Media Art: sistema estético e social

Graziele Lautenschlaeger, Anja Pratschke

Graziele Lautenschlaeger é bacharel em Imagem e Som, mestre em Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora do Nomads.usp.

Anja Pratschke é arquiteta, Doutora em Ciências da Computação e coordena pesquisas no Nomads.usp.


LAUTENSCHLAGER, G., PRATSCHKE, A. Media art: sistema estético e social. In: V!RUS N. 3. São Carlos: Nomads.usp, 2010.


Resumo

O artigo faz uma varredura de aspectos em que a produção de Arte Eletrônica (ou Media Art) se constitui como sistema estético e social, com base nos conceitos do sociólogo ciberneticista alemão Niklas Luhmann. Abrindo a discussão pelas relações entre a Media Art e a Cibernética, o artigo traz exemplos para ilustrar como os processos de criação e fruição nesta área se baseiam em processos de comunicação, descritos por Luhmann como processos necessariamente autopoiéticos e cuja efetividade se faz bastante improvável. Essa discussão é a base de nosso argumento a respeito do entendimento da produção de Media Art, e a partir dela levantamos pontos críticos e elaboramos sugestões de como conduzir tal atividade complexa tanto no nível micro(metas individuais) como no nível macro(metas globais). Nossas considerações finais apontam para a relevância da Cibernética de Segunda Ordem na compreensão da Media Art como sistema social e estético e para a natureza utópica de nossas proposições.

Palavras-chave: Media Art, Cibernética de segunda ordem, Niklas Luhmann, Sistema estético, Sistema social, Comunicação.


Esse artigo baseia-se em resultados de pesquisa apresentados na dissertação de mestrado intitulada: "Arte Programmata: entre acidente e controle", defendida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em março de 2010, por Graziele Lautenschlaeger, sob orientação da Profa. Dra. Anja Pratschke. A pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.

1. Introdução

Esse artigo faz referência ao livro “Art as social system” (2000) do sociólogo ciberneticista alemão Niklas Luhmann. Fundamentado em uma mudança de paradigma na teoria sistêmica (criticando os pontos de vista dos clássicos Max Weber e Talcott Parson) e em princípios da Cibernética de Segunda Ordem, Luhmann revisita os conceitos de sujeito, ação, comunicação e interação, para além da nostalgia das tradicionais escolas da sociologia(Luhmann, 1995).

Nesta concepção, Luhmann afirma que os sistemas sociais são compostos, não por pessoas, mas sim por ações. Para ele, uma teoria baseada em ações dá abertura para se colocar um ponto de partida comum para a teoria sistêmica e para teorias erigidas em torno da subjetividade. A seguir, trazemos a sua concepção de ações, a qual pressupõe a participação dos sujeitos e a recursividade da relação entre os sub-sistemas.

Ações são artefatos de processos de atribuição, o resultado de observadores em observação (ou “Eigenvalues”, no sentido de Heinz von Foerster), que emergem quando um sistema opera recursivamente no nível da Cibernética de Segunda Ordem (Luhmann, 1995, p. xliv, tradução nossa[1]).

Na figura abaixo, Luhmann evidencia como ele pensa as relações entre os sub-sistemas de sua teoria social.

Figura 1: Esquema de Luhmann que aponta os elementos de sua teoria social dos sistemas. Fonte: Luhmann (1995, p. 02).

Apesar do diagrama não apresentar a sempre mencionada recursividade existente entre os diversos sub-sistemas,  ele nos ajuda a elucidar a maneira com que o autor visualiza os conceitos freqüentemente contraditórios e paradoxais aos quais ele se refere.

Feitas essas considerações, prosseguimos com nosso argumento apresentando as relações entre a Media Art e a ciência Cibernética.

1.1 Cibernética: observações de primeira e de segunda ordens

Cibernética de Primeira Ordem

"Estudo do controle e da comunicação nos animais e nas máquinas." (WIENER, 1948)

"A Cibernética é a ciência que estuda os princípios abstratos da organização em sistemas complexos. Preocupa-se não tanto com em que consistem os sistemas, mas como eles funcionam. A Cibernética se concentra em como os sistemas utilizam a informação, modelam e controlam as ações no sentido de orientar e manter seus objetivos, ao mesmo tempo em que neutralizam vários distúrbios." (HEYLIGHEN, JOSLYN, 2001, p.02, tradução nossa[2]).

Cibernética de Segunda Ordem

A Cibernética de Segunda Ordem (…) foi desenvolvida entre 1968 e 1975 em reconhecimento do poder e das conseqüências do exame Cibernético da circularidade. É a Cibernética quando esta está sujeita à crítica e aos entendimentos da Cibernética. É a Cibernética em que o papel do observador é apreciado e reconhecido mais do que dissimulado como se tinha tornado tradicional na ciência ocidental: e é desse modo a Cibernética que considera observando (sistemas) mais do que sistemas observados (GLANVILLE, 2001, p.3, tradução nossa[3]).

A Cibernética emergiu em meados dos anos 1940 a partir de encontros interdisciplinares entre cientistas e humanistas de varias áreas de conhecimento do período pós-guerra, tais como Norbert Wiener, John von Neumann, Warren McCullogh, Claude Shannon, Heinz von Foester, W. Ross Ashby, Gregory Bateson e Margaret Mead. Desses encontros, conhecidos como Macy Conferences on Cybernetics e cujo foco de interesse estava em máquinas e animais, os estudos cibernéticos se ampliaram para uma gama numerosa de assuntos e ideias, entre a mente e os sistemas sociais (HEYLIGHEN, JOSLYN, 2001).

