Camille Bianchi e Marie-Ange Jambu são arquitetas e pesquisadoras no Collectif Readymake, ligado à Escola Nacional Superior de Arquitetura de Paris - Belleville.
Como citar este texto: BIANCHI, C., JAMBU, M. Em busca de conquistar territórios inacessíveis: A exploração e a representação da metrópole além das especialidades. Traduzido do francês por Axel Dieudoné. V!RUS, São Carlos, n. 8, dezembro 2012. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus08/?sec=7&item=1&lang=pt>. Acesso em: 00 m. 0000.
Camille Bianchi, Marie-Ange Jambu
O coletivo Readymake foi cofundado em 2010 por Camille Bianchi e Marie-Ange Jambu, arquitetas independentes e professoras na Escola Nacional Superior de Arquitetura de Paris Belleville. (ENSAPB)
Readymake interroga acerca da apreensão do território urbano e periurbano, mediante o emprego de métodos de análise multiescalares que estabelecem um laço entre a leitura metropolitana e o processo de trabalho em escala arquitetural. As competências do coletivo bebem na fonte da experiência de urbanistas, pesquisadores, designers gráficos, cartógrafos e artistas, através de colaborações duradouras que tendem a unirem o campo da pesquisa àquele da implementação.
No território das grandes metrópoles sul-americanas – México DF, São Paulo, Bogotá – e, atualmente, no coração da Île de France, a démarche do coletivo interroga e explora o surgimento, no imaginário metropolitano, de novos territórios nascidos da necessidade de se tornar legível a inframince e o local, à escala do sistema metropolitano global.
Territórios Inacessíveis
Somos usuários e atores das metrópoles, multiplicados na cidade densa, compactados nos fluxos de viajantes despejados diariamente na capital, fugindo dos territórios extensos de entremeio, do tecido urbano que se afoga naquele das grandes infraestruturas das entradas das cidades. Nós, urbanos, devemos nos render à evidência de que o ritmo incessante da metrópole assenta toda a economia do seu consumo em um sistema de mobilidades engolidoras de espaço, cujo gigantismo se apropria das películas aráveis do cinturão verde, tornando-as impermeáveis e estéreis. Nas portas da metrópole, além da zona densa, o território se fratura, expandindo-se em um tecido disperso, cercado de vias rápidas e trevos que materializam o que Sébastien Marot denomina ville du dessous [cidade de baixo], esta cidade escondida e residual da qual se impregnou Robert Smithson, ao percorrer New Jersey, para ali encontrar a ilustração da memória de uma civilização situada no cerne do tecido não-espetacular: “(…) Smithson se coloca em cena como visitante solitário de uma porção de território em que a banalidade das periferias-dormitório o conduz à desolação das zonas residuais da era do maquinismo, devastadas pelos canteiros de obras infraestruturais; um visitante, ele próprio, relativamente distante, vagamente espectral, cuja maneira de auscultar os estados de espírito da paisagem aparenta provir do método “Instamatic”, graças ao qual o seu aparelho dela fotografa, uns após os outros, os monumentos paradoxais.” (S. Marot, L’art de la mémoire, le territoire et l’architecture, Éditions de la Villette, 2010).
Aqui é definido um segundo nível de leitura que volta o seu interesse para o “apenas perceptível” da metrópole, este cimento que corre pelas vias rodoviárias, os taludes ferroviários, os trevos, as plataformas logísticas e aeroportuárias, este verniz que penetra nas menores brechas da cidade imprecisa, dando-lhe toda a espessura da sua realidade banal e incompreendida. O lugar sem nome, o não lugar, aqui não se trata do lugar impessoal e martelado pelos fluxos de viajantes anônimos, tal como justamente descreve Marc Augé (M. Augé, Non lieux, introduction à une anthropologie de la surmodernité, Seuil 1992), mas antes do lugar sem função, o lugar em estado de espera, que oferece uma leitura negativa da cidade. Esta resiliência urbana, além da zona densa, enuncia-se por meio das suas microscópicas várzeas [NT: aqui, bas-fonds igualmente leva a pensar em guetos ou favelas], as suas margens, seus interstícios e rupturas; tantos suportes esquecidos, ainda que bem reais e carregando em si o potencial de outro processo de compreensão do sistema metropolitano.
