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Primeira e-pesquisa Nomads.usp
Comportamentos & Espaços de morar

Leitura preliminar dos resultados

Ainda sobre a cozinha, 51,70% dos respondentes manifestaram desejo de que ela tivesse uma vista para uma paisagem bonita e 24,04% gostariam que uma divisória móvel a integrasse com o jardim ou com uma varanda, o que aponta para uma vontade de relação entre este espaço e um exterior prazeroso, desvinculando-o da idéia convencional de espaço de serviços. A relação com o exterior, mediatizada por equipamentos de telecomunicação, é mencionada por 27,87% dos entrevistados que desejariam ter uma TV em sua cozinha, e 25,96% que desejariam um telefone neste espaço. Sua integração com a sala de estar é vista, pelos entrevistados, de uma forma ambígua: 14,68% gostariam de viabilizá-la através de uma divisória móvel, que, aberta, suprimiria os limites entre os dois cômodos. Já 32,13% prefeririam um balcão que, mesmo permitindo uma ligação visual, ainda equivale a uma porção de vedação opaca.

Finalmente, perguntado sobre o sentido mais amplo de habitação, a maioria o identificou como "o lugar onde estão pessoas que lhe interessam" (28,30%). Em seguida, 22,77% responderam "o lugar onde passo a maior parte do meu tempo" e 22,55%, "o lugar onde estão meus pertences". A primeira alternativa valoriza mais o convívio social, a segunda tem um caráter mais funcionalista, enquanto que a terceira expressaria uma visão acentuadamente materialista e individualizada do espaço doméstico. Diante destas escolhas, 15,32% responderam que habitação "não é um lugar definido". A percepção da habitação, principalmente como o "produto de um investimento material", é inversamente proporcional às faixas de renda: entre os respondentes com renda mensal até R$ 900,00, esta é a opinião de 11,11%, enquanto que entre os renda mensal acima de R$ 3.601,00, apenas 2,56%.
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A maior parte dos entrevistados permanece, ao todo, entre 10 e 30 minutos no banheiro por dia, incluindo o banho (52,34%), que parece ser visto mais como um momento de relaxamento do que de higiene (48,09% e 45,74%, respectivamente). Quando perguntados sobre o que este espaço não tem e que eles gostariam que tivesse, 71,49% mencionaram uma banheira, 56,38%, uma vista para uma paisagem bonita, e 39,15%, um jardim interno. Duas considerações podem ser feitas sobre estes dados: 1. Estes três dispositivos estimulariam uma permanência mais longa no banheiro, provavelmente ultrapassando os trinta minutos máximos diários, e certamente diminuindo ainda mais o seu caráter restrito de espaço de higiene e de curta permanência; 2. Pode-se imaginar que os respondentes não estão exatamente solicitando a inclusão de um jardim interno em seu banheiro atual, supondo que se trata de um banheiro de pequenas dimensões, típico da habitação de três dormitórios de padrão médio descrita anteriormente. Neste caso, pode-se entender que estas respostas expressam uma vontade de possuir um espaço mais amplo, com vista e jardim, onde se possa relaxar e fazer sua higiene pessoal, o que constitui um lugar absolutamente inexistente na atual habitação urbana brasileira de padrão médio. Uma pista para o desenho deste novo espaço talvez esteja sendo dada pelos 24,89% que manifestaram desejo de ter uma divisória móvel integrando o banheiro com seu quarto. É ainda significativo notar que apenas 16,81% dos respondentes afirmaram que seu banheiro é normal e suficiente para suas necessidades.

Na maioria das casas, cozinhar é uma atividade diária, realizada por uma empregada (29,15%) ou por uma pessoa do grupo familiar (29,36%). Esse equilíbrio entre as duas alternativas vai se alterando em função das diversas faixas de renda: na casa dos respondentes com renda até R$ 900,00 mensais, a empregada é a cozinheira diária em 11,11% dos casos, mas em 37.04% esta atividade é realizada por uma pessoa do grupo familiar. Entre R$ 901,00 e R$ 1.800,00, estes valores são 14,10% e 38,46%, respectivamente. Entre R$ 1.801,00 e R$ 2.700,00, estes valores são 19,77% e 36,05%, respectivamente. Entre R$2.701 e R$ 3.600,00, os valores se aproximam: 23,81% e 29,76%, respectivamente. O equilíbrio é definitivamente rompido nos respondentes cuja renda excede os R$ 3.601,00 mensais: 44,10% e 21,54%, respectivamente. A percepção geral de que os singles tendem a cozinhar menos em casa do que as famílias nucleares se confirma: 61,29% dos entrevistados pertencentes a elas costumam comer em casa no almoço e no jantar entre segunda e sexta-feira, enquanto os singles comem fora de casa no almoço e em casa no jantar (57,89%) ou fora de casa no almoço, e normalmente não jantam (15,79%). Nos fins de semana, estes números apenas se acentuam. Dentro do espaço da habitação, o lugar onde a grande maioria das pessoas costuma fazer suas refeições é a cozinha (61,28%), seguido da sala de jantar (44,89%) e sala de TV (40,43%). Os jovens entre 16 a 23 anos são os que mais preferem comer no quarto (29,06%), seguidos das pessoas que vivem sós (27,45%). Entre os respondentes de famílias nucleares, apenas 12,10% costumam comer no quarto.