Desde os anos 1960, dando continuidade à exploração dos estudos dos sistemas complexos e adaptativos, a Cibernética tem atravessado uma ampliação conceitual e ganha vida através de sua aplicação em diferentes áreas do conhecimento: Ciências Sociais, Economia, Política, Matemática e Computação, Psicologia, Design, entre outros.

Em relação à incorporação da Cibernética em nosso trabalho, nos interessam os princípios da Cibernética de Segunda Ordem, por esta, além de considerar o observador durante a ação de se observar os sistemas, analisa a circularidade, a interdependência e autonomia da relação entre “observador” e “observado”.

A Cibernética de Segunda Ordem, em consonância com o princípio fundamental da Endofísica, de se considerar o observador como protagonista na observação do sistema, também aponta na direção de uma Endoestética. As proposições nesta linha pressupõem que num dado mundo simulado, “nos transformamos em observadores internos e externos simultaneamente” (GIANNETTI, 2006, p.191). A abordagem da Endoestética se faz um bom exemplo para apontar como, inclusive conceitualmente, as estreitas e transdisciplinares ligações entre Arte e Ciência constituem-se como o núcleo criativo da Media Art.

1.2 Media Art e Cibernética

Com imbricações estreitas e inevitáveis, Media Art e Ciência entram juntas em cena num momento que se valoriza o processo e a experiência, em detrimento do objeto final da criação artística, estabelecendo entre si ricas relações transdisciplinares. Como exemplos contemporâneos dessas relações, podemos citar recorrentes contaminações de artistas pela ciência e de cientistas pela arte, como são os casos de Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, Eduardo Kac, Otto Rössler, Peter Weibel entre tantos outros.

Estes artistas internacionalmente proeminentes que frequentemente trabalham como cientistas em institutos de pesquisa estão comprometidos no desenvolvimento de novas interfaces, modelos de interação e códigos inovadores: eles próprios estipulam os limites técnicos de acordo com suas próprias metas e critérios estéticos (GRAU, 2007, p.5, tradução nossa[4]).

A produção de Media Art se dá num contexto em que se evidencia as qualidades experimentais da arte e os aspectos da recepção, através da criação de um continuum entre as estéticas analógica e digital. Essa abordagem implica na discussão da Arte Eletrônica como inserida tanto no campo da Arte como no da Ciência contemporâneas (BROECKMANN, 2007, p.194). Nesta direção, sempre questionador e provocativo, Zielinski coloca a pergunta:

"Não precisamos de mais cientistas com olhos aguçados como os de linces e audição acurada como a de gafanhotos, e mais artistas que estejam preparados para correr riscos ao invés de meramente moderar o progresso social utilizando instrumentos estéticos?" (ZIELINSKI, 2006, p.11, tradução nossa[5]).

Atentos às relações entre Arte e Ciência, nos propusemos a observar a produção de Arte Eletrônica sob a ótica da Cibernética. Uma premissa fundamental para se compreender o alcance da proposta da teoria cibernética é considerar que ela marca a passagem do conceito de energia para o conceito de informação como parâmetro elementar da comunicação. Um modelo baseado em teoria da informação, ao contrário da física newtoniana, considera os sistemas como abertos (GIANNETTI, 2006, p.26).

A ubiqüidade que se aplica atualmente à ideia de “informação” em nosso cotidiano é fruto das transformações paradigmáticas que enfrentamos desde sempre na história das civilizações, e se intensifica consideravelmente após o surgimento das mídias eletrônicas. O contexto em processo de transformação desde então, deu espaço para o surgimento de correntes teóricas diretamente influenciadas pela Cibernética e pela Teoria da Informação. Tratam-se de correntes teóricas que concebem o parâmetro “informação” como elemento chave para a compreensão de processos estéticos, e que buscam uma alternativa às tendências idealistas, transcendentais ou epistemológicas das teorias estéticas derivadas da tradição kantiano-hegeliana (GIANNETTI, 2006, p. 16).

Essas correntes teóricas apesar de possuírem precedentes comuns, se diferenciam na maneira de julgar o parâmetro “informação”. Por exemplo, ao passo que Max Bense (1957) trabalhava com métodos quantificáveis; Helmar Frank e Herbert Franke propõem o princípio dos modelos sucessivos, ou seja, de “modelos funcionais e práticos aplicáveis à obra para permitir uma aproximação progressiva e por partes – do mais simples ao mais complexo – a sua estrutura” (GIANNETTI, 2006, p.57). Além disso, em oposição à perspectiva de Bense; Frank e Franke, mais próximos dos princípios da Cibernética de Segunda Ordem, consideram a influência dos valores subjetivos no processo estético.

Exemplos emblemáticos do desenvolvimento da Cibernética junto à produção artística podem ser encontrados nas obras do ciberneticista inglês Gordon Pask e seu discípulo, também inglês, Roy Ascott.

Pask (1970) coloca que para se construir um ambiente esteticamente potente são necessários algumas principais qualidades. São elas: (1) o ambiente precisa oferecer variedade suficiente para promover a “potencial novidade controlável” pelo sujeito; (2) ele precisa conter formas que o sujeito possa interpretar, ou aprender a interpretar em vários níveis de abstração, (3) ele precisa fornecer pistas ou instruções declaradas tacitamente para guiar o aprendizado e os processos abstrativos; e (4) ele pode, adicionalmente, responder ao sujeito, envolvendo-o numa conversação e adaptar suas características ao modo de discurso dominante (PASK, 1970, p.76). Tais colocações de Pask estão ligadas à Teoria Conversacional desenvolvida por ele.

