Para
além do computador
Gabriela Carneiro, Marcelo Tramontano
Gabriela Carneiro é arquiteta e mestre em Arquitetura, professora de Design de Mídias Digitais na Fundação Armando Alvares Penteado, São Paulo, e pesquisadora do Nomads.usp sobre a produção de interfaces tangíveis.
Gabriela Carneiro is an architect and Master of Sciences in Architecture, teaching Digital Media Design at the Fundação Armando Alvares Penteado, San Paolo. She is a researcher at Nomads.usp on the production of tangible interfaces.
Marcelo Tramontano é arquiteto, Doutor e Livre-docente em Arquitetura, Professor Associado na Universidade de São Paulo e coordena o Nomads.usp.
Marcelo Tramontano is an architect, Doctor and Professor in Architecture, Associate Professor at the University of San Paolo, and directs Nomads.usp.
This paper presents the concepts of ubiquitous computing, augmented reality and tangible user interfaces aiming at fundamenting the activity of architects and designers concerned by the impacts of information and communication technologies on their design process, on the resulting products, as well as on users' everyday life. The paper focuses a way of thinking parallel to personal computers development one, suggesting applications of the digital information processing capacity in a broader context, including everyday life objects, buildings and urban environments.
Um dos pesquisadores interessados em divulgar a idéia de que o futuro da computação estaria na sua dispersão pelos lugares e objetos foi Mark Weiser, citado por diversos autores (MOGGRIDGE, 2007; SHARP, 2007; McCULLOUGH, 2004; GREENFIELD, 2006) como o criador da expressão Computação Ubíqua. No início dos anos 1990, no texto “ The computer for the 21st century ”, ele menciona sua busca, juntamente com os demais pesquisadores da Xerox PARC [1], em “conceber uma nova forma de pensar sobre os computadores no mundo, que leve em conta o ambiente natural humano e permita que os próprios computadores desapareçam no pano de fundo [2](WEISER, 1991:sp).
“Uma importante idéia era que o aparecimento da computação ubíqua (ou UbiComp, como é normalmente conhecida) mudaria radicalmente a forma como as pessoas pensam e interagem com computadores. Em particular, os computadores seriam projetados para serem parte do meio ambiente, incorporados em uma grande variedade de objetos, dispositivos e monitores. A idéia por trás da visão de Weiser era de que um aparato de computação ubíqua entraria no centro de atenção de uma pessoa quando necessário e se moveria para a periferia de sua atenção quando não necessário, possibilitando que a pessoa alterne atividades calmamente e sem esforço sem ter que descobrir como usar um computador ao cumprir suas tarefas. Em essência, a tecnologia não seria notável e desapareceria no pano de fundo. As pessoas seriam capazes de tocar suas vidas cotidianas, interagindo com a informação, comunicando e colaborando com outras pessoas sem serem distraídas ou frustradas pela tecnologia.” [3](SHARP, 2007:218-219)
Em seu artigo, Weiser conduz esse raciocínio por meio da exposição
de alguns princípios, da descrição de aspectos da infraestrutura
necessária e da narração de um cenário hipotético.
A idéia de uma computação ubíqua, segundo o autor,
baseia-se no seu entrelaçamento com a vida cotidiana de forma que uma
se torne indistinguível da outra, assim como acontece com a escrita.
A escrita, primeira tecnologia comunicativa, está presente no pano
de fundo do cotidiano nos livros, sinalização, placas, etc..
Weiser nota que esses elementos são trazidos para o plano da atenção
das pessoas apenas quando necessários, e acredita que o mesmo deveria
acontecer com a computação. Esse tipo de abordagem busca evitar
que a atenção das pessoas seja dividida entre a tecnologia e
a atividade principal. Para que a computação seja ubíqua,
da maneira como Weiser propõe, não basta que as pessoas possuam
notebooks e os levem a toda parte. Conforme aponta Paul Dourish:
"A interação com a tela e o teclado, por exemplo, tende a demandar nossa atenção direta; temos que olhar para a tela para ver o que estamos fazendo, o que implica olhar para além de qualquer outro elemento que esteja em nosso meio ambiente, inclusive outras pessoas. A interação com o teclado requer nossas mãos. O computador fica na mesa e também nos amarra à mesa." [4](DOURISH, 2004:27).
