Informatização e Espaço Doméstico: Estudos para a inclusão da população de baixa renda na sociedade digital
Resumo

O tema Informatização e Espaço Doméstico: Estudos para a inclusão da população de baixa renda na sociedade digital, se insere dentro da linha de pesquisa "Habitação e Virtualidade" do Nomads.usp Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP, sob a coordenação do Prof. Dr. Marcelo Tramontano. O objetivo principal desta pesquisa é a produção de um estudo das atuais tecnologias de informação e comunicação utilizáveis em programas destinados a grupos domésticos com renda entre três e cinco salários mínimos, verificando-se a possibilidade de sua inserção em conjuntos de habitação de interesse social, nas esferas privada e coletiva, de modo a promover, para estas pessoas, a compreensão destas tecnologias e o acesso a serviços telemáticos.

Além disso espera-se também:

· Entender a relação habitação / informatização, ambas de baixo custo, através do estudo de exemplos atuais em diversas partes do mundo;
· Entender os mecanismos da chamada "exclusão digital";
· Avaliar sistemas informatizados de comunicação à distância disponíveis no mercado e pesquisar quais deles são viáveis para auxiliar a vida quotidiana das classes menos favorecidas no Brasil, consultando para isso especialistas nas áreas em questão;
· Produzir página web no site do Nomads.usp sobre a presente pesquisa e seu desenvolvimento, disponibilizando resultados;
· Produzir documentos atualizados sobre o assunto, que serão úteis a outras pesquisas do Nomads.usp, e à discussão do tema dentro do cenário arquitetônico brasileiro.

Introdução

Na segunda metade da década de 1980, vários países do mundo, incluindo o Brasil, assistiram à banalização do computador pessoal, que deixou de fazer parte apenas do universo dos escritórios para instalar-se nos lares da classe média. Com a ampliação do acesso à internet, no início da década de 1990, e sua popularização, primeiramente nos Estados Unidos e depois no mundo, os computadores tornaram-se objetos desejados, inclusive pelas camadas sociais mais pobres, cujos jovens parecem enxergar, no domínio desta máquina complexa, a chance de obter um emprego que lhes conduza à ascensão social. Com o passar dos anos, o preço destas máquinas está diminuindo, possibilitando sua aquisição por pessoas menos abastadas, inclusive de equipamentos usados - que podem ser obtidos, por exemplo, em países com alta rotatividade destas máquinas como Japão e EUA. As universidades também já desenvolvem computadores a baixo custo para esta população.

O surgimento do acesso gratuito à internet e a endereços de correio eletrônico são outros fatos importantes nestas mudanças, pois ampliam de forma privilegiada o acesso à informação, moeda do século XXI. Paralelamente, têm sido desenvolvidas outras interfaces, como o uso de telefones celulares e a combinação televisor+setup box -decodificadores de sinais digitais ou analógicos, que permitem navegar na Web pelo televisor, jogar on-line, gravar dados em HDs virtuais, receber e-mails, etc. Tanto o telefone celular quanto o televisor são equipamentos já amplamente presentes na habitação das classes de baixa renda.

Contudo, segundo o DataFolha, atualmente apenas 7% do total dos internautas brasileiros pertencem às classes C e D, as quais correspondem a 42% da população1. Em sua grande maioria são jovens do sexo masculino, de 14 a 24 anos, e acessam a internet com menor frequência do que classes mais ricas, além de possuírem menos anos de educação também, o que implica na deficiência de compreensão das informações disponíveis na internet, principalmente as que se encontram em línguas estrangeiras.

Rodrigo Baggio nota que "a nova divisão internacional do trabalho reflete uma reestruturação do processo produtivo, e novos postos e perfís profissionais são exigidos. O novo trabalhador deve ser um sujeito com permanente capacidade de aprendizagem e de adaptação a mudanças, deve saber trabalhar em grupo, de preferência em equipes multidisciplinares, e ter domínio da linguagem das máquinas. Ou seja: deve também ser alfabetizado do ponto de vista digital. Assim, o mundo da tecnologia também se configura como uma forma de inclusão social. A aprendizagem da informática e o acesso às novas linguagens de comunicação e informação não só possibilitam oportunidades econômicas, de geração de renda, como também representam um importante capital social"2.

