O PROJETO

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

A produção cinematográfica carrega em si um caráter documental ao registrar o que está diante da câmera e o reproduzindo, por fim, como uma representação da realidade. Assim os primeiros filmes produzidos pelos irmãos Lumiére, precursores do cinema primitivo, já constituíam registros do cotidiano parisiense. Cenas como a chegada do trem à estação, ou mesmo a saída dos trabalhadores de uma fábrica, retratavam com simplicidade esses eventos, mantendo um vínculo muito próximo com a realidade. Entretanto, apenas em 1920 o documentário se consolida como gênero, incorporando novas tecnologias de captura de imagens e mobilizando uma estrutura institucional que possibilitou produções que se seguiram a esse período. Neste contexto, as obras de Flaherty (1922) e de Vertov (1929) têm extrema importância para caracterizar tal gênero cinematográfico. Estas produções marcam o surgimento de um ponto de vista do documentarista – que não só retrata a realidade, mas reflete sobre ela (NICHOLS, 2010).

Desde a década de 1920, ampliaram-se as reflexões e o debate acerca dessas obras, assim como das metodologias adotadas pelo gênero documental. Nesse contexto, identificam-se alguns pioneiros, como os pesquisadore Bateson e Mead (1942) nos Estados Unidos. Esses, seguidos por Griaule (1938) e Rouch (1957), na França, foram responsáveis pelo reconhecimento das práticas audiovisuais dentro da academia. Durante sua trajetória, introduziram em seus trabalhos ferramentas audiovisuais como método de pesquisa, tornando a câmera mediadora do pesquisador e seu objeto de estudo (RAMOS; SERAFIM, 2007).

Posteriormente, a cineasta e antropóloga Claudine de France vai desenvolver em sua obra Cinema e Antropologia, publicada em 1988 (FRANCE, 1988), as bases teóricas para constituição de uma disciplina que incorpora a produção audiovisual como metodologia central: a antropologia fílmica. Assim, consolida-se definitivamente o papel do registro documental como novo domínio científico e, logo, o filme etnográfico passa a ser empregado por iniciativas de pesquisa nas ciências humanas (FRAGA, 2002). Essas, buscaram retratar o homem em suas complexas relações sociais, dinâmicas de vida e, consequentemente, o seu ambiente, a cidade.

Assim, o uso do filme documentário como base para produção e análise científica é uma prática usual atualmente dentro das Ciências Humanas. Esse tipo de produção audiovisual reúne, em um mesmo registro, o gesto e a palavra, permitindo expressar a complexidade das dinâmicas e sociabilidades do ser humano em seu contexto real. Entretanto, quando se pensa nos diálogos entre o Cinema e a Arquitetura e Urbanismo, pouco se fala sobre o gênero documentário e suas possibilidades como metodologia de estudo. Porém, ao se olhar para a complexidade das dinâmicas urbanas atuais, entende-se que a linguagem audiovisual pode fornecer novas ferramentas de aproximação, leitura e representação da cidade, complementando as metodologias tradicionais e ampliando os recursos disponíveis para os profissionais do campo.

Nesse sentido, este trabalho assume uma postura transdisciplinar, ao relacionar distintos campos através de leituras e narrativas urbanas que privilegiam a linguagem audiovisual. Essa postura está embasada pelos resultados de projetos anteriores do Nomads.Usp, como o Projeto Territórios Híbridos, o Frontier Zones e o primeiro ano de desenvolvimento desta pesquisa. 

Ao longo dessa primeira etapa da pesquisa (2018/2019), foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a produção audiovisual e o gênero documentário, assim como uma revisão filmográfica. Ambas contribuíram para a fundamentação dos debates construídos dentro grupo de pesquisa e para elaboração de uma base de dados que sistematiza as reflexões acerca dos filmes analisados. 

Nesse período também foram produzidos trabalhos audiovisuais de curta duração, que continham diferentes narrativas urbanas pensadas a partir de um mesmo repositório de imagens. Essas experimentações tiveram por objetivo testar as possibilidades de edição e suas potencialidades na construção de leituras urbanas. Os resultados obtidos nessas experimentações foram exibidos e debatidos dentro do grupo de pesquisa, estando disponíveis neste site e contribuíram, assim, para fortalecer o uso do audiovisual como método.

Além disso foi retomado o projeto de extensão Cine Nomads (https://www.facebook.com/CineNomads/), que serviu como espaço de exibição e debate de alguns dos filmes documentários discutidos junto ao orientador para um público mais amplo da comunidade acadêmica e da cidade. Realizaram-se sessões a cada quinze dias, o que ajudou a coletivizar as reflexões acerca da produção audiovisual que vinham sendo levantadas pela pesquisa. 