O ideal seria trazer a capacidade de computação de dados para
o mundo real ao invés de mantê-la fechada nas caixas que são,
em última instância, os computadores pessoais. Em termos de infra-estrutura
necessária, Weiser refere-se a centenas de pequenos computadores por
cômodo, sendo que o poder da ubiqüidade emergiria não de
objetos específicos e, sim, da interação e troca entre
eles. Exemplifica esses objetos a partir de idéias desenvolvidas com
seus colegas que compreendem um conjunto de superfícies display
em diferentes escalas: na escala da polegada (inchscale), na
escala do pé (footscale) e na escala da jarda (yardscale)
[5].
Para ilustrar a idéia de computação ubíqua, ele cria, no artigo, um cenário cotidiano e relata um dia na vida de uma mulher fictícia chamada 'Sal'. Entre outros objetos, descreve o despertador que, ao tocar, verifica se Sal quer café e, caso ela assinale afirmativamente, o despertador se conecta com a cafeteira na cozinha que providencia seu preparo. O autor apresenta também canetas com a capacidade de capturar imagens, com ela fragmentos de notícias de jornais ou trechos de livros e revistas podem ser salvos em arquivos para serem posteriormente compartilhados. Vários outros exemplos são descritos, todos de objetos baseados no emprego de tecnologias relativamente baratas, sempre conectados em rede, dotados de software específico para aplicações ubíquas.
Adam Greenfield, em seu livro “Everyware: the dawning age of ubiquitous computing”, chama a atenção para o fato de que essa tendência de dispersão está, desde há muito, presente em diversas iniciativas. Termos como intelligent ambience, reactive environment, wearable computing, augmented reality, entre outros, são constantemente utilizados para designar diferentes focos e aplicações da tecnologia. Greenfield aponta que essas áreas consistem nas inúmeras configurações que a computação ubíqua vem assumindo, lembrando que todas são indistinguíveis a partir da perspectiva do usuário leigo. Ele propõe então o termo everyware para designar o paradigma único que este conjunto de iniciativas representa. Sem dar um nome a esse fenômeno, Bill Moggridge (2007, p.639) o descreve ao dizer que:
“Tudo isto se combina para indicar uma maneira futura que conecte o físico e o digital, e que nos ofereça a chance de projetar interações cheias de riquezas de forma e movimento, libertando-nos do sentimento de estarmos limitados por nossos dispositivos computacionais.” [6].
Em 1997, Hiroshi Ishii, professor do Tangible Media Group [7], do Massachussets Institute of Technology, MIT, escreveu um artigo com Brigg Ulmer descrevendo alguns projetos desenvolvidos pelo grupo e associando-os ao que denominam Tangible User Interfaces, TUI, ou interfaces tangíveis, em português. As interfaces tangíveis representam outra forma de exploração da computação que vai além das interfaces gráficas (Graphic User Interfaces, GUI). Partem da constatação de que “as interações entre as pessoas e o ciberespaço estão amplamente confinadas a tradicionais caixas baseadas em interfaces gráficas, instaladas em computadores de mesa ou laptops. As interações com estas GUI estão separadas do ambiente físico no qual vivemos e interagimos” [8](ISHII; ULLMER, 1997:1).
Por mais que o mouse e o teclado sejam objetos que possibilitam o controle das informações através da manipulação dos elementos das interfaces gráficas de forma maleável e flexível, suas características tão genéricas os impedem de estabelecer relações mais significativas com as representações gráficas dos bits na tela. Segundo Ishii, a idéia básica das interfaces tangíveis é a de dar uma forma física, uma representação tangível à informação e computação “tirando vantagem dos múltiplos sentidos e da multimodalidade das interações humanas com o mundo real. Nós acreditamos que a utilização de objetos empunháveis e mídia ambiente nos levará a uma experiência multisensorial da informação digital” [9](ISHII; ULLMER, 1997:8).
Essa abordagem, segundo Ishii, foi inicialmente influenciada pela riqueza encontrada nos instrumentos e objetos históricos de medição, tais como bússolas e ábacos, cujos mecanismos de funcionamento são, hoje, geralmente substituídos pelo processamento digital da informação. Ishii argumenta que o fato de esses antigos objetos poderem ser tocados e manipulados estimulava uma linguagem rica, que valorizava a interação tátil com os objetos e com a informação.
