FERRAMENTAS DE EDIÇÃO
Partindo do entendimento apontado por Nichols (2010) de que o registro documental é uma representação da realidade, construída sobre o ponto de vista do documentarista e com um compromisso com a realidade retratada, podemos entender a importância da edição como método para desenhar esta representação. Essa percepção justifica o enfoque deste projeto no processo de edição e na exploração das possibilidades técnicas da produção audiovisual, entendendo-as como ferramentas auxiliares para leitura dos territórios urbanos.
Nessa perspectiva, a edição fornece os meios para o documentarista construir seu argumento sobre a realidade, permitindo-o destacar elementos mais significativos para seu discurso ou mesmo materializar em sua representação aspectos subjetivos que podem ser desprendidos desta realidade. A edição permite ainda construir relações improváveis, ao relacionar realidades distintas construindo através delas alguma conexão. Sendo assim, o processo de edição é um dos caminho através do qual a linguagem audiovisual constrói suas narrativas tendo evoluído muito desde o cinema primitivo.
Inicialmente o processo de edição era marcado pelo trabalho manual, que além de limitado era impreciso e laborioso. Mas hoje, com as tecnologias digitais, a captura de imagens se tornou algo cotidiano e as iniciativas de edição e manipulação de materiais audiovisuais se tornaram simples e acessíveis. O desenvolvimento dessas ferramentas abriu caminho para novas possibilidades de edição, uma vez que operações simples como recortes, deslocamentos, sobreposições e transições podem ser facilmente realizadas por meio de uma infinidade de softwares disponíveis. Assim torna se relevante para o trabalho o conhecimento e a prática dos Softwares que possibilitam a edição dentro do universo digital, como Adobe Premiere Pro, Sony Vegas, Final Cut Pro e After Effects ou ainda opções gratuitas como HitFilm Express.
A primeira etapa deste trabalho(2018/2019) aproximou-se do Adobe Premiere Pro, software de edição robusto e voltado para a montagem, que oferece uma grande gama de ferramentas para edição de áudio e vídeos, ao mesmo tempo que é compatível com vários formatos de arquivos, sendo um programa amplamente usado pelos profissionais da área de cinema e audiovisual. A escolha pelo Premiere Pro, foi baseada na experiência obtida por projetos passados, como Frontier Zones ou Filma Nomads, que apontam para a eficiência do software para os objetivos da pesquisa, uma vez que outro softwares gratuitos não oferecem tantas ferramentas, além de gerarem produtos de qualidade muito limitada.
O Premiere Pro ainda é compatível com os principais sistemas operacionais, diferentes de outros softwares como o Final Cut Pro, e também dialoga com outros softwares de edição do pacote Adobe, como After Effects, Photoshop e o Audition, que ampliam e simplificam suas possibilidades de edição. No entanto por se tratar de um programa voltado para atuação profissional, o software possui uma relativa complexidade de uso, não sendo tão intuitivo, exigindo assim uma maior capacitação para se explorar amplitude de seus recursos.
O processo de capacitação no software envolveu a primeira etapa de produção audiovisual prevista pelo projeto, que propunha a elaboração de pequenos vídeos experimentais de 1 a 2 min. onde se buscava explorar as ferramentas disponibilizadas pelo software e ao mesmo tempo criar familiaridade com Interface do programa. Este processo foi auxiliado, por tutoriais disponíveis na rede em sites como o YouTube, onde se pode encontrar diversos canais voltados para produção audiovisual ou ainda no site do próprio Adobe Premiere, onde existe uma detalhada e completa biblioteca de tutoriais voltados para o uso do programa. Este processo contou ainda com auxílio de técnicos do IAU-USP especializados na área de comunicação e audiovisual que se colocaram à disposição para o esclarecimento de dúvidas e suporte técnico.

