Pela decolonização das ocupações urbanas: “a nova fábrica é o bairro”

Frederico Lago Burnett

Carlos Frederico Lago Burnett é arquiteto e urbanista, Doutor em Políticas Públicas e Professor Adjunto IV do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Seus principais temas de pesquisa são: planejamento urbano e regional, produção do espaço urbano e rural, e autoprodução da moradia popular urbana e rural no Maranhão. fredlburnett@gmail.com http://lattes.cnpq.br/9094745284365149


Como citar esse texto: BURNETT, F. L. Pela decolonização das ocupações urbanas: “a nova fábrica é o bairro”. V!RUS n. 23, 2021. [online]. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus23/?sec=4&item=9&lang=pt>. Acesso em: 16 Abr. 2024.

ARTIGO SUBMETIDO EM 15 DE AGOSTO DE 2021


Resumo

A ilusão de um espaço igualitário sob o capitalismo periférico, expresso nos termos reformistas da “cidade de todos”, é entendido aqui como uma inclusão colonizada que pretende submeter a resistência popular às normas disciplinadoras do urbanismo sistêmico. Em oposição a tal desígnio, demonstrado inalcançável como simples meta de qualificação formal, e com o objetivo de contribuir na revisão crítica do projeto da reforma urbana, este texto parte da noção decolonial de Sul Global para repensar as ocupações populares no Brasil. Contrapondo metodologicamente processos subordinados de planejamento urbano participativo às iniciativas resistentes de autoprodução coletiva urbana e rural, as ocupações populares são entendidas como afirmação dos marginalizados e identidades próprias do habitar o Sul. Conquistas reais dos oprimidos em países colonizados e dependentes, tais espacialidades reproduzem, na cidade, o autocontrole sobre a vida social e política, exercido por comunidades tradicionais em relação à terra e seus frutos. Os resultados apontam o potencial das noções do Sul Global para repensar as ocupações populares como práxis urbana de insurgência coletiva e decolonial, resistências contracorrentes em luta por liberdades e direitos, sugerindo considerar as referências regionais do Sul nas reflexões acadêmicas sobre o espaço periférico.

Palavras-chave: Cidade capitalista periférica, Dominação, Resistência, Ocupações populares



1 Introdução

Para todos que participaram das lutas urbanas recentes no Brasil, demandando direito à cidade pela via de materialidades como moradia, infraestrutura e serviços públicos, a fragilidade das conquistas se constata na permanência e no agravamento das precariedades. Expandidas quantitativamente pelo país na última década (IBGE, 2020), as ocupações populares comprovam a impossibilidade de inclusão sistêmica e sua imprescindibilidade na vida dos despossuídos. Produções coletivas originadas em necessidades, interesses e capacidades dos moradores, devem ser reconhecidas como espaços de construção de direito popular à cidade. Nesses espaços de diversidade cultural, jovens lideram coletivos de comunicação, disputando narrativas com a grande imprensa, e redes de solidariedade enfrentam ameaças cotidianas de desemprego e fome. Destoando da anomia social das demais áreas urbanas, enfrentando condições de vida sob crises sistêmicas, agravadas pela epidemia da COVID-19, as ocupações populares são exercícios de resistência e autonomia. Estimulados por estas dinâmicas, cursos vinculados aos bairros periféricos surgem nas universidades, assessorias retomam práticas de mutirões autogeridos, núcleos mais críticos das relações entre movimentos populares e a academia ganham espaço e uma rede de militantes consolida contatos mais orgânicos com os movimentos locais.1

Buscando contribuir com este conjunto de ações, prenúncio de lutas urbanas mais significativas, este texto traz para o debate, em que historicamente predominam arquitetos e juristas, questões discutidas na geografia e na sociologia desde a perspectiva do movimento decolonial. Sob a noção de Sul Global, própria da reestruturação capitalista internacional que refez a ideia daquele Terceiro Mundo da “Guerra Fria”, o movimento decolonial constrói referências que possibilitam novos entendimentos a partir de diferentes escalas da realidade periférica e dominada. Construção coletiva de muitas décadas, que revisita o entendimento marxista do mundo na perspectiva das nações colonizadas, as teorias decoloniais se constituíram contra o movimento homogeneizador (MARX, ENGELS, 1998) e pretensamente inevitável do Capital (QUIJANO, 2005). Ao desenvolver olhares a partir da diversidade sócio-espacial do Sul Global, as leituras decoloniais possibilitam aproximações renovadas dos movimentos do Estado, do Capital e do Trabalho. Naquilo que se refere ao entendimento do espaço urbano do neoliberalismo, as ideias decoloniais revisam e revigoram estudos eurocêntricos (HARVEY, 2004; LEFEBVRE, 2006), concentrando-se nas contradições da cidade do capitalismo periférico.

Desta forma, novos olhares e reflexões desde o ângulo decolonial permitem revisitar o entendimento das ocupações populares urbanas. Considerando os bairros periféricos como expressão de “uma população marginalizada pelo conjunto do corpo social” (QUIJANO, 1973, p. 340, tradução nossa), a teoria decolonial contesta as possibilidades de inclusão subordinada de tais espaços. Identificando modos de inserção produtiva, condições das moradias e formas de controle estatal a que estão submetidos, Quijano (1973) destaca também o papel da mulher-mãe na organização familiar dos grupos marginais. Entendendo a marginalização de amplos setores sociais na América Latina como estrutural às sociedades dos países periféricos, o autor coincide com Milton Santos (2018), que entende essa impossibilidade como própria da economia urbana do “espaço dividido” das cidades periféricas. Desdobrando-se, em Francisco de Oliveira (1990), na razão política do atendimento, igualmente dividido por parte do Estado brasileiro clientelista e patrimonialista. Perante tais leituras, a proposta de “legalização” da “cidade ilegal” se inscreve em uma idealizada e vã tentativa de inclusão, via planejamento urbano e direito burguês, dos moradores de ocupações populares (BALDEZ, 2003; PAZELLO, 2018). Não sendo assimiláveis pelo sistema, não caberia entendê-las como inerentes à cidade periférica, revendo pré-conceitos sobre “legalidade” e “ilegalidade”?

Componente de pesquisa pós-doutoral sobre espaços populares urbanos e rurais do Cerrado e da Amazônia maranhenses, uma versão inicial deste texto foi apresentada no 3º SIALAT - Seminário Internacional América Latina: Conflitos e Políticas Contemporâneas, em Belém, Pará. O projeto constitui desdobramento de investigações sobre planejamento urbano e planos diretores participativos (BURNETT, 2009). Posteriormente, estudos sobre autoprodução de ocupações e de moradias populares no Maranhão (BURNETT, 2021) comprovaram identidades nas práticas dos despossuídos do campo e da cidade que expressam, através de exercícios de autonomia, resistências geracionais às pressões sistêmicas. Partindo da leitura terceiro-mundista de Milton Santos (2018) e do pensamento decolonial de Anibal Quijano e Boaventura de Sousa Santos, o eixo teórico-metodológico do texto foi complementado com reflexões de Zibechi (2003), sobre insurreição periférica, de Baldez (2003), analisando o direito no espaço urbano, e de Pazello (2018), dialogando com marxismo, decolonialidade e direito insurgente.

O artigo se organiza em três seções, além desta Introdução e das Considerações Finais. As duas primeiras discutindo contradições e possibilidades de liberdade e de direitos na cidade, historicamente um espaço da dominação e controle; e na terceira seção, debatendo o potencial de resistência de territórios construídos à margem dos poderes instituídos, sob dinâmicas que combinam alianças e transgressões na construção de novas práticas políticas decoloniais. As conclusões sugerem que as avaliações das experiências recentes de lutas urbanas no Brasil devem reconsiderar leituras anteriores e revisar radicalmente o olhar e as relações estabelecidas com as ocupações urbanas. Para além da marginalidade social e precariedade material, cabe entendê-las como núcleos de oposição decolonizadora dos modos subordinados de vida capitalista e espaços de rebeldia marginal com os quais temos muito a aprender quanto ao habitar no Sul.

2 A cidade, espaço de liberdade?

Em oposição ao mito histórico que propaga ser o “ar da cidade” fator de liberdade, e considera o viver no espaço urbano condição de ascensão a uma “vida melhor”, expressões referidas, respectivamente, à servidão medieval e indigência material e intelectual do rural, cabe recorrer à sabedoria popular sobre os ardis das aparências e do brilho do ouro dos tolos. Pois, o “que parecia ser uma salvação acabou se mostrando, na realidade, uma miragem, pois no meio urbano incipiente também havia opressão aos pobres” (CUSTÓDIO, 2015, p. 1). Apesar de invisibilizados pela mídia — política, imobiliária, turística etc. — que cria a sedução seletiva dos lugares, servidão e penúria urbanas costumam ser bem mais profundas e dramáticas do que aquelas do campo de ontem e de hoje (FEDERICI, 2017). Quanto às possibilidades de promoção a postos mais qualificados pela economia urbana — a ascensão à uma “vida melhor” —, desde sempre estiveram vinculadas à meritocracia, base do individualismo que, mesmo para as classes médias, constituem histórias familiares de sacrifícios traumáticos de vidas (SOUZA, 2018).