A abordagem do Tangible Media Group passou, então, a olhar para o futuro das tecnologias da informação e comunicação a partir do que teria sido negligenciado pelo advento do computador pessoal, como, por exemplo, a habilidade de manipulação e de percepção periférica das pessoas. As interfaces tangíveis tratam, assim, da interseção entre o mundo concreto e o mundo digital de maneira mais suave, “desenvolvendo meios de tornar os bits acessíveis através do ambiente físico” [10](ISHII; ULLMER,1997:2).
Segundo os autores, essa perspectiva é baseada nos escritos de Weiser mas diferencia-se da abordagem de computação ubíqua proposta por ele na medida em que: “Enquanto esta abordagem [a da computação ubíqua] tem claramente seu espaço, nosso interesse reside em olhar para a abundância de dispositivos físicos ricamente produzidos nos últimos poucos milênios e inventar maneiras de reaplicar estes elementos de 'mídias tangíveis' ampliadas pela tecnologia digital. Portanto, nossa visão não é a de tornar os ‘computadores' ubíquos per se, mas, ao contrário, despertar para a mediação computacional de objetos físicos, instrumentos, superfícies e espaços ricamente produzidos, talvez tomando mais emprestado das formas físicas da era pré-computador do que das formas do presente.” [11](ISHII; ULLMER, 1997: 3)
Em
um artigo mais recente, Ishii introduz os conceitos básicos das interfaces
tangíveis acompanhados por uma variedade de tipos de aplicações
nas quais podem ser empregadas e desenvolvidas. Mesmo onze anos depois do
seu primeiro artigo, o autor considera que “as interfaces tangíveis
ainda estão na sua infância [seu estágio inicial de desenvolvimento],
é necessária pesquisa extensiva para identificar aplicações
prodigiosas, conjuntos flexíveis de ferramentas TUI, e um
conjunto de princípios fortes” [12](ISHII,
2008, p. xxiii). Um olhar direcionado a compreender, analisar e propor aplicações
para as interfaces tangíveis precisa ter claro que elas “servem como
uma interface de finalidades especiais para aplicações específicas
que utilizam formas físicas evidentes, enquanto as interfaces gráficas
funcionam como interfaces de finalidades genéricas, implementando várias
ferramentas por meio da utilização de pixels em uma tela” [13](ISHII,
2008, p. xvi).
Ishii apresenta em seu artigo sete gêneros de aplicação
das interfaces tangíveis, exemplificados tanto com projetos do próprio
grupo quanto por propostas externas que sugerem as mesmas questões.
Uma passagem rápida sobre cada um deles ajuda a organizar os diversos
caminhos passíveis de serem explorados pela perspectiva das interfaces
tangíveis:
[1] A Telepresença Tangível (Tangible Telepresence) refere-se às explorações da comunicação interpessoal a partir de interações táteis, transformando inputs táteis em representações táteis remotas;
[2] Os Tangíveis com Memória Cinética (Tanglibles with Kinetic Memory) consistem em objetos com a capacidade de gravar e repetir estímulos físicos. Podem ser utilizados para o ensino de conceitos relevantes de programação e matemática por meio da análise da transformação de movimentos simples em comportamentos complexos;
[3] O gênero da Montagem Construtiva (Constructive Assembly) trabalha com a interconexão de elementos físicos modulares. Este campo das interfaces tangíveis preocupa-se com a ligação física de peças que podem dar forma a variedades de composições e movimento;
[4] O gênero Símbolos e Limitações (Tokens and Constraints) refere-se à utilização de pequenos objetos espacialmente reconfiguráveis que representam informações ou operações digitais (tokens), combinados com locais específicos, estruturas físicas (constraints), nos quais são colocados;
[5] As Superfícies Interativas (Interactive Surfaces ou Tabletop TUI) são um gênero promissor que reúne superfícies de exibição e objetos. Na medida em que os objetos são manipulados, seus movimentos são captados e o feedback visual é fornecido pela própria superfície na qual o objeto se apóia. Atualmente, pesquisas estão sendo desenvolvidas para fazer com que elas também sejam capazes de movimentar os objetos;
[6] As pesquisas em TUI Plásticas (Continuous Plastic TUI) utilizam materiais maleáveis, tais como massa de modelar e areia como interfaces tangíveis;
[7] O trabalho com Objetos Quotidianos Aumentados (Augmented Everyday Objects) consiste na utilização de objetos tradicionais e na manipulação das suas características por meio da adição da informação digital.