Complementar à teoria de Pask e atestando que, apesar de controlarmos objetos, somos orientados por processos, Roy Ascott tinha o propósito de criar o que ele nomeou Cybernetic Art Matrix (CAM), algo que tanto na escala social como na escala íntima dos artefatos criados por ele, constituía-se como processos desencadeadores (ASCOTT, 1968, p. 105).

2 Media art como sistemas em comunicação

2.1 Comunicação: interações máquina-máquina, homem-máquina e homem-homem

Dentro do contexto da produção estética maquínica da Media art (BROECKMANN, 2007), podemos destacar três principais tipos de comunicação: aqueles que ocorrem entre interações máquina-máquina (M-M), os das interações homem-máquina (H-M) e aqueles das interações homem-homem (H-H) mediadas (ou não) pelas máquinas, e que podem incluir as duas primeiras formas mencionadas. Se analisadas essas variações tipológicas de comunicação nas proposições de Media Art,  pode-se perceber a comunicação tanto no nível constitutivo da produção (sistema estético), quanto em suas atividades de criação e fruição (sistema social).

Para exemplificar a complexidade de relações possíveis que emergem do olhar sistêmico e cibernético sobre a produção de Arte Eletrônica, recorreremos ao exemplo da performance “Perfect Human”, das artistas Mika Satomi e Hannah-Perner Wilson.

A performer veste uma roupa equipada com dispositivos eletrônicos, tais como sensores de dobras estrategicamente colocados nas posições correspondentes às articulações de seu corpo. A cada articulação são atribuídos diferentes fragmentos de textos sobre o corpo perfeito, inspirados no curta-metragem homônimo de Joergen Leth, de 1967, e no filme de Lars von Trier "The Five Obstructions" (2003). Segundo as artistas, o intuito era criar a sexta obstrução, através da introdução do controle sobre a performance e sobre a narração não-linear. A narração, toda fragmentada ganha forma a partir da movimentação da performer, que brinca simultaneamente com o corpo e com o texto. Para que houvesse a mobilidade necessária às condições de espaço público, as artistas trabalharam com tecnologia wireless e de rádio. Através de rádios de pilha portáteis, o público tinha acesso à estação em que se ouvia o texto manipulado pela performer em tempo-real.


Video 1: Performer e público
durante apresentação de Perfect Human
no Ars Electronica 2008 (Linz, Áustria). 
Fonte: Wilson; Satomi (2008, website).

A parte interativa de “Perfect Human” era sugerida pela marcação de um quadrado vazio no chão, localizado à frente da performer. Um interator que ocupasse o quadrado tinha seus gestos e movimentos repetidos pela performer, a qual cedia seu corpo para mediar a manipulação do texto pelo público.

Através da análise deste exemplo, tentaremos deixar mais evidente os sistemas e sub-sistemas participantes das interações M-M, H-M e H-H, que podem ser identificadas em quaisquer obras de Arte Eletrônica.

Figura 2: Sketch do funcionamento de “Perfect Human”, de Mika Satomi e Hannah-Perner-Wilson. Fonte: Satomi; Wilson (2008, website).

Existe um sistema geral formado pelos seguintes elementos arbitrariamente escolhidos por nós na análise: artistas-performer-máquinas-interatores-observadores-momento-lugar. Dentro deste sistema podemos identificar outros sub-sistemas, que surgem de possibilidades combinatórias incontáveis: o sistema dos dispositivos técnicos (sensores, computador e rádios); o sistema artistas; o sistema performer; o sistema artista-dispositivos; o sistema performer-dispositivos; o sistema performer-interator; o sistema artista-interatores; o sistema interatores-dispositivos, e assim por diante.

A comunicação entre os diversos sistemas em interação é baseada no tráfego e tradução de dados analógicos e digitais por diferentes sistemas. E não se pode negar que as experiências estéticas proporcionadas pela Arte Eletrônica são entrelaçadas e articuladas pelas tramas das máquinas, aparatos que são os exoesqueletos de nossas percepções e expressões. No entanto, apesar de apresentar um forte aspecto técnico e maquínico, a Arte Eletrônica é antes de tudo produzida de pessoas para pessoas, e pode se constituir como uma prática enriquecedora das experiências simultaneamente individual e coletiva.

Na perspectiva do filósofo e historiador da cultura alemão Martin Burckhardt, das máquinas como “disposições culturais que articulam e desarticulam a agência humana, construindo relacionamentos e cortando os laços com naturezas e culturas múltiplas” (BURKHARDT, 1999 apud BROECKMANN, 2007, p.194, tradução nossa[6]), não podemos vislumbrar uma potência transformadora e emancipadora da “estética maquínica” da Media Art?

2.2 Sistemas autopoiéticos

O modelo autopoiético, desenvolvido na Cibernética de Segunda Ordem pelos neurocientistas chilenos Humberto Maturana, Francisco Varela, entre 1974 e 1981, constitui-se como

uma classe de sistema mecanicista em que cada membro da classe é um sistema dinâmico definido como uma unidade por relações que o constituem como uma rede de processos de produção de componentes que: (a) participam recursivamente através de suas interações na geração e compreensão da rede de processos de produção de componentes que os produzem, (b)constituem sua rede de processos de produção de componentes como uma unidade no espaço  em que eles (os componentes) existem através da compreensão de suas fronteiras (MATURANA, 1974/1981 apud GLANVILLE, 2001, p. 15, tradução nossa[7]).

Pertencentes à Cibernética de Segunda Ordem, termos como “auto-referência”, “recursividade” e “autopoiesis” realçam a mudança de paradigma instaurada pela Cibernética na observação e estudo de sistemas complexos. Tais conceitos se tornam conceitos inevitáveis na teoria cibernética quando a circularidade e a presença do sujeito é considerada na observação de um dado sistema.