A consulta foi realizada via Internet, através do site do Nomads.usp, durante os meses de outubro e novembro de 2001. A divulgação desta Primeira e-Pesquisa foi feita utilizando-se de e-mails, matérias em jornais e revistas de grande circulação, tanto especializadas na área de arquitetura, quanto direcionadas ao público leigo. No entanto, apenas 11,49% dos entrevistados declararam ter tido conhecimento através de jornais ou revistas, enquanto que a grande maioria (47,45%) soube através de amigos. Uma outra parcela significativa (16,17%) soube da pesquisa ao visitar o site do Nomads.usp, e 12,55% foram informados em suas escolas.

A pesquisa procurava abranger a totalidade do território nacional e as diversas faixas de renda, níveis de escolaridade e faixas etárias, dentro dos limites restritos da comunicação via Internet. O pesquisado majoritário tem entre 24 e 35 anos (42,34%), concluiu ou está realizando estudos de nível superior, e tem renda familiar mensal acima de R$ 3.600,00 (vinte salários mínimos) . Metade deles moram em casas, e outra metade em apartamentos, revelando um perfil bastante equilibrado, ainda que os primeiros sejam principalmente proprietários de seus imóveis (37,23%), contrastando com os últimos (22,13% proprietários e 23,83% locatários). Os principais grupos domésticos estão também representados: a família nuclear é majoritária (60,64%, bastante próximos do total nacional de 55,80%), seguida de casais sem filhos (12,98%), coabitação de pessoas sem vínculo conjugal e parentesco (11,49%), pessoas vivendo sós (10,85%) e famílias monoparentais (4,04%).

A pesquisa indica que as habitações desta população costuma abrigar de dois a quatro ocupantes (65,64%), e ter três dormitórios e dois banheiros (44,68%), o que confirma o perfil de casas ou apartamentos, não necessariamente de alto padrão, abrigando um casal sem filhos, ou com um ou dois filhos. A maioria dos entrevistados possui um (38,30%) ou, no máximo, dois (30,85%) automóveis, o que legitimaria esta conclusão. 63,40% dos entrevistados possuem um ou dois aparelhos de TV: no primeiro caso, percebe-se que parte deles estão no dormitório e não mais na sala de est ar, o que reforça a tendência de uso individualizado desse aparelho (48,30% declararam assistir TV no quarto), confirmada pela constatação de que um em cada três entrevistados (35,74%) possui três ou mais aparelhos em casas com três dormitórios. Apenas 8,09% dos entrevistados não possuem aparelho de rádio em casa, e dois em cada três declaram utilizá-lo em seus momentos de lazer em casa, o que constitui uma porcentagem alta (59,79%). Seu uso é mais freqüente entre os adolescentes e jovens de 16 a 24 anos, aparecendo em segundo lugar em suas preferências (74,36% das respostas nessa faixa etária). No que se refere ao uso de mídias em atividades de lazer em casa, aliás, o televisor é o grande campeão, com 88,09% das respostas, seguido pela leitura de livros e revistas (76,81%), e pelo uso de microcomputador conectado à Internet (63,19%). A leitura de jornais é declarada por 57,23% dos respondentes, e o uso do telefone por apenas 43,40%. Um em cada quatro respondentes ainda não possui microondas (25,32%). O freezer, provavelmente por seu preço alto e consumo energético elevado, continua ausente da casa de 45,96% dos entrevistados. Curioso, no entanto, é constatar que 61,28% não possuem lava-louças, um eletrodoméstico relativamente barato e de baixo consumo energético.

O quarto é o local preferido de isolamento de 54,04% dos entrevistados. Além de dormir, a atividade mais comum neste espaço é ler ou escrever coisas não relacionadas com trabalho ou estudo (74,47%). Sexo (67,87%) e falar ao telefone (59,36%), são, na ordem, as demais atividades preferidas. Os adolescentes e jovens de 16 a 23 anos usam o espaço do quarto principalmente para ouvir música (76,07%), leituras não relacionadas a atividades escolares (73,50%), e estudar (72,75%). Nesta faixa etária, a atividade sexual parece ser entendida como ato não solitário, já que apenas 37,61% dos entrevistados admitiram fazer sexo em seu quarto. Seja como for, é importante perceber a enorme sobreposição de funções neste espaço, que abriga cada vez mais novas atividades: apenas 4,89% declararam que costumam usá-lo só para dormir.

O uso do computador no espaço doméstico parece ser uma realidade comum para a maioria: apenas 8,94% declararam não possuir computador em casa. Isso não confirma, necessariamente, a tendência de trabalho em casa, já que 45,32% dos respondentes declararam não utilizar o computador para trabalho remunerado. 30,64% têm conexão à Internet de alta velocidade, 22,55% têm o computador em seu quarto, conectado à Internet, e 16,17% comunicam-se com outras pessoas através da rede mundial de computadores. Sobre a importância de se garantir individualidade aos dois membros de um casal, as opiniões divergem segundo a região do país. Enquanto os respondentes das regiões Sul e Nordeste reconhecem esta importância, quase por unanimidade (98,36% e 98,04%, respectivamente), os habitantes da região Norte parecem menos convencidos dela, já que apenas 87,10% responderam sim , e 41,94% desta mesma região acreditam que é preciso dormir no mesmo quarto e na mesma cama para que esta individualidade seja garantida. Mais da metade dos entrevistados vê com bons olhos o uso de closets e armários individuais, ou de espaços individuais de trabalho para os membros do casal (52,34%).