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Referências

Caldeira afirma que os condomínios fechados começaram a ser construídos em São Paulo nos anos 1970, durante um período de boom do mercado de bens imobiliários e de financiamentos estatais. [1] Em 1973, foi construído o primeiro condomínio vertical fechado, o Ilha do Sul, localizado na zona oeste da cidade. No bairro Morumbi, zona sudoeste, irá se concentrar a maioria dos lançamentos desses empreendimentos nos anos 1980. Conjuntos murados, de altos edifícios de apartamentos, providos de extensas áreas comuns equipadas com instalações esportivas, de lazer, de serviços, de uso exclusivo dos moradores e, portanto, de acesso privado, os condomínios verticais fechados destinaram-se, inicialmente, aos mais abastados. Rapidamente, no entanto, disseminaram-se e estenderam-se à população de menor renda, como relata Tramontano com certeza com áreas comuns menores e menos equipamentos, também não tão sofisticados.[2] A construção de condomínios verticais fechados pode ser considerada a primeira manifestação do desejo de morar de maneira exclusiva, traduzido por muros altos e guaritas, sustentado pelo discurso contra a violência.

Outra manifestação com esse caráter será concretizada em meados da década de 1970 com o emblemático Alphaville, que costuma ser considerado um dos primeiros condomínios horizontais fechados de São Paulo, mesmo sendo, na verdade, um dos primeiros loteamentos fechados implantados na região metropolitana da cidade. A partir dele afirmou-se a tendência em se implantar esses empreendimentos nos municípios vizinhos a São Paulo, ao longo das rodovias Castelo Branco e Raposo Tavares, nas regiões oeste e sudoeste da Grande São Paulo.[3] Além de áreas residenciais, desde o início foram previstos centros empresarial e comercial para Alphaville. O empreendimento inspirava-se nos subúrbios norte-americanos da Califórnia, como declararam, em muitas ocasiões, Renato de Albuquerque e Yojiro Takaoka, diretores superintendentes da Construtora Albuquerque Takaoka S/A, responsável pela criação do empreendimento. Caldeira [4] destaca também seu parentesco, enfatizado em material publicitário, com as new towns e edge cities americanas.[5] Independentemente da pertinência, ou não, dessas referências a modelos urbanos, Alphaville é emblemático porque foi introduzido aqui como uma nova forma de habitar, ainda que baseado no resgate de velhas maneiras de morar.

O aparecimento de condomínios e loteamentos fechados em São Paulo faz parte de um processo mais amplo, descrito por Caldeira, que caracteriza um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade. Este novo modelo de segregação substitui, aos poucos, o padrão dicotômico centro-rico / periferia-pobre. Dá-se lugar a outro tipos de espaços segregados, fragmentados e heterogêneos, derivados de transformações nos padrões de moradias dos mais ricos e dos mais pobres - melhoria da periferia combinada com o empobrecimento da classe trabalhadora e deslocamento das classes média e alta para fora do centro -, das recentes dinâmicas econômicas e suas distribuições de atividades - crescimento do setor terciário e desindustrialização -, da reversão das costumeiras tendências de crescimento demográfico, e, por fim, do aumento do crime violento e do medo, que faz com que pessoas de classes distintas busquem moradias mais seguras.[6]

Importa aqui destacar que se afirmou, a partir dos vários "residenciais" de Alphaville,[7] a possibilidade de realização dos desejos dos paulistanos: morar em casas unifamiliares isoladas, rodeados de verde, e protegidos contra a violência urbana.[8] Quando Alphaville e outros conjuntos residenciais, formados a partir de loteamentos fechados, supostamente aliaram segurança à casa unifamiliar, lançaram, sem intenção, as bases para que outros conjuntos com as mesmas características fossem, então, implantados dentro da malha urbana da cidade de São Paulo.

Os condomínios horizontais fechados vão aparecer na cidade apenas uma década depois dos loteamentos periféricos, por volta de meados da década de 1980. A princípio, observou-se um desenvolvimento limitado deste tipo de assentamento devido a fatores como preço do solo, dificuldade em se encontrar áreas disponíveis e falta de legislação específica. Estes fatores se amenizaram no decorrer dos anos, principalmente pelas novas possibilidades legais, até então fonte dos maiores entraves, abertas pela chamada Lei de Vilas, de 1994.[9] Isto não significa que a implantação destes condomínios tenha somente surgido após este ano e sim que as implantações anteriores resultaram de soluções judiciais outras. Esta legislação permitiu a implantação de conjuntos de habitações unifamiliares horizontais usando a tipologia de vilas, no sistema de condomínio, derivando daí os condomínios horizontais fechados.[10]

Os empreendedores responsáveis pela implantação de conjuntos verticais fechados, a princípio, buscaram grandes terrenos baratos localizados em áreas distantes do centro, como a região que abrange os distritos de Vila Andrade e Morumbi, enquanto os empreendedores responsáveis pela implantação dos loteamentos fechados foram implantar seus empreedimentos nos municípios de Barueri, Santana do Parnaíba e Cotia. Criaram, assim, novas áreas de expansão da cidade e região metropolitana, concentradas nas regiões oeste e sul, regiões antes pobres ou despovoadas.