A circularidade colocada pela definição de autopoiesis não é exclusiva da Cibernética e encontra precedentes em diferentes circunstâncias da história da civilização, a citar na mitologia grega a história de Sísifo, ou na filosofia ocidental, o “eterno retorno” introduzido pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (FLUSSER, 2008). No entanto, vale lembrar que, como coloca o arquiteto ciberneticista inglês Ranulph Glanville, “uma conseqüência básica de uma organização autopoiética é que tudo o que toma parte num sistema é subordinado à realização de sua autopoiesis, de outra forma ele se desintegra” (2001, p. 15, tradução nossa[8]). Além disso, acrescenta Glanville, “um sistema autopoiético é estável através de sua (dinâmica) habilidade de manter-se refazendo si mesmo de uma outra maneira” (2001, p.15, tradução nossa[9]).

No caso das proposições interativas da Media Art, pelo fato delas apenas se completarem através da contribuição do interator, consideramos que tratam-se de sistemas potencialmente autopoiéticos. Entre inputs e outputs tanto do sistema de funcionamento da proposta quanto do sistema psíquico do interator, são estabelecidas relações circulares de comunicação que tendem a se autonomizar. Além da autopoiesis se apresentar no nível constitutivo de um sistema interativo, ela também pode se evidenciar no âmbito das relações que se tecem entre os participantes de seu processo criativo, assunto abordado no capítulo dois de nosso trabalho.

Um exemplo emblemático da história da Media Art a abordar a recursividade é a obra “Present Continuous Past(s)” (1974), do artista norte-americano Dan Graham[10]. Nesta proposta, o artista trabalhou com a ideia da continuidade espaço-temporal. Os espelhos refletem o tempo presente, a câmera de vídeo grava o que imediatamente aparece diante dela e a reflexão completa na parede oposta espelhada. A imagem vista pela câmera (refletindo tudo na sala) aparece oito segundos depois num monitor de vídeo (via delay da fita colocada entre dois gravadores de vídeo, um que está gravando, e outro que está reproduzindo a gravação anterior). Uma pessoa que assiste ao monitor, vê simultaneamente a imagem de si no espelho oito segundos antes ao momento presente e a imagem de si no monitor refletida no espelho, que corresponde a 16 segundos antes do momento presente. Se o corpo do observador não está em frente a lente da câmera atrás do espelho, esta grava a reflexão da sala e as imagens refletidas no monitor (que mostra os 8s gravados anteriormente e refletidos pelo espelho). Cria-se uma regressão infinita de tempo continuums dentro de tempo continuums (sempre separado por intervalos de 8 segundos) (HALL, FIFFER, 1990, p. 186).

O espelho situado nos ângulos retos com a parede do monitor e a outra parede-espelho dá o ponto de vista do tempo presente da instalação, como um ponto de vista objetivo e exterior ao ponto de vista da experiência subjetiva do observador e ao mecanismo de funcionamento da instalação que produz o efeito perceptivo da continuidade espaço-temporal.

Figura 3: Esquema de Dan Graham para vídeo instalação “Present Contnuous Past(s)”. Fonte: Medien Kuns Netz (1974, website).

O efeito de mediar tecnologicamente a auto-percepção através de uma câmera é particularmente poderoso em situações espaciais que incluem o observador. Em proposta dialógica à de Graham, o artista norte-americano Bruce Nauman criou em “Live-Taped Video Corridor”(1969–1970) contrariedade e incômodo a partir da experiência de espaço e tempo causada pelo sentimento de presença ou ausência física. Nauman em sua obra enfatizou especificamente a dependência das impressões físicas na percepção do tempo.  Em contraste, Graham tematiza o tempo como uma dimensão que pode ser experimentada no espaço. Com a instalação “Present Continuous Past(s)” ele trata a relação entre a experiência espacial e a experiência temporal. A percepção geralmente tem lugar no presente e Graham inquieta o “observador” através da construção de um espaço que refaz e disponibiliza o fenômeno da presença contínua constantemente disponível para se experimentar, pela visualização da distancia temporal no espaço.

2.3 Media Art e Comunicação: criação e fruição como processos de conversação

Grande parte da produção de Gordon Pask foi dedicada ao desenvolvimento de sua Teoria Conversacional, cuja principal ideia é a de que a aprendizagem se efetive por meio de conversas sobre um assunto ao se tornar um dado conhecimento explícito. Com base nessa teoria, vislumbramos que a prática colaborativa da Media Art também possa ser observada pela ótica de processos comunicacionais, em que os sujeitos envolvidos saiam naturalmente de suas experiências com algo aprendido.

Nossa ênfase na discussão da comunicação no âmbito da Media Art se relaciona com a crítica sobre o que chamou Glanville de “inflação terminológica” da interatividade. Segundo o autor, o termo interatividade tornou-se um chavão usado para se referir às tecnologias que fornecem alguma forma de "reação" a uma “entrada do usuário". Essas manifestações realizam truques, mas não nos fornecem nada que seja remota e verdadeiramente interativo, nem há qualquer participação significativa, elas apenas são respostas a determinado estímulo (Glynn, 2008).

Para Glanville, “interação” significa “receptividade mútua que pode levar à novidade, em que nenhum participante tem controle formal sobre o processo. Interação ocorre entre os participantes, não por causa de nenhum deles” (GLANVILLE, 2001, p. 3, tradução nossa[11]). Em contraponto, “conversação” corresponde à “interação em andamento”, sendo descrita pelo autor como

"uma forma circular de comunicação em que cada participante constrói seu próprio entendimento. Os controles de entendimentos entre participantes ocorrem através da re-presentação de entendimentos individuais em retorno contínuo. Conversação ocorre entre participantes e é essencialmente interativa" (GLANVILLE, 2001, p. 2, tradução nossa[12]).

