Marcelo Tramontano, Anja Pratschke, Marcos Marchetti
Como citar esse texto: Tramontano, M., Pratschke, A., Marchetti, M. Um toque de imaterialidade: o impacto das novas mídias no projeto do espaço doméstico. In: Del Rio, V.; Duarte, C.; Rheingantz, P.. (Org.). Projeto do lugar. Rio de Janeiro: Contracapa/ProArq, 2002, v. , p. 341-356.
Na atual era da Informação e da sociedade pós-industrial, como definidas por Paul Virilio em seu livro L'inertie polaire, as novas mídias trazem consigo a promessa de ampliar as facilidades da uma sociedade tecnocrata, além de determinar o redesenho do espaço doméstico e, em outra escala, os modos comportamentais nas áreas sob influência cultural metropolitana. À medida em que os meios de comunicação se potencializam, conferem às habitações que, na anterior era da Máquina, precisavam localizar-se dentro dos limites geográficos da metrópole para estar próximas às fontes de informação -, a liberdade de funcionar à distância, relacionando-se entre si em uma esfera virtual, quase independentemente do espaço concreto. Reuniões, encontros, compras, mesmo viagens parecem tender a prescindir de espaços concretos, podendo valer-se de sua existência na forma de bits, menor parte da informação digitalizada e, portanto, menor parte a que este mundo virtual pode ser reduzido.
No início do século XX, em um momento em que a mecanização do espaço doméstico ainda pertencia a um futuro distante, a máquina de escrever revelava sinais de um novo maquinário auxiliando as tarefas cotidianas. Ao surgirem nos espaços de trabalho, os computadores talvez primeiros herdeiros da máquina de escrever são, ainda, impensáveis no contexto doméstico, devido a suas grandes dimensões e seu preço elevado. À sociedade pós-Segunda Guerra restou incorporar aos seus modos de habitar as novas e ainda incipientes mídias e todo o equipamento que lhes davam suporte, efeito das revoluções tecnológicas que contavam com a ajuda certa dos profissionais de marketing. Decorrem daí manifestações significativas no redesenho do espaço doméstico e na redefinição de suas funções, e toma corpo a idéia de superequipamento, disseminada, principalmente, através da publicidade e do cinema. Já no imediato pós-guerra, as atividades dos escritórios se viram otimizadas pelos meios de comunicação à distância. Esta idéia de otimização do trabalho profissional acaba sendo traduzida para as necessidades domésticas e os computadores começam a fazer parte do equipamento da habitação em meados dos anos 1980, inicialmente de maneira tímida, elitizada, para banalizarem-se na habitação das classes mais abastadas na década seguinte, já chamados de personal computers. Possibilitavam, num primeiro momento, a realização das atividades de trabalho profissional em casa, minimizando a necessidade de se estar presente na empresa. Em seguida, passaram também a auxiliar tarefas tipicamente domésticas, tanto no gerenciamento da habitação, como em atividades de lazer e entretenimento. Percebe-se, a olho nu, como a mecanização, na primeira metade do século XX, foi gradativamente substituindo a mão-de-obra humana no espaço da habitação, e alterando, por exemplo, o status da dona de casa, que passou então a gerenciar ou realizar pessoalmente muitas tarefas auxiliada apenas pelas então novas máquinas. Seria legítimo e relevante nos perguntarmos o que aconteceria com esta personagem a partir da inserção de novos equipamentos eletrônicos e novas mídias no seu universo?
Com o entendimento das características, possibilidades e natureza das antigas e novas mídias e a análise do cenário histórico e no contexto que elas despontam, torna-se possível entender sua real importância no estabelecimento de critérios para o redesenho do espaço doméstico. Essa importância pode ser verificada através da constatação e caracterização dos seus impactos - ou, eventualmente, a ausência deles - no comportamento e na vida cotidiana metropolitana. Numa primeira e rápida classificação, propomos uma divisão destes impactos em duas instâncias: impactos diretos e impactos induzidos.