Uma vez que o processo de capacitação está sendo abordado é interessante comentar um pouco sobre a interface de trabalho do Premiere (Figura 1), mostrando suas principais janelas e como elas estruturam o processo de edição neste software. Assim podemos colocar como principais janelas do Premier, a janela de Projeto (1), seguida pelo conjunto formado pela Linha do Tempo, Caixa de Ferramentas e os Medidores de Áudio (2), depois a janela de Efeitos (3), assim como a janela de Controle de Efeitos (4), por fim a janela do Preview (5).
A janela de Projeto, é onde se situa sua biblioteca de arquivos, reunindo vídeos, áudios, compartimentos, sequências, títulos e camadas de ajuste. Quando se cria uma sequência, você pode deslocar estes arquivos para linha do tempo, onde estão os canais de áudio e vídeo, que permitem organizar os arquivos para construir as sequências, para auxiliar o trabalho na linha do tempo estão ao seu lado a caixa de ferramentas onde estão as ferramentas para manipular estes arquivos, entretanto a maior parte destas ferramentas pode ser acessada por atalhos pelo teclado facilitando o processo de edição.
Do outro lado estão os medidores de áudio que auxiliam na edição do áudio mostrando a intensidade do conjunto dos canais.
Depois de se organizar a sequência é possível, trabalhar os arquivos e as transições através da janela de efeitos, que reúne uma série de efeitos e transições de áudio e vídeo já fornecidas pelo Premier, além destes efeitos e transições é possível encontrar outros disponíveis em rede, ou mesmo construir efeitos mais complexos a partir dos fornecidos pelo programa.
Para configurar os efeitos se usa a janela Controle de Efeitos, que permite ajustar os efeitos de cada vídeo para cada situação específica, através do Controle de Efeitos é possível criar animações de títulos, formas, máscaras e filtros, assim como tratar a imagem dos vídeos, alterando saturação, contraste, balanço de brancos, entre outras características tradicionais da edição de fotos.
Enquanto se Trabalha é possível acompanhar o desenvolvimento do projeto através do Preview que permite visualizar o processo de edição fazendo renderizações intermediárias que auxiliam no processo de experimentação.
Por fim importante comentar a importância da organização dentro do processo de edição, apesar das experimentação permitirem uma certa flexibilidade, até mesmo uma espontaneidade das ações e tentativas, a organização do material e dos arquivos que se está trabalhando é fundamental para o direcionamento do processo, sendo momento de seleção, ajudando a organizar as intenções e ideias, e até mesmo favorecendo-as. Por outro lado a organização também é relevante para o programa pois os arquivos importados pelo Premiere são referenciados em sua origem, dessa forma é importante garantir a permanência do material no local de importação, pois até a renderização qualquer mudança intencional ou não pode ocasionar erros e dificultar o trabalho, mesmo o programa possuindo ferramentas de relocalização do arquivo.
Para a segunda etapa da pesquisa (2019/2020), esperava-se aprofundar o uso de outros softwares de pós produção como After Effects ou Creative Cloud, aproveitando ainda os vínculos possíveis entre esses softwares e o Premiere Pro. Nesse sentido, foi direcionado esforço principalmente para a capacitação técnica com o After Effects, enxergando no software o potencial de simplificar a construção de alguns efeitos antes elaborados com o Premiere, além de seu potencial direcionado para animação.

A familiarização com o programa se deu de forma autônoma, através de tutoriais disponíveis na internet. Sua interface de trabalho é bem similar aos demais softwares de edição, como pode ser observado na Figura 2.
Em 1 temos o menu do projeto, onde pode-se importar os materiais que serão utilizados na edição. Uma característica particular do software e o diálogo com outros formatos da Adobe, sendo possível importar arquivos do Premiere ou mesmo do Photoshop, sendo que o software reconhece as camadas existentes nestes formatos facilitando assim o trabalho conjunto.
Em 2 temos o preview, que funciona de maneira análoga ao Premiere, permitindo acompanhar as mudança realizadas na construção do arquivo.
Em 3 temos um conjunto de ferramentas como efeitos, edição de textos, áudio, entre outras. Estas ferramentas nos permitem trabalhar com os elementos da Composição, alterando seus parâmetros e visualizando os resultados no preview.
Em 4 temos o painel das composições, onde podemos criar e organizar os elementos da composição, como textos, imagens, vetores e vídeos. No After Effects estes elementos são organizados em camadas de maneira similar ao Photoshop, sendo possível trabalhar alguns parâmetros ou mesmo produzir animações. As animações mais simples, como mudanças de posição, escala ou opacidade, podem ser feitas através de Keyframes, onde o software constrói a mudança através da interpolação dos parâmetros nos diferentes keyframes. Este tipo de animação e similar ao que pode ser feito dentro do Premiere, entretanto o After apresenta possibilidade bem mais complexas para construção de animações, permitindo articular os elementos em diferentes dimensões, sendo este aspecto um dos principais diferenciais do software.
Por fim, em 5 temos a linha do tempo como em qualquer software de edição de vídeo, onde é possível posicionar os Keyframes, alterar a posição e a duração dos elementos e também acompanhar a construção da composição no preview de maneira similar aos demais softwares.
Entretanto é importante destacar que o contato com o After Effects se deu em um momento bem tardio dentro da pesquisa, devido às dificuldades de acesso ao software pago. Como consequência disso suas contribuições para a pesquisa não foram tão representativas e o Premiere continuou sendo o software mais expressivo dentro da produção desta pesquisa.
TÉCNICAS DE EDIÇÃO
Outro processo desenvolvido ao longo da segunda etapa da pesquisa (2019/2020) e que contribui sensivelmente na capacitação técnica do bolsista foi o exercício de reconstrução das técnicas de edição reconhecidos nas referências da filmografia. Para esta atividade foram escolhidas algumas ferramentas usadas por Richard Tuohy (2014,2018,2019) em seus trabalhos “Ginza Strip”, “Riding The Bolex Through The Multiverse” e “China, not China”. Esse cineasta desenvolveu em seus trabalhos complexas técnicas de edição manual, utilizadas na exploração das qualidades plásticas, formais ou mesmo rítmicas de suas peças. Essas técnicas de edição foram base para um conjunto de experimentações dentro do Premiere, sendo que seus resultados irão refletir diretamente na produção deste projeto. Em seguida será apresentado um esforço de sistematização de alguns destes experimentos.
Um primeiro aspecto que se tentou recriar foi a estilização das imagens presente em “Ginza Strip”, este efeito colabora para tornar as imagens apresentadas por Tuohy uma representação abstrata da cidade, reforçado signos, figuras e fluxos que juntos constroem o imaginário urbano. Para recriar esse efeito foram experimentados distintos efeitos disponíveis no Software. Na Figura 3 estão destacados alguns desses Efeitos de Vídeo, que foram combinados de distintas formas pelo bolsista ao longo das produções audiovisuais. O primeiro desses é o Inverter, que permite uma ampla gama de resultados a partir do uso de distintos canais para sua aplicação. O segundo efeito é o Tonalidade, que permite reconstruir as imagens a partir de cores que podem ser definidas. Por fim, o software possui o conjunto de efeitos para estilizar imagens, como Posterizar e o Entalhe, comuns entre os softwares de edição de imagens. Estes efeitos usuais podem ser combinados aos demais filtros para construir resultados mais complexos.