Assim, além de autopoiéticos, consideramos os processos conversacionais como ampliadamente aplicáveis a quaisquer tipos de discursos, verbais e não-verbais. Segundo a escritora e editora de periódicos relevantes na área de Arte Contemporânea Monika Szewczyk[13](2009), em ensaio publicado na E-flux, a definição mais simples de um tipo mais simples de conversação é baseada na interlocução fragmentada de discursos. Quando duas pessoas se falam, elas não falam juntas, mas cada uma na sua vez. Alguém diz uma coisa depois pára, e a outra pessoa diz outra coisa, depois pára. O discurso coerente que elas conduzem é composto de seqüências que são interrompidas quando a conversação move de um colaborador a outro, mesmo que sejam feitas adaptações de modo a que eles correspondem a um outro. O fato de que o discurso precisa passar de um interlocutor a outro a fim de ser confirmado, contrariado, ou desenvolvido mostra a necessidade do intervalo.

Para Blanchot (1969), a fala e o silêncio, como duas formas de interrupção, podem servir como compreensão dialética ou podem produzir algo de natureza mais complexa. Tudo depende de como concebemos os interlocutores na conversa. Se virmos nosso interlocutor como um oposto, quer como objeto de nosso discurso subjetivo, ou como um sujeito que é infinitamente diferente, mas igual a nós, entramos numa dialética que busca síntese e unidade: compreensão. Por outro lado, se assumimos nosso interlocutor não como um oposto, mas como um neutro – uma alteridade que detém em nome do neutro – a conversação vai além da relação binária que estrutura a dialética (BLANCHOT, 1969).

Concebendo o diálogo para além da dialética (que detém a unidade e a síntese como um fim), podemos nos aproximar do infinito que se prolifera através da implantação do neutro. Isto quer dizer que um tipo de geometria de pensamento está em jogo que poderá permitir o próprio pensamento mover por si mesmo completamente diferente (SZEWCZYK, 2009, p.2-3, tradução nossa[14]).

Com base nestas colocações, podemos concluir que a conversação é por definição circular, não é mensagem transmitida, codificada, é o que o participante faz dela. A conversação pode também ser reflexiva, quando ela tem como tema si própria.

Criticando a situação contemporânea, Flusser afirma que os diálogos telematizados não são conversações, são conversas fiadas. Para ele,

"todos recebem imediatamente um número colossal de informações, mas todos recebem o mesmo tipo de informação, não importa onde estejam. Ora, nessa situação todo diálogo se torna redundante. Já que todos disporão de informações idênticas, nada haverá a ser autenticamente dialogado." (FLUSSER, 2008, p. 87)

E, para exemplificar sua colocação, Flusser cita a Exposição Elétrica de 1984 em Paris, definindo a atmosfera do evento como “tolice generalizada”. Segundo ele, a mostra não se propunha a diálogos inteligentes; apenas a apresentação de novos gadgets que substituiriam o filme, o livro, o telefone e o correio (FLUSSER, 2008, p. 86).

No âmbito social em geral, o tempo passou e muitas pessoas ainda não perceberam que a potência não se encontra nos dispositivos trazidos pela revolução da era digital, mas sobretudo nos diálogos que se tecem entre as pessoas numa situação cultural outra, e que atravessa uma metamorfose da percepção (SANTOS, 2003). Com base na comunicação que se tece entre os colaboradores é que, por exemplo Roy Ascott fundamentou a proposta da “Cybernetic Art Matrix”(CAM) ou mesmo que Flusser propõe a metáfora da sociedade pós-histórica como um formigueiro composto por formigas criativas (FLUSSER, 2008).

Analisar pragmaticamente a maneira como são tecidas as linhas de comunicação dentro do sistema social e estético que é a arte, especificamente o sub-sistema Media Art, é tarefa humanamente impossível, e também não é este nosso interesse neste artigo. Além disso, lembramos que, dada a autopoiesis de um dado sistema, este atende a um programa maior de funcionamento, cujos “emissores” de informação são como cascas de cebola: existem camadas e camadas de programas, que ao serem descascadas, chega-se ao nada (FLUSSER, 2008). A autonomia de tal sistema social e estético não acontece sem nossos constantes esforços na alimentação desse sistema. Como pertinentemente coloca Bill Nichols, estamos inserido em

"um sistema pronto a reiniciar, alterar-se, modificar-se ou transformar-se para nós qualquer momento, em qualquer tempo. Interações cibernéticas podem se tornar intensamente exigentes, mais que podemos imaginar a partir de nossa experiência com textos, mesmo envolvendo poderosamente alguns deles." (NICHOLS, 1988, p.631, tradução nossa[15])

Nessa direção, a partir do olhar cibernético, podemos concluir que construímos um modo de fazer artístico completamente diferente da situação cultural anterior às tecnologias eletrônico-digitais.

Somente depois de captado o fascínio podemos compreender porque os nossos netos se assumirão simultaneamente ‘artistas criativos’ e ‘funcionários programados’, ‘dominados’ e ‘dominadores’, ‘governo’ e ‘governados’ (FLUSSER, 2008, p. 129).

Essa colocação de Flusser aponta para o surgimento de relações humanas em que se assimila a superação da distinção entre ativo e passivo, construção típica da sociedade histórica. Segundo o autor, essa mudança de paradigma também contribui na indeterminação da distinção entre público e privado, fenômeno também observado e discutido pela produção de Arte Eletrônica na contemporaneidade.