Além disso, e talvez ainda mais importante, entrevêem-se grandes avanços nas áreas da saúde e da educação, por exemplo, conseguidos se apenas fosse possível banalizar o acesso à internet a partir de porções ermas do território nacional, através de programas governamentais e suas parcerias com empresas privadas. Associadas à informatização, já em curso, de toda a cadeia de profissionais, instituições e serviços nestas áreas, tais iniciativas seriam realmente capazes de transformar a vida daquelas populações.

De acordo com Pierre Lévy "as performances industriais e comerciais das companhias, das regiões, das grandes zonas geopolíticas, são intimamente relacionadas a políticas de gestão do saber"3 , ou seja, o conhecimento e constante geração de competência são as principais fontes de riquezas das empresas, metrópoles e nações. O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, responsável pelo plano de inclusão digital da população de baixa renda da cidade de São Paulo, complementa: "É estratégico disseminar amplamente o acesso aos instrumentos mais avançados das tecnologias da informação como elemento essencial de valorização do nosso espaço nacional. O caminho proposto para reduzir e eliminar a miséria é partir em busca da riqueza. Tratar a redução da pobreza apenas como política assistencial ou focalizada é, na sociedade da informação, como enxugar o gelo"4. Segundo o Livro Verde, do programa Sociedade da Informação, do Ministério da Ciência e Tecnologia, "No quadro de mudanças estruturais pelas quais o mundo vem passando, a disseminação de padrões culturais globalizados assume proporções sem limites e interfere poderosamente nos processos econômicos, políticos e culturais das sociedades nacionais.

A informação, as telecomunicações, as novas mídias, a informática em geral e a indústria eletroeletrônica passaram a ocupar lugar central no processo de acumulação de capital. Como efeito imediato desse processo, promove-se globalmente a privatização e a desregulamentação do setor. Nesse novo quadro, a tecnologia aprofunda e estende a habilidade das empresas para transformar em mercadorias os produtos da telemática - que são informações em todas as suas formas -"5.

Dispositivo precioso já existente são os telecentros, que consistem em um espaço físico onde são alocados alguns computadores conectados à internet para uso comunitário, em geral gratuito. Nestes locais há a possibilidade da população trabalhadora fazer cursos à distância via internet, em horários de sua conveniência. O acesso a estas tecnologias e à internet pode melhorar o nível de vida destas pessoas, pois permite o acesso a um universo mais amplo de informações, e, se estas pessoas forem capacitadas a entender e processar estas informações, estarão melhor preparadas para o mercado de trabalho. Como efeito colateral, a educação e a inserção de jovens atualmente marginalizados, na sociedade digital, pode, eventualmente, fazer diminuir índices de violência urbana. Porém, por enquanto a maioria desses telecentros limitam-se a oferecer cursos de computação e acesso gratuito à rede mundial de computadores.

Atualmente, apenas as classes de maior poder aquisitivo tem acesso à maioria destas tecnologias, já que seu custo ainda é muito alto. Já existem, contudo, algumas alternativas para as classes médias, e parece ser apenas uma questão de tempo a vulgarização destas tecnologias - ou de parte delas - a preço acessível a classes mais pobres. Assim foi com a eletricidade, o telefone, a televisão e outras várias invenções humanas, que, no princípio de sua existência, só eram acessíveis a quem podia pagar seu alto preço. Um bom exemplo é o do telefone celular cujo uso atual já está disseminado até mesmo nas classes sociais mais pobres, oferecendo inclusive acesso à internet.

Atualmente o tema da exclusão digital vem ganhando a atenção da mídia. De acordo com o Prof. Dr. Gilson Schwartz, coordenador do projeto Cidade do Conhecimento, da USP, "A exclusão digital não é ficar sem computador ou telefone celular. É continuarmos incapazes de pensar, de criar e de organizar novas formas, mais justas e dinâmicas, de produção e distribuição de riqueza simbólica e material"6.

É importante que haja financiamentos para que cada indivíduo tenha acesso às redes de informação, seja a partir da escola, de seu local de trabalho, de sua habitação, de telecentros ou de outras instâncias. Deve-se lembrar, contudo, que não basta facilitar o acesso a computadores e à internet: é imprescindível promover a alfabetização digital. No Brasil e no mundo percebe-se o fato de que quanto menor a renda e a escolaridade, menor é o acesso à internet. Ou seja, a possibilidade de aquisição de habilidades básicas para o uso destas tecnologias parece estar ligada diretamente ao grau de renda e de instrução, o que permite supor que o acesso a estas tecnologias poderá melhorar o padrão de vida destas pessoas. É importante capacitá-las para a utilização dessas mídias em favor dos interesses e necessidades individuais e comunitários, com responsabilidade e senso de cidadania.

