de objetos interativos a sistemas de arquitetura estendida: escutando usman haque
from interactive objects to systems of extended architecture: listening to usman haque

anja pratschke

Procuramos Usman Haque no final de uma estadia de vários meses em Londres em que realizamos uma pesquisa de Pós-Doutorado sobre a relevância atual da cibernética de segunda ordem no processo de design. Ele concordou em nos receber em seu novo espaço de trabalho, no leste de Londres, situado em um armazém desativado e transformado em ateliers e escritórios. É onde está sendo desenvolvido, sob sua direção, o projeto Pachube, explicado mais em detalhe no final desse relato.



Espaço de trabalho da equipe do projeto Pachube [A]

Usman Haque é formado pela Bartlett School of Architecture da University College of London. Lá, conheceu a cibernética de segunda ordem, um método de organização de informação e comunicação, através do Prof. Dr. Ranulph Glanville, designer e Ciberneticista, que por sua vez foi aluno dos ciberneticistas Heinz von Foerster e Gordon Pask. No curso, explorava os princípios da teoria em exercícios de projeto, inclusive em seu trabalho final de graduação, intitulado Moody Mushroom Floor, no atelier de projeto Unit 14, dirigido pelo professor Stephen Gage.

Desde a faculdade, desenvolve instalações, ambientes interativos, projeta sistemas arquitetônicos que ele chama de expandidos. Diferencia reatividade e interatividade nas suas propostas de intervenção, através da exploração de conceitos da cibernética como circularidade e possibilidades de feedback, que permitem a reconfiguração e o diálogo entre as partes envolvidas, ampliando possibilidades de relações entre pessoas e o espaço à volta.

Usman Haque durante a entrevista [B]

Conhecemos os projetos de Usman Haque em 2006, quando ele foi convidado a expor no evento 'Emoção art.ficial 3.0', no Instituto Cultural Itaú, em São Paulo. Sua instalação Evolving Sonic Environments, realizada em co-autoria com Robert Davies, apresentava vários dispositivos que se comunicavam através de ondas ultra-sônicas.

Os autores desse ambiente brincam com o usuário explorando fronteiras dos limites da audição humana para perceber as vibrações que surgem entre os dispositivos. Paralelamente, graças a um sistema de visualização, as informações são projetadas em um telão que, para desespero do visitante interator, encontra-se no exterior do ambiente. É aqui que se encontra a brincadeira provocativa, prestando homenagem a uma das referências de Haque, o formulador da cibernética de segunda ordem, Norbert von Foerster, que introduz o papel do observador da observação da experiência.

O visitante dessa instalação nunca consegue vivenciar a experiência de forma plena. Ou ele se situa dentro do espaço do ambiente sônico envolvente, esforçando-se para perceber as alterações, ou ele se encontra fora do ambiente, percebendo as alterações através dos impulsos visuais no telão, mas não fazendo parte da interação que acontece dentro. A instalação torna visível diferentes camadas de observação e interação possíveis entre ambiente, dispositivos e o interator em potencial, convidando esse último a lançar um olhar interativo e revisor que a sobreposição de diversas tecnologias no conjunto da instalação permite, assim questionando as próprias limitações da observação.

Usman Haque e sua equipe bebem em várias fontes para fundamentar as estratégias de intervenções que realizaram ao longo dos últimos anos, e que provocam surpresas e espanto quando apresentadas ao público. Elas introduzem um frescor através da abordagem inovadora dos projetos, por mesclar tecnologias de informação e comunicação, eletrônica, programação computacional, computação portátil ou ubíqua, mas também a exploração de conceitos novos em interação e conscientização contextual.

As tecnologias utilizadas deverão permitir uma compreensão alterada de espaço e de mudança de como nos relacionamos com ele. Nas palavras do próprio Haque,

"Nós não mais pensamos na arquitetura como estática e imutável; em vez disso, a vemos como dinâmica, responsiva e conversante. Nossos projetos exploram algo desse território." [1]

Diagrama de relações, desenhado por Usman Haque durante a entrevista [C]

Suas referências em relação ao uso da cibernética são o pensamento de Heinz von Foerster, ciberneticista de segunda ordem, Ernst von Glaserfeld, construtivista radical, Edith Ackermann, educadora piagista, e Humbero Maturana e Francisco Varela, conhecidos hoje pela teoria da complexidade. Para elaborar os sistemas, baseia-se nos princípios introduzidos pelo ciberneticista Gordon Pask, formulados em partes em sua publicação "Teoria da Conversação", convidando o usuário dos sistemas criados a conversar com o contexto.

Haque dá como exemplo o ambiente da Wikipedia, enciclopédia multilíngüe online, livre e colaborativa, cujo conteúdo é criado pelos usuários que também decidem e mudam as regras. Há também alguns jogos de vídeo que permitem construir um jogo dentro do jogo. Para ele, a questão central encontra-se na compreensão do próprio sistema, que não é nada além de um conjunto de relações, estabelecidas pelo[s] observador[es].