Os empreendedores do setor imobiliário, responsáveis pelos condomínios horizontais fechados, se interessaram muito pela possibilidade de implantar estes conjuntos em terrenos localizados nas zonas Z1, de uso estritamente residencial, com índices rígidos de ocupação, onde é proibida a verticalização, e que geralmente coincidiam com esta nova região de expansão e com os bairros mais valorizados da cidade.[11] Hoje, a tendência de localização destes empreendimentos na cidade e região metropolitana está se alterando, como se verá mais adiante. Viu-se, na época, a possibilidade de ocupar grandes terrenos com a construção de conjuntos de casas nas áreas mais valorizadas pelos paulistanos mais abastados, onde anteriormente só se poderiam ocupar lotes com habitação unifamiliar isolada, isto é, uma casa por lote.[12] É importante, porém, destacar que a Lei de Vilas foi um instrumento que veio de encontro a uma crescente demanda de produção de conjuntos de casas unifamiliares em terrenos localizados dentro da cidade de São Paulo, em oposição à tendência de implantá-los em áreas periféricas da metrópole, em loteamentos como Alphaville, que já apresentavam inconvenientes, entre eles, o tempo gasto no trânsito para se chegar ao centro da cidade de São Paulo e os imensos engarrafamentos no final do dia.

Longe de se restringirem a São Paulo e sua região metropolitana, os condomínios fechados, verticais e horizontais, assim como os loteamentos fechados, já fazem parte das opções de moradias de parte significativa das grandes e médias cidades brasileiras. Acompanhando a tendência dos condomínios fechados, ruas e bairros de São Paulo e de outras grandes cidades do país já foram fechados, desde então, por iniciativa dos próprios moradores.[13] O que, como se sabe, tem gerado grandes polêmicas.

É importante ressaltar, que é muito comum relacionar o estabelecimento dos empreendimentos tipo condomínios fechados, na região metropolitana de São Paulo, e os aumentos dos índices de violência urbana nessa localidade. Supostamente, os primeiros seriam um reflexo, uma reação aos segundos. É senso comum transformar o crescente desejo por segurança como única justificativa para a implantação desses enclaves fortificados, nas cidades de maneira geral. O aprofundamento a respeito das questões que envolvem este contexto não deve ser superficialmente tratado. Caldeira alerta que não basta, apenas, relacionar o crescimento dos condomínios fechados às informações a respeito do aumento geral das taxas de crimes violentos, de crimes contra a pessoa e contra a propriedade, e associá-las a variáveis socioeconômicas e de urbanização, para se ter um quadro geral sobre o assunto.[14] Há uma série de outros aspectos, mais complexos, a serem considerados. A autora aponta para o fato que "estatísticas são construções, e, dependendo de como são desenhadas e os números agregados ou separados, podem originar diferentes imagens da 'realidade social'".[15] Basta aqui, sublinhar que a crescente busca por habitações em condomínios horizontais fechados não encontra respaldo somente no crescimento da violência. Esta é apenas uma parte do discurso, que envolve as estratégias imobiliárias e de marketing, mas com certeza, a mais exacerbada. Persuade consumidores que são diariamente, bombardeados pela mídia, com relatos sensacionalistas sobre crimes violentos, ou mesmo, com análises passionais, exageradas, e generalistas, a respeito da insegurança dos espaços públicos.[16]

A base ideológica sobre a qual os empreendimentos fechados estão sendo solidamente legitimados, é a do espaço público violento e caótico. Parece que um novo discurso da ordem está sendo instaurado. Este discurso contrapõe ao território "inimigo", habitado por novas classes perigosas e pela violência, um novo modo de morar, os enclaves fortificados. O que quase nunca aparece, ou melhor, fica explícito, é que a questão da segurança conta com um aliado a altura, para alavancar o mercado de condomínios horizontais fechados - o status. O apelo comercial deste produto conta, entre outros, com o poder de sedução da exclusividade. Morar em um condomínio fechado dá status, significa fazer parte do rol dos privilegiados que podem morar isolados e protegidos, convivendo com uma vizinhança homogênea, desfrutando prazeirosamente de equipamentos de lazer, e da comodidade de alguns serviços.