Desde o seu início, a cidade se constitui a partir da diferenciação em relação à produção geral e ao poder político civil e religioso, efetivados pela divisão intelectual e manual do trabalho para sua expropriação. Desta forma, as origens da cidade na Pré-História estão vinculadas a posições de força e exercícios de violências, resultado da aliança entre a vida errante e violenta dos nômades com o cotidiano sedentário e pacífico dos agricultores, “uma união mais remota entre os componentes paleolíticos e neolíticos” (MUMFORD, 1991, p. 28). Primeiro, prestando-lhes serviços de proteção contra predadores, de forma que “as aldeias protegidas pelo caçador floresceram melhor” e, assim, “a própria prosperidade e tranquilidade da aldeia neolítica pode ter feito que seus protetores trocassem o papel de cão de guarda pelo de lobo, exigindo, por assim dizer, ‘pagamento de proteção’, numa transação cada vez mais unilateral.” (Ibid., p. 30).

A instituição do trabalho compulsório no espaço da cidade antiga possibilitou construções diversas — diques, aquedutos, muralhas, palácios, templos (MUMFORD, 1991, p. 44) —, um processo de milênios em que a aldeia se consolida e erige elementos da “estrutura embrionária da cidade”. (MUMFORD, 1991, p. 26). Por tudo isso, a cidade — “essa peculiar combinação de criatividade e controle, de expressão e repressão, de tensão e libertação” (MUMFORD, 1991, p. 38) — deve ser vista como o centro do poder de uma minoria e entendida como uma forma de colonização do espaço (QUIJANO, 2000). Condição que, para Castells (2000), atravessa a história (o tempo), pois aponta para uma “natureza” intrínseca à urbe (o espaço), que perdura, perpassa e sobrevive a metamorfoses socioeconômicas e espaciais, graças a “um sistema de classes sociais” e a “um sistema político permitindo ao mesmo tempo o funcionamento do conjunto social e o domínio de uma classe” (CASTELLS, 2000, p. 42-43).

Apontando para um agravamento histórico do binômio dominação–exploração da cidade, a desestruturação do feudalismo e a acumulação capitalista, dinamizadas exponencialmente pela descoberta do Novo Mundo (QUIJANO, 2005), levaram ao cercamento dos campos comuns. Impedir e criminalizar o trabalho livre, empobrecendo intencionalmente as populações rurais e as práticas autônomas das camadas populares, foram medidas indispensáveis para disciplinar mentes e corpos que serão aglomerados nas cidades. Para submissão ao trabalho fabril, o longo e persistente processo que caracterizou a constituição do Iluminismo contou com um “conjunto de estratégias usadas pelos lordes ingleses e pelos fazendeiros ricos para eliminar o uso comum da terra e expandir suas propriedades” (FEDERICI, 2017, p. 133). A desterritorialização das comunidades rurais da Europa do nascente capitalismo, renovada de forma agravada nas colônias como expediente de acumulação primitiva, disponibiliza lá e aqui mão de obra para os salários vistos como ‘instrumentos de escravidão’ (FEDERICI, 2017, p. 140) logo que o acesso à terra chegou ao fim.

Desta forma, o trajeto social que vai do trabalho servil ao trabalho assalariado coincide com o percurso dos trabalhadores “do campo aberto para o lar, da comunidade para a família, do espaço público (a terra comunal, a Igreja) para o privado” (FEDERICI, 2017, p. 163). Apesar da resistência em vários pontos da Europa, as sangrentas insurreições camponesas (FEDERICI, 2017) terminaram com os trabalhadores “obrigados a submeterem-se ao mundo da mercantilização, seja vendendo a sua força de trabalho, seja vendendo produtos do seu trabalho (M-D-M) para sobreviver”. (GONÇALVES, 2016, p. 239). Razão do empobrecimento de suas condições de reprodução física e social, com profundas consequências para suas identidades de classe, o assalariamento implicou em disciplinamento dos trabalhadores sob a ideologia do individualismo. Se, nos países da Europa, a cidade resultou da industrialização sob bases colonialistas e imperialistas, a leitura “nas margens” se contrapõe ao eurocentrismo. Limitada à venda da força de trabalho em troca da reprodução física, a liberdade da cidade burguesa periférica vai resultar na configuração da informalidade no viver e no trabalhar, compondo “dois circuitos” (SANTOS, 2018) de mundos reflexos e reversos, funcionais e dependentes. Assim, a urbanização marginal resulta da economia colonizada e excludente, própria dos países periféricos-dependentes, pois “a modernidade, o capital e a América Latina nasceram todos no mesmo dia”. Portadores da “racionalidade instrumental” — própria do Capital e do Estado —, a modernidade eurocêntrica se enfrenta sempre com a “racionalidade histórica”, inerente aos povos tradicionais, cujas lutas por liberdade põem em questão o próprio poder (QUIJANO, 1991, p. 44, tradução nossa).

3 A cidade, espaço de direitos?

Do ponto de vista dos direitos, com o surgimento da cidade na Antiguidade, o tradicional respeito “pelo costume e pelo direito consuetudinário”, exercício dos “Conselhos de Anciões da aldeia”, dá lugar às instituições dos “começos da moralidade organizada, do governo, do direito e da justiça” (MUMFORD, 1991, p. 27). Contrário ao costumeiro, constituído e consolidado pelo trabalho concreto entre iguais no campo, a cidade será arena do direito instituído sobre as bases da desigualdade e da propriedade privada dos meios de produção. O direito de acesso aos bens da natureza e o autocontrole do tempo será violentamente substituído pela liberdade abstrata do acesso ao dinheiro, base indispensável para a reprodução social e individual sob a disciplina coletiva para o lucro (FEDERICI, 2017; GONÇALVES, 2016). Com o advento do sistema capitalista e suas relações monetizadas, “que divide o homem entre a necessidade de viver e, portanto, consumir, e não ser, sendo força de trabalho”, o trabalhador urbano se torna “mercadoria que, como sujeito jurídico, passa a vender no mercado de trabalho” (BALDEZ, 2003, p. 72).

Definido por Boaventura de Sousa Santos como “uma mediação que seja simultaneamente exterior e superior tanto ao político como ao econômico”, o direito irá permitir ao Estado operar a “expressão do interesse comum” de forma a atender a “expressão de interesses particulares” (SANTOS, 1982, p. 18-19). Para Marx, estes interesses se referem à “relação jurídica que é inata ao processo de circulação de mercadorias” e “cuja forma é o contrato” Sendo “desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em que se reflete a relação econômica” e o “conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é dada por meio da relação econômica” (MARX, 1983, p. 79-80). Para Baldez, estas relações jurídicas vão se instituir no Brasil urbano “a partir da década de 30”, quando a dominação “se fez através do juridicismo individualizante e atomizador das lutas”. Ao ficarem “em sua ótica mais imediata, absorvidas pela ideologia burguesa”, “as lideranças urbanas acabaram desviadas, muitas vezes por opção tática, para a arena do legalismo” (BALDEZ, 2003, p. 80).

Entre a “irresponsabilidade de negar o direito diante da necessidade de dele lançar mão frente a disputas e criminalizações” e a “excessiva ingenuidade” em “acreditar que este é um caminho linear para modificar as relações sociais de opressão e exploração próprias do capitalismo” (PAZELLO, 2018, p. 1577), as situações levaram a impasses e frustrações. Uma evidência constatada “nos anos que se sucederam à promulgação da nova constituição”, quando o “ideário” do movimento da reforma urbana “toma uma direção bastante técnica e jurídica” (MARICATO, 1997, p. 312). Os esforços militantes se mostraram limitados e “até mesmo as poucas, mas significativas experiências das gestões municipais democráticas e populares enfrentam resistências consideráveis para operacionalizar diretrizes da Reforma Urbana” (MARICATO, 1997, p. 313-314).