Também foi realizada uma ação conjunta ao FilmaNomads!, em que foi construído, junto a pesquisadores do núcleo, o short doc “15M: Linguagens”, disponível no link (https://bit.ly/2Qs8rnO), que retrata as manifestações de 15 de maio de 2019. O FilmaNomads! propõe ações de filmagem e edição organizadas sobre um roteiro pré elaborado junto ao grupo de pesquisa, de maneira coletiva e simultânea dentro do período combinado e prevê a exibição e discussão dos produtos obtidos.

Por fim, o último momento da pesquisa (2019/2020) contou com o aprofundamento da revisão filmográfica e bibliográfica, a continuidade das experimentações de edição e também a elaboração de um novo projeto de extensão desenvolvido em conjunto com outros pesquisadores do Núcleo: o Con.Finis (http://www.nomads.usp.br/confinis/). Esta extensão universitária procurou responder às inquietações despertadas pelo contexto da Pandemia ao se apropriar da linguagem audiovisual como suporte para construção dessas leituras.

Assim, com as atividades desenvolvidas, foi possível dar continuidade às contribuições obtidas na primeira etapa (2018/2019) ampliando o diálogo da Arquitetura e do Urbanismo com outros campos do conhecimento. Também foi relevante a contribuição da pesquisa em um âmbito geral de valorização da Universidade Pública como espaço de produção do conhecimento, reforçando mais uma vez o papel da instituição na compreensão e no enfrentamento de desafios coletivos como a Pandemia em 2020.

OBJETIVOS

GERAL

-Explorar processos de edição audiovisual na construção de narrativas capazes de auxiliar a leitura e a expressão de dinâmicas urbanas.

 ESPECÍFICOS

– Explorar modos de edição filmográfica, relacionando-os com a leitura e a expressão de aspectos das realidades urbanas;

– Contribuir para a ampliação dos meios utilizados em Arquitetura e Urbanismo para o estudo do espaço público urbano;

– Experimentar o processo de realização do filme documentário como locus de comunicação e reflexão conjunta no âmbito da pesquisa acadêmica;

– Construir e sistematizar um conjunto básico de recursos de pós-produção de som e imagem capaz de auxiliar representações audiovisuais de espaços públicos e suas dinâmicas de uso e ocupação;

– Construir e atualizar regularmente a página web da pesquisa, no website do Nomads.usp (www.nomads.usp.br), com seus resultados parciais e finais, uma prática usual do Núcleo.

METODOLOGIA

CONSULTA A FONTES SECUNDÁRIAS

-Revisão bibliográfica sobre os temas e conceitos abordados na pesquisa, documentos sobre programas computacionais, entre outros.

-Ampliação das bases teóricas e elaboração de categorias de análise, em colaboração com outras pesquisas individuais de iniciação científica, mestrado e doutorado em desenvolvimento no Nomads.usp. 

-Revisão filmográfica de documentários selecionados, buscando identificar aspectos evidenciados na revisão bibliográfica;

EXPLORAÇÃO DE PROGRAMAS COMPUTACIONAIS

-Estudo exploratório de recursos oferecidos por programas computacionais de edição de imagem e som, auxiliado por tutoriais, técnicos do IAU-USP e documentação especializada;

EXPERIMENTAÇÃO 

-Processos exploratórios de edição das imagens e sons captados, mesclados ou não com recursos de computação gráfica, para produção de clips experimentais de curta duração;

FILMAGEM DOCUMENTAL 

-Captura audiovisual de imagem e som em área central da cidade de São Carlos, buscando registrar aspectos selecionados relacionados aos usos de espaços públicos: comércio de rua, prostituição, fluxos e permanências, diferentes modais, moradores de rua, gêneros e faixas etárias, entre outros.

-Gravação de entrevistas com usuários da área; 

AVALIAÇÃO  

-O processo de avaliação de procedimentos de pesquisa e de ações acompanhará toda a pesquisa, considerando categorias analíticas gerais e critérios específicos a cada caso. -Procedimentos como a organização de exibições seguidas de discussão serão utilizados envolvendo o bolsista, pesquisadores, participantes das filmagens, especialistas convidados e público em geral. 

-O uso de recursos dos programas computacionais também será avaliado pelo bolsista em conjunto com o orientador, especialistas convidados e pesquisadores.

SISTEMATIZAÇÃO EM BASES DE INFORMAÇÕES 

-Criação de base online segundo categorias analíticas previamente definidas, para organização, consulta, análise e posterior disponibilização pública dos documentos e produtos da pesquisa. 

-A disponibilização de registros e documentos referentes aos processos e produtos da pesquisa constitui uma meta importante deste projeto.