Diego Fagundes da Silva é arquiteto e urbanista. Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade. É um dos fundadores do hackerspace Tarrafa Hacker Clube. Estuda arquitetura, design, ilustração e projetos artísticos envolvendo exposições e intervenções de arte pública.

Erica Azevedo da Costa e Mattos é arquiteta e urbanista. Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade. Co-fundadora do hackerspace Tarrafa Hacker Clube. Estuda interfaces da Arquitetura e do Urbanismo com tecnologias emergentes e em processos colaborativos de criação e aprendizagem.

Romullo Baratto Fontenelle é arquiteto e urbanista. Estuda cinema, mídias, arte urbana, espaço público, instalações.

Como citar esse texto: SILVA, D. F; MATTOS, E. A. C.; FONTENELLE, R. B. Hack [public space]. V!RUS, São Carlos, n. 10 [online], 2014 Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus10/?sec=7&item=1&lang=pt>. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Resumo

A forma como interagimos como cidadãos em um novo cenário global e local está transformando a maneira como produzimos nossas cidades, como nos relacionamos enquanto indivíduos e como atribuímos valor ao produto de nosso trabalho. Utilizamos as ferramentas digitais disponíveis para criar novos territórios físicos e virtuais, suporte de nossas atividades e necessidades. Conceitos como Open source e crowdsource são manifestações de nossa busca incessante por adaptação. Arquitetos, designers e outros produtores culturais são vistos, nesse contexto, como fomentadores de projetos com os quais, além de contribuir com suas habilidades específicas, podem, também pesquisar, inventar e utilizar formas alternativas de ação.

Nossa proposta representa uma reação frente a esse contexto desenhado por inúmeras forças. Articulamos nosso discurso em torno de 3 elementos: dinheiro, tempo e espaço, para sugerir um mecanismo de empoderamento, uma forma de assumir o controle, ou simplesmente uma estratégia de sobrevivência. Propomos a criação de uma moeda associada ao tempo, uma plataforma digital para sua mediação e infraestruturas físicas para servirem de suporte às atividades produtivas. O tempo de alguém é contabilizado pelo sistema digital vinculado às plataformas físicas que compõem um sistema complexo espalhado pela cidade.

Contexto

Nos últimos anos, temos assistido ao surgimento de novas formas de intercâmbio econômico e comercial, como o crowdsourcing (HOWE, 2009), as moedas sociais (SCHUMACHER, 1989; FREIRE, 2011), ou os bancos de tempo (CAHN, 2011), todos com base e suporte de redes que atuam em âmbito simplesmente local ou de forma global e mais abrangente. Da mesma maneira, uma nova estrutura de construção de conhecimento baseada nos ideais open source (“History of the OSI”, 2012) e do it yourself tem repercutido em diversas áreas, desde as ciências exatas até as ciências sociais aplicadas, artes e comunicação, gerando novas dinâmicas e trocas criativas. Poderiam essas experiências ser entendidas como sintomas de mudanças sociais mais profundas? Elas podem ser tomadas por nós, arquitetos, designers e planejadores urbanos, como parte integrante de práticas que irão definir, futuramente, tanto novas formas de sociabilidade como novas formas de produção e concepção espacial? Dentro da proposta “Do It Yourself!”, tema da presente edição da revista V!RUS, como podemos conceber, de forma colaborativa e horizontal, essas novas realidades sociais e econômicas?

A forma como interagimos como cidadãos nesse novo cenário está transformando a maneira como encaramos também as questões públicas, como fazemos uso das ferramentas digitais disponíveis e como criamos novos territórios físicos e virtuais para nossas próprias atividades e necessidades. Nesse contexto somos impelidos a constantemente questionar nossas ações e buscar alternativas. O tratado “A condição humana” de Hannah Arendt descreve a ação como um catalisador necessário à condição plural humana, expressão tanto do âmbito público como individual. Essa leitura da ação requer liberdade para nos movermos em direção a um projeto coletivo, ao mesmo tempo “bottom-up” e “top-down” (PEREIRA; MARAVALL; PRZEWORSKI, 1993). Simultaneamente, essas novas formas de interação também podem nos levar a explorar formas de coletividade que irão possibilitar diferentes maneiras de compensação para o trabalho de designers, arquitetos e projetistas. São abertos novos caminhos que nos permitem encontrar outras fontes de financiamento mais adequadas para iniciar projetos arquitetônicos específicos ou intervenções urbanas mais radicais.

Nossa proposta hack [PUBLIC SPACE] representa uma reação frente a esse contexto complexo desenhado por inúmeras forças. Articulamos nosso discurso em torno de 3 elementos primordiais: dinheiro, tempo e espaço, para sugerir um mecanismo de empoderamento, uma forma de assumir o controle ou simplesmente uma estratégia de sobrevivência, enfim, uma forma de ação na cidade.

Como síntese dessas preocupações propomos a criação de: uma nova forma de moeda, diretamente associada ao tempo, como uma forma de estimular o intercâmbio social entre as pessoas e a cidade; uma plataforma digital para mediar este novo relacionamento; e uma plataforma física para servir de suporte a todas as atividades e a elas atribuir novos sentidos. O tempo doado ou recebido por alguém é contabilizado pelo sistema digital e pode ser “trocado” em cada uma das plataformas físicas que compõem também um sistema complexo espalhado pela cidade.