Esta opção tática, quando “o direito aparece como estratégia a partir da qual as mudanças sociais requeridas seriam alcançadas” (PAZELLO, 2018, p. 1584), é a marca das limitações políticas e ideológicas de muitas das teorias críticas do direito, no Brasil. Pois, na “procura de novos e mais eficientes direitos, alguns até alcançados”, ignora-se que sua “execução dependeria do poder, que nunca os oprimidos tiveram” (BALDEZ, 2003, p. 80). No momento, em que as lutas urbanas se aproximaram ordeiramente do direito através das emendas populares, a “elaboração essencial e preponderantemente jurídicas, acabaram representando pela dispersão da ação política o principal mecanismo de mobilização do povo”. E assim “a luta deixava de ser política, ou de ação política, para conter-se no campo próprio e histórico da dominação de classe, o campo jurídico” (BALDEZ, 2003, p. 81).

Contra este jogo de cartas marcadas, que remete as decisões para grupos hegemônicos, a construção de outros direitos pelos despossuídos é fundamental. E as ocupações urbanas têm sido o lugar privilegiado de erupção para afirmar o reconhecimento do direito à diversidade e à diferença. Para Pazello (2018), as tentativas de opor ao arcabouço jurídico capitalista os interesses dos trabalhadores encontra sua expressão no “direito insurgente”, articulação da crítica marxista do direito ao pensamento crítico latino-americano, produzindo a “verdadeira base de sua sustentação teórica” (PAZELLO, 2018, p. 1559). Como, “na América Latina, em particular, as formas mais estendidas de controle do trabalho são não-salariais”, isto é, por fora da forma contrato, “as relações de exploração e de dominação têm caráter colonial” (QUIJANO, 2005, p. 114) e exigem sua decolonização. Pois “o processo de homogeneização dos membros da sociedade”, ocorreu “nos países do Cone Sul latino-americano não por meio da descolonização das relações sociais e políticas entre os diversos componentes da população, mas pela eliminação massiva de alguns deles (índios, negros e mestiços).” (QUIJANO, 2005, p. 122).

Impossibilitados de inclusão no “sistema-mundo patriarcal/capitalista/colonial/moderno” (PAZELLO, 2018, p. 1561), os despossuídos das periferias sofrem ameaças cotidianas aos seus direitos. Uma condição que coloca o “direito crítico, insurgente ou achado na rua” como a “mediação possível para uma crítica marxista e marxiana à estrutura da forma jurídica” que “desde uma perspectiva dependentista, descolonial e comprometida com os movimentos populares”, vai possibilitar usos táticos para o direito em contextos de ainda não revolucionamento social” (PAZELLO, 2018, p. 1593). Assim, a construção da liberdade possível na cidade do capitalismo periférico tem no direito insurgente um dos campos da resistência dos despossuídos, fortalecendo exercícios de autonomia política por uma outra cidade.

4 A cidade, espaço de resistência?

A negação da cidade capitalista aos trabalhadores das nações periféricas colonizadas, levando-os à ocupação e autoprodução de seus espaços de vida, é a base socioespacial sobre a qual as lutas coletivas por liberdade e direitos historicamente acontecem. “Conquistados e defendidos na face do poder”, tais espaços são construções do “discurso oculto”2 que, “praticado, enunciado, manifestado e disseminado no interior dos espaços sociais marginais”, representam “uma realização da resistência” (SCOTT, 2013, p. 173). Conquista espacial decisiva para o exercício da insurgência, uma vez que “o território não é uma substância externa nem tampouco uma base sobre a qual a sociedade se erige”, mas “constituído pela sociedade no próprio processo em que tece o conjunto de suas relações sociais e de poder” (GONÇALVES, 2002, p. 13). Na materialização deste enunciado, próprio das territorialidades, a identidade dos distintos povos da América Latina está em imbricada relação com seus lugares de vida e trabalho, afirmação de posse e de lutas em diferentes frentes pela terra e seus recursos naturais (QUIJANO, 2005). Mas, perante o Estado e os interesses capitalistas, como procedem os moradores das ocupações em seus processos de resistência? Para Moreno, ao fazer seus bairros, os moradores “não desprezam, nem rejeitam a cidade, mas tampouco a engrandecem” e “não percebem sua autonomia como marginalização, nem exclusão, mas como uma maneira natural de praticar a convivência” (MORENO, 2005, p. 91).

No interior ou nas beiradas das cidades, em territórios autoconstruídos, muitos deles com trajetórias seculares, as áreas urbanas periféricas expressam identidades assemelhadas às rurais. Em aparente inserção sistêmica, a debilidade dos laços de inclusão sistêmica leva os trabalhadores urbanos dos países periféricos a exercer “estratégias de sobrevivência” (ROMANELLI, BEZERRA, 1999): práticas de reprodução física originadas nos espaços rurais, reinventadas nas cidades, compõem a base da resistência popular e exigem tecer relações com as fronteiras entre público e privado. Resgatando a experiência das favelas do Rio de Janeiro dos anos 1950, Cunha (2016) analisa os primeiros contatos de lideranças locais com setores da Igreja e do Estado, posteriormente “aliança entre Ciência e Estado” oportunizada pelos “sociólogos da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS)”. Demonstrando “que mais que resistir, muitas favelas buscaram ir além”, Cunha (2016, p. 29) se refere ao surgimento de agências públicas para ações junto às ocupações cariocas que, junto com a expansão das lutas, instituem o assistencialismo e o clientelismo. Através de tais práticas, “moveram-se na fronteira, nela projetando-se”, com isso “reivindicando a urbanização das favelas em lugar das remoções, ou mesmo de simples melhorias”. Para tanto, “se deslocaram na sociedade como um todo, colocando em questão o estigma que as cercava.” (CUNHA, 2016, p. 38).

Desta forma, as favelas construíram “aproximações de visões políticas ou ideológicas, mas também alianças conjunturais em torno de um inimigo comum”. Resistindo “aos destinos traçados”, buscando “se afirmar como parte da cidade”, foram fundamentais as relações travadas com os outros agentes da fronteira” (CUNHA 2016, p. 38). Quijano (1973, p. 155, tradução nossa) já apontava que tais relações comportavam interesses e riscos de controle político, uma vez que as elites teriam “extraído a lição de certas experiências eleitorais em muitas cidades latinoamericanas, onde a colônia marginal votou massivamente de um modo conservador.”. Das lutas das associações e federações de favelas contra remoções, por serviços públicos e reconhecimento social dos anos da ditadura, as ocupações passaram a ser objeto do “desenvolvimento” da cidade a partir do planejamento urbano. Para isso, muito contribuíram a fragmentação positivista da ciência (GONÇALVES, 2002) e a atribuição de planificador social dos arquitetos (LEFEBVRE, 2006). Apesar dessas longas e diferentes trajetórias de resistência, misturando processos de autonomia e dependência, resistência e clientelismo (SOUZA, RODRIGUES, 2004), o mainstream de direita e de esquerda quase sempre entendeu as ocupações urbanas como espaços de desordem e penúria (SANTOS, 1981) a disciplinar, pouco interessados no seu caráter de “espaço social”.

Apesar dos controles e ingerências das políticas do espaço dividido entre senhores e escravos, hoje alojados nos circuitos superior e inferior da economia e da vida (SANTOS, 2018), persistiram e se reforçaram os aspectos insurgentes de práticas marginais. Pois “em espaços sociais dependentes de condições globais, as identidades coletivas estão se construindo de formas inéditas, através de uma articulação complexa de fontes de identificação, tais como a religião, territorialidade, raça, classe, etnicidade, gênero e nacionalidade”. Uma articulação efetivada “por discursos universais de direitos humanos, leis internacionais, ecologia, feminismo, direitos culturais e outros meios de fazer respeitar as diferenças dentro da igualdade” (CORONIL, 2005, p. 59). Para Souza e Rodrigues (2004, p. 89-92), a “demagogia e autoritarismo das administrações municipais, cooptação de líderes e manipulação partidária, caciquismo e personalismo, clientelismo, influências de dificuldades econômicas e do tráfico de drogas” teriam sido “as causas da crise” de tais movimentos no Brasil. Estas questões agravam as contradições entre “precariedade-ilegalidade” — enquanto fenômeno — e “autonomia-direitos” — enquanto essência —, demonstrando que as ocupações populares convivem com alianças internas e externas que as potencializam, mas também ameaçam seus processos de construção de autonomia e identidade.