É importante perceber que essa classificação não
tem como objetivo definir categorias estanques para as diferentes proposições.
Ela apenas assinala possíveis caminhos a partir da perspectiva das
interfaces tangíveis. Entre os diferentes gêneros, Ishii aponta
o trabalho com objetos quotidianos aumentados como o mais promissor para os
designers e artistas, pois aborda diretamente o envolvimento de artefatos
físicos cotidianos com as tecnologias digitais (ISHII, 2008, p.xx).
Fig.
1-2:
I/O Brush ( Tangible Media Group , 2003-2006)
Fonte: <http://web.media.mit.edu/%7Ekimiko/iobrush/>
O
projeto I/O Brush (Fig. 1-2), desenvolvido pelos pesquisadores
Kimiko Ryokai, Stefan Marti e Hiroshi Ishii, ilustra bem essa perspectiva.
Segundo descrição disponível no website da
proposta [14] o
I/O Brush é uma nova ferramenta de desenho que explora as cores,
texturas e movimentos encontrados em materiais e objetos cotidianos. Para
isso, o pincel é dotado de uma pequena câmera de vídeo
com luzes e pequenos sensores acoplados no seu interior que captam características
do ambiente que se tornam a “tinta” com a qual é possível
desenhar em uma superfície específica. Com isso os usuários
conseguiriam controlar e compreender conceitos abstratos através
da construção de significados, pela exploração
de objetos familiares.
Segundo
os pesquisadores relatam, “Ao usar o I/O Brush , as crianças
não apenas produziram desenhos complexos como também exploraram
objetos e materiais ao seu redor. Durante o processo, conversaram explicitamente
sobre os elementos e princípios do design, tais como cor,
textura e movimento. Apesar do resultado de seus trabalhos de arte ter sido
sintético e digital, o processo envolveu a busca e a interação
com vários objetos físicos, os quais estão disponíveis
e são significativos em suas vidas.” [15]
(RYOKAI; MARTY; ISHII, 2004, p.7)
Apesar de sedutoras, certos cuidados precisam ser tomados com essas abordagens.
Por exemplo, em um artigo dedicado especificamente à abordagem de
Weiser sobre a computação ubíqua, Augustin Araya menciona
algumas preocupações que julga serem tão importantes
quanto a projeção de possibilidades tecnológicas em
cenários futuros. Araya faz algumas críticas e defende que
as propostas de Weiser não se justificam pelas necessidades e atividades
dos usuários e sim pela própria tecnologia:
“Levando
em consideração a prioridade dada à tecnologia acima
das necessidades, a sugerida penetração massiva na vida cotidiana
por um tipo particular de tecnologia, a tentativa de imergir tecnologia
no pano de fundo como forma de ultrapassar a resistência a ela, e
o fato de que esses desenvolvimentos não são questionados
e sim vistos como absolutos, caracterizamos o pensamento que permeia a computação
ubíqua como uma forma emergente de absolutismo tecnológico.”
[16](ARAYA, 1995,
p.236)
Para Araya, o que falta é uma preocupação sobre os
efeitos que essa tecnologia teria no quotidiano. Aspectos relacionados com
as transformações da vida na qual a computação
ubíqua é inserida e como essas transformações
afetam a forma como o mundo se mostra para as pessoas, as pessoas para o
mundo, e como dialogam entre si, devem ser cuidadosamente tratados. Desse
modo, os fatores que conduzem uma proposta tecnológica, ou seja,
como o pensamento por trás dela a justifica, devem ter a mesma importância
das soluções e possibilidades alcançadas. Diante desse
quadro, mais importante que analisar profundamente as capacidades técnicas
é perceber o universo de possibilidades que se abre em termos de
meios de expressão e projeto.
Nos limites do presente artigo, a principal contribuição do artigo escrito por Weiser e da abordagem do Tangible Media Group reside na ilustração de possibilidades e caminhos que podem ser seguidos para se pensar em usos dessas tecnologias para além do computador. Segundo Weiser, “nenhuma revolução na inteligência artificial é necessária – apenas a acomodação apropriada dos computadores no mundo cotidiano” [17](WEISER, 1990, sp).