3 Media art como sistema social e estético

3.1 A era digital e a reinvenção do paradigma social

As transformações instauradas pelas tecnologias digitais e de telecomunicação, contribuiu para o crescimento da influência dos meios de comunicação e de suas “realidades” sobre as sociedades, em detrimento das visões subjetivas (GIANNETTI, 2006). Tal condição dá abertura para a proposição de Luhmann sobre o papel da comunicação na sociedade: “a sociedade não está formada por pessoas, mas por comunicações” (GIANNETTI, 2006, p.63).

Para Luhmann, através do abandono à visão organicista em que prevalecia o protagonismo do sujeito na relação parte-todo, a comunicação passa a ser compreendida como um processo recursivo e auto-regulador entre sistemas, cujo funcionamento depende do funcionamento de cada parte. Essa dependência mútua das partes faz com que a efetividade da comunicação seja bastante improvável (GIANNETTI, 2006, p.63). Para Luhmann

"é improvável que alguém compreenda o que o outro quer dizer, tendo em conta o isolamento e a individualização de sua consciência. O sentido só se pode entender em função do contexto e, para cada um o contexto é, basicamente, o que a sua memória lhe faculta" (LUHMANN, 1992, apud GIANNETTI, 2006, p.63)

No seio desta perspectiva, Luhmann (2000) entende a arte como um sistema social e estético atuante entre o sistema psíquico e o sistema comunicacional, dois sistemas distintos que se relacionam mútua e circularmente.

Comparada à consciência, a comunicação executa uma seqüência de transformações de signos extremamente lenta e consumidora de tempo (o que o que significa, entre outras coisas, que a consciência participante ganha tempo para a sua própria percepção, imaginação, e trens de pensamento). Comunicação recursivamente chama de volta e antecipa comunicações mais distantes, e exclusivamente no âmbito da rede da auto-criada comunicação ela pode produzir comunicações como os elementos operativos de seu próprio sistema. Ao fazê-lo, a comunicação gera um sistema autopoiético distinto, no estrito (não apenas metafórico) senso do termo. E, dada a forma em que ela organiza sua própria autopoiesis, a comunicação não pode receber ou produzir percepções, mas pode certamente comunicar sobre percepções (LUHMANN, 2000, p.9-10, tradução nossa[16]).

Olhando a arte como sistema social e estético, também com base na teoria de Luhmann, a pesquisadora austríaca Katharina Gsöllpointner sintetizou no esquema abaixo as relações entre artista, obra e público:

Figura 4: Diagrama apresentado pela pesquisadora Katharina Gsollpointner em palestra no Interface Culture Department na Kunstuniversität Linz em 27/maio/2008. Fonte: Gsöllpointner (2008),

Pressupondo os elementos como sistemas dinâmicos, nota-se que a comunicação é o elemento estruturante que interliga os diferentes sistemas em interação.

Apesar da polemicidade das proposições de Luhmann, nosso interesse em sua sociologia sistêmica sobre a arte se baseia na interlocução dele com outros autores ciberneticistas – Heinz von Foester em “Understanding Understanding” responde a Luhmann com artigo intitulado: “How recusive is Communication” – e no fato dela nos apontar outra perspectiva para melhor compreender a complexidade das relações entre artista, obra e público, em nossa atual situação cultural e no contexto do desenvolvimento de projetos de Arte Eletrônica.

Neste contexto, nos perguntamos se, sendo a Arte um sistema social que antecipa aspectos de desdobramentos de processos históricos, seria a prática da Arte Eletrônica uma das trajetórias possíveis para a concretização de formas inovadoras de Comunicação, a favor da valorização de estruturas horizontais e não-hierárquicas de produção e troca do conhecimento?

Tudo indicaria que sim se não fosse nossa tendência natural rumo à entropia, à massificação e à homogeneidade.

Conforme aumenta a entropia, o universo, e todos os sistemas fechados do universo, tendem naturalmente a se deteriorar e a perder a nitidez, a passar de um estado de mínima a outro de máxima probabilidade; de um estado de organização e diferenciação, em que existem formas e distinções, a um estado de caos e mesmice. (...) enquanto o universo como um todo, se de fato existe um universo íntegro, tende a deteriorar-se, existem enclaves locais cuja direção parece ser o oposto à do universo em geral e nos quais há uma tendência limitada e temporária ao incremento da organização (WIENER,1954, p.14).

Com base na teoria entrópica dos princípios da termodinâmica e na  Cibernética, Flusser coloca que a comunicação é um processo intersubjetivo, anti-natural e negativamente entrópico. Um processo que vai contra o movimento geral da natureza rumo à entropia e ao caos. Pensar os processos criativos da Media Art como processos comunicacionais e sociais é uma forma de visualizá-la como uma agente anti-redundância e anti-desinformação (GIANNETTI, 2006).

O modelo de Luhmann da Arte enquanto sistema social e estético atuante nas esferas dos sistemas psíquicos e comunicacionais, também pode ser analisado sob a ótica das manifestações locais (micro) e globais (macro), as quais atendem respectivamente aos movimentos opostos e simultâneos de organização e caos.

Essa concepção traz para a pauta a natureza da criatividade na era da cultura digital: uma criatividade coletiva, calcada na emergência de inovação a partir do jogo de forças entre as esferas micro e macro.

3.2 Coordenação: ação entre os níveis micro e macro

Sendo a prática da Media Art bastante orientada pelo processo de criação e design de interfaces e interações homem-máquina (GLYNN, 2008), buscamos referências também na área de design a fim de compreender a complexidade da produção transdisciplinar.