Com a constituição da nova ordem mundial, os Estados nacionais inverteram prioridades de produção e de consumo, imperialismos internos e externos se renovaram. Processos de colonização se agravam, fortalecendo várias formas de criminalidade e ampliando as expropriações de mais valia, mas também se diversificam as conexões das lutas fragmentadas (QUIJANO, 2005). Ao retirar o protagonismo das fábricas e visibilizar “novos personagens” na cena pública, a reestruturação produtiva dos anos 1970/80 constituiu uma resposta política, econômica e ideológica à crise social da produção e resultou no questionamento das tradicionais estratégias de esquerda e no fortalecimento da socialdemocracia (HARVEY, 2004). Somando outros personagens, vindos de lutas fabris sob ofensiva neoliberal, os bairros populares passaram a ser mais do que “uma maneira natural de praticar a convivência”. Agregando àquela territorialidade, própria aos seus modos e necessidades de vida, o papel de reconstituição da identidade de classe, uma liderança urbana argentina reconhece que, hoje, a nova fábrica é o bairro:

A fábrica ou lugar de trabalho onde nos formávamos, onde aprendíamos a história, onde se construía e recuperava a identidade e a memória como trabalhador hoje não existe mais… Foi um tempo muito difícil e ainda que a resistência às privatizações e exclusão foi tendo algumas vitórias defensivas, o mais importante é que começamos a ver que nos devolvia nossos companheiros: ex metalúrgicos, ex têxteis, ex, ex, ex trabalhadores, começavam a se aproximar e se organizar na qualidade de trabalhadores precários (CECEÑA, 2001, p. 63, tradução nossa).

Devido às pressões da reestruturação produtiva, trazendo às ocupações antigos e novos personagens, Zibechi (2003) entende que, desde o final dos anos 1970, os movimentos sociais latino-americanos passaram a assumir um novo sentido. Compartilhando o “enraizamento em espaços físicos recuperados ou conquistados” com o “novo papel das mulheres”, os movimentos buscam por “autonomia em relação ao Estado e partidos políticos”. Uma busca que se dá pela “revalorização da cultura e da identidade de povos e grupos sociais” e pela “capacidade de formar seus próprios intelectuais” visando a “organização do trabalho e a relação com a natureza” (ZIBECHI, 2003, p. 185-186, tradução nossa). A presença jovem nos “novos ativismos sociais” das ocupações, não deixa dúvidas de que, tal como os recentes movimentos rurais, a resistência urbana conquistou legitimidade geracional. Mas a visibilidade social e política desta nova construção coletiva do direito à resistência não desafia apenas o sistema: acontecendo por fora de partidos e sindicatos, também parceiros históricos das ocupações populares são chamados a se reinventar.

5 Considerações finais

Liberdade e Direito constituem atributos humanos desde sempre entendidos como inerentes à Cidade — o primeiro como oposição ao campo inseguro, árduo e imprevisível perante as forças da natureza; o segundo como garantia jurídica de igualdade perante os poderosos e o Estado. Porém, ambos se comprovam, nas sociedades de classes, como seletivos e exigentes de capitais diversos. Em países periféricos e colonizados, estas limitações/proibições atingem parcelas significativas da população, suporte do próprio sistema dependente. Sob tal contexto, a Resistência se interpõe como questionadora daqueles dois termos e sua renúncia — prévia e compulsória — foi, desde sempre, condição inescapável para dominados e explorados adentrarem e permanecerem na cidade.

Partindo do pensamento decolonial e tomando o Sul Global como “o lugar em que estamos e de onde aprendemos”, este texto procurou desvendar aspectos de nossas cidades, indecifráveis e inaceitáveis para o saber de base eurocêntrica. Contrariando tais epistemes, as ocupações populares devem ser entendidas enquanto “espaços outros”, que contrariam a cidade de classes e possibilitam, graças à sua inerente Resistência, a construção de diferentes graus de Liberdade e Direito. Também com base no pensamento decolonial, o artigo defende que as construções urbanas coletivas são obras daqueles para os quais o sistema é incapaz de oferecer quaisquer outras alternativas de vida. Hercúleos e utópicos, tais espaços somente poderão ser levados a bom termo por sujeitos com racionalidade histórica própria, substancialmente oposta à lógica instrumental do Estado e do mercado.

Estas são as razões porque as ocupações populares constituem o espaço nas nossas cidades, onde Resistência, Liberdade e Direitos têm emergido perante a condição estrutural de marginalização dos seus moradores, sob ambientes de exploração e dominação. Após a revelação, em junho de 2013, do esgotamento das propostas de desenvolvimento nacional, as sucessivas derrotas dos interesses populares dissolveram as conquistas jurídicas da redemocratização. Enquanto a “pátria-mãe” foi sendo “subtraída em tenebrosas transações” sob olhares atônitos e passivos da maioria, grupos marginalizados dos campos e das cidades se fizeram ouvir e sentir de múltiplas formas em distintos pontos do país contra um destino anunciado.

As diferentes historicidades territoriais das ocupações e as diversidades de etnia, gênero, credo e vínculos produtivos dos moradores quebram paradigmas, e surge a imprevisibilidade e a espontaneidade dos movimentos populares. Nestes variados contextos e percursos, os novos encontros entre acadêmicos militantes e marginalizados das periferias remetem às reflexões de Santos (1981), Souza e Rodrigues (2004) e Cunha (2016) sobre relações interclassistas: o que têm os novos e antigos parceiros a trocar/oferecer aos moradores das ocupações, em troca da ocupação/oferta de seus tempos e afazeres?

Referencias

BALDEZ, M. L. A luta pela terra urbana. In RIBEIRO, L. C. Q.; CARDOSO, A. L. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan/Fase, 2003, p.71-92.

BURNETT, F. L. Da tragédia urbana à farsa do urbanismo reformista: a fetichização dos planos diretores participativos. São Paulo: Annablume, 2009.

BURNETT, F. L. (org.). Arquitetura como resistência: autoprodução da moradia popular no Maranhão. São Luis: Eduema/Fapema, 2021.

CASTELLS, M. A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

CECEÑA, A. E. El Nuevo Pensamiento y la transformación de la lucha en Argentina. Entrevista Víctor De Gennaro. Chiapas, núm. 11, México: IIEc, UNAM-Ediciones ERA, 2001, p. 61-74. Disponível em: https://chiapas.iiec.unam.mx/No11-PDF/ch11cecena.pdf. Acesso em: 09 Nov. 2021.

CORONIL, F. Natureza do pós-colonialismo: do eurocentrismo ao globocentrismo. In LANDER, E. (Org.) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas, Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina. setembro 2005, p. 50-62. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/. Acesso em: 02 Fev. 2021.

CUNHA, M. B. Cenas Históricas da Participação Popular na Constituição de um Campo de Fronteira nas Favelas do Rio de Janeiro. In RODRIGUES, R. I. (Org.) Vida social e política nas favelas: pesquisas de campo no Complexo do Alemão. Rio de Janeiro: Ipea, 2016, p. 15-42. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27708. Acesso em: 22 Out. 2021.

CUSTÓDIO, J. A. C. “Stadtluft Macht Frei”: A “Libertação” das obrigações feudais. O ar da cidade liberta. Anais XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais, Maringá-PR, 18 a 20/11/2015.

FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.

FERREIRA, F. S. M. Apresentação. In SCOTT, J. A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos. Lisboa, Portugal: Letra Livre, 2013, p. 10.

GONÇALVES, C. W. P. Da geografia às geo-grafias: um mundo em busca de novas territorialidades. In CECEÑA, A. E.; SADER, E. (orgs.) La guerra infinita: hegemonía y terror mundial. Buenos Aires: CLACSO, 2002, p. 217-256. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/cecena/porto.pdf. Acesso em: 04 Fev. 2021.

GONÇALVES, C. W. P. Dilemas dos Movimentos Emancipatórios Contemporâneos: Dos Fatos e das Versões (Teorias). Cadernos do CEAS, n. 237, Salvador, 2016, p. 225-253. Disponível em: https://cadernosdoceas.ucsal.br/index.php/cadernosdoceas/article/view/242/205. Acesso em: 07 Fev. 2020.

IBGE. Aglomerados Subnormais 2019: Classificação preliminar e informações de saúde para enfrentamento à COVID-19. Nota Técnica 01/2020, 19 de maio de 2020. Departamento de Geografia, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101717_notas_tecnicas.pdf. Acesso em: 20 Out. 2021.

HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2004.

LEFEBVRE, H. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins. Primeira versão, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3DPvAbD. Acesso em: 20 Out. 2021.

MARICATO, E. Reforma Urbana: Limites e possibilidades, uma trajetória incompleta. In: RIBEIRO, L. C. Q; SANTOS JR., O. A. (Org.). Globalização, fragmentação e reforma urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997, p. 309-325.

MARX, K. O capital: crítica da economia política – O processo de produção do capital. São Paulo: Abril Cultural, vol. I, tomo 1, 1983.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. In: ALMEIDA, J.; CANCELLI, V. (orgs.): 150 anos de Manifesto Comunista. São Paulo: Xamã, 1998.

