justificativa

É possível identificar, nas décadas centrais do século XX, um contexto histórico-cronológico de paralelismo, articulações e inter-relações entre o desenvolvimento da informática, as proposições da indústria de software para o campo da Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC), o desenvolvimento de metateorias sistêmicas, as profundas alterações de práticas e processos de projeto em Arquitetura, e as formulações precursoras do Building Information Modeling (BIM). 

De fato, desde o início do século passado, a informática evoluía nos âmbitos militar e acadêmico (CASTELLS, 2003), fomentando o nascimento e consolidação da produção comercial privada de hardware e software. Paralelamente, cientistas de diferentes países e campos de conhecimento, cada vez mais isolados em suas áreas e subáreas pela fragmentação disciplinar que se seguiu ao processo de produção industrial do final do século XIX, começavam a mobilizar-se em favor de um pensamento sistêmico capaz de revalorizar compreensões relacionais da ciência. São formuladas e compartilhadas metateorias de bases holísticas, como a Cibernética (WIENER, 1948), a Teoria Geral de Sistemas (BERTALANFFY, 1968), a Teoria da Conversação (PASK, 1976) e o Pensamento Complexo (MORIN, 1977), cujas publicações em livros foram precedidas por inúmeros artigos e comunicações, emdécadas anteriores. No mesmo período, as práticas profissionais de projeto de arquitetura vão gradativamente distanciando-se da tradição oitocentista do atelier de belas-artes, para adotar, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, novas automações e rotinas diante das demandas colocadas pela reconstrução na Europa e Japão, e a política de produção dos extensos subúrbios residenciais norte-americanos. O advento da Internet como espaço cibernético publicamente acessível a partir de 1994, catalisa e amplia processos de comunicação, então incluídos nos processos de projeto de arquitetura e urbanismo. É no cruzamento de todos estes acontecimentos que se aloja o processo de formulação e desenvolvimento do BIM, enquanto processo informatizado de projeto de edificações, baseado na conversação e colaboração, via Internet, entre agentes integrantes de sistemas complexos.

Acreditamos que este contexto influenciou fortemente, não apenas a concepção inicial do BIM, mas também sua prática até os nossos dias. Nos primeiros trabalhos desenvolvidos pelo arquiteto Charles Eastman sobre o inicialmente denominado Building Description System (EASTMAN, 1968, 1974, 1975), considerado precursor do BIM, é clara a compreensão sistêmica do autor sobre os processos de projeto, e sobre como seus postulados se propunham a auxiliá-los, ao se utilizar, de forma articulada, dos desenvolvimentos teóricos e tecnológicos da época.

Acreditamos, primeiro, que relações entre avanços em diversas áreas propiciaram a nucleação de novos conhecimentos no campo da AEC, e, segundo, que tais avanços e articulações influenciaram, em particular, profundamente a formulação do BIM, constituindo-o como um campo de conhecimento. Dito isto, e contemplando produções teórico-práticas de autores como Habraken (1961), Givoni (1969), Alexander (1977) e Mitchell (1977), ou movimentos como Archigram, em Londres, ou os Metabolistas, no Japão, também podemos inferir que, no contexto histórico-cronológico da formulação do BIM, diversos procedimentos e questões com grande impacto nos processos de projeto de arquitetura já vinham sendo sistematizados e preparados para, anos mais tarde, serem informatizados e pensados através de tecnologias digitais. Por esta razão, consideramos que a compreensão do contexto em que inicialmente se formulou e, posteriormente, desenvolveu-se o Building Information Modeling é de suma importância para entender, por um lado, seu estado atual na prática de processos de projeto, e, por outro lado, as escolhas técnicas e mercadológicas da indústria da informática e – por consequência – dos profissionais que utilizam seus produtos, que acabam por simplificar as prerrogativas e postulados teóricos do BIM. 

Enquanto pesquisa histórica e documental, o estudo aqui proposto visa reunir informação relevante sobre cada um dos desenvolvimentos já mencionados – na indústria da informática, na formulação de metateorias sistêmicas, na evolução dos processos de projeto em arquitetura, e no desenvolvimento do BIM –, simultaneamente buscando evidências de suas inter-relações. As informações coletadas serão organizadas em bases digitais visando sua disponibilização pública, e fundamentarão a construção de uma timeline expandida, em que cada ocorrência será descrita segundo categorias analíticas a serem definidas no processo de pesquisa, referenciada em documentos acadêmicos, e relacionada com outras ocorrências.

Enquanto instrumento ilustrador e evidenciador de conexões histórico-cronológicas nos âmbitos científico e tecnológico, esperamos que esta timeline contribua para esclarecer fundamentos, tanto do contexto no qual o BIM se formulou, quanto de seu desenvolvimento através das décadas seguintes, até hoje. O levantamento histórico-cronológico deverá contemplar influências diretas e indiretas de outros campos, assim como relações entre pesquisadores da época e seus trabalhos conjuntos. Esta timeline também integrará um conjunto mais amplo de ações e estratégias, desenvolvidas em outras pesquisas em curso no Nomads.usp (www.nomads.usp.br), visando estimular entendimentos sistêmicos sobre o BIM e os processos de projeto em BIM. Além de relacionar-se com trabalhos em curso no Núcleo, a pesquisa aqui proposta espera contribuir para as investigações sobre BIM produzidas na área de Arquitetura e Urbanismo, em geral, e no Instituto de Arquitetura e Urbanismo – IAU-USP, em particular.

Complementarmente, vislumbra-se uma possibilidade de interlocução com estudos e ações em disciplinas de Projeto e de Informática do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo do IAU-USP, nas quais há um entendimento consolidado do BIM como componente essencial na formação dos estudantes. Trata-se de disciplinas presentes na grade horária desde o primeiro ano, de caráter introdutório, e, nos anos seguintes, como elemento essencial do processo de trabalho em disciplinas regulares de projeto. Seu estudo também é feito em nível de Pós-graduação, tanto em disciplinas regulares quanto no trabalho de grupos de pesquisa que abordam os diversos aspectos do BIM, contribuindo para a consolidação do IAU-USP como instituição de referência no assunto. 

Por fim, esta pesquisa também contribuirá para a ampliação dos procedimentos metodológicos e processos de projeto na área de Arquitetura e Urbanismo, fornecendo bases robustas para o entendimento do momento atual de tais processos. Por sua própria natureza, a pesquisa tem caráter transdisciplinar, interagindo com conhecimentos de diversas áreas e abordando temas de pesquisa diversos, corroborando uma das prioridades da Universidade de São Paulo, que é a formação transdisciplinar do aluno de graduação.