Os impactos diretos seriam aqueles já verificados no interior das habitações, como uma primeira e ainda tímida manifestação das mudanças causadas pelas novas mídias e são revelados nos usos e funções dos espaços da habitação. Exemplo básico destes impactos é o crescente tempo de permanência da família metropolitana no espaço doméstico, motivada pela possibilidade de executar tarefas no espaço virtual como trabalhar, comprar, lazer,... , antes só possíveis com um deslocamento físico e as conseqüentes demandas de tempo no espaço concreto. Ultrapassando os limites da moradia, o uso de equipamentos móveis, como laptops e telefones celulares, possibilita a realização eventualmente, a transferência de funções tradicionalmente ligadas aos interiores domésticos em todo o território urbano, recolocando a noção de habitar a cidade, como já preconizava o grupo Archigram, nos anos 1960. Os impactos induzidos relacionam-se com as transformações mais subliminares verificadas nos comportamentos. São, na verdade, alternativas e possibilidades que as novas mídias trazem consigo, tão generosamente amplas quanto incertas. Por um lado, o conceito de telepresença, como formulado pelos historiadores da Humboldt-Berlin Universität Oliver Grau e Ingeborg Reichle,[1] desperta no homem um desejo de estar virtualmente em outros lugares, verificado, por exemplo, em obras de arte de diversas culturas ao longo dos séculos. Também a noção de não-linearidade, ponto de partida e de chegada de grande parte das novas linguagens utilizadas na produção do espaço virtual, reflete-se cada vez mais tanto na estrutura de espaços domésticos desierarquizados os lofts, por exemplo -, como na atual alternância e redefinição de papéis por que têm passado os membros dos grupos familiares. Como exemplo de impactos induzidos, pode-se, ainda, pensar em como será a mídia televisiva em um futuro possivelmente próximo, a partir desta observação de Nicholas Negroponte, diretor do Media Lab, do MIT: O futuro da transmissão de programas televisivos está mudando de forma radical, e logo você não estará satisfeito com a seleção oferecida a seu vizinho nem com a necessidade de ver o que quer que seja num horário específico. Por esta razão, as emissoras de TV a cabo estão raciocinando cada vez mais como companhias telefônicas, com sua série de comunicações e vias livres. Na verdade, daqui a vinte e cinco anos pode não haver diferença alguma entre o cabo e o telefone, e não apenas no sentido empresarial, mas também em termos da arquitetura da rede.[2]
No que concerne, especificamente, as alterações identificáveis no espaço doméstico, uma leitura rápida permite agrupá-las em quatro níveis principais:
1. A relação entre os membros do grupo familiar. A escolha entre convívio e reclusão se faz em função da banalização da televisão a cabo e do conceito de home theater, do micro-computador conectado à Internet, da presença destes equipamentos e de aparelhos telefônicos nos diversos cômodos da moradia;
2. A relação entre membros do grupo e as novas mídias. A possibilidade de interatividade que muitas destas novas mídias oferecem, o que constitui uma tendência inequívoca, deixa supor que a experiência mediatizada é concreta. Na verdade, ela é apenas uma representação da realidade concreta, ou, no máximo, uma simulação;
3. A relação entre membros do grupo e pessoas extra-grupo. Na era dos elétrons, como propõe Paul Virilio, isolar-se significa, inversamente, conectar-se com o mundo. A reclusão em um quarto de dormir equipado, por exemplo, com um computador conectado à Internet, deixa de ser uma opção necessariamente solitária, como anteriormente;
4. A alteração da função dos cômodos. Definida pela introdução dos equipamentos aqui mencionados, a função dos cômodos da casa convencional permanece em constante alteração. Este processo pode complicar-se com o desenvolvimento de novos equipamentos, aliás em curso, concentrando, por exemplo, televisão, telefone e computador ligado à Internet. A sobreposição de funções não está prevista no modelo da habitação convencional.
Já o discurso sobre a imaterialidade da habitação e suas conseqüências, como formulado por William Mitchell, situa-se ainda no terreno das tendências claramente verificáveis, aliás , que incluem uma interatividade ainda maior, ligada a estratégias de marketing, e supõe experiências de imersão total em ambientes virtuais, como, por exemplo, no caso da televisão holográfica, já em estudo. Apesar de não se saber exatamente se a distância temporal que nos separa destes desenvolvimentos é grande ou não, parece necessário que o projeto da habitação contemporânea comece a considerar:
1.
Possibilidades de flexibilização do espaço, tanto através
da alternância como da sobreposição de funções,
e as questões técnicas aí implicadas;
2. A priorização de dispositivos garantindo privacidades,
através de uma revisão da estrutura espacial convencional;
3. Possibilidades de flexibilização do uso de mobiliário
e equipamentos, a exemplo dos escritórios.
Não
é difícil perceber que, ao lado de uma infinidade de outros
critérios que intervêm no processo projetual da Arquitetura,
estes impactos sugerem grandes e significativas mudanças no espaço
das habitações, ainda que a grande maioria dos arquitetos pareça
relutar em tocar nesse assunto. De qualquer forma, é curioso notar
que boa parte das pesquisas intermídias e suas interfaces com o mundo
concreto têm sido desenvolvidas por arquitetos em centros de pesquisa
norte-americanos e europeus, realidade ainda pouco comum no Brasil. Centros
como o Media Lab, do MIT, e arquitetos como Roger Silverstone, da University
of Sussex, William Mitchell, autor do incontornável City of Bits e
diretor da School of Architecture em Harvard, e Marcos Novak, da University
of Texas em Austin, desenvolvem pesquisas relacionando novas mídias
e Arquitetura. O assunto é vasto e novo o suficiente para permitir
controvérsias, mas, ao mesmo tempo, instiga pesquisas e posturas diversas.
[1]
Grau, O., Reichle, I. Legend, myth and magic in the history of telepresence.
In: Anais. Simpósio Invenção Thinking the next
millenium. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, agosto 1999.
p. 31.
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[2]
Negroponte, N. A Vida Digital. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p.
39.
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