MORENO, A. Superar a exclusão, conquistar a equidade: reformas, políticas e capacidades no âmbito social. In: LANDER, E. (org.) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina. setembro 2005, p. 88-94. Disponível em: https://ufrb.edu.br/educacaodocampocfp/images/Edgardo-Lander-org-A-Colonialidade-do-Saber-eurocentrismo-e-ciC3AAncias-sociais-perspectivas-latinoamericanas-LIVRO.pdf. Acesso em: 08 Fev. 2021.

MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes,1991.

OLIVEIRA, F. Os protagonistas do drama: Estado e sociedade no Brasil. In: LARANJEIRA, S. (org.). Classes e movimentos sociais na América Latina. São Paulo: Hucitec, 1990, p. 43-66.

PAZELLO, R. P. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde América Latina. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 3, 2018, p. 1555-1597. Disponível em: https://bit.ly/30QGtM5. Acesso em: 19 Out. 2021.

QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org.) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas, Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina. Setembro 2005, p. 107-130. Disponível em: https://ufrb.edu.br/educacaodocampocfp/images/Edgardo-Lander-org-A-Colonialidade-do-Saber-eurocentrismo-e-ciC3AAncias-sociais-perspectivas-latinoamericanas-LIVRO.pdf. Acesso em: 02 Fev. 2021.

QUIJANO, A. La modernidad, el capital y América Latina nacen el mismo día. Entrevistadora: Nora Velarde. ILLA - Revista del Centro de Educación y Cultura, nº 10, Lima, Enero 1991, p. 42-57.

QUIJANO, A. La formación de um universo marginal en las ciudades latinoamericanas. In: CASTELLS, M. (org.). Imperialismo y urbanización en América Latina. Barcelona: Gustavo Gili, 1973, p. 141-166. Disponível em https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2343517. Acesso em: 18 Out. 2021.

ROMANELLI, G.; BEZERRA, N. M. A. Estratégias de sobrevivência em famílias de trabalhadores rurais. Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, 1999, p. 77-87. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/paideia/v9n16/08.pdf. Acesso em: 20 Jan. 2021.

SANTOS, B. S. O Estado, o direito e a questão urbana. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, 1982. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/10792. Acesso em: 18 Out. 2021.

SANTOS, C. N. F. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo: Editora USP, 2018.

SCOTT, J. A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos. Lisboa: Letra Livre, 2013.

SOUZA, M. L.; RODRIGUES, G. B. Planejamento urbano e ativismos sociais. São Paulo: UNESP, 2004.

SOUZA, J. A classe média no espelho: sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018.

ZIBECHI, R. Los movimientos sociales latinoamericanos: tendencias y desafios. In Observatório Social de América Latina. No. 9 (ene. 2003). Buenos Aires: CLACSO, p. 185-188. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal9/zibechi.pdf. Acesso em: 20 Out. 2021.

1 Paralelamente à nova geração de associações de moradores e coletivos periféricos, atuantes em todo o país, as práticas e os cursos de cogestão em assessoria técnica, a trajetória de grupos de pesquisa e redes de militância abertos à diversidade sócio-espacial das áreas urbanas precarizadas, são apenas alguns exemplos de que o movimento urbano e pur si muove.

2 Através dos discursos ocultos, “a dominação é constantemente avaliada, julgada e criticada por aqueles que dela são objeto, alimenta não apenas uma resistência passiva e clandestina, mas é também um canteiro de resistência ‘ativa’ que alberga um potencial de revolta que o torna extremamente eficaz em circunstâncias propícias à sua desocultação e à sua expressão pública”. (FERREIRA, 2013, p. 10).

For the decolonization of urban occupations: "the new factory is the neighborhood"

Frederico Lago Burnett

Carlos Frederico Lago Burnett is an Architect and Urbanist, a Doctor in Public Policy, and an Associate Professor at the Department of Architecture and Urbanism and the Graduate Program in Sociospatial and Regional Development at the State University of Maranhão, Brazil. His research focuses on urban and regional planning, production of urban and rural space, and self-production of popular urban and rural housing in Maranhão, Brazil. fredlburnett@gmail.com http://lattes.cnpq.br/9094745284365149


How to quote this text: Burnett, F. L., 2021. For the decolonization of urban occupations: "the new factory is the neighborhood". Translated from Portuguese by Brenda Veneranda Fernandes Silva. V!RUS, 23, December. [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus23/?sec=4&item=9&lang=en>. [Accessed: 16 April 2024].

ARTICLE SUBMITTED ON AUGUST, 15, 2021


Abstract

The illusion of an egalitarian space under peripheral capitalism is expressed in the reformist terms of the "city for all". We understand it here as a colonized inclusion that intends to subject popular resistance to the disciplinary norms of systemic urbanism. This text starts from the decolonial notion of the Global South to rethink popular occupations in Brazil. It aims to contribute to the critical review of the urban reform project. From a methodological point of view, it contrasts subordinate processes of participatory urban planning with resistant initiatives of urban and rural collective self-production. Popular occupations are understood as an affirmation of the marginalized and proper identities of the inhabitants of the South. As real conquests of the oppressed in colonized and dependent countries, such territories reproduce self-control over social and political life. Traditional communities concerning the land and its produce also exercise this control. The results indicate the potential of the notions of the Global South to rethink popular occupations as urban praxis of collective and decolonial insurgency. Such countercurrent resistances struggling for freedoms and rights suggest considering the regional references of the South in the academic reflections on the peripheral space.

Keywords: Peripheral capitalist city, Domination, Resistance, Popular occupations



1 Introduction

The fragility of the achievements of urban struggles in Brazil can be perceived through the continuity and worsening of precariousness. This is especially true for those who participated in recent struggles demanding the right to the city through materialities such as housing, infrastructure, and public services. Expanded throughout the country in the last decade (IBGE, 2020), popular occupations prove the impossibility of systemic inclusion and the indispensability in the lives of the dispossessed. Collective productions originated in the needs, interests, and abilities of the residents should be recognized as construction spaces of the popular rights to the city. In these spaces of cultural diversity, young people lead communication groups, disputing narratives with the mainstream press, and solidarity networks face daily threats as unemployment and hunger. Popular occupations are exercises of resistance and autonomy. Unlike the social anomia of other urban areas, facing living conditions under systemic crisis, aggravated by the Covid-19 pandemic. Stimulated by these dynamics, courses linked to the peripheral neighborhoods appear in universities. Advisory services resume practices of self-managed joint effort. Stronger relations between popular movements and academia expand, consolidating a network of militants with organic contacts in the local movement.1

To contribute to this set of actions, this text brings to the debate, historically dominated by architects and jurists, issues discussed in geography and sociology from the perspective of the decolonial movement. Under the notion of the Global South, the international capitalist characteristic reshaped the idea of the "Cold War" Third World. Decolonial movement builds references that enable new understandings from different scales of the peripheral and dominated reality. The decolonial theories are a collective construction of many decades, which revisits the Marxist understanding of the world from the perspective of colonized nations. They were constituted against the homogenizing movement (Marx and Engels, 1982) and supposedly inevitable of the Capital (Quijano, 2005). Decolonial discussions enable renewed approximations of the movements of the State, Capital, and Labor by developing perspectives from the socio-spatial diversity of the Global South. Regarding the understanding of the urban space of neoliberalism, decolonial ideas revise and reinvigorate Eurocentric studies (Harvey, 2004; Lefebvre, 2006), focusing on the contradictions of the peripheral capitalist cities.

New reflections from the decolonial angle allow revisiting the understanding of urban popular occupations. Considering the peripheral neighborhoods as an expression of "a population marginalized by the whole social body" (Quijano, 1973, p. 340, our translation), decolonial theory challenges the possibilities of subordinate inclusion from such spaces. Identifying modes of productive insertion, housing conditions, and forms of state control, which they are subjected, Quijano (1973) highlights the role of the woman-mother in the family organization of marginal groups. Considering the marginalization of broad social sectors in Latin America as structural to the societies of peripheral countries, the author agrees with Milton Santos (2018). Santos understands the impossibility as an urban economy characteristic of the "divided space" in peripheral cities. According to Francisco de Oliveira (1990), this is the political reason for serving social classes, equally divided between clientelism and patrimonialism on the Brazilian State. Based on this, the proposal of "legalization" of the "illegal city" is inscribed in an idealized and vain attempt of inclusion, through urban planning and bourgeois law, of the residents of popular occupations (Baldez, 2003; Pazello, 2018). Without their assimilation by the system, would it be plausible to understand them as inherent to the peripheral city, reviewing preconceptions about "legality" and "illegality"?