Discutir tal cenário de produção requer uma aproximação à noção de coordenação. Problemas de coordenação emergem pelo fato de decisões e processos complexos demandarem a organização de diferentes pessoas, conhecimentos e outros elementos que estão interconectados de várias maneiras, o que faz da coordenação uma espécie de gestão das interdependências entre as atividades para se atingir uma meta (ALEXIOU; ZAMENOPOULOS, 2007, p.587).

É possível identificar alguns dos principais desafios enfrentados durante a coordenação de processos de design. Para os pesquisadores da área de design e complexidade de universidades inglesas Alexiou e Zamenopoulos, entre eles estão: a necessidade de se estabelecer relações de tradução entre as diferentes formas de representação; sincronizar a troca de informação; estabelecer papéis e delegar estruturas em organizações. Os desafios listados pelos autores denotam, em certa medida, um conceito de coordenação que abarca as noções de conflito e cooperação. Além disso, eles colocam que a coordenação não pode ser considerada somente como mero gerenciamento, mas também uma atividade relacionada à exploração e geração de soluções alternativas, novas e criativas (ALEXIOU; ZAMENOPOULOS, 2007, p.588).

Sob a ótica da Cibernética, a coordenação da produção colaborativa de Media art não pressupõe a centralização das atividades criativas. Ao trabalharmos com profissionais de diferentes especialidades, à medida que as funções e responsabilidades são delegadas, as decisões são tomadas a partir de metas individuais no nível local, sem nenhuma fonte centralizadora de controle, compondo um processo de controle distribuído da qual emergem as soluções de design.

Tarefas de design colaborativo requerem que o conhecimento esteja distribuído entre os agentes locais, e a coordenação envolve a síntese e a construção do conhecimento necessário para a tarefa coletiva. Neste sentido, o aprendizado é visto como um instrumento importante não somente para potencializar a habilidade individual dos agentes e assim derivar soluções de design, mas também para criar conhecimento compartilhado sobre tarefas de design e suas limitações (ALEXIOU; ZAMENOPOULOS, 2007, p.589).

Nessa concepção, a exploração, geração e reformulação paralela de problemas e soluções se tornam uma responsabilidade coletiva, em consonância com a noção de “inteligência coletiva” do filósofo francês Pierre Lévy:

"uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. Acrescentemos à nossa definição este complemento indispensável: a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas." (LEVY, 1998, p. 28-29)

Para melhor compreender o modelo de coordenação descrito por Alexiou e Zamenopoulos é importante desenvolver as relações estruturais entre o micro universo dos agentes individuais e o macro universo em que o todo é coordenado e se faz coerente. Considerada como fundamental para se entender o aspecto social do design, diferentes autores abordam a ligação entre micro e macro, a citar o sociólogo britânico Anthony Giddens e o diretor italiano do Istituto Di Scienze e Tecnologie della Cognizione Cristiano Castelfranchi.

Com base na análise das correntes teóricas dos dois autores mencionados, Alexiou e Zamenopoulos afirmam que a maneira com que os agentes interagem, se juntam ou se diferenciam (em termos de metas e crenças), é refletido na organização espacial no nível macro. As ações individuais, guiadas por metas e crenças, é a base para a criação no nível macro. Micro e macro não exatamente correspondem ao problema e à solução de espaço; mas à sua expressão nas escalas individual e global, respectivamente (ALEXIOU; ZAMENOPOULOS, 2007, p.594).

Na realidade, os agentes estão delimitados de duas formas: uma está relacionada às limitações dos recursos disponíveis, leis e outras restrições externas, e a outra está relacionada à habilidade de um agente para aprender, interpretar ou internalizar o mundo externo e, portanto, formar as expectativas e previsões sobre ele (ALEXIOU; ZAMENOPOULOS, 2007, p.593, tradução nossa[17]).

Além das considerações sobre as limitações nos dois níveis, é pertinente também colocar que o modelo de coordenação que olha para os efeitos intencionais e não-intencionais contribui funcionalmente na criação e no gerenciamento da dinâmica das relações entre micro e macro. Esta perspectiva considera o mundo como um campo onde se manifestam ações recursivas simultaneamente convergentes e conflituosas, cujos agentes interagem baseados no conhecimento que possuem do mundo para guiar suas ações futuras (ALEXIOU; ZAMENOPOULOS, 2007, p.593).

4 Considerações finais

Olhar a produção de Media Art sob a ótica da Cibernética de Segunda ordem contribui para a compreensão da mesma enquanto sistema social e estético, potencialmente embasado na mudança de paradigma que as tecnologias digitais podem vir a efetivar.

Assumimos que existe um forte caráter utópico em relação ao uso da Cibernética, como colocou Claus Pias ao questionar os limites de sua aplicação. No contexto da reformulação radical da maneira de se pensar a tecnologia, a Cibernética fez emergir uma nova ordem para as coisas, sonhando com vários modos de reconciliação, compondo uma espécie de “epistemologia experimental” (PIAS, 2005, p.544). O experimento repousa na reordenação do conhecimento de uma forma que fenômenos psicológicos e sociológicos, políticos e econômicos, estéticos e biológicos possam ser observados como enraizados nos termos da comunicação e da recursividade.

No âmbito da natureza coletiva e transdisciplinar da produção de Media Art, esboçar ligações entre o micro(agente) e macro(estrutura) significa por um lado, a necessidade de se explicar a (des)estabilidade das estruturas sociais apesar das ações do indivíduo; de outro, a pulsão para variabilidade, a criatividade e a inovação. A Media Art é um campo experimental por excelência e pode servir ao propósito de uma experimentação social em diferentes aspectos.

