III ETAPA DE PRODUÇÃO
Essa nova etapa de produção audiovisual foi desenvolvida ao longo do segundo período do projeto (2019/2020) e procurou dar continuidade aos experimentos realizados anteriormente, aprofundando os vínculos entre as referências audiovisuais analisadas e as novas produções da pesquisa. Dessa forma, retomou-se a metodologia usada na I etapa de produção, onde o foco das experimentações está no processo de edição e o material audiovisual utilizado foi capturado e sistematizado em outras iniciativas do grupo de pesquisa.
CAPTURA DE IMAGENS E SONS | CATEGORIZAÇÃO DOS PRODUTOS E ARMAZENAMENTO EM REPOSITÓRIO ONLINE
As primeiras experimentações desta nova etapa da pesquisa foram construídas a partir de produtos obtidos no Frontier Zones 2017. Essa ação experimental de produção audiovisual foi promovida pelo Nomads em parceria com universidades internacionais, como a Leuphana University em Lüneburg, HCU HafenCity University em Hamburg e a Filmuniversität Babelsberg Konrad Wolf (HFF) em Potsdam. Esta escola de verão reuniu entres seus principais produtos um acervo coletivo de imagens e sons capturados na região central de São Paulo, entre 12 e 15 de julho, de 2017.
Esse conjunto de imagens retratam o centro de São Paulo sob olhares distintos dos participantes, trazendo registros dos diferentes fluxos e atividade que se desenvolvem na região, retratando também quem são os indivíduos que ocupam esse espaço urbano. O material contempla ainda entrevistas, relatos e diálogos com alguns desses indivíduos, como moradores de rua, imigrantes, refugiados ou mesmo trabalhadores que ocupam a região.
Esse acervo coletivo está disponível no Resource Space (http://www.nomads.usp.br/resourcespace/pages/home.php?login=true) e pode ser acessado mediante o contato como o grupo. No acervo as imagens estão organizadas de acordo com o autor, local de captura e o principal elemento retratado. Os sons utilizados nesta etapa de edição foram captados de bibliotecas de áudio disponíveis na rede, sendo todos os áudios usados licenciados dentro da licença Creative Commons.
PROCESSO DE EDIÇÃO
O processo de edição desta etapa de produção audiovisual foi dividido em dois momentos distintos, primeiro foram construídos pequenos experimentos curtos com duração de alguns minutos. A partir dos resultados obtidos nestes experimentos, foram elaboradas duas leituras urbanas mais complexas.
Nos primeiros experimentos foram aprofundadas algumas das técnicas comentadas na seção de FERRAMENTAS DE EDIÇÃO, combinando-as de diferentes formas com as imagens do acervo. Esse conjunto de experimentações intermediárias permitiu perceber que aspectos foram ressaltados a partir do uso de cada técnica, servindo como estudo para sua aplicação nos produtos seguintes.
O primeiro conjunto de experimentações trabalha com a múltipla exposição e filtros de correção, destacando o brilho das imagens e construindo uma atmosfera etérea. Nessas sequências a sobreposição se faz mais notável, remetendo a percepção da temporalidade ou mesmo da sucessão de ações recorrentes.
Já o segundo conjunto de experimentações combina técnicas de múltipla exposição com filtro de Inversão. Neste conjunto notamos como os fluxos urbanos se materializam junto à estrutura física da cidade, tornando a percepção desses dois elementos mais homogênea ao mesmo tempo que torna a representação da cidade abstrata ou mesmo virtual.
No último conjunto de experimentações, as mesmas sequências são tratadas com filtro de Tonalidade alternando diferentes tons de vermelho. A partir desta comparação, percebemos como este terceiro conjunto privilegia a infra estrutura urbana, tornando os fluxos pequenos vultos que não se destacam na leitura do quadro.
O segundo momento do processo de edição incorporou esse conjunto de reflexões na elaboração de duas peças audiovisuais que falam sobre o ambiente urbano do centro de São Paulo. Assim como as técnicas de edição as narrativas desses produtos finais também incorporou os trabalhos de Richard Tuohy (2014,2018) como referência direta, uma vez que as leituras do primeiro trabalho “Embriagados” se aproximam de “Riding The Bolex Through The Multiverse” e “China, not China”; enquanto o segundo “Urban Flow” dialoga com “Ginza Strip”.
RESULTADOS
EMBRIAGADOS
Esse primeiro produto “Embriagados” fala sobre o cotidiano do centro da metrópole sobre uma perspectiva muito particular dos sujeitos opacos, como sugere Jacques (2010). Estes indivíduos apontados pela autora são exemplificados aqui na figura dos ambulantes, dos refugiados, dos desabrigados, indivíduos que reinventam o espaço em sua vivência cotidiana carregam consigo potencial de profanar as narrativas dominantes construídas pelo grande capital na produção da cidade (JACQUES, 2010).
Para construir essa leitura o trabalho se inspira nas peças Tuohy, emprestando do cineasta essa atmosfera subjetiva, que materializa a dimensão temporal dessas atividades cotidianas, que se repetem no dia a dia desse espaço da metrópole. A ideia de rotina e de repetição reforçada pela edição dialoga com a trilha sonora experimental que remete ao ambiente caótico da metrópole, estabelecendo diálogos contraditórios que ajudam a sugerir a sensação de embriaguez.
Outro notável esforço deste trabalho está no uso de trechos de diálogos e entrevistas, que são retratados como uma tentativa contínua de comunicação desses sujeitos marginalizados, onde suas vozes não são compreensíveis ou se misturam em meio a um ambiente sonoro caótico da metrópole. Essa representação reforça a ideia das narrativas apagadas, ou não compreendidas desses personagens urbanos.
URBAN FLOW
O segundo trabalho “Urban Flow” resgata o imaginário urbano que fascinou os primeiros cineastas, como lembrado por Comolli (2008). A cidade em movimento, espaço do fluxo contínuo de pessoas, automóveis, mercadorias e subjetividades. A cidade dos encontros espontâneos, dos diferentes sujeitos anônimos em meio à multidão. Seguido o exemplo de “Ginza Strip”, o trabalho representa São Paulo através de seus signos, suas fachadas, suas vitrines, as palavras pichadas na rua, o trânsito de pessoas e carros. Esses elementos são estilizados, sobrepostos e articulados para construir uma experiência sinestésica que acompanha a trilha sonora experimental.
Nesse experimento aprofunda-se a complexidade das ferramentas de edição apresentadas anteriormente, combinando-as com características específicas das imagens escolhidas do acervo. Assim movimentos de câmera conversam com as animações de máscaras. Imagens estáticas ganham movimento, ritmo e continuidade a partir da construção das sequências. A trilha sonora ajuda na construção do ritmo, além de contribuir para abstração das imagens. Reflexos da cidade se confundem em meio as sobreposições de imagens com cores fortes e saturadas. Propõe-se, no fim, uma sinfonia contemporânea da metrópole.
Os resultados obtidos nesta etapa de produção também estão disponíveis no canal Para ler a cidade no Youtube.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMOLLI, J. L. Ver e poder – A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
JACQUES, P. B. Zonas de tensão: em busca de micro-resistências urbanas. Corpocidade: debates, ações e articulações. Salvador: EDUFBA, p. 106-119, 2010.
TUOHY, R. Ginza Strip. 2014.
TUOHY, R.; BARRIE, D. China Not China. 2018.
TUOHY, R. Riding The Bolex Through The Multiverse. 2019.