A version of this text was presented at the 3rd SIALAT - International Seminar from Latin America: Conflicts and Contemporary Policies, in Belém, the estate of Pará, in the northern region of Brazil. This paper is part of the post-doctoral research regarding urban and rural popular spaces in the Cerrado and Amazonia region in Brazil. This project is an extension of investigations on urban planning and participatory master plans (Burnett, 2009). Later, studies on the self-production of occupations and popular housing in Maranhão proved identities in the practices of the dispossessed in the countryside and in the city that express, through autonomy exercises, generational resistance to systemic pressures (Burnett, 2021). The paper starts from the third-world reading of Milton Santos (2018). Pass through the decolonial thinking of Anibal Quijano and Boaventura de Sousa Santos. It is complemented by the theoretical-methodological axis of Zibechi (2003) reflections on peripheral insurrection. Analyzes of the law in the urban space are based on Baldez (2003). The paper also adopts Pazello (2018) ideas regarding Marxism, decoloniality, and insurgent law.

The article is organized into five sections. Sections 2 and 3 discuss contradictions and possibilities of freedom and rights in the city, historically a space of domination and control. The fourth section debates the potential for resistance of territories built outside the established powers, under dynamics that combine alliances and transgressions in the construction of new political decolonial practices. The conclusion suggests that evaluations of recent experiences of urban struggles in Brazil should reconsider previous readings and radically review the perspective and the relations established with urban occupations. Beyond the social marginality and material precariousness, it is necessary to understand them as the nuclei of decolonizing opposition of the subordinate modes of capitalist life and spaces of marginal rebelliousness where we have much to learn about living in the (Global) South.

2 Is the city a space of freedom?

There is a historical myth, which propagates that the "city air" is a factor of freedom, and considers living in urban space as a condition of ascension to a "better life". These expressions referred, respectively, to the medieval servitude and the material and intellectual indigence of the rural. In opposition to that myth, "what seemed to be a salvation turned out to be, in reality, a mirage, because in the incipient urban environment there was also the oppression of the poor" (Custódio, 2015, p. 1, our translation). The servitude and urban penury are invisible by the (political, real estate, touristic, etc.) media that creates the selective seduction of places. Moreover, they are often much deeper and more dramatic than those in the countryside of yesterday and today (Federici, 2004). The possibilities of promotion to more qualified posts by the urban economy – the rise to a "better life" – have always been linked to meritocracy. That is the basis of individualism, which even for the middle classes constitutes a family history of traumatic lives sacrifices (Souza, 2018).

Since its origin, the city has a differentiation between the general production, the political-civil and religious power, produced by the intellectual and manual division of labor for its expropriation. Thus, the city origins in Prehistory are linked to positions of strength and exercises of violence. The result of the alliance between the nomads wandering and violent life with the farmers’ sedentary and peaceful daily life, “an earlier union between the paleolithic and neolithic components” (Mumford, 1961, p. 21). First, by providing them protection services against predators, so that "the villages protected by the hunter flourished better" and so “the very prosperity and peaceableness of the neolithic village may have caused its protectors to exchange the watchdog's role for the wolf's, demanding 'protection money,' so to say, in an increasingly one-sided transaction” (Mumford, 1961, p. 23).

The establishment of compulsory work in the space of the ancient city made possible several constructions - dikes, aqueducts, walls, palaces, temples (Mumford, 1961). This process of millenniums of the village consolidates and erects elements of the "embryonic structure of the city" (Mumford, 1961, p. 19). In this way, the city – this “peculiar combination of creativity and control, of expression and repression, of tension and release" (Mumford, 1961, p. 30) – should be seen as the power center of a minority and understood as a form of space colonization (Quijano, 2000). According to Castells (2000), a condition that crosses history points to an intrinsic "nature" of the City (space), which persists, permeates and survives socioeconomic and spatial metamorphoses thanks to "a class system" and " a political system that allows both the functioning of the social whole and the domination of a class" (Castells, 2000, p. 42-43, our translation).

The disruption of feudalism and capitalist accumulation exponentially boosted by the discovery of the New World (Quijano, 2005) points to a historical worsening of the city's domination-exploitation binomial, which led to the enclosure of common fields. Preventing and criminalizing free labor, intentionally impoverishing rural populations and autonomous practices of the working classes were indispensable measures to discipline minds and bodies, which would be agglomerated in cities. For submission to factory work, the long and persistent process that characterized the constitution of the Enlightenment relied on a "set of strategies used by English lords and wealthy farmers to eliminate the common use of land and expand their properties" (Federici, 2004, p. 69). The deterritorialization of rural communities in nascent capitalism in Europe renewed, in an aggravated way, in the colonies, as an expedient of primitive accumulation provides labor for wages, seen as ‘instruments of slavery” (Federici, 2004, p. 72) as soon as access to land came to an end.

As a result, the physical enclosure operated by land privatization and the hedging of the commons was amplified by a process of social enclosure, the reproduction of workers shifting from the open field to the home, from the community to the family, from the public space (the common, the church) to the private.

The social path that goes from servile work to wage labor coincides with the workers’ path "from the open country to the home, from the community to the family, from the public space (the common, the church) to the private" (Federici, 2004, p. 84). Despite the resistance in various parts of Europe, the bloody peasant insurrections (Federici, 2004) ended with the workers “submitting to the world of mercantilization, either by selling their labor force or by selling the products of their labor (C-M-C) to survive" (Gonçalves, 2016, p. 239). The result of the impoverishment of their conditions of physical and social reproduction, with deep consequences for their class identities, wage-earning implied disciplining workers under the ideology of individualism. In the countries of Europe, the city resulted from industrialization under colonialist and imperialist bases, but the reading “on the periphery” is opposed to Eurocentrism. Limited to the sale of the labor force in exchange to physical reproduction, the freedom of the peripheral bourgeois city will result in the configuration of informality in living and working, composing "two circuits" (Santos, 2018) of reflex and reverse worlds, functional and dependent. Thus, peripheral urbanization results from the colonized and exclusionary economy, typical of peripheral-dependent countries, because "modernity, capital, and Latin America were all born on the same day". Bearers of the "instrumental rationality" – proper to Capital and the State –, Eurocentric modernity is always confronted with the "historical rationality", inherent to traditional communities, whose struggles for freedom question their power (Quijano, 1991, p. 44).

3 Is the city a space of rights?

From the point of view of rights, with the origin of the city during antiquity, the traditional respect "for custom and customary law", the exercise of the "Councils of Village Elders", gives way to the institutions of "organized morality, government, law, and justice" (Mumford, 1961, p. 19). Contrary to the usual, constituted and consolidated by the concrete work among equals in the field, the city will be the arena of the law established based on inequality and private ownership of the means of production. The access right to the goods of nature and the self-control of time will be violently replaced by the abstract freedom of access to money, an indispensable basis for social and individual reproduction under collective discipline for profit (Federici, 2004; Gonçalves, 2016). With the capitalist system and its monetized relations, "which divides man between the need to live and, therefore, consume, and not to be, existing only as a labor force", the urban worker becomes "a commodity that, as a legal subject, starts to be sold in the labor market" (Baldez, 2003, p. 72).

Defined by Boaventura Sousa Santos as "a mediation that is simultaneously external and superior to both political and economic", the law will allow the state to operate the "expression of common interest" to meet the "expression of particular interests" (Santos, 1982, p. 18-19). For Marx, these interests refer to the "legal relationship that is innate to the process of the circulation of goods" and "whose form is the contract". Being "legally developed or not, it is a relationship of will, in which the economic relationship is reflected" and the "content of this juridical relationship or will is given through the economic relationship" (Marx, 1983, p. 79-80, our translation). Baldez says that these legal relationships will be instituted in urban Brazil “since the 1930s” when domination “was made through individualizing and atomizer legalism of struggles”. By staying "in their most immediate perspective, absorbed by bourgeois ideology", "the urban leaderships ended up diverted, often by tactical option, to the arena of legalism" (Baldez, 2003, p. 80, our translation).

The situations between the "irresponsibility of denying the right given the need to resort to it in the face of disputes and criminalization" and the "excessive ingenuity" in "believing that this is a linear path to modify the social relations of oppression and exploitation typical of capitalism" (Pazello, 2018, p. 1577, our translation), led to impasses and frustrations. This is evident "in the years that followed the promulgation of the new constitution" when the "ideology" of the urban reform movement "takes a very technical and juridical direction"(Maricato, 1997, p. 312, our translation). The militant efforts proved to be limited and "even the few but significant experiences of the democratic and popular municipal administrations face considerable resistance to operationalize Urban Reform guidelines" (Maricato, 1997, p. 313-314, our translation).

This tactical option, when "the law appears as a strategy from which the required social changes would be achieved" (Pazello, 2018, p. 1584, our translation), is the mark of the political and ideological limitations of many critical law theories in Brazil. In the "search for new and more efficient rights, some even achieved", it is ignored that their "execution would depend on power, which the oppressed never had" (Baldez, 2003, p. 80, our translation). During the moment when urban struggles approached law in an orderly manner through popular amendments, the "essential and predominantly juridical elaboration ended up representing, by the dispersion of political action, the main mechanism of mobilization of the people". Thus, "the struggle ceased to be political or political action, to restrain itself in the proper and historical field of class domination, the legal field" (Baldez, 2003, p. 81, our translation).