Apesar de parecer recente para muitos, a idéia de se inserir experimentalmente computação na concepção de objetos e espaços físicos coexiste, há muito, com o desenvolvimento da máquina. Já nos anos 1970, Myron Krueger, precursor da chamada vídeo-arte, realizou diversos experimentos buscando entender e expressar a essência do computador em termos humanísticos. A partir da interação dos espectadores de suas obras com vídeos projetados em grandes superfícies, construía ambientes responsivos [18] à presença, posição e movimento das pessoas. Utilizava técnicas híbridas para a conexão de ambientes remotos e, assim, pessoas situadas em locais distintos eram capazes de interagir ao mesmo tempo em que suas imagens eram captadas e projetadas. Com essas obras, Krueger buscava ultrapassar explorações funcionais desse meio. Sobre seus experimentos, ele escreveu:
Fig. 3-4: Videoplace (Myron Krueger, 1970s).
Fonte: <http://www.virtualart.at/common/viewWork.do?selected=0&id=619>.
“Estamos incrivelmente acostumados com a idéia de que o único
propósito de nossa tecnologia é resolver problemas. Ela também
cria conceitos e filosofia. Devemos explorar mais plenamente esses aspectos
de nossas invenções, pois a próxima geração
de tecnologia irá se comunicar conosco e perceberá nossos
comportamentos. A tecnologia irá entrar em cada residência
e escritório e intercederá entre nós e a maioria da
informação e experiência que recebemos. O design
de tal tecnologia tão íntima é uma questão
estética tanto quanto de engenharia. Devemos reconhecer isto se desejarmos
entender e escolher em quem nos transformaremos como resultado do que teremos
feito.” [19]
(KRUEGER, 1977, p. 389)
De certa maneira, as experiências de Krueger foram limitadas por aspectos
técnicos, mas pode-se dizer que sua visão foi além
do seu tempo ao atentar para o momento em que essas dificuldades seriam
superadas e para as possibilidades que ainda estavam por vir. Sua contribuição
se deu em especial no campo da arte computacional interativa, no qual introduziu
a idéia de um artista criador de espaços inteligentes e responsivos.
Na obra Videoplace, de 1970 (Fig. 3-4), elaborou um ambiente no
qual o computador replicava aos gestos da sua audiência, interpretando
e mesmo antecipando suas ações. Os diferentes usuários
tinham a sensação de poder tocar o corpo projetado um do outro,
assim como podiam manipular objetos gráficos estranhos e organismos
animados que apareciam na tela. Restritas às salas de exposição,
essas obras utilizavam diversos sensores mas a resposta aos estímulos
limitava-se, na sua maioria, aos sentidos visual e auditivo.
A situação atual é outra. Percebe-se, no início
do século XXI, um crescente interesse de designers, arquitetos
e profissionais das mais diversas áreas em explorar o uso das TIC.
Assim como Krueger fez no seu tempo, o trabalho desses contemporâneos
procura integrar possibilidades oferecidas e aspectos cotidianos, e criar
uma diversidade de possibilidades, definições e pensamentos,
resultantes da experimentação alternativa do meio digital.
Segundo Greenfield:
“O que estamos contemplando aqui é a extensão das capacidades de sentir, processar e conectar em rede informações para classes inteiras de coisas, nunca antes imaginadas como ‘tecnologia'. Pelo menos, não temos pensado nelas desta forma durante muito, muito tempo: falo de artefatos tais como roupas, mobiliário, paredes e corredores.” [20](GREENFIELD, 2006, p.18-19)
A atual disponibilidade de uma grande variedade de recursos informatizados,
passíveis de serem utilizados para capacitar objetos, espaços
e edifícios com a aptidão de processar informações,
exige dos designers e arquitetos a construção de
novas práticas frente ao uso das chamadas tecnologias digitais. Dentro
do amplo processo do desenvolvimento tecnológico de uma sociedade,
o campo do conhecimento das Ciências Humanas desempenha um papel importante
na antecipação de cenários futuros. Os designers,
arquitetos e mesmo artistas são profissionais aptos a oferecer perspectivas
críticas e não-reducionistas que se contrapõem à
tendência utilitarista dominante das possibilidades técnicas.