Outro exemplo de explorar conceitos da interatividade entre pessoas e dispositivos é o projeto SkyEar, de 2004, propondo uma nuvem de fibra de carvão rígida composto por mil balões de hélio iluminados e algumas dúzias de celulares. Os balões mudam de cores que piscam enquanto levantam vôo a até 100 metros do chão, acima do público , que acompanha o movimento e os sons produzidos através da captação de campos magnéticos. Micro-sensores dentro dos balões acionam leds de seis cores, que, por sua vez, formam grandes texturas coloridas.

Segundo Haque, a interação altera o campo topográfico hertziano. "Esses distúrbios no campo electromagnético dentro da nuvem modificam a textura brilhante da nuvem de balões. O feedback dentro da rede de sensores cria conjuntos de luz resultando em trovões e raios de luz.”

Em SkyEar, a interação entre balões torna visível como o conjunto de celulares, rádios e campainhas criam novos campos magnéticos, cujos sons podem ser captados através dos celulares dos participantes.




Skyear: video

Atualmente, Usman Haque dedica todo o seu tempo à direção do projeto Pachube, que rompe com uma longa história de produção de instalações e sistemas que exploraram aspectos festivos e de interatividade. De fato, esse novo projeto demonstra um salto à frente dos desenvolvimentos atuais em ambientes interativos, passando pela revisão do que é arquitetura na era digital.

A proposta do projeto Pachube parte dos princípios da internet de distribuir dados em formatos diversos, só que, no lugar de textos, imagens ou filmes, a plataforma propõe supervisionar e disponibilizar, a usuários cadastrados, dados ambientais em tempo real através de sensores conectados à rede.

Diagrama do sistema-interface Pachube [D]

Inspirado pelo projeto Cybersyn, desenvolvido por Stafford Beer [ciberneticista inglês, da área de Administração] para o governo Salvador Allende, no Chile, nos anos 1970, Pachube parte da idéia de um planeta reconfigurável. Plugado em um sistema generalizado, ele cria a conexão arquitetônica através da diversidade de dados, e, assim, propõe um novo formato de arquitetura – que o autor chama de arquitetura estendida. Ele explica o projeto da seguinte maneira:

“Como uma plataforma de negociação generalizada em tempo real, o objetivo central é o de facilitar a interação entre ambientes remotos, tanto físicos quanto virtuais. Além de poder ser usado por possibilitar conexões diretas entre qualquer dos dois tipos de ambiente, pode ser também usado para facilitar conexões entre muitos, como um “patch bay” físico [telephone switchboard]. Pachube permite que qualquer projeto participante conecte-se com qualquer outro projeto participante em tempo real; assim, por exemplo, prédios, ambientes interativos, medidores de energia via rede, mundos virtuais e dispositivos móveis de dispositivos, todos podem 'falar' e 'responder' um para o outro.” [2]




Pachube: video


A plataforma se encontra em fase de avaliação e o cadastro para participar dela é gratuito, no site do Projeto Pachube.


Quero agradecer a Usman Haque pelas informações e pelo tempo precioso que nos disponibilizou. Também estiveram presentes na entrevista Alma Pratschke Tramontano, que contribuiu com questões, e Guto Requena, Arquiteto e ex-crew Nomads.usp.

 


REFERÊNCIAS

[1] “We no longer think of architecture as static and immutable; instead we see it as dynamic, responsive and conversant. Our projects explore some of this territory.” In http://www.haque.co.uk/, acessado em 25.09.2009. [voltar ao texto]

[2] In: community.pachube.com/about, acessado em 25.09.2009. [voltar ao texto]


IMAGENS

[A], [B], [C] Imagens de Alma Pratschke Tramontano [voltar ao texto]

[D] In http://www.haque.co.uk/pachube.php, acessado em 25.09.2009. [voltar ao texto]


MAIS INFORMAÇÕES SOBRE USMAN HAQUE E SEU TRABALHO

Entrevista na revista AU, edição 149, agosto 2006.
Blog sobre Pachube, acessado em 25.09.2009: http://community.pachube.com/
Site de Haque: Design + Research: www.haque.co.uk

 

 

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Anja Pratschke é arquiteta, doutora em ciências da computação e Professora Doutora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP. Participa da coordenação do Nomads.usp, e pesquisa processos de design e cultura digital.

Anja Pratschke is an architect DPLG, PhD in Computer Sciences and full time Professor at the University of Sao Paulo in the Department of Architecture and Urbanism. She participates in the coordination of Nomads.usp and her research interests are in the relation between design processes and digital culture.

We met Usman Haque, designer of architectural systems and director of Haque, design + research, this summer 2009 in his new office in East London. The reason was to discuss the relation of his projects with second order cybernetics. He presented us his formation background, his references and new interests in proposing open architectural systems, which are able to reconfigure and allow to interconnect people, devices and places. The ongoing project Pachube developed by his crew is shortly presented here.

 

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Como citar esse documento . How to quote this document:
PRATSCHKE, A. De objetos interativos a sistemas de arquitetura estendida: conversa com Usman Haque.V!RUS, São Carlos, n.2, 2 sem. 2009.Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus02/entrevista/pratschke.php>. Acessado em 27/04/2024.

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