Considering the discussion above, which addresses decisions to hegemonic groups, the construction of other rights by the dispossessed is fundamental. Urban occupations have been the privileged place of eruption to affirm the recognition of the right to diversity and difference. According to Pazello (2018), the attempts to oppose the workers' interests to the capitalist legal framework finds their expression in the “insurgent law”, articulation of the Marxist critique of the right to Latin American critical thinking, producing the “true basis of its theoretical support” (Pazello, 2018, p. 1559). As, “in Latin America in particular, the most extended forms of labor control are non-salary”, outside the contract form, “the relations of exploitation and domination have a colonial nature” and demand their decolonization (Quijano, 2005, p. 114, our translation). The homogenizing process of society members happened in Latin America southern countries caused by the mass elimination of some of them (indigenous peoples, blacks, and mestizos) and not through the decolonization of social and political relations among the various components of the population (Quijano, 2005, p. 122).

Unable to be included in the "patriarchal/capitalist/colonial/modern world system" (Pazello, 2018, p. 1561, our translation), the dispossessed people from the peripheries face daily threats to their rights. A condition that sets "critical, insurgent or found in the streets" as the "possible mediation for a Marxist and Marxian critique of the legal form structure" that "from a dependent, decolonial and committed to popular movements perspective" will enable strategic uses for law in contexts of not yet social revolution" (Pazello, 2018, p. 1593, our translation). Therefore, the construction of the possible freedom in the city of peripheral capitalism has in the insurgent right one of the resistance camps of the dispossessed, strengthening exercises of political autonomy by another city.

4 Is the city a space for resistance?

The denial of the capitalist city to the workers of the colonized peripheral nations, leading them to the occupation and self-production of their living spaces, is the socio-spatial basis on which the collective struggles for freedom and rights historically take place. “Conquered and defended in the face of power”, such spaces are constructions of the “hidden transcrip2" that “practiced, articulated, enacted, and disseminated within these offstage social sites” represents “an achievement of resistance” (Scott, 1990 p. 119). Since “the territory is neither an external substance nor a basis on which society stands”, but “is constituted by society itself in the process in which it weaves together its social relations and power”, it becomes a decisive space conquest for the exercise of insurgency (Gonçalves, 2002, p. 13, our translation). In the materialization of this statement, typical of territorialities, the identity of the different peoples of Latin America is in a close relationship with their places of life and work, an assertion of possession and struggles on different fronts for land and its natural resources (Quijano, 2005). Despite that, before the State and the capitalist interests, how do the residents of the occupations proceed in their resistance processes? According to Moreno, “residents do not despise or reject the city, but neither magnify it” and “do not perceive its autonomy as marginalization or exclusion, but as a natural way of practicing coexistence” (Moreno, 2005, p. 91, our translation).

Inside the cities, in self-constructed territories, many of them with secular trajectories, the peripheral urban areas express identities similar to the rural ones. In an apparent systemic insertion, the weakness of systemic inclusion ties leads urban workers in peripheral countries to exercise “survival strategies” of (Romanelli and Bezerra, 1999) physical reproduction practices originated in rural spaces, reinvented in cities, form the basis of popular resistance and demand to establish relationships with the public and private boundaries. From the experience of the favelas in Rio de Janeiro, in the southeast region of Brazil, during the 1950s, Cunha (2016) analyzes the first contacts of local leaders with sectors of the Church and State, later the "alliance between Science and State" promoted by "Sociologists of the Society of Graphic and Mechanistic Analysis Applied to Social Complexes (SAGMACS)". Showing that” more than resisting, many favelas sought to go further”, Cunha (2016, p. 29, our translation) refers to the emergence of public agencies for actions with the Rio occupations that, together with the expansion of struggles, instituted welfarism and clientelism. Through such practices, “they moved along the border, projecting themselves on it”, thus “claiming the urbanization of favelas instead of removals or even simple improvements”. To this end, “they moved in society as a whole, calling into question the stigma that surrounded them” (Cunha, 2016, p. 38, our translation).

In this way, the favelas have built “approximations of political or ideological views, but also alliances around a common enemy”. Resisting “the planned destinies”, seeking to “assert themselves as part of the city”, the relations with the other agents of the border were fundamental (Cunha, 2016, p. 38, our translation). Quijano (1973, p. 155) pointed that such relations entailed interests and risks of political control since the elites “learned the lessons of certain electoral experiences in many Latin American cities where the marginal colony voted massively in a conservative way”. From the struggles of the associations and federations of favelas against evictions, for public services, and social recognition during the dictatorship period, the occupations became the object of the city’s urban planning and “development”. The positivist fragmentation of science (Gonçalves, 2002) and the architects’ attribution as social planners (Lefebvre, 2006) contributed to this end. Despite these long and different trajectories of resistance, mixing processes of autonomy and dependence, resistance and clientelism (Souza and Rodrigues, 2004), the right and left power mainstream almost always understood urban occupations as spaces of disorder and penury (Santos, 1981) to be disciplined, uninterested in their character of “social space”.

Regardless of the political control and interference of the space divided between masters and slaves, today housed in the superior and inferior circuits of the economy and of life (Santos, 2018), the insurgent aspects of marginal practices persisted and were reinforced. “In social spaces dependent on global conditions, collective identities are being constructed in unprecedented ways, through a complex articulation of sources of identification such as religion, territoriality, race, class, ethnicity, gender and nationality”. An articulation practiced by “universal discourses of human rights, international laws, ecology, feminism, cultural rights and other means of making respect for differences within equality” (Coronil, 2005, p. 59, our translation). According to Souza and Rodrigues (2004, p. 89-92, our translation), “the demagoguery and authoritarianism of municipal administrations, cooptation of leaders and party manipulation, caciquismo and personalism, clientelism, the influence of economic difficulties, and drug trafficking” would have been the “causes of the crisis” of such movements in Brazil. These issues aggravate the contradictions between “precariousness-illegality” – as a phenomenon – and “autonomy-rights” – as the essence –, demonstrating that popular occupations coexist with internal and external alliances that empower them, but they also threaten their processes of building autonomy and identity.

With the constitution of the new world order, the national states reversed the priorities of production and consumption, internal and external imperialisms were renewed. Colonization processes worsen, strengthening various forms of criminality and expanding the expropriations of surplus-value, but also diversifying the connections of fragmented struggles (Quijano, 2005). Removing the factories protagonism and making “new characters” visible on the public scene, the productive restructuring of the 1970s and 1980s was a political, economic, and ideological response to the social crisis of production and resulted in the questioning of traditional left strategies and the strengthening of social democracy (Harvey, 2004). Adding other characters, coming from factory struggles under neoliberal offensive, the popular neighborhoods became more than "a natural way to practice coexistence". Adding to that territoriality proper to their ways and needs of life, the role of reconstituting class identity, an Argentine urban leadership recognizes that today the new factory is the neighborhood:

The factory or workplace where we lived, where we learned history, where we built and recovered the identity and memory as a worker no longer exists… It was a very difficult time and even though the resistance to privatization and exclusion has had some defensive victories, the most important thing is that we began to see that our comrades: former metallurgists, former textiles, formers workers began to approach and organize themselves as precarious workers (Ceceña, 2001, p. 63, our translation).

Due to the pressures of productive restructuring, bringing old and new characters to occupation, Zibechi (2003) understands that, since the late 1970s, Latin American social movements have assumed a new meaning. Sharing their “roots in physical spaces recovered or conquered” with the “new role of women”, the movements seek “autonomy from the state and political parties”. The seeking that takes place for the “revaluation of the culture and identity of peoples and social groups” and for the “ability to form their own intellectuals” aiming at “organizing work and relating to nature” (Zibechi, 2003, p. 185-186, our translation). The youth presence in the “new social activism” of occupations leaves no doubt that, like the recent rural movements, urban resistance has gained generational legitimacy. However, the social and political visibility of this new collective construction of the right to resistance does not only challenge the system: outside parties and unions, also historical partners of popular occupations are called to reinvent themselves.

5 Final considerations

Freedom and Law have always been human attributes understood as inherent to the City – the former as opposed to the insecure, arduous and unpredictable field in the face of the forces of nature; the second as a legal guarantee of equality before the powerful and the State. However, both are, in class societies, selective and demanding of diverse capitals. In peripheral and colonized countries, these limitations/prohibitions affect significant portions of the population, which both support and depend on the system. In this context, the Resistance stands, as a questioner of those two terms, and its renunciation – previous and compulsory – has always been an inescapable condition for the dominated and exploited to enter and remain in the city.

