maior diversidade de soluções projetuais poderia gerar um quadro onde os moradores não precisassem adequar seus modos de morar aos espaços dos apartamentos oferecidos no mercado, mas encontrar um apartamento que se adequasse melhor ao seu formato familiar e às mudanças pelas quais esse grupo passa ao longo do tempo.
Espera-se que as leituras apresentadas nesse relatório, assim como o banco de dados criado durante a pesquisa, auxiliem no desenvolvimento de diversas outras pesquisas no Nomads.usp – tanto aprofundando as leituras e discussões aqui apresentadas, sobre a produção estrangeira, quanto desenvolvendo novas leituras sobre espaços da habitação.
Por exemplo, desenvolver novos estudos que procurassem caracterizar a habitação européia e, assim, compreender o que representaria uma inovação naquele contexto. Também poderia ser interessante procurar exemplares contemporâneos em São Paulo e que também apresentem aspectos inovadores. Ou ainda, estudos que busquem estudar de maneira mais aprofundada as correlações entre soluções de projeto com modos de vida, entendendo que soluções poderiam corresponder a que modos de vida.

Por fim, acreditamos que estabelecendo e aprofundando novas comparações entre a produção internacional e a paulistana seja possível compreender melhor a forma como essa modalidade de habitação vem evoluindo nos anos recentes e, talvez, pensar em caminhos para o seu redesenho, indicando soluções que poderiam ser interessantes frente aos modos de vida atuais da população, não apenas na cidade de São Paulo, mas no Brasil.

Produção que tem sido foco de estudos do Nomads.usp desde o surgimento do núcleo (como por exemplo nas pesquisas: GONÇALVES, 2008; ZANETTI, 2009; VILLA, 2000; QUEIROZ, 2008; ANITELLI, 2010; TRAMONTANO, 1998).

Exemplos de leituras sobre a espacialidade de apartamentos considerados convencionais nas pesquisas desenvolvidas no Nomads.usp podem ser obervadas em QUEIROZ; TRAMONTANO, 2009 no seguinte endereço: http://seer.ufrgs.br/ambienteconstruido/article/view/7413/5486