The article by Fábio Araujo Duarte presents a view of the Alice in Wonderland story, where the factor time is for Alice the time of enjoyment and reflection. On the other hand, the rabbit’s clock is the synthesis through a mechanical object of the social construction of time. Alice distrusts this object. The technological objects, for being scientific, economic, politic or technical constructions, are directing behaviors, and must be questioned so that other enjoyments are possible. In the case of the language being embedded in technology, these objects are established in the domain of an articulated set of signs, and by joining these recognized signs, it emerges a new phenomenon. In interactive objects, there is a dialogue with the users who modify the automatisation of the codified language so that the technological object works. The interaction brings up combinations between subgroups of language internalized in the technological objects creates the richness of the phenomenon.

as chaves de alice
alice's keys

fábio duarte*

Como citar esse documento . How to quote this document:
DUARTE, F. As chaves de Alice. V!RUS, São Carlos, n.2, 2 sem. 2009 Disponível em <http://www.nomads.usp.br/virus/v2/html/artigos_convidados/duarte.php>. Acessado em 03/05/2024.

Do coelho atrasado


"Ai, ai! ai, ai! Vou chegar atrasado demais!", diz o Coelho, puxando um relógio de bolso do colete. E Alice não se espanta. Curiosa, corre atrás do coelho - aonde iria, com tanta pressa? As aventuras de Alice no País das Maravilhas abrem-se com o tempo, o tempo mediado por um objeto técnico. O relógio do coelho é a síntese, em um objeto técnico, de um arranjo social, econômico, político, que reduzem as variações dos ciclos naturais de um dia. Dias longos de verão, noites longas de inverno, o Ártico de noites mensais ligado aos dias e noites constantes no Equador, por 86.400 segundos que, passados, anulam-se para a recontagem. O relógio do coelho evidencia que vivemos em um tempo das maravilhas, um tempo fantasioso. E o coelho está atrasado. Se ele está aqui, mas deveria estar lá, ele ocupa duas posições no espaço ao mesmo tempo. Está aqui sem o querer, e querendo, não está lá - onde é aguardado.

O coelho sintetiza Aion e Cronos, na discussão proposta por Gilles Deleuze. Para Cronos, "só o presente existe no tempo", um presente que se estende bidirecionalmente englobando passado e futuro - que são apenas partes da extensão de um presente com vastidões que se alteram, sem que haja alteração na essência para o passado ou futuro. Já para Aion, "somente o passado e o futuro insistem ou subsistem no tempo", o presente sendo apenas uma ilusão essencialmente subdividida em passados e futuros que, no entanto, nunca se tocam.

Mas Alice é curiosa. Persegue o coelho e cai em um poço. Mas "ou o poço era muito fundo, ou ela caía muito devagar". Espaço e tempo interdependentes. Enquanto cai, Alice olha para baixo, para os lados, vê estantes de onde pega objetos para depois devolvê-los em outras estantes. O tempo de Alice é o tempo da fruição, velocidade (distância dividida pelo tempo) relativa ao aproveitamento do tempo e do espaço. O tempo de Alice é o da reflexão - e da dúvida; e do que primeiro duvida é do objeto tecnológico, o relógio: está caindo lentamente ou o poço é profundo? Se lentamente, ou se profundo, o parâmetro da dúvida é o relógio. Ao usufruir da queda, o tempo conceitual embutido no relógio é posto de lado.

Os objetos tecnológicos, por serem construções sociais (científicas, econômicas, políticas, técnicas), guiam comportamentos - mas devem ser questionados para que outras fruições sejam possíveis.


Do Jaguadarte

E dizia o Rei Branco que precisava trocar de lápis, pois não tinha o menor controle sobre o que possuía. E no livro sobre a mesa, um poema escrito em uma língua que Alice não conhecia; até que teve uma idéia luminosa: era um livro do espelho, um livro que apenas se deixava ler quando refletido. E se lia:

...."Era briluz
....as lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos
....Estavam minsicais as pintalouvas
....e os momirratos davam grilvos" (na tradução de Augusto de Campos)

Ou se lia?

...."Solumbrava, e os lucriciosos touvos
....Em vertigiros persondavam as verdentes
....Trisciturnos calavam-se os gaiolouvos
....E os porverdidos estriguilavam fientes (na tradução de Maria Luiza Borges)

A linguagem é o fundamento da tecnologia. Linguagem não é balbucio, não é esboço. É a seleção consensuada de signos (entre uma miríade possível), organizados a partir de regras, para dizer de objetos, de idéias, de sentimentos, sem sua necessária presença. O objeto tecnológico estrutura-se na linguagem.

O objeto técnico é ferramenta. Um objeto que cumpre sua função na dependência absoluta de alguém que detenha a técnica, o saber manusear. O objeto tecnológico é artefato, é o conjunto de saberes científicos e tecnológicos sintetizados em um objeto que ganha relevância em determinado contexto social, cultural e econômico. O objeto tecnológico, o artefato, embute conhecimentos que dialogam entre si independentemente de um manuseador. O arteto funciona. O diálogo entre os conhecimentos tecnológicos embutido nos artefatos é possível pela sua codificação: tanto a codificação de cada subconjunto de conhecimentos e procedimentos tecnológicos específicos, quanto - e principalmente - a tradução entre os conhecimentos de cada subconjunto. O objeto tecnológico funda-se no domínio de linguagens.

A linguagem é o conjunto articulado de signos; signos que apresentam algo em sua ausência. Atribuir signos implica em reduzir a riqueza do objeto, do fenômeno. Neste sentido: há um fenômeno desconhecido, buscam-se signos, articulam-se signos conhecidos, criam-se signos para descrevê-lo. Noutro sentido: a articulação de signos conhecidos, a criação de signos, despertam um novo fenômeno.

Nos objetos interativos há um diálogo com os usuários que alteram o automatismo da linguagem codificada propícia para que o objeto tecnológico funcione. A interação desperta combinações entre subconjuntos de linguagem internalizados nos objetos tecnológicos, que, se não altera o objeto, cria a riqueza do fenômeno.

O Jaguadarte existe e diz seu poema para descrever-se a Alice.

Não há nada que não um poema que, ao dizer-se, cria Jaguadarte e sua relação com Alice.

O Jaguadarte escancara sua essência submissa à linguagem. O Jaguadarte desperta e domina as combinações que criam linguagem.

O objeto interativo é o Jaguardate, que (se) cria quando há interação. A interação faz de um objeto um ser interativo.

 

* O autor agradece Polise De Marchi pela colaboração. [voltar]


.

Fábio Araujo Duarte é arquiteto, doutor em Arquitetura, professor doutor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e autor de livros sobre relações entre tecnologias de informação e comunicação, arquitetura e urbanismo.

Fábio Araújo Duarte is an architect, doctor in Architecture and Professor Doctor at the Catholic University of Parana, Brazil. He is the author of books about the relationship between Information and Communication Technologies, and Architecture and Urbanism.

"E por falar em eixos, cortem-lhe a cabeça!!"
Rainha Vermelha [ou como teria dito...
]
EDITORIAL | ENTREVISTA INTERVIEW | ARTIGOS CONVIDADOS.INVITED PAPERS | ARTIGOS NOMADS.NOMADS PAPERS | RESENHA.REVIEW | EVENTOS.EVENTS
issn 2175-974x | sem 2-2009