A experiência seguinte buscou reproduzir as máscaras de exibição que vemos nesse mesmo trabalho através do uso de uma imagem auxiliar, como pode ser visto na Figura 4. Para construí-lo foi usada a ferramenta Ultra Key, que pode ser aplicada para utilizar máscaras de opacidade a partir de uma cor predominante na imagem. Assim essa ferramenta de Chaveamento foi aplicada para combinar inicialmente a imagem auxiliar à primeira sequência. Em seguida criou-se uma sequência aninhada a esse conjunto. O segundo passo foi aplicar novamente o Ultra Key na sequência aninhada para combiná-la à segunda sequência, tendo como resultado um efeito muito próximo ao usado por Tuohy em “Ginza Strip”.

Combinando essa técnica de máscaras usando uma imagem auxiliar com processos simples de animação disponíveis no Premiere, foi possível reproduzir ainda outro efeito do trabalho de Tuohy. Nesse efeito o cineasta mescla sequências distintas, intercalando feixes de cada uma. Esses fragmentos de imagem dançam pela tela apresentando diferentes signos e representações do espaço urbano, dando diferentes tratamentos tonais e rítmicos às imagens. Esse feito foi reproduzido a partir da animação de alguns parâmetros básicos da imagem auxiliar que foi usada como máscara. Parâmetros como escala, posição ou mesmo angulação foram animados usando o keyframes: interpolando as variações nesses parâmetros o software consegue movimentar essa máscara, produzindo uma sequência final similar ao usado pelo artista.
Outro efeito notado em “Ginza Strip” é a interpolação rápida de frames de sequências distintas em uma nova sequência. Essa técnica pode ser reproduzida no Premiere usando a ferramenta Luz do estroboscópio combinada ao Ultra Key. Essa primeira ferramenta distribui na sequência flashes contínuos. Assim com uso do Ultra key é possivel substituir o fundo branco desses flashes por trechos de uma outra sequência posicionada na linha do tempo.

Por fim o último efeito ilustrado nesta seção é a dupla exposição, usada em distintos contextos pelo artista. Em “Riding The Bolex Through The Multiverse” ele usa esse efeito na representação de paisagens naturais e para sobrepor expressões de uma figura feminina. Já em “China, not China”, o artista utiliza do mesmo efeito na representação do espaço urbano chinês, destacando os fluxos e as temporalidades urbanas em um registro sensível e poético.
Para produzir essa múltipla exposição de uma mesma sequência, utilizaram-se opções de mesclagem disponíveis no parâmetro opacidade dentro do Premiere. Nessa aba existem diversas possibilidades para a mesclagem de imagens assim como em outros software de edição. Foram testadas algumas possibilidades de combinação para essa mesma sequência, como foi ilustrado na Figura 6. A primeira experiência embaralha de maneira aleatória trechos da sequência, produzindo um efeito que parece combinar distintas temporalidades. A segunda tentativa sobrepõe trechos organizados de forma sequencial, criando um desfoque na sequência temporal, possibilitando a visualização simultânea de uma ação que ocorre em momentos distintos; esse efeito se aproxima bastante do que é visto em “China, not China”. A última tentativa sobrepõe a mesma sequência com velocidades invertidas, gerando contraste nas ações que se desenvolvem seguindo sentidos diferentes.

Essas experimentações ilustram apenas algumas das possibilidades abertas por essas técnicas, sendo possível alterar uma infinidade de parâmetros que se dobram em resultados diferentes. Ao longo da produção audiovisual dessa pesquisa as técnicas foram combinadas de maneiras distintas, possibilitando a construção de narrativas urbanas que dialogam com as referências da filmografia, tanto em aspectos técnicos quanto nas abordagens estudadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NICHOLS,B. Como começou o cinema documentário? Campinas: 5a ed. Papirus, 2010.
TUOHY, R. Ginza Strip. 2014.
TUOHY, R.; BARRIE, D. China Not China. 2018.
TUOHY, R. Riding The Bolex Through The Multiverse. 2019.