Metodologia

Será feita uma pesquisa qualitativa, em duas instâncias principais:

Consulta a fontes primárias: entrevistas com profissionais e pesquisadores que se destacam nas áreas relacionadas com o tema, inclusive via internet, no caso de contato com pessoas no exterior. Além disso, serão realizadas visitas técnicas a experiências realizadas e em curso, no eixo Rio de Janeiro / São Paulo / Curitiba, onde se concentram as experiências mais relevantes. Todas as entrevistas e visitas serão documentadas e registradas.

Consulta a fontes secundárias: Obtenção e leitura de documentos relativos ao assunto da pesquisa, em universidades e centros de estudo brasileiros e através da internet.

As principais etapas de trabalho propostas para a realização desta pesquisa são:

Etapa 1 - Revisão bibliográfica: Pesquisar, coletar e analisar documentos impressos ou digitais: textos e imagens (vídeos, tabelas, figuras e fotografias) sobre horizonte teórico do tema em questão. Visitas a centros de estudo e bibliotecas de universidades como USP-São Carlos (EESC E ICMC), UFSCAR, USP-São Paulo (FAU, ECA, EP), UNICAMP (Multimeios) e Documentação Nomads.usp. Uso de pesquisas oficiais e comerciais como IBGE, SEADE, Embraesp, SECOVI, UNESCO, Datafolha, IBOPE, NUA Internet Surveys, e Banco Mundial. A internet também será usada como uma constante fonte de informação e atualização de fontes, e como meio de comunicação;

Etapa 2 - Levantamento / sistematização e inclusão em base de dados: De equipamentos -computadores, etc.- , software -Linux, etc.- sistemas de transmissão -via rádio,etc.-, interfaces -setup box, etc.- mais convenientes para a faixa de população alvo da pesquisa;

Etapa 3 - Análise de experiências realizadas no Brasil: Contato com experiências realizadas e em curso, no eixo Rio de Janeiro / São Paulo / Curitiba. Análise dos problemas e soluções encontrados. Também será feita uma análise dos projetos de informatização da habitação popular e de classes médias que possam existir no Brasil;

Etapa 4 - Análise de experiências realizadas no exterior: Repertoriar experiências recentes no âmbito internacional, como a já citada do grupo Second Time Zone, em Paris;

Etapa 5 - Entrevistas: Preparação, aplicação, sistematização, inclusão em base de dados e análise de entrevistas com profissionais (arquitetos e engenheiros, engenheiros de computação, sociólogos, fabricantes de sistemas e equipamentos, vendedores, etc.) e pesquisadores, que atuem em áreas relacionadas com o tema.

Etapa 6 - Análise de conjuntos habitacionais: Análise das esferas privada e coletiva conjuntos emblemáticos selecionados no eixo São Paulo / Rio de Janeiro / Curitiba, considerando os processos de transformação recente de hábitos da população brasileira, auxiliado pelos resultados de diversas pesquisas do Nomads.usp;

Etapa 7 - Complementação de dados dos levantamentos diversos;

Etapa 8 - Complementação das entrevistas da etapa 5;

Etapa 9 - Redação da dissertação. Análises finais.

Notas

1- www1.uol.com.br/folha/datafolha/especiais/ibrands_a.pdf

2-A sociedade da informação e a infoexclusão.Rodrigo Baggio- www.scielo.br/scielo.php?script/sci_pdf&pid/S0100-19652000000200003&lng/en&nrm/iso

3-LEVY, P. Cìbercultura. São Paulo: Ed. 34. 1999. p. 175-176.
4-SILVEIRA, S. A. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Perseu Abramo, 2001. p.22.
5-TAKAHASHI, Tadao (org.). Sociedade da Informação no Brasil: Livro Verde. Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasília, 2000. pg 59,disponível no site: www.socinfo.org.br.
6-Exclusão digital entra na agenda econômica mundial. Folha de São Paulo. São Paulo: 18 jun. 2000

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