Nesse contexto, dentre os diversos temas emergentes na área das ciências
da computação, a idéia de computação
ubíqua, realidade aumentada e interfaces tangíveis devem ser
entendidas como conceitos importantes colocados pelo panorama técnico
da contemporaneidade. A compreensão da dimensão transdisciplinar
desses temas e sua experimentação por designers
e arquitetos pode fornecer uma percepção mais fundamentada
dos fenônemos tecnológicos do início do século
XXI, assim como auxiliar na extração de direções
para a ação no mundo contemporâneo.
Referências
bibliográficas
ARAYA, Augustin A., (1995), Questioning Ubiquitous Computing. ACM
Conference on Computer Science. ACM: 230-237.
DOURISH, Paul, (2004), Where the action is: the foundations of embodied
interaction. Cambridge, MA: The MIT Press.
GREENFIELD, Adam, (2006), Everyware: the dawning
age of ubiquitous computing. Berkeley, CA: NewRiders.
ISHII, Hiroshi; ULLMER, Brygg, (1997), Tangible bits: towards seamless
interfaces between people, bits and atoms . Proceedings of CHI
'97. ACM 1: March 22-27.
ISHII, Hiroshi, (2008), Tangible bits: beyond pixels. Bonn,
Germany: Proceedings of the Second International Conference on Tangible
and Embedded Interaction (TEI'08), Feb 18-20.
ISHII, Hiroshi; MAZALEK, Ali; LEE, Jay, (2004), Bottles as a minimal
interface to access digital information. In CHI'01 Extended
Abstracts , ACM Press, p. 187-188.
KRUEGER, Myron, (1977), Responsive environments. In
: WARDRIP-FRUIN, Noah; MONTFORT,Nick (ed.). The New Media Reader. Cambridge,
MA: The MIT Press: 2003. p. 379-398. Do original: AFIPS 46 National Computer
Conference Proceedings, 423-433. Montvale, N.J.: AFIPS Press.
MOGGRIDGE, Bill, (2007), Designing interactions . Cambridge,
MA: The MIT Press.
SHARP, Helen; ROGERS, Yvonne; PREECE, Jenny, (2007), Interaction
design: beyond human-computer interaction. 2 a Ed. England: John
Wiley& Sons.
WEISER, Mark, (1991), The computer for the 21st century .
In: ScientificAmerican, 265:66–75.
Como
citar esse documento . How to quote this document:
CARNEIRO, G., TRAMONTANO, M Para além do computador. V!rus, São Carlos, n.2, 2 sem. 2009. Disponível em
<http://www.nomads.usp.br/virus/v2/html/artigos_nomads/carneiro.php>. Acessado em
03/05/2025 .
[1]
Xerox PARC – Palo Alto Research Center.
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[2] Do original: “ to
conceive a new way of thinking about computers in the world, one that takes
into account the natural human environment andallows the computers themselves
to vanish into the background . ”(WEISER, 1991:sp) [voltar
para o texto]
[3]
Do original: “ A main idea was that the advent of ubiquitous computing
(or UbiComp as it is commonly known) would radically change the way people
think about and interact with computers. In particular, computers would be
designed to be part of the environment, embedded in a variety of everyday
objects, devices and displays. The idea behind Wiser's vision was that a ubiquitous
computing device would enter a person's center of attention when needed and
move to the periphery of their attention when not, enabling the person to
switch calmly and effortlessly between activities without having to figure
out how to use a computer in performing their tasks. In essence, the technology
would be unobtrusive and largely disappear into the background. People would
be able to get on with their everyday and working lives, interacting with
information and communicating and collaborating with others without being
distracted or becoming frustrated with technology .” (SHARP, 2007:218-219)
[voltar para o texto]
[4] Do original: “ Interaction
with screen and keyboard, for instance, tends to demand our direct attention;
we have to look at the screen to see what we're doing, which involves looking
away from whatever other elements are in our environment, including other
people. Interaction with the keyboard requires both o four hands. The computer
stand by the desk and tiés us by the desk, too .” (DOURISH, 2004:27)
[voltar para o texto]
[5]
Inch , foot e yard são
as unidades do sistema americano de medidas e correspondem, respectivamente,
a 2,54 cm, 30.48 cm e 91,44 cm.
[voltar
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[6] Do original: “ This
all combines to indicate a way forward that connects the physical and digital,
and offers us the chance to design interactions that are full of the richness
of form and movement, freeing us from the feeling of being constrained by
our computing devices .” (MOGGRIDGE, 2007:639)
[voltar para o texto]
[7] Informações
sobre todos os projetos do Tangible Media Group , tal como vídeos
e artigos podem ser acessados no web-site do grupo: <http://tangible.media.mit.edu/>.