O Guia dos monumentos de Passaic, produzido por Robert Smithson mediante a compilação dos lugares simbólicos do ordinário, presta tributo a este avesso da metrópole, onde residem as ferramentas de uma visão do território que sugere possibilidades, um potencial subjacente, adormecido, que somente a exploração permite revelar: “Passaic seems full of holes compared to New York City, wich seems tightly packed and solid, and those holes, in a sense, are the monumental vacancies that define, without trying, the memory traces of an abandoned set of futures. » (R. Smithson, The writing of Robert Smithson, Jack Flam, University of California Press, Berkeley and Los Angeles, California, 1996). Em busca destes territórios invertidos, primeiramente, voltamos a nossa intervenção para uma exploração in situ, à escala destes lugares residuais, confrontando a sua inacessibilidade e as fragmentações territoriais que geram os grandes dispositivos da mobilidade contemporânea. Como praticar estes lugares de modo não especializado, medindo no ritmo do pedestre um universo que aniquila a lentidão? Nós emprestaríamos o passo dos Stalkers, primeiros exploradores dos territórios de abandono, em busca do território não cartografado (Groupe Stalker, A travers les territoires actuels Editions Jean-Michel Place, 2000). Aos pés dos movimentos colossais das grandes infraestruturas, repertoriamos sinais ativos de vida, cujos ornamentos de moldagem arquitetural [NT: aqui, entrelacs igualmente leva a pensar em emaranhados ou imbricações] escorregam por entre as falhas das superfícies e geram rizomas contínuos de vielas microecológicas. É justamente sobre esta discreta malha que o Grand Paysage marginal da metrópole sugere potencialidades de percurso onde a pequena escala torna-se novamente um referencial. Seguindo a geografia artificial das margens das plataformas rodoviárias, atravessando as vias férreas em alta velocidade, dissipando-se nos taludes dos acostamentos das rodovias e nas colinas antirruído dos trevos, torna-se então possível detectar, ao nível de um “agrimensor”, as características de um território bem real, ainda não representado e relativamente ao qual é urgente observar as mutações.
O caráter inelutavelmente atual destes territórios móveis imbui a sua representação de uma dimensão non mais descritiva ou poética, mas antes prospectiva. Hoje reconhecidos como verdadeiros territórios de projeto cujo domínio, constantemente redefinido, é objeto de grande interesse; atualmente, um mesmo território pertence a múltiplas entidades administrativas, do município à Região, passando por Contratos de Desenvolvimento Territorial ou Associações Intermunicipais ligadas a Organismos Públicos de Planificação e Ordenamento, etc. Em meio a essa multiplicação de atores e, por conseguinte, de percepções acerca dos territórios metropolitanos, a escolha dos modos de representação torna-se determinante.
Explorar/Representar
Fragmentos d’outros lugares,
2012-2013 / 25-26 de maio de 2013, na estação ferroviária Pont de Rungis, Paris, França
Por Béatrice Mariolle (pesquisadora IPRAUS) + LeGrandCollectif (projetistas associados, agrupamento de arquitetos, artistas plásticos, fotógrafos e produtores de vídeo)
Pesquisa-ação organizada pelo Bureau de la Recherche Architecturale, Urbaine et Paysagère (BRAUP, responsável Panos Mantziaras), Ministério Francês da Cultura e da Comunicação, realizada no âmbito da “Grande Ville 24 h CHRONO”.