Dinheiro

O dinheiro é um instrumento de construção humana, criado para facilitar as trocas, principalmente as trocas de bens e serviços. De modo geral, estas trocas existem desde muito antes da criação do próprio dinheiro. Portanto, o dinheiro é um sistema de informação culturalmente criado e não uma forma natural, embora às vezes o vejamos dessa maneira.

O sistema financeiro apresenta algumas especificidades que muitas vezes são entendidas como efeitos colaterais: crises, hiperinflação, bolhas imobiliárias, violência e competição, para nomear apenas algumas. Esses são, no entanto, efeitos inerentes que estão no cerne do próprio sistema monetário. Cabe pensar como – através dos novos instrumentos e fluxos disponíveis para nós pela então chamada “era da informação” - podemos retomar certos princípios e repensar a forma como os nossos recursos podem ser trocados de formas mais éticas e frutíferas.

Tempo

Em um mundo governado pelo dinheiro estamos acostumados a avaliar tudo quantitativamente. O tempo de todas as pessoas é mais uma daquelas coisas que normalmente são associadas a um valor monetário. É tanto mais valioso quanto mais alto o grau de especialização do trabalhador e o valor de mercado do que ele/ela produz. Costumamos afirmar categoricamente que "tempo é dinheiro" para justificar a nossa incapacidade em deixar este sistema para trás e encarar outras possibilidades. Mas o tempo é algo compartilhado igualmente por todos nós. Todos temos, enquanto vivemos, o mesmo tempo: 24 horas por dia distribuídos em porções produtivas ou não. Poderia este tempo ser a base de um novo tipo de troca?

Espaço

O dinheiro faz as cidades. Nossas áreas urbanas são reflexos espaciais do capital, ou seja, o dinheiro flui de acordo com as tendências econômicas que moldam, assim, os espaços públicos e privados. Poderíamos, então, facilmente pensar em nossas cidades como um conjunto antiético de espaços públicos e privados.

Nesse cenário, os espaços públicos são muitas vezes negligenciados, tornando-se uma consequência direta de mecanismos brutais de especulação imobiliária e outras disputas de interesses. É possível subverter essa lógica e, de alguma forma, invadir e retomar nossos espaços públicos?

A proposta

Não precisamos, contudo, destruir o velho sistema, mas apenas pensar em como podemos redirecionar alguns fluxos e impulsionar outros em direção a um objetivo mais desejável e justo. Propomos o uso de uma abordagem hacker para intervir neste complexo sistema que é a cidade, construindo sobre ele com recursos disponíveis, como as pessoas, seu tempo e o próprio espaço público.

Atualmente, trocas de favores na forma de tempo, produção ou mesmo serviços já são realizadas por certos grupos sociais. Isto, entretanto, é feito de forma independente de qualquer sistema de organização comercial. Contudo, essa falta de organização torna impossível que esta rede informal se desenvolva em uma escala maior. Uma rede mais ampla pode criar uma alternativa viável para muitas das trocas que fazemos através do sistema monetário - agora por meio da liberdade promovida por nosso tempo auto organizado. Tempo não é dinheiro, tempo é a nossa vida.

Para permitir qualquer forma de atividade precisamos ocupar espaço. A cidade possui esse espaço. Como nosso tempo livre/produtivo pode se relacionar dessa forma com a cidade? O espaço público urbano deve ser a base para uma nova plataforma capaz de catalisar os intercâmbios culturais entre as pessoas e seus anseios produtivos e criativos.

Como síntese dessas preocupações propomos a criação de: uma nova forma de moeda, diretamente associada ao tempo, uma forma de estimular o intercâmbio social entre as pessoas e a cidade, uma plataforma digital para mediar este novo relacionamento, e uma plataforma física para servir de suporte a todas as atividades e a elas atribuir novos sentidos. O tempo doado ou recebido por alguém é contabilizado pelo sistema digital e pode ser “trocado” em cada uma das plataformas físicas que compõem, por sua vez, um sistema complexo espalhado pela cidade.

Podemos promover um hackeamento coletivo da cidade e das relações entre as pessoas, uma nova camada de abstração que agora se faz disponível para que possamos gerar novos entendimentos e possibilidades.

Referências

ARENDT, H. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

CAHN, E. Time Banking: An Idea Whose Time Has Come? Yes! Washington, 2011. [Artigo] Disponível em: <http://www.yesmagazine.org/new-economy/time-banking-an-idea-whose-time-has-come>. Acesso em: 14 out. 2014.

FREIRE, M. V. Moedas sociais : contributo em prol de um marco legal e regulatório para as moedas sociais circulantes locais no Brasil. 2011. 374 f. Tese (Doutorado). Universidade de Brasília, Brasilia, 2011. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/9485>. Acesso em: 14 out. 2014.

HOWE, J. Crowdsourcing: Why the Power of the Crowd Is Driving the Future of Business. New York: Crown Business, 2009.

History of the OSI. Open Source Initiative. Disponível em: < http://opensource.org/history>. Acesso em: 14 out. 2014

PEREIRA, L. C. B.; MARAVALL, J. M.; PRZEWORSKI, A. Economic Reforms in New Democracies: A Social-Democratic Approach. Cambridge England ; New York, NY, USA: Cambridge University Press, 1993.

SCHUMACHER, E. F. Small Is Beautiful: Economics as if People Mattered. New York: Harper Perennial, 1989.