(Acesso em 16/10/2008) [voltar
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[8] Do original: “ The
interactions between people and cyberspace are now largely confined to traditional
GUI (Graphical User Interface)-based boxes sitting on desktops or laptops.
The interactions with these GUIs are separated from the ordinary physical
environment within we live and interact .” (ISHII, 1997: 1) [voltar
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[9] Do original: “ Taking
advantage of multiple senses and the multimodality of human interactions with
the real world. We believe the use of graspable objects and ambient media
will lead us to a much richer multi-sensory experience of digital information
.” (ISHII, 1997:8)
[voltar
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[10] Do original: “ developing
ways to make bits accessible through the physical environment .” (ISHII,
1997, p.2)
[voltar para o texto]
[11] Do original: “ While
this approach clearly has a place, our interest lies in looking towards the
bounty of richly-afforded physical devices of the last few millenia and inventing
ways to reapply these elements of “tangible media” augmented by digital technology.
Thus, our vision is not about making ‘computers' ubiquitous per se, but rather
about awakening richly-afforded physical objects, instruments, surfaces, and
spaces to computational mediation, borrowing perhaps more from the physical
forms of pre-computer age than the present .” (ISHII; ULLMER, 1997: 3)
[voltar para o texto]
[12] Do original: “ TUI
is still in its infancy, and extensive research is required to identify the
killer application, scalable TUI toolkits, and a set of strong principles
.” (ISHII, 2008, p.xxiii) [voltar
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[13] Do original: “ Tangible
User Interface serves as a special purpose interface for a specific application
using explicit physical forms, while GUI serves as a general purpose interface
by emulating various tools using pixels on a screen .” (ISHII, 2008,
p. xvi)
[voltar para o texto]
[14]
Uma descrição detalhada do projeto I/O
Brush, assim como vídeos e artigos, podem ser encontrados no web-site
: <http://web.media.mit.edu/%7Ekimiko/iobrush/>. (Acesso em 07/01/2008)
[voltar
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[15] Do original: “ Using
I/O Brush, children not only produced complex drawings, but they also explored
objects and materials that surround them, and during the process, explicitly
talked about the elements and principle of design such as color, texture,
and movement. Although the outcome of their artwork was synthetic and digital,
the process of their work involved searching for and interacting with many
physical objects that are available and meaningful to them in their life .”
(RYOKAI; MARTY; ISHII, 2004, p.7)
[voltar para o texto]
[16] Do original: “ Taking
into account the primacy given to technology over needs, the proposed massive
penetration of everyday life by a particular kind of technology, the attempt
to immerse technology into the background partially as a way to bypass resistance
to technology, and the fact that these developments are not questioned but
regarded as absolute, we characterize the thinking underlying Ubiquitous Computing
as an emerging form of technological absolutism .”(ARAYA, 1995, p. 236)
[voltar
para o texto]
[17]
Do original: “ no revolution in artificial intelligence
is needed – just the proper imbedding of computers into the everyday world
” (WEISER, 1990, sp). [voltar
para o texto]
[18] O termo ‘responsivo'
é utilizado como tradução da palavra inglesa responsive,
bastante utilizada por diversos autores para se referir aos ambientes e objetos
dotados da capacidade interpretar digitalmente as ações das
pessoas e responder a elas.
[voltar
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[19] Do original: “ We
are incredibly attuned to the idea that the sole purpose of our technology
is to solve problems. It also creates concepts and philosophy. We must more
fully explore these aspects of our inventions, because the next generation
of technology will speak to us, and perceive our behavior. It will enter every
home and office and intercede between us and much of the information and experience
we receive. The design of such intimate technology is an aesthetic issue as
much as an engineering one. We must recognize this if we are to understand
and choose what we become as a result of we have made .” (KRUEGER, 1977,
p.389) [voltar
para o texto]
[20] Do original: “ What
we're contemplating here is the extension of information-sensing, -processing,
and –networking capabilities to entire classes of things we've never before
thought of as ‘technology'. At least, we haven't thought of them that way
in a long, long time: I'm talking about artifacts as clothing, furniture,
walls and doorways .”(GREENFIELD, 2006, p.18-19)
[voltar
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.