[1] CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. City of Walls : crime, segregation, and citizenship in São Paulo. Dissertation for the degree of Doctor of Philosophy in Anthropology in the Graduate Division of the Univesity of California at Berkeley, 1992, p. 257. [ volta ao texto ]

[2] Ver TRAMONTANO, Marcelo. Novos Modos de Vida, Novos Espaços de Morar: uma reflexão sobre a habitação contemporânea. Tese de Doutorado. São Paulo: FAU-USP, 1998
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[3] Ao longo da rodovia Castelo Branco encontram-se, além de Alphaville, outros grandes loteamentos fechados, como Tamboré e Aldeia da Serra, e, ao longo da Raposo Tavares, o Granja Vianna, entre outros. [ volta ao texto ]

[4] CALDEIRA, Teresa Pires do Rio, op. cit., p. 262. [ volta ao texto ]

[5] Esta última, idéia difundida pelo repórter norte-americano Joel Garreau no livro Edge City - Life on the new frontier, a partir de 1991. [ volta ao texto ]

[6] Ver Parte III de CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34 / Edusp, 2000. [ volta ao texto ]

[7] Nome dado a cada um dos treze conjuntos de casas murados, que fazem parte de todo o complexo Alphaville, nos quais ainda são encontrados lotes vazios. [ volta ao texto ]

[8]Desde já, é importante destacar que o fascínio que a casa unifamiliar isolada exerce na grande maioria da população não é recente. Ele remete, no limite, à Villa renascentista. No século XIX, esta tipologia foi reafirmada através das formas de habitar socialmente construídas pelos reformadores sociais para as classes trabalhadoras, respaldada pelas propostas higienistas, primeiramente na Europa, e também no Brasil. Historicamente, as classes abastadas sempre possuíram casas isoladas; que na versão paulistana corresponde aos palacetes do final do século XIX e início do XX. Ver a respeito: GUERRAND, Roger-Henri. "Espaços privados". In : VVAA, História da vida privada : Da Revolução Francesa à Primeira Guerra, organizado por Perrot, Michelle, vol.4, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, pp.325-411 e HOMEM, M.C.N. O Palacete Paulistano. São Paulo, Martins Fontes, 1996. [ volta ao texto ]

[9] Os condomínios horizontais, comumente também chamados de vilas, podem ser implantados indiscriminadamente em todas as zonas residenciais da cidade de São Paulo, a partir da promulgação dessa lei, em 13 de julho de 1994. [ volta ao texto ]

[10] O formato espacial das vilas e, especificamente, dos condomínios horizontais fechados serão discutidos, detalhadamente, nos capítulos 2 e 3, respectivamente. [ volta ao texto ]

[11] Este tipo de empreendimento tornou rentáveis os lotes de até 15.000m² das Z1, que permitiam apenas 50% de construção de até uma vez a área do terreno. Em outras áreas, que permitem usos mistos, e índices de ocupação maiores, ou seja, a verticalização, estes tornam-se, muitas vezes, inviáveis. [ volta ao texto ]

[12] A revisão da legislação que permitiu a implantação de conjuntos horizontais causou, num primeiro momento, um aumento exacerbado nos preços dos terrenos grandes das Z-1, agora estabilizados. [ volta ao texto ]

[13] Na administração de 1989 a 1992, a prefeitura de São Paulo buscou sistematizar a implantação de Bolsões Residenciais, que bloqueavam algumas ruas, restringindo o acesso de carros, mas mantendo-as abertas ao público pedestre. Foi uma iniciativa considerada, muitas vezes, imbuída de princípios exclusivistas. [ volta ao texto ]

[14] Ver, a respeito, CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34 / Edusp, 2000 e Anuário estatístico do estado de São Paulo, publicação do Seade - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. [ volta ao texto ]

[15] CALDEIRA, op. cit., p. 115. [ volta ao texto ]

[16] O programa televisivo Globo Repórter de 25 de janeiro de 2002, aproveitando o clima de comoção nacional depois da morte violenta de uma personalidade pública, abordou o aumento da violência urbana, mostrando em rede nacional, os últimos lançamentos da arquitetura do medo. Inseguros nos seus carros blindados, e atrás de muros altos com cercas elétricas, monitorados 24 horas por dia, os paulistanos mais ricos estariam optando por bunkers. Por alguns milhões de reais, empresas especializadas estariam implantando, nas suas residências, abrigos com poucos metros quadrados, onde supostamente se está protegido contra ataques com armas de guerra.
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