Referências

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[1] Do original em inglês: “Actions are artifacts of processes of attribution, the results of observing observers (or Eigenvalues, in Heinz von Foerster´s sense), which emerge when a system operates recursively on the level of second-order observation” (Luhmann, 1995, p.xliv).

[2] Trecho original: “Cybernetics is the science that studies the abstract principles of organization in complex systems. It is concerned not so much with what systems consist of, but how they function. Cybernetics focuses on how systems use information, models, and control  actions to steer towards and maintain their goals, while counteracting various disturbances" (Heylighen, Joslyn, 2001, p.02).

[3] Excerto original: “Second order Cybernetics (...) was developed between 1968 and 1975 in recognition of the power and consequences of Cybernetic examination of circularity. It is Cibernetics, when Cybernetics is subjected to the critique and the understandings of Cibernetics. It is the Cibernetics in which the role of the observer is appreciated and acknowledged rather than than disguised as had become traditional in western science: and is thus the Cybernetics that considers observing, rather than observed systems” (Glanville, 2001, p.03).

[4] Excerto original: “These internationally prominent artists who often work as scientists at research institutes, are engaged in the development of the new interfaces, models for interaction, and innovative codes: they set the technical limits themselves according to their own aesthetic goals and criteria” (Grau, p.5, 2007).

[5] Do original em inglês: “Don´t we need more scientists with eyes as sharp as lynxes and hearing as acute as locusts, and more artists who are prepared to run risks instead of merely moderating social progress by using aesthetic devices?” (Zielinski, 2006, p.11).

[6] Excerto original: “cultural dispositions that articulate and disarticulate human agency, constructing relationships and cutting ties with multiple natures and multiple cultures.”(Burkhardt, 1999 apud Broeckmann, 2007 apud Grau, , 2007, p.194)

[7] Excerto original: “a class of mechanistic system in which each member of the class is a dynamic system defined as a unity by relations that constitute it as a network of process of production of components which: (a)recursively participate through their interactions in the generation and realization of the network of processes of production of components which produce them; and (b)constitute this network of processes of production of components as a unit in the space in which they (the components) exist by realizing its boundaries” (Glanville, 2001, p.15).

[8] Excerto original: “the basic consequence of the autopoietic organization is that everuthing that takes place in an autopoietic system is subordinated to the realization of its autopoiesis, otherwise it deisntegrates” (Glanville, 2001, p.15).

[9] Excerto original: “An autopoietic system is stable through its (dynamic) ability to keep on making itself anew” (Glanville, 2001, p.15)

[10] Nascido em 1942 em Urbana, Illinois (EUA), Dan Graham foi um dos pioneiros em performance e vídeo-arte nos anos 1970. Mais tarde focou sua atenção para projetos arquitetônicos projetados para a interação social em espaços públicos. A escrita também se constituiu como um dos fortes aspectos de seu trabalho. Seus textos cobrem assuntos desde peças de arte conceitual inseridas em revistas de cultura de massa, até escritos para amigos artistas próximos e análise da cultura popular. Atualmente mora e trabalha em Nova Iorque. (Medien Kunst Netz)

[11] Excerto original: “Mutual responsiveness that may lead to novelty, in which no participant has formal control over the proceedings. Interaction occurs between participants, not because of any of them” (Glanville, 2001, p. 3).

[12]A circular form of communication in which each participant constructs his own understanding. Checks on understandings between participants occur through re-presentation of individual understandings in a feedback loop. Conversation Occurs between participants and is essentially interactive” (q.v.) (Glanville, 2001, p.2)

[13] Monika Szewczyk é escritora e editora sediada em Berlim e Roterdã, onde coordena as publicações no Witte de With, centro de Arte Contemporânea e é tutora no Piet Zwart Institute. Ela também atua como colaboradora da revista Prior, em Ghent. Disponível em http://www.e-flux.com/journal/view/37, acesso em 02/Fevereiro/2009.

[14] Excerto original: “Conceiving of dialogue beyond dialectics (which holds out unity and synthesis as an end), we can approach the infinity that proliferates via its deployment of the neutral. This is to say that a kind of geometry of thought is at stake that might allow for thought itself to move differently altogether” (Szewczyk, 2009, p.2-3).

[15] Excerto original: “a system ready to restore, alter, modify or transform any given moment to us any time. Cybernetic Interactions can become intensely demanding, more so than we might imagine from our experience with texts, even powerfully engaging ones” (Nichols, 1988, p.631).

[16] Excerto original: “Communication can no longer be understood as a ‘transmission’ of information from an (operatively closed) living being or conscious system to any other such system. Communication is an independent type of formation in the medium of meaning (sinn), an emergent reality that presupposes living beings capable of consciousness but irreducible to any one of these beings, not even to all of them taken together. Compared to consciousness, communication executes an extremely slow, time-consuming sequence os sign transformations (which means, among other things, that the participating consciousness gains time for its own perceptions, imaginations, and trains of thought). Communication recursively recalls and anticipates further communications, and solely within the network of self-created communication can it produce communications as the operative elements of its own system. In so doing, communication generates a distinct autopoietic system in the strict (not just ‘metaphorical’) sense of the term. And, given the form in which it organizes its own autopoiesis, communication cannot receive or produce perceptions. But it can certainly communicate about perceptions” (Luhmann, 2000, p.9-10).

[17] Excerto original: The perceived distance (or error) between the intended and unintended effects not only motivates action, but is also used as a metric of the limitations and constraints over that action. In reality, agents are bounded in two ways: one is related to the limitations of available resources, laws and other external constraints, and the other is related to the ability of an agent to learn, interpret or internalise the external world and therefore form expectations and predictions about it (Alexiou; Zamenopoulos, 2007, p.593).