A OBRA NOSSO LAR - BRASÍLIA E O MOVIMENTO MODERNO: PARAÍSO OU PURGATÓRIO?

Maria Fernanda Vegro

Maria Fernanda Andrade Saiani Vegro é Mestra em Estética e História da Arte e pesquisadora na Universidade de São Paulo. Estuda modelagem, revitalização e percepção do espaço urbano..


Como citar esse texto: VEGRO, M.F.A.S. A Obra “Nosso Lar - Brasília” e o Movimento Moderno: paraíso ou purgatório? V!RUS, São Carlos, n. 12, 2016. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus12/?sec=4&item=5&lang=pt>. Acesso em: 19 Abr. 2024.


Resumo:

Este artigo trata da representação da arquitetura na 31º Bienal Internacional de Arte de São Paulo, especificamente da obra do artista holandês Jonas Staal “Nosso Lar - Brasília”, proposição que pretende criar uma reflexão dialética entre a finitude do homem moderno e o domínio da razão no âmbito da arquitetura e do urbanismo. Desse modo, rasga-se o véu que vela a realidade social e insere-se nesta ação, o gesto do autor que revisita a modernidade criticamente e desvela as contradições que não aparecem visivelmente na forma. Qual o legado do projeto moderno para a pós-modernidade? Este é o núcleo central da obra “Nosso Lar - Brasília” que confere a Jonas Staal a posição de um “moderno radical” ao propor uma representação que nega a autonomia da arte e da arquitetura, reconfigurando suas especificidades com questões econômicas, políticas, sociais e no estranhamento do diálogo com a obra espírita de Francisco Xavier Nosso Lar. Essa perspectiva aponta para o destino da abstração do ideário moderno na contemporaneidade. A 31º Bienal Internacional de Arte de São Paulo que ocorreu no período de 06/09/14 à 7/12/2014 no Parque do Ibirapuera foi considerada por críticos de arte e imprensa como transgressora, pois colocou em xeque a questão do “conflito”, confrontos ainda não resolvidos entre grupos sociais distintos. Com o título “Como (...) coisas que não existem” a exposição enfatizou um modo de tradução da invisibilidade dos fenômenos políticos e sociais que transcende a individualidade na necessidade urgente do agir e pensar coletivamente.

Palavras-chave:: Conflito, Coletividade, Invisibilidade, Reflexão Dialética.


INTRODUÇÃO

A representação da arquitetura e urbanismo na 31ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo incluiu algumas obras de artistas que se utilizaram de meios de expressão como vídeos, mapas, maquetes e fotografias. A interface entre arte e arquitetura instiga uma reflexão aprofundada do momento atual e questiona os limites dessas disciplinas. No caso em tela desta Bienal, a interdisciplinaridade aponta para a construção de um pensamento dialético, onde o número de perguntas certamente foi ampliado desde o modernismo. Relações amplas entre objeto arquitetônico, entorno, cidade, mundo e planeta são amplamente discutidas, mas, a inexistência de um ponto de vista predominante é característica do período atual onde a ambiguidade representa também um novo enfoque.

O prefixo “pós”, caracteriza uma ruptura ou uma mudança de paradigma nos contextos históricos onde a produção cultural emerge. Para Andreas Huyssen, há que se encontrar na atualidade as ruínas do movimento moderno, pois,

[...] esse retorno contemporâneo a uma concepção imensamente mais ampliada do moderno nas artes atuais deve muito às intervenções do pós-modernismo. [...] o pós-modernismo deu visibilidade a dimensões do próprio modernismo que tinham sido esquecidas ou reprimidas [...] (HUYSSEN, 2014, p. 16).

O autor também chama a atenção para um lado positivo do pós-modernismo que inclui no seu discurso outras “modernidades”, deslocadas geograficamente do Atlântico Norte. Essa articulação entre modernismo e pós-modernismo, constitui para Huyssen, o mote para se pensar a história cultural contemporânea e questões estéticas e políticas de outras épocas (HUYSSEN, p. 17).

A obra aqui escolhida para interpretação é “Nosso Lar - Brasília” do artista holandês Jonas Staal (2014) que na esteira de Huyssen, aponta para uma reflexão aprofundada da utopia moderna e do fetiche. Esses conceitos quando articulados obscurecem as relações sociais, a dinâmica capitalista da produção e consumo de cultura e caracterizam um descompasso entre a forma estética, sua simbologia e as forças que estão por trás dessa operação que excluem e negligenciam parte da sociedade subjugando o pertencimento e a identidade do sujeito às leis e códigos alienantes. Portanto, a visibilidade das formas de “Nosso Lar - Brasília” em chave negativa, denuncia procedimentos totalitaristas, questiona a razão como instrumento de dominação e investiga espaço e tempo numa tensão permanente, contrapondo tempos e espaços históricos encapsulados em uma morfologia rígida onde o inesperado, os aspectos subjetivos, encontram-se subtraídos do projeto arquitetônico e urbanístico.

Antes de iniciarmos a descrição da obra, convém aqui apresentar uma breve contextualização do movimento moderno e pós-moderno para avançarmos nas questões da utopia e do fetiche implicados nessas obras contemporâneas que revisitam o passado moderno como obra aberta1, ou seja, escapam da literalidade do signo e incluem um mundo fundado na ambiguidade, numa dialética entre existência pessoal como resposta aos problemas sociais não resolvidos e um mundo fundado de acordo com leis universalmente reconhecidas.

O IDEÁRIO MODERNO: A RAZÃO ORDENADORA

Jonas Staal resgata o passado moderno com o olhar de um artista inserido em seu tempo, no entanto, conduz o receptor de arte a certo grau de estranheza e inquietude ao propor uma inter-textualização entre duas cidades singulares quanto ao projeto utópico: Nosso Lar (1944) e o Plano Piloto de Brasília (1956). O pensamento do fruidor de arte ao mesmo tempo em que reconhece familiarmente as duas cidades e suas idiossincrasias representadas graficamente, na forma de maquetes e em um vídeo que conta com uma descrição sonora é levado a questionar-se como os dois planos urbanísticos podem evocar narrativas paralelas.

Para essa compreensão, torna-se necessário resgatar os pressupostos do movimento moderno na arquitetura para articulá-los com as questões críticas do pós-modernismo e verificarmos como ideologia, utopia e fetiche encontram-se amalgamados. Diante dessa perspectiva, a epopeia patriótica que o imaginário nacional desenvolvimentista proporcionou à sociedade brasileira encontrou sua máxima expressão na construção de Brasília onde o projeto moderno encontrou espaço e um “grau zero” de sociedade a ser transformada e modernizada através da morfologia urbana, ocultando-se o atraso industrial e sua origem colonial.

Para David Harvey, as transformações que estão por trás da crise de representação vivenciada no Modernismo associam-se com a questão do desenvolvimento dos negócios no capitalismo, ou seja, uma tensão permanente entre dinheiro de crédito e dinheiro em espécie e formação do capital fictício (HARVEY, 1992, p. 240). Foi somente após 1850 que os mercados de ações e de capitais foram organizados, regulamentados e abertos à participação geral. Novas formas de produção de mercadorias em fábricas com a divisão do trabalho de cunho taylorista e a dissolução do ofício dos trabalhadores associadas com as invenções técnicas, a expansão do comércio e novas formas de crédito colaboraram para acelerar a circulação de capital no mercado de massa. O imperialismo e a rivalidade interimperial favoreceram a condução de “forças capitalistas para a trilha do globalismo”. As inovações nos transportes e na comunicação alteraram o espaço relativo, impulsionando os deslocamentos. Com o exemplo da literatura, do romance realista, o autor assinala a assimetria do espaço narrado linearmente numa temporalidade coerente, pois “essas estruturas eram incompatíveis com uma realidade em que dois acontecimentos em lugares bem distintos ocorrendo ao mesmo tempo podiam se inter-relacionar a ponto de modificar o funcionamento do mundo” (HARVEY, 1992, p. 241).

Tal quadro deflagrou novos modos de se vivenciar o espaço e o tempo que atuaram diretamente nos modos de se produzir cultura. Foram diversas proposições seguidas pelos artistas modernistas para subverter a ordem da realidade dada, de interrogar a similitude da relação espaço temporal. A cientificação do trabalho acentuou à possibilidade da espacialização e controle do tempo, do incremento das forças produtivas e aceleração dos processos sociais. Portanto para Harvey, é somente com a racionalização e organização do espaço público que os sentidos do tempo e espaço interior privado poderiam se desenvolver. Concomitantemente, o corpo, a psique e a consciência (reprimidos pelo projeto Iluminista) com as novas descobertas da filosofia e psicologia, seriam liberados. Racionalidade naquele momento significava menos o domínio do tempo, do espaço, das forças de trabalho e sim que novos “sentidos de relativismo e perspectivismo podiam ser inventados e aplicados à produção do espaço e à ordenação do tempo”. A pureza da forma arquitetônica, sua funcionalidade, estendendo-se para a metrópole como máquina com inúmeras engrenagens e fluxos em movimento, representaram o afã moderno pela busca de uma produção cultural inteiramente nova que rompesse com o passado. Doravante, “a racionalidade espacial poderia ser imposta ao mundo exterior para maximizar a liberdade e o bem-estar individuais” (HARVEY, 1992, p. 246).

Desse modo, o ideário moderno, teleológico, impulsionado pelo vir-a-ser de uma sociedade reformada e mais igualitária baniu a contradição e ambiguidade dos conteúdos programáticos do projeto arquitetônico e planejamento urbano. Espaço e sociedade tornaram-se abstratos, ou seja, ancorados numa prospecção futura de sociedade que para responder às novas necessidades impostas pelo capitalismo industrial celebrou as qualidades e identidade do lugar, totalmente alheado do sujeito.

Nas passagens de Benjamin, o intérieur de acordo com Olgária Matos,

[...] é o salão burguês saturado de enfeites dourados, espelhos, paredes forradas de tecidos adamascados e com desenhos florais, tapetes, móveis em forma de naves ou de catedrais góticas etc., de onde o ‘burguês vê o mundo’, com o ilusório sentimento de segurança no mundo do capital – [...] (MATOS, 2010, p. 178-179).

Segundo a autora, para esses novos modos de se viver o tempo e o espaço, o intèrieur era uma promesse de bonheur. A perda do sentido do trabalho e o consumo direcionado para atender as necessidades do mercado e não do consumidor “corresponde a um estado de exasperação das carências reais da sociedade e a uma nova modalidade de aturdimento da mente, consequência do capitalismo contemporâneo e da cultura que ele engendra” (MATOS, 2010, p. 182).

A partir do abandono da “ética protestante” a favor do “espírito capitalista”, o tempo representa o consumo e não a busca de sentido e subjetividade. Para a autora, o tempo da modernidade sinaliza o medo e a insegurança e reduz a capacidade criativa do sujeito. “O revolucionário benjaminiano é um ludista do tempo, aquele que interrompe a ideologia do progresso [...]” (MATOS, 2010, p. 193). Nesse contexto é que podemos compreender a racionalização da arquitetura e do planejamento urbano como instrumento para a ordenação do caos urbano, num afã revolucionário por parte dos arquitetos para submeter o espaço às regras funcionais aderidas ao desenvolvimento da técnica e à ideologia do progresso.

Demolir, incendiar o intérieur para possibilitar ao burguês uma nova experiência do habitar, de vida na cidade, uma arquitetura e um planejamento urbano racionalizados que se estendessem para as massas, representava o potencial transformador da ordem da realidade dada. Desejo messiânico de estetização da vida, da autonomia da forma, de projetar o futuro.

O RESGATE DAS RUÍNAS MODERNAS: A OBRA “NOSSO LAR - BRASÍLIA”

Com o fim do ideário2 moderno, sem o solo do futuro, como se antevê a produção arquitetônica pós-modernista?

Frederic Jameson, em seus textos, caracteriza a esfera da economia plenamente aderida à esfera da arquitetura e planejamento urbano na pós-modernidade, desse modo, estabelece-se uma nova relação com o futuro:

[...] enquanto um espaço de espera necessária por retornos e acumulação de capital – [...] a reorganização estrutural do tempo num tipo de mercado futuro -, esta é a conexão final da cadeia que leva do capital financeiro, através da especulação financeira até a estética e a produção cultural [...] (JAMESON, 2001, p. 200).

Na contemporaneidade, a volatização e a velocidade do capital financeiro, apontam para novas formas estéticas que configuram nostalgia, efemeridade e quando associadas à lógica neoliberal visam à obtenção de rendas funcionando também como potenciais imãs para atração de investimentos financeiros. No entanto, é quando a estética alcança uma dimensão política, como revisão crítica do movimento moderno que o pós-modernismo constrói sentido, articula signos complexos, pois desmistifica realidades históricas. Neste contexto, há que se pensar o novo papel do arquiteto,

[...] do técnico, do organizador da construção [...] no âmbito das novas formas do desenvolvimento capitalista. E, por conseguinte, das tangências possíveis ou das inevitáveis contradições entre tal tipo de trabalho técnico-intelectual e as condições materiais da luta de classes (TAFURI, 1985, p. 122).

Na obra “Nosso Lar - Brasília”, Jonas Staal subverte a ordem da realidade dada e cria um campo de tensão de pares opostos como: particularidade/generalidade, individualidade/coletividade, objetividade/subjetividade, céu/inferno. Paralelamente, instala uma compreensão de tempo e espaço completamente nova. Como já mencionamos, essa reflexão inclui as questões da utopia e do fetiche articuladas, ou seja, a busca de um coeficiente negativo, latente nas obras. Também, torna-se importante compreender como essas questões, da utopia e do fetiche operam diferentemente conforme o contexto geográfico e histórico em que se encontram. Como vimos, a experiência do espaço/tempo vê-se refletida na sociedade e nos modos como o capital produz, se reproduz, se acumula e circula.

A obra do artista holandês Jonas Staal (2014) “Nosso Lar - Brasília”, abre um campo reflexivo para a arquitetura. A transposição da cidade espírita idealizada pelo médium Francisco Xavier, do Nosso Lar, sobre o Plano Piloto de Lúcio Costa para Brasília, aponta para narrativas muito distantes em termos programáticos, mas, ao mesmo tempo paralelas situadas no interior do moderno, sítio possível de questionamento da resistência dos limites do Plano urbanístico.

A exposição contou com o espaço de duas salas, na primeira, foram expostos mapas das duas cidades e uma maquete austera da cidade Nosso Lar (Fig. 01 e 02) e na segunda, ocorreu a projeção de um vídeo que apresentou as duas cidades com uma narrativa cadenciada numa voz feminina que informava o partido do projeto artístico de Staal. Como artista pós-modernista, Jonas Staal provoca uma reflexão que remete à plasmação da utopia moderna em solo brasileiro.

Fig. 01: Maquete da cidade de Francisco Xavier Nosso Lar. Fonte: Acervo Arquivo Histórico Wanda Svevo/ Fundação Bienal de São Paulo.

Fig. 02: Vista da primeira sala de exposição com mapas e maquetes da obra “Nosso Lar - Brasília” de Jonas Staal. Fonte: Acervo Arquivo histórico Wanda Svevo/ Fundação Bienal de São Paulo.

Pode-se observar a proposta de Staal (Fig.03), na conjunção das duas cidades numa morfologia impositiva, autoritária e abstrata3, refratária a qualquer possível contaminação do acaso. A sobreposição dos planos urbanísticos na obra do artista holandês inclui a cidade Nosso Lar, representada na forma de círculos e uma estrela de seis pontas e o Plano Piloto de Brasília desenhado na forma de cruz ou de duas asas. São as contradições que conferem o caráter ambíguo e a complexidade da obra. O mapa das duas cidades (Fig. 03) estabelece relação dialética entre a eternidade do espiritismo contra os corpos modernos, compreendidos aqui, como corpos materializados em espaço.

Fig. 03: : Mapa com a sobreposição do Plano Piloto de Brasília e a cidade Nosso Lar de Francisco Xavier. Fonte: Acervo Arquivo Histórico Wanda Svevo/ Fundação Bienal de São Paulo.

O desenho de Nosso Lar possui três círculos espaçados entre si, o primeiro intervalo, o mais largo, destaca-se pela construção gráfica de uma estrela de seis pontas hachuradas, na forma de um hexagrama com a inserção de pequenos símbolos como uma esfera, uma pequena estrela e um quadrado. O segundo intervalo, bem mais estreito, também conta com hachuras e um pequeno vazio com o desenho de uma pequena espiral. Porém, o encontro de dois eixos diagonais com o eixo horizontal do Plano Piloto de Brasília, remete à centralidade do projeto urbanístico, donde parece resguardado um míssil, em compasso de espera aprisionado pelos limites do último círculo que dialoga com as asas de Lúcio Costa de maneira harmoniosa.

Para onde remete a ideia de duas cidades sobrepostas, onde tempo e espaço divergentes entre si, narram história paralelas?

Recordemos as cidades simbólicas ou mesmo cidades rebeldes como o Quilombo dos Palmares e Canudos onde o a dialética do “dentro” e do “fora”, do “pertencimento” e do “não pertencimento” caracteriza a organização espacial desses espaços sobre um tempo de angustia, de incertezas. Nosso Lar reflete um tempo de desenvolvimento individual, teleológico e não transcendente que visa à reencarnação, tempo de trabalho elevado do espírito.

No prefácio nada convencional da obra mediúnica, um autor que simplesmente assina como Emmanuel, apresenta o médico André Luiz em sua viagem para outra dimensão, que após sua morte terrena, descreve “que a maior surpresa da morte carnal é a de nos colocar face a face com a própria consciência, onde edificamos o céu, estacionamos no purgatório ou nos precipitamos no abismo infernal” (XAVIER, 1944, s.p.). Com a luta que trava com sua existência carnal o homem aprende a elevar seu espírito.

A voz cadenciada do vídeo de Staal, que compunha a instalação, prosseguia afirmando: “os subalternos encontram-se afastados” da centralidade do plano urbanístico, porém, “nós somos livres quando obedecemos”. A maquete exposta na primeira sala, conferiu ênfase ao palácio do governante despido de ornamentos, sóbrio, implacável, com seis ministérios como as superquadras de Brasília, morfologia que simbolicamente traduz uma sociedade hierarquizada. Dois símbolos religiosos, o hexagrama e a cruz do Plano Piloto de Brasília, sobrepostos comportam uma associação entre morfologia (autoritarismo da forma) e ideologia.

No prefácio da obra Uma Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), Marx e Engels asseveram que o conceito de ideologia não representa unicamente uma falsa visão da realidade, como já haviam discorrido na obra Ideologia Alemã (1845/1946), mas principalmente expressa o interesse da classe dominante. Desse modo, a ideologia representa relações de classe e apresenta o interesse da classe dominante como se fosse o de toda a sociedade. As contradições da sociedade merecem um estudo das condições reais e materiais da vida do indivíduo, pois:

[...] não se julga o que um indivíduo é a partir de sua própria consciência; ao contrário, é preciso explicar essa consciência a partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção (MARX; ENGELS, 1996, p. 80).

É neste ponto que o conceito de ideologia, no caso em tela da obra de Staal (progresso de uma nação ou de um indivíduo), confunde-se com o conceito de utopia, já incutido de suas distopias.

Zygmunt Bauman, no seu livro Vida a crédito, cita Russel Jacoby ao discutir duas tradições do pensamento utópico que podem por vezes coincidir, mas não se encontram necessariamente interligadas: “a ‘projetista’ (‘os utopistas projetistas mapeiam o futuro com polegadas e minutos’) e a ‘iconoclasta’ (utopias iconoclastas ‘sonham com uma sociedade superior’, mas ‘se recusam a dar-lhe medidas precisas’)” (BAUMAN, 2010, p. 70). Entretanto, o autor propõe uma inflexão na utopia iconoclasta, deslocando a ideia de imprecisão para a “intenção de desconstruir, desmistificar e, finalmente, desmascarar os valores dominantes e as estratégias de vida de uma época”. O objetivo dessa reflexão é a possibilidade de “outra realidade social”, alternativa deslocada de um projeto totalizante. A proposição de uma nova realidade, certamente, não passa

[...] pelas pranchetas dos projetistas, pelas tropas avançadas ou pelos contramestres do futuro. Ela passa por uma reflexão crítica sobre as práticas e crenças humanas existentes, desmascarando [...] aquele ‘algo que está ausente’ e, assim, inspirando a força motriz para sua criação ou recuperação (BAUMAN, 2010, p. 71).

Diante dessa perspectiva, a obra de Staal produz uma crítica explícita ao projeto moderno de Brasília, evidentemente uma “utopia projetista”, que representava o fim de uma sociedade semicolonial e seu ingresso na atividade econômica industrial, liberta dos estigmas da colonização. “Nosso Lar - Brasília” causa certa inquietude, pois ao sobrepor o projeto mediúnico da cidade de Francisco Xavier ao Plano Piloto de Lúcio Costa, o artista chama atenção para um contraponto entre as batalhas existenciais para se atingir a salvação e à construção de um imaginário social novo em Brasília que, segundo Roberto Schwarz, o nacionalismo desenvolvimentista pela primeira vez se referiu à toda nação brasileira (SCHWARZ, 1999, p. 157).

Essa tensão entre o destino terreno do homem, e seu “lugar” em outra dimensão, construído na forma de hierarquias, tempo de regeneração do espírito para a reencarnação e o sentimento nacional desenvolvimentista de uma nação, expresso nas formas de Brasília, estabelece uma relação dialética entre individual e coletivo, particularidade e generalidade, tempo e espaço. Portanto, no âmbito espiritual, “o destino do homem” é dependente do reconhecimento de sua insuficiência que não exclui uma classe dominante como no projeto para Brasília, pois a “verdadeira compreensão de Brasília [...] nasce do conhecimento da forma de apropriação do seu espaço pelo total da população” (MEYER, 1978, p. 159).

Contudo, nos dois planos de cidade, que ocupam um mesmo território, campo de conflitos humanos, onde batalhas existenciais e materiais são travadas, as forças da razão e a forma hierárquica a que se propõem são determinantes e seus limites são questionados por Staal. O conceito de “utopia iconoclasta” proposto por Bauman encontra-se claramente presente na obra “Nosso Lar - Brasília”.

Roberto Schwarz ao tecer um comentário elogioso ao livro de Otília Arantes, em Um ponto cego no projeto de Jürgen Habermas, afirma que o ponto de vista da autora a respeito de Brasília,

[...] sustenta que foi precisamente a ausência de uma sociedade industrial desenvolvida que permitiu a realização dos experimentos por assim dizer totais da arquitetura e do urbanismo novos, os quais não poderiam ocorrer senão nas condições autoritárias do Terceiro Mundo, por exemplo, na Índia ou no Brasil (SCHWARZ, 1999, p. 201).

O autor conclui que “a combinação monstruosa e desconcertante de modernismo e miséria está na lógica do processo”, pois essa reflexão não trata dos obstáculos locais ao processo de modernização brasileira, mas “cede o passo à reflexão teórica sobre o dinamismo modernizante global, [...] de que a teratologia terceiro-mundista faz parte” (SCHWARZ, 1999, p. 201). É evidente como em solo brasileiro as contradições sociais - o atraso da técnica, a industrialização retardatária, a herança colonial - alcançaram a expressão máxima do modernismo arquitetônico que articulou na imagem da organicidade de suas formas (conforme as praias ou a mulher brasileira) uma busca por uma cultura autêntica nacional.

Segundo Regina Meyer, o Plano Piloto de Lúcio Costa antes de sua construção já configurava em suas formas, o valor-de-troca do solo urbano na previsibilidade do desenvolvimento urbano, questão que impulsionou a segregação e a especulação imobiliária, pois os proprietários de terra dentro dessa área ganharam enquanto esperaram (MEYER, 1978, p. 160).

O rigor dos planos urbanísticos de “Nosso Lar - Brasília”, do desenho de limites rígidos e fronteiras definidas entre as duas cidades excluem a imprevisibilidade e a entrada do “novo”, obra de dois ideólogos demiurgos, Lúcio Costa e Francisco Xavier, alinhados com o ideário moderno. As tensões provocadas pela impossibilidade de apropriação das duas cidades por parte de toda a sociedade foram obscurecidas nos projetos urbanísticos. Para Meyer, a construção de Brasília “realizou-se [...] desconhecendo-se a variável do tempo. Os sintomas de mal-estar urbano surgidos no processo produtivo foram dissimulados, e a construção da cidade, não podendo incorporar estes sinais, expeliu-os para a periferia” (MEYER, 1978, p. 161). Estes sintomas reprimidos no plano urbanístico de Brasília não foram reorientados para uma ação transformadora da sociedade como apregoava os ideais modernos.

Em contrapartida, a cidade de Chico Xavier coloca à margem o processo material da existência humana a partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção, na esteira marxista. Cabe à consciência do ser humano e sua capacidade de lidar com os problemas materiais de sua existência o merecimento da ocupação do solo urbano da cidade de Nosso Lar, desenho urbano impositivo que impede a elaboração de soluções novas ou de ações espontâneas. Brasília e Nosso Lar, cidades singulares, no entanto com narrativas que se entrecruzam.

CONCLUSÃO

É no conflito entre forças opostas como: individual e coletivo, local e global, espiritismo e modernismo, homem e sociedade, dentro e fora, contradições sociais e desenho urbano aliado à crítica política onde se situa a densidade do trabalho de Staal. Desmascarar os fetiches, a falsa visão da realidade, é tarefa que se impõe na obra do artista holandês, rever o sentido da utopia e da ideologia, enfim, lançar o míssil contido no novo Plano urbanístico de “Nosso Lar - Brasília” para desconstruir o desenho rígido das duas cidades e criar um campo de tensões, são as questões que conferem ao artista holandês o caráter de um “moderno radical”. Poderíamos associar esse vanguardismo com questionamentos relativos à periferia do capitalismo, como nos lembra Andreas Huyssen, pois a obra “Nosso Lar - Brasília” transforma a crítica da modernidade, “para um mundo globalizante pós-colonial” esta é a tarefa que se impõe ao pós-modernismo.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. Vida a crédito: conversas com Citali Rovirosa-Madarazo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

ECO, U. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 2003.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

HUYSSEN, A. Culturas do passado-presente. Rio de Janeiro: Contraponto, Museu de Arte do Rio, 2014.

JAMESON, F. O tijolo e o balão: arquitetura, idealismo e especulação imobiliária. In: JAMESON, F. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001.

MARX, K.; ENGELS, F. Uma contribuição crítica à economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MATOS, O. C. F. Benjaminianas: cultura e fetichismo contemporâneo. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

MEYER, R. M. P. Segregação Espacial - Brasília. In: BLAY, E. A. (Org.). A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1978.

SCHWARZ, R. Pelo Prisma da arquitetura (uma arguição de tese). In: SCHWARZ, R. Sequências Brasileiras (ensaios). São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 199-204.

STALL, J. Nossa Lar, Brasília. Obra apresentada na 31º Bienal Internacional de Arte de São Paulo, 2014.

TAFURI, M. Projeto e utopia. Lisboa: Presença, 1985.

XAVIER, F. C. Nossa Lar. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944.

1 “[...] na dialética entre obra e abertura, o persistir da obra é garantia das possibilidades comunicativas e ao mesmo tempo das possibilidades de fruição estética. Os dois valores estão implícitos um no outro [...] ao passo que numa mensagem convencional [...] o fato comunicativo subsiste sem o fato estético [...].A abertura, por seu lado, é garantia de um tipo de fruição particularmente rico e surpreendente que nossa civilização procura alcançar como valor dos mais preciosos, pois todos os dados de nossa cultura, nos induzem a conceber,, sentir e portanto ver, o mundo segundo a categoria da possibilidade” (ECO, 2003, p. 176-177).

2 Para Manfredo Tafuri, a crise da arquitetura moderna deve-se ao fracasso de sua ideologia, essa crise instalada segundo o autor, na década de 60 atribui-se à incapacidade da ideologia modernista fazer frente aos fatos da economia. A arquitetura moderna tentou resolver problemas além do seu alcance como disciplina. “Para os arquitetos, a descoberta do seu declínio como ideólogos ativos, a constatação das enormes possibilidades tecnológicas utilizáveis para racionalizar as cidades e os territórios, juntamente com a constatação diária da sua dissipação, o envelhecimento dos métodos específicos do projetar, mesmo antes de poder verificar as suas hipóteses na realidade, geram um clima de ansiedade que deixa entrever no horizonte um panorama muito concreto e temido como o pior dos males: o declínio do ‘profissionalismo’ do arquiteto e a sua inserção [...], em programas onde o papel ‘ideológico da arquitetura é mínimo” (TAFURI, 1985, p. 120).

3 São as abstrações urbanísticas defendidas pelo movimento moderno que definem um modelo totalizante de cidade, reforma universalista que nivela as diferenças históricas. O afã revolucionário de entrelaçar arquitetura e vida fracassou, pois as abstrações presentes no capitalismo, no plano social são as mesmas que acompanham o desenho urbano moderno. Ao discorrer sobre o livro de Otília Arantes, Mário Pedrosa: itinerário crítico Roberto Schwarz afirma: “[...] Você teve o bom senso (e a ousadia) de considerar que esta Brasília, que realizava o programa de artistas indiscutivelmente avançados como Niemeyer e Lúcio Costa, não dizia respeito somente ao mundo dos arquitetos. Ela era a mesma que, do ponto de vista da crítica social, representara um aprofundamento do caráter autoritário e predatório da modernização brasileira, em linha com a tendência a tendência que em seguida levaria ao regime militar” (SCHWARZ, 1999, p. 200).

THE ARTWORK NOSSO LAR - BRASILIA AND THE MODERN MOVEMENT: PARADISE OR PURGATORY?

Maria Fernanda Vegro

Maria Fernanda Andrade Saiani Vegro is Master in Aesthetics and History of Art and researcher at the University of Sao Paulo, Brazil. She studies modeling, revitalization and perception of urban space.


How to quote this text: Vegro, M.F.A.S., 2016. The artwork "Nosso Lar - Brasilia" and the Modern Movement: paradise or purgatory? V!RUS, [e-journal] 12. [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus12/?sec=4&item=5&lang=en>. [Accessed: 19 April 2024].


Abstract:

This article deals with the representation of architecture in the 31th São Paulo Biennial of Art, specifically the Dutch artist's work Jonas Staal ‘Nosso Lar - Brasilia’. This proposal intends to create a dialectic reflection between the finitude of modern man and the reason domain in architecture and urbanism. Thus, ripping the veil that covers the social reality and is part of this action, the author's gesture revisits modernity critically and reveals the contradictions that do not appear visibly in the form. What is the legacy of modern design for postmodernity? This is the core of Jonas Staal’s artwork ‘Nosso Lar - Brasilia’ which gives him the position of a 'radical modern' proposing a representation that denies the autonomy of art and architecture, reconfiguring their specificities with economic, political, social issues and creating a strange dialogue with the spiritual work of Francis Xavier ‘Nosso Lar’. This perspective points to the fate of the abstraction of modern ideas in contemporary society. The 31st International Art Biennial of São Paulo took place between 06/09/14 to 07/12/2014 in Ibirapuera Park, it was considered by art critics and press as transgressive as it put into question the issue of ‘conflict’ , clashes still unresolved between different social groups. With the title ‘How (...) things that do not exist’ the exhibition emphasized the translation of political invisibility and social phenomenon that transcends individuality in an urgent need of acting and thinking collectively.

Keywords:: Conflict, collectivity, invisibility, dialectical reflection.


Introduction

The representation of architecture and urbanism in the 31th São Paulo Biennial of Art included some works of artists who used mediums such as moving images, maps, models and photographs. The interface between art and architecture instigates a deep reflection of the present situation and questions the boundaries of these disciplines. In this Biennial, interdisciplinarity builds a dialectical thought, where the number of questions were certainly expanded since modernism. Broad relations between architectural object, environment, city, world and planet are widely discussed, but the lack of a predominant view is characteristic of the current period where ambiguity also represents a new approach.

The prefix ‘post’, represents a rupture or a paradigm shift in historical contexts where cultural production emerges. For Andreas Huyssen, it is necessary to find today the modern movement ruins, therefore,

‘[...] this contemporary return to an expanded concept of modern arts today owes much to postmodernism interventions. [...] Postmodernism gave visibility to the dimensions of modernism itself that had been forgotten or repressed [...]’ (Huyssen, 2014, p.16).

The author also draws attention to a positive side of postmodernism that includes in its discourse other ‘modernities’, geographically displaced in the North Atlantic. This articulation between modernism and postmodernism is to Huyssen, the main aspect to think the contemporary cultural history and aesthetic issues and policies from other eras (Huyssen, 2014, p.17).

The artwork chosen for interpretation here is ‘Nosso Lar - Brasilia’ by the Dutch artist Jonas Staal (2014) who as Huyssen, points to a deeper reflection of modern utopia and fetishism. These concepts when articulated obscure social relations, capitalist dynamics of production and consumption of culture and feature a divergence between the aesthetic form, its symbology and the forces that are behind this operation, which exclude and neglect part of society subduing the belonging and identity of the subject to rules and alienating codes. Therefore, the visibility forms of ‘Nosso Lar- Brasilia’ in a negative key, denounced totalitarian procedures, question the reason as an instrument of domination and investigate space and time in a permanent tension, opposing times and historical spaces encapsulated in a rigid morphology where the unexpected subjective aspects, are subtracted from the architectural and urban design.

Before starting the artwork description it is appropriate to present a brief background of the modern movement and postmodern to move to utopia issues and fetishism involved in these contemporary works that revisit the modern past as an open work1, or escape the literalness of sign and include a world founded on ambiguity, a dialectic between personal existence as a response to unresolved social problems and a world founded in accordance with universally recognized laws.

THE MODERN IDEOLOGY: THE REASON ORDINATOR

Jonas Staal rescues the modern past with the approach of an artist inserted in his time, however, he takes the art receiver to strangeness and anxiety by proposing an inter-textualization between two particular cities as in the utopian project: ‘Nosso Lar’ (1944) and Brasilia Pilot Plan (1956). The thought of the art spectator at the same time familiarly recognizing the two cities and their idiosyncrasies represented graphically in architecture models and in a video that has a sound description leading it to question how the two development plans can evoke parallel narratives.

For this understanding, it is necessary to rescue the assumptions of the modern movement in architecture to link them with the critical issues of postmodernism and verify how ideology, utopia and fetish are amalgamated. Given this perspective, the patriotic narrative that the developmentalist national imagination provided to Brazilian society found its highest expression in the construction of Brasilia where modern design found space and a 'zero degree' of society to be transformed and modernized through the urban morphology, hiding industrial backwardness and its colonial origin.

According to David Harvey, the changes that lie behind the crisis of representation experienced in Modernism are associated with the issue of business development in capitalism, that is, a permanent tension between credit and cash and the formation of fictitious capital (Harvey, 1992, p.240). It was only after 1850 that the stock and capital markets were established, regulated and open to general participation. New ways of producing goods in factories with the division of Taylorism nature of work and the dissolution of the craft workers associated with technical inventions, trade expansion and new forms of credit helped to speed up the circulation of capital in the mass market. Imperialism and inter-imperial rivalry favored the ‘capitalist forces to the track of globalism’. Innovations in transport and communication alter the relative space, boosting displacements. With the example of literature, the realistic novel, the author points out the asymmetry of the linear space narrated as a coherent temporality, because ‘these structures were incompatible with a situation in which two events in very different places coming together could interrelate to change how the world works’ (Harvey, 1992, p.241).

This condition triggered new ways of experiencing space and time that worked directly in the ways of producing culture. There were several propositions followed by modernist artists to subvert the order of the given reality, to question the similarity of the relationship timeline. The work as science emphasized the possibility of spatial and time control, increase of productive forces and the acceleration of social processes. Therefore for Harvey, it is only with the rationalization and organization of the public space that the senses of time and private interior space could be developed. Concomitantly, the body, the psyche and consciousness (repressed by the Enlightenment project) with the new discoveries of philosophy and psychology, would be released. Rationality at that time meant less time domain, space, and workforces, but that new ‘sense of relativism perspectivism could be invented and applied to the production of space and the ordering of time’. The purity of architectural form, its functionality, extending to the metropolis as a machine with numerous gears and moving flows, represented the modern desire for seeking an entirely new cultural production that would break with the past. Hereinafter, ‘the spatial rationality could be imposed on the outside world to maximize freedom and individual welfare’ (Harvey, 1992, p.246).

Thus, the modern ideas, teleological, driven by the coming-to-be of a reformed and more egalitarian society has banned the contradiction and ambiguity of the contents of architectural design and urban planning. Space and society have become abstract, that is, anchored in a future prospect for society to meet the new requirements imposed by industrial capitalism celebrated the qualities and identity of the place, totally oblivious of the subject.

In the passages of Benjamin, the intérieur according to Olgária Matos,

‘[...] Is the saturated bourgeois salon golden ornaments, mirrors, walls lined of damask fabrics and floral designs, carpets, furniture in the form of ships or Gothic cathedrals etc., where the 'bourgeois sees the world' with the illusory sense of security in the world's capital - [...]’ (Matos, 2010, pp.178-179).

According to the author, for these new ways of living time and space, the Interieur was a promesse de bonheur. The loss of the meaning of work and consumption directed to meet the needs of the market and not the consumer ‘is a state of exasperation of the real needs of society and a new kind of bewilderment of the mind, a consequence of contemporary capitalism and culture it engenders’ (Matos, 2010, p.182).

From the abandonment of the ‘Protestant ethic’ in favor of ‘capitalist spirit’, the time is consumption and not the search for meaning and subjectivity. For the author, the time of modernity signals fear and insecurity and reduces the creative ability of the subject. ‘The Benjamin is a revolutionary time Luddite, one that stops the ideology of progress [...]’ (Matos, 2010, p.193). In this context we can understand the architecture and urban planning rationalization as a tool for the ordering of urban chaos, a revolutionary eagerness on the part of architects to submit the space to functional rules adhered to the development of technology and the ideology of progress.

Demolishing, ignite the intérieur to enable the bourgeois a new experience of dwelling, life in the city, architecture and urban planning rationalized that hold out to the masses, represented the transformative potential of the given reality order. Messianic desire of aesthetic of life, of the autonomy of form to design the future.

THE RESCUE OF MODERN RUINS: THE ARTWORK ‘NOSSO LAR - BRASILIA’

With the end of modern ideas2, without the soil of the future, how can we see the postmodernist architectural production?

Frederic Jameson, in his texts, characterizes the economic sphere fully attached to the architecture sphere and urban planning in postmodernity thus is established a new relationship with the future:

‘[...] As a waiting space required for returns and capital accumulation - [...] the structural reorganization of the time in a kind of future market - this is the final link in the chain that leads from the financial capital through financial speculation to the aesthetic and cultural production [...]’ (Jameson, 2001, p.200).

In contemporary times, the volatilization and speed of financial capital, lead to new aesthetic forms that configure nostalgia, ephemerality and when associated with the neoliberal logic aimed at obtaining income while acting as potential magnets for attracting investments. However, it is when the aesthetics achieves a political dimension, as a critical review of the modern movement that postmodernism creates sense and articulates complex signs as it demystifies historical realities. In this context, it is necessary to think about the new role of the architect,

‘[...] Technician, construction organizer [...] under the new forms of capitalist development. And therefore the possible tangency or the inevitable contradictions between this type of technical and intellectual work and the material conditions of the class struggle’ (Tafuri, 1985, p.122).

In ‘Nosso Lar- Brasilia’, Jonas Staal subverts the order of a given reality and creates a stress field between opposing pairs as: characteristic / generality, individuality / collectivity, objectivity / subjectivity, heaven / hell. At the same time, it installs an new complete understanding of time and space. As already referred this reflection includes the issues of utopia and fetishism articulated the search for a negative coefficient, latent in the works. Also, it is important to understand how these issues like utopia and fetishism operate differently according to the geographical and historical context in which they are. As we have seen, the experience of space / time is reflected in society and the ways in which capital produces, reproduces, builds and diffuses itself.

The work of the Dutch artist Jonas Staal (2014) ‘Nosso Lar - Brasilia’ opens a reflective field for architecture. The transposition of the Spiritualist city idealized by the medium Francisco Xavier, ‘Nosso Lar’ on Lucio Costa’s master plan for Brasilia, points to distant narratives in programmatic terms, but at the same time parallels inside the modern project, creating a possible site to question the resistance and the limits of the urban plan.

The exhibition featured two rooms, the first room exposed maps of the two cities and an austere model of the city ‘Nosso Lar’ (Fig. 01 and 02). The second room was the projection of a video that showed the two cities with a lilting narrative of a female voice over which informed the intentions of the artwork. As postmodernist artist Jonas Staal causes a reflection that refers to the construction of modern utopia on Brazilian soil.

Fig. 01: Model of Francisco Xavier’s city ‘Nosso Lar’. Source: Collection Historical Archive Wanda Svevo/ Fundação Bienal de São Paulo.

Fig. 02: View of the first exhibition room with maps and models of the artwork ‘Nosso Lar - Brasilia’ Jonas Staal. Source: Collection Historical Archive Wanda Svevo/ Fundação Bienal de São Paulo.

It can be observe in Stall proposal (Fig. 03 ), in conjunction of two cities imposing an authoritative and abstract3 morphology, refractory to any possible contamination of chance. The overlap of urban planning in the Dutch artist's work includes the city ‘Nosso Lar’, represented in the form of circles and a six-pointed star and the Brasilia Pilot Plan designed in the shape of a cross or two wings. These are the contradictions that give the ambiguous character and complexity to the work. The map of the two cities (Fig. 03) establishes dialectical relationship between the eternity of spiritualism against modern bodies, understood here as materialized bodies in space.

Fig. 03: Map with the overlay of the Brasilia Pilot Plan and Francisco Xavier’s city ‘Nosso Lar’ . Source: Collection Historical Archive Wanda Svevo / Fundação Bienal de São Paulo.

‘Nosso Lar’ design has three circles spaced apart, the first break, the wider, stands out for the graphic construction of a star of six hatched tips in the form of a hexagram with the insertion of small symbols such as a sphere, a small star and a square. The second interval, narrower, also has hatches and a small empty space with the design of a small spiral. However, the meeting of two diagonal axes with the horizontal axis of Brasilia Pilot Plan, refers to the centrality of the urban design, where it seems guarded a missile on hold imprisoned by the last round boundaries that dialogue with the Costa's wings in a harmonious way.

Where refers the ideas of ​​two overlapping cities, where time and space different from each other, narrate parallel a story?

Let us remember the symbolic cities or even rebellious cities such as Quilombo dos Palmares and Canudos where the dialectic of ‘inside’ and ‘outside’, of ‘belonging’ and ‘not belonging’ characterizes the spatial organization of theses spaces over a period of anxiety and uncertainty. ‘Nosso Lar’ reflects a time of individual, teleological and not transcendent development which aims to reincarnation, high working time of the spirit.

In unconventional preface of mediumship work, an author who simply signs as Emmanuel, shows the doctor André Luiz on their journey to another dimension, that after his earthly death, 'the biggest surprise of carnal death is to face with his conscience, which built the sky, parked in purgatory or huddled in the infernal abyss '(XAVIER, 1944 s / n ° p.). With its fight with his fleshly existence man learns to raise his spirit.

The lilting voice of Staal’s video went on to assert: ‘subaltern are away’ of the centrality of the urban plan, however, ‘we are free when we obey’. The exposed model in the first room, gave emphasis to the government palace stripped of ornaments, sober, relentless, with six ministries as Brasilia superblocks, morphology which symbolically represents a hierarchical society. Two religious symbols, the hexagram and the cross of the Brasilia Pilot Plan, overlapping involve an association between morphology (shape authoritarianism) and ideology.

In the preface of the work A Contribution to the Critique of Political Economy (1859), Marx and Engels assert that the concept of ideology is not only a false view of reality, as they had discoursed in the German Ideology work (1845/1946), but mostly expressed the interest of the dominant class. Thus, the ideology is a class relation and shows the interest of the dominant class as if it were the whole society. The contradictions of society deserve a study of the real and material conditions of individual life, because:

‘[...] does not judge what an individual is from their own consciousness; rather, it is necessary to explain this consciousness from the contradictions of material life, from the existing conflict between the social productive forces and the relations of production’ (Marx and Engels, 1996, p.80).

This is where the concept of ideology, in the case in the work of Staal (progress of a nation or an individual) is confused with the concept of utopia, already inculcated in their dystopias.

Zygmunt Bauman in his book Life by Credit, quotes Russell Jacoby discussing two traditions of utopian thinking that may sometimes coincide, but are not necessarily linked, ‘the ‘designer’ (‘the blueprint utopians map the future with inches and minutes’) and the ‘iconoclastic’ (iconoclastic utopias ‘dream of a greater society’, but ‘refuse to give its precise measurements’)’ (Bauman, 2010, p.70). However, the author proposes a shift in the iconoclastic utopia, shifting the idea of ​​vagueness to the ‘intention to deconstruct, demystify and finally unmask the dominant values ​​and life strategies of an era’. The purpose of this reflection is the possibility of ‘another social reality’, alternatively moved from a totalizing project. The possibility of a new era, certainly, doesn't goes to

‘[...] The drawing boards of designers, the advanced troops or the foremen of the future. It goes through a critical reflection on existing human practices and beliefs, unmasking [...] that 'something is missing' and thus inspiring the driving force behind its creation or recovery’ (Bauman, 2010, p.71).

Given this perspective, Staal’s artwork produces an explicit critique of the modern project of Brasilia, evidently a ‘designer utopia’, which represented the end of a semi-colonial society and its entry into the industrial economic activity, free from colonial stigmas. ‘Nosso Lar - Brasilia’ brings some concern superimposing the spiritualistic city design by Francisco Xavier to the Lúcio Costa’s Pilot Plan, thus the artist draws attention to a contrast between the existential battles to achieve salvation and the construction of a new social imaginary in Brasilia that, according to Roberto Schwarz is the developmental nationalism for the first time referred to the entire Brazilian nation (Schwarz, 1999, p.157).

This tension between the earthly destiny of man, and their ‘place’ in another dimension, built in the form of hierarchies, spirit regeneration time for reincarnation and national developmental feel, expressed in the form of Brasilia, establishes a dialectic relationship between individual and collective, particularity and generality, time and space. So, in the spiritual realm, ‘man destiny’ is dependent on the recognition of their failure does not exclude a dominant class as the project to Brasilia, as the ‘true understanding of Brasilia [...] born of the knowledge to ownership of space by the total population’ (Meyer, 1978, p.159).

However, the two city plans, which occupy the same territory, the field of human conflict where existential and material battles are fought, the forces of reason and hierarchical way that they propose are decisive and its limits are questioned by Staal. The concept of 'iconoclastic utopia' proposed by Bauman is clearly present in the work ‘Nosso Lar- Brasilia’.

Roberto Schwarz commenting Otilia Arantes’s laudatory book, A blind spot in Jürgen Habermas project, says that the point of view of the author about Brasilia

‘[...] Argues that it is precisely the absence of an industrial developed society that allowed the total experiments of architecture and new urbanism, which could only come in authoritarian conditions in the Third World, for example, India or Brazil’ (Schwarz, 1999, p.201).

The author concludes that ‘the monstrous and confusing combination of modernism and misery is in the process of logic’, because this reflection does not address local barriers to Brazilian modernization process, but ‘gives way to the theoretical reflection on the global modernizing dynamism [...] that the Third World teratology is part’ (Schwarz, 1999, p.201). It is evident on Brazilian social contradictions - the delay technique, the late industrialization, the colonial legacy - reached the highest expression of architectural modernism that articulated its forms (as the beaches or Brazilian women) in an organic process of search for an authentic national culture.

According to Regina Meyer, Costa's Pilot Plan before its construction already configured in its forms, the-value exchange of urban land in the predictability of urban development, an issue that propelled segregation and speculation, as landowners within that area they won as expected (Meyer, 1978, p.160).

The accuracy of the urban plans of 'Nosso Lar - Brasilia', the design of strict limits and boundaries defined between the two cities exclude the unpredictability and the entry of the 'new', work of the two demiurges ideologues, Lúcio Costa and Francisco Xavier, in line with modern ideals. Tensions caused by the impossibility of the two cities ownership by society have been obscured in urban projects. For Meyer, the construction of Brasilia ‘achieved [...] but was ignored time variable. The symptoms of an urban malaise arising in the production process were hidden, and the construction of the city could not incorporate these signs, expelled them to the periphery’ (Meyer, 1978, p.161). These symptoms suppressed in the urban plan of Brasilia were not redirected to a transforming action for the whole society as proclaimed modern ideals.

In contrast, the city of Francisco Xavier does not consider material human existence process from the contradictions of material life, from the existing conflict between the social productive forces and the relations of production, in the Marxist treadmill. It is human consciousness and its ability to handle material problems of existence to decide the merit to occupy the urban land of the city ‘Nosso Lar’, imposing urban design that prevents the development of new solutions or spontaneous actions. Brasilia and '‘Nosso Lar’, particular cities, but with stories that intertwine.

CONCLUSION

It is the conflict between opposing forces as individual and collective, local and global, spiritualism and modernism, man and society, inside and outside, social contradictions and urban design combined with political criticism where it is the density of Staal’s artwork. Unmasking the fetishes, the false view of reality, is a task that is imposed on the Dutch artist's work, reviewing the meaning of utopia and ideology, finally, launch the missile contained in the new urban plan of ‘Nosso Lar - Brasilia’ to deconstruct the hard design of two cities and create a stress groundwork, are the issues that give the artist the character of a ‘radical modern’. We could associate this vanguardism with questions from the periphery of capitalism, as Andreas Huyssen reminds us, the work ‘Nosso Lar - Brasilia’ transforms the critique of modernity, ‘for a post-colonial globalizing world’ this is a task that is imposed to post- modernism.

 

REFERENCES

BAUMAN, Z. Vida a crédito: conversas com Citali Rovirosa-Madarazo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

ECO, U. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 2003.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

HUYSSEN, A. Culturas do passado-presente. Rio de Janeiro: Contraponto, Museu de Arte do Rio, 2014.

JAMESON, F. O tijolo e o balão: arquitetura, idealismo e especulação imobiliária. In: JAMESON, F. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001.

MARX, K.; ENGELS, F. Uma contribuição crítica à economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MATOS, O. C. F. Benjaminianas: cultura e fetichismo contemporâneo. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

MEYER, R. M. P. Segregação Espacial - Brasília. In: BLAY, E. A. (Org.). A luta pelo espaço. Petrópolis: Vozes, 1978.

SCHWARZ, R. Pelo Prisma da arquitetura (uma arguição de tese). In: SCHWARZ, R. Sequências Brasileiras (ensaios). São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 199-204.

STALL, J. Nossa Lar, Brasília. Obra apresentada na 31º Bienal Internacional de Arte de São Paulo, 2014.

TAFURI, M. Projeto e utopia. Lisboa: Presença, 1985.

XAVIER, F. C. Nossa Lar. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944.

1 ‘[...] In the dialectic of work and opening up, continues the work is a guarantee of communicative possibilities and at the same time the aesthetic enjoyment possibilities. The two values are implicit in each other [...] whereas a conventional message [...] the communicative fact exist without the aesthetic fact [...]. The opening, in turn, is a guarantee of a kind particularly rich and amazing enjoyment that our civilization seeks to achieve as the value of the most precious, because all data of our culture, induce us to conceive,, feel and thus see the world according to the category of possibility’ (Eco, 2003, pp.176-177).

2 According to Manfredo Tafuri, due to the failure of modern ideology, a crisis was installed in the 1960s attributed to the inability of the modernist ideology to face the facts of the economy. Modern architecture tried to solve problems beyond its reach as a discipline. ‘For architects, the discovery of decline as assets ideologists, the realization of the enormous usable technological possibilities to rationalize the cities and territories, along with the daily observation of its dissipation, the aging of specific methods of design, even before power check your chances actually generate a climate of anxiety that hints at the horizon a very concrete outlook and feared as the worst of evils: the decline of the 'professionalism' of the architect and their integration [...] in programs where the role of 'ideological architecture is minimal’ (Tafuri 1985, p.120).

3 Are the urban abstractions advocated by the modern movement that define a totalizing model of city, universalistic reform that flattens the historical differences. The revolutionary enthusiasm of intertwining architecture and life failed because the abstractions present in capitalism are the same present in the social plan that come with modern urban design. To discuss Otilia Arantes’ s book named Mario Pedrosa: critical route Roberto Schwarz says: ‘[...] You had the good sense (and daring) to consider that this Brasilia, which carried out the program of artists arguably advanced as Niemeyer and Lúcio Costa, did not concern only the world of architects. It was the same from the point of view of social criticism, had represented a deepening of the authoritarian and predatory character of Brazilian modernization, in line with the trend that lead to the military regime’ (SCHWARZ, 1999, p.200).