Por ocasião da pesquisa-ação a “Grande Ville 24H Chrono”, lançada no quadro das reflexões sobre a Grande Paris (Consulta internacional sobre a planificação e o ordenamento da região metropolitana de Paris) pelo Ministério Francês da Cultura, em 2012, nove equipes, todas compostas por um apanhado de pesquisadores-práticos do setor arquitetônico e urbanístico, mobilizaram-se a fim de proporcionar uma leitura do território do grande perímetro urbano e dos complexos industriais existentes na circunvizinhança de uma estação ferroviária situada da primeira ou da segunda linha limítrofe da região periférica de Paris, onde se conectará o futuro Metrô Expresso da Grande Paris (GPE), cujo projeto está em andamento. A pesquisa requer um longo período de investigação, documentação, exploração e articulação, alimentado e moldado durante cerca de um ano, envolvendo colóquios e publicações. A ação, por sua vez, diretamente induzida pelas hipóteses da pesquisa, tomará a forma de um evento espetacular de acordo com uma unidade espacial (a estação ferroviária) e de tempo (24h).
Produto desta pesquisa-ação e inspirada nas hipóteses desenvolvidas por Béatrice Mariolle, o LeGrandCollectif é incarnado por jovens artistas e arquitetos, todos animados pelo mesmo desejo: tornar perceptíveis os potenciais já presentes na atual paisagem. Na linha dos sismógrafos urbanos introduzida por Thierry Davila (Marcher, Créer, Paris 2002), o LeGrandCollectif dota-se de ferramentas heterogêneas e experimentais para partir de viés e identificar os epicentros, ainda microscópicos, das transformações do território, seguindo a pé as primeiras falhas e interstícios, de sobressalto em sobressalto.
“Os olhares múltiplos de ordem artística, arquitetônica e ecológica (…), dirigidos à cidade contemporânea e retranscritos no espaço da estação ferroviária, permitem construir iterações entre o território e a sua porta de entrada ferroviária. Esta experimentação abre novas pistas de pesquisa nas quais as equações sociais e criativas podem estar na origem de uma profunda transformação dos lugares. Uma segunda hipótese consiste em considerar que as forças naturais formam um apoio consequente para se encontrar o laço entre esses fragmentos segregados. Fauna e flora são os únicos elementos que transgridem os limites e se introduzem no interior das cercas.” (excerto do manifesto da Subagglo, publicação nos cadernos de pesquisa arquitetural, janeiro de 2013, Béatrice Mariolle)
A hipótese subjacente a essa conduta exploratória é aquele referente ao poder catalisador deste epicentro representado pela estação ferroviária. Lá onde todas as mobilidades se encontram e, efetivamente, cruzam-se escalas e velocidades variadas, assim como olhares sobre o território; Fragmentos d’outros lugares, eles representam, através de múltiplos suportes (errâncias filmadas, registros sonoros, fotografias do microbiótopo, mapeamentos sensíveis, mapas radar), um repertório dos lugares sensíveis situados no imediato entorno da estação ferroviária, associando focais de observação voltadas tanto para a grandiosa encenação dos grandes complexos infraestruturais, quanto para aquela mais introspectiva dos caminhos esboçados no território pela passagem episódica de alguns habitantes.
A base de dados dos fragmentos d’outros lugares bebe na fonte de uma postura sensível, onde interagem o sentido e a análise, uma experiência de apreensão do site na toada lenta do caminhante, nas horas múltiplas do dia e da noite, à margem das mobilidades rápidas e da necessidade de retranscrever esta experiência de modo espetacular.
Ainsi Readymake, no seio do agrupamento LeGrandCollectif, reuniu os percursos de produtores de vídeos, de artistas plásticos e registros sonoros, para propor o ecoar de duas escalas de prática territorial, na forma de um sistema de análise cartográfica e plástica do território em transformação. A passagem da exploração à representação ocorre mediante o referenciamento dos pontos sensíveis do território. Primeiramente, nas primeiras imediações da estação ferroviária e, em seguida, em seu contexto mais amplo, metropolitano, integrando a escala de uma mobilidade mais importante. Levados pelo traçado ainda fictício do futuro metrô Grand Paris Express, partimos em busca de itinerário paralelo, alternativo aos traçados das mobilidades existentes, para podermos elaborar uma rede subjetiva e atribuir-lhe uma espessura, originada de vistas enquadradas da paisagem, dos polos de intensidade emocional, do encontro com a Grande Paisagem metropolitana. Como caminho transversal