From decolonial thinking, and considering the Global South as “the place where we are and from where we learn”, this text sought to unveil aspects of our cities, indecipherable and unacceptable to the knowledge of Eurocentric base. Contrary to such episteme, popular occupations must be understood as “other spaces” than those that contradict the class city and make possible, thanks to its inherent Resistance, the construction of different degrees of Freedom and Law. Also based on decolonial thinking, the article argues that collective urban constructions are the works of those whose system is unable to offer any other life alternatives. Subjects can only accomplish such (herculean and utopian) spaces with their own historical rationality, substantially opposed to the instrumental logic of the State and the market.

These are the reasons why popular occupations constitute the space in our cities where Resistance, Freedom, and Rights have emerged before the structural condition of marginalization of its residents under an environment of exploitation and domination. In June 2013, after the collapse of national development proposals, the successive defeats of popular interests dissolved the legal achievements of re-democratization. While the “motherland” was being “subtracted in dark transactions” under astonished and passive looks of the majority, marginalized groups of the countryside and cities made themselves heard and felt in multiple ways in different parts of the country against an announced destination.

The different territorial histories of occupations and the diversity of ethnicity, gender, creed, and productive ties of the residents, break paradigms and arise the unpredictability and spontaneity of popular movements. In these varied contexts and paths, the new meetings between militant and marginalized academics from the peripheries refer to the analysis of Santos (1981), Souza and Rodrigues (2004), and Cunha (2016) on interclass relations. It brings the following reflection: What do new and old partners have to exchange/offer to the residents of the occupations, in exchange for the occupation/offer of their times and tasks?

References

Baldez, M. L., 2003. A luta pela terra urbana. In Ribeiro, L. C. Q. and Cardoso, A. L. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan/Fase, p. 71-92.

Burnett, F. L., 2009. Da tragédia urbana à farsa do urbanismo reformista: a fetichização dos planos diretores participativos. São Paulo: Annablume.

Burnett, F. L., ed., 2021. Arquitetura como resistência: autoprodução da moradia popular no Maranhão. São Luis: Eduema/Fapema.

Castells, M., 2000. A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra.

Ceceña, A. E., 2001. El Nuevo Pensamiento y la transformación de la lucha en Argentina. Interview with Víctor de Gennaro. Chiapas, 11, p. 61-74. Available at https://chiapas.iiec.unam.mx/No11-PDF/ch11cecena.pdf. Accessed 09 Nov. 2021.

Coronil, F., 2005. Natureza do pós-colonialismo: do eurocentrismo ao globocentrismo. In Lander, E., eds. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas, Colección Sur Sur, CLACSO (Sept.), p. 50-62. Available at http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/. Accessed 02 Feb. 2021

Cunha, M. B., 2016. Cenas históricas da participação popular na constituição de um campo de fronteira nas favelas do Rio de Janeiro. In: Rodrigues, R. I., ed. Vida social e política nas favelas: pesquisas de campo no Complexo do Alemão. Rio de Janeiro: Ipea, p. 15-42. Available at https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27708. Acessed 22 Oct. 2021.

Custódio, J. A. C., 2015. “Stadtluft Macht Frei”: A ‘Libertação’ das obrigações feudais. O ar da cidade liberta. In Proceedings. XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais. Maringá, Brasil. Available at http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2015/pdf/017.pdf Accessed 20 Aug. 2021.

Federici, S., 2004. Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation. New York: Autonomedia.

Ferreira, F. S. M., 2013. Apresentação. In: Scott, J. A dominação e a arte da resistência: discursos ocultos. Lisboa: Letra Livre, p. 10.

Gonçalves, C. W. P., 2002. Da geografia às geo-grafias: um mundo em busca de novas territorialidades. In Ceceña, A. E. and Sader, E., eds. La guerra infinita: hegemonia e terror mundial. Buenos Aires: CLACSO, p. 217-256. Available at http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/cecena/porto.pdf. Accessed 04 Feb. 2021.

Gonçalves, C. W. P., 2016. Dilemas dos Movimentos Emancipatórios Contemporâneos: Dos Fatos e das Versões (Teorias). Cadernos CEAS (237), p. 225-253. Available at https://cadernosdoceas.ucsal.br/index.php/cadernosdoceas/article/view/242/205. Accessed 07 Feb. 2020.

IBGE, 2020. Aglomerados Subnormais 2019: Classificação preliminar e informações de saúde para enfrentamento à Covid-19. Rio de Janeiro: IBGE. Available at https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101717_notas_tecnicas.pdf. Accessed 20 Oct. 2021.

Harvey, D., 2004. A condição pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo.

Lefebvre, H., 2006. A produção do espaço. Translated from French by D. B. Pereira and S. Martins, 2000. Paris: Anthropos.

Maricato, E., 1997. Reforma Urbana: Limites e possibilidades, uma trajetória incompleta. In: Ribeiro, L. C. Q; Santos Jr., O. A., eds. Globalização, fragmentação e reforma urbana: o futuro das cidades brasileiras na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 309-325.

Marx, K., 1983. O capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital. São Paulo: Abril Cultural.

Marx, K. and Engels, F., 1982. Communist Manifest. New York: New American Library.

Moreno, A., 2005. Superar a exclusão, conquistar a equidade: reformas, políticas e capacidades no âmbito social. In: Lander, E., ed. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, CLACSO, (Sept.), p. 88-94. Available at http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ Accessed 08 feb. 2021.

Mumford, L., 1961. The City in History: Its Origins, Its Transformations and Its Prospects. New York: Harcourt Brace Jovanovich, Inc.

Oliveira, F., 1990. Os protagonistas do drama: Estado e sociedade no Brasil. In: Laranjeira, S., ed. Classes e movimentos sociais na América Latina. São Paulo: Hucitec, p. 43-66.

Pazello, R. P., 2018. Direito Insurgente: Fundamentações Marxistas desde América Latina. Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, 9 (3), p. 1555-1597. Available at https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2179-89662018000301555&lng=es&nrm=iso&tlng=pt Accessed 19 Oct. 2021.

Quijano, A., 2005. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, E., ed. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas, Colección Sur Sur, CLACSO (Sept.), pp.107-130. Available at http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ Accessed 02 Feb. 2021.

Quijano, A., 1991. La modernidade, el capital y America Latina nacen el mismo día. Entrevistadora: Nora Velarde. ILLA. Revista del Centro de Educación y Cultura , 10 (enero), p. 42-57. Available at https://quijanodescolonial.blogspot.com/2017/10/1991-la-modernidad-el-capital-y-america.html Acessed 27 Jan. 2021.

Quijano, A., 1973. La formación de um universo marginal en las ciudades latinoamericanas. In: Castells, M., ed. Imperialismo y urbanización en América Latina. Barcelona: Gustavo Gili, p. 141-166. Available at https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=2343517. Accessed 18 Oct. 2021.

Romanelli, G. and Bezerra, N. M. A. 1999. Estratégias de sobrevivência em famílias de trabalhadores rurais. Paidéia, 9 (16), p. 77-87. Available at https://www.scielo.br/pdf/paideia/v9n16/08.pdf. Accessed 20 Jan. 2021.

Santos, B. S., 1982. O Estado, o direito e a questão urbana. Coimbra: Centro de Estudos Sociais. Available at https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/10792. Accessed 18 Oct. 2021.

Santos, C. N. F., 1981. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar

Santos, M., 2018. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo: Editora USP.

Scott, J., 1990. Domination and the art of resistance: Hidden Transcripts. New Haven and London: Yale University Press.

Souza, M. L. and Rodrigues, G. B., 2004. Planejamento urbano e ativismos sociais. São Paulo: UNESP.

Souza, J., 2018. A classe média no espelho: sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade. Rio de Janeiro: Estação Brasil.

Zibechi, R., 2003. Los movimientos sociales latinoamericanos: tendencias y desafios. In Observatorio Social de América Latina, 9 (enero), p. 185-188. Available at http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal9/zibechi.pdf. Accessed 20 Oct. 2021.

1 In parallel to the new generation of associations of residents and peripheral collectives, which are active throughout the country, the practices and co-management courses in technical advice, the trajectory of research groups and militant networks open to socio-diversity space of precarious urban areas, are just a few examples of that urban movement e pur si muove.

2 hrough the hidden transcripts “domination is constantly evaluated, judged and criticized by those who are the object of it, feeds not only a passive and clandestine resistance, but it is also a site of ‘active’ resistance that harbors a potential for a revolt that makes it extremely effective in circumstances conducive to its disorganization and expression” (Ferreira, 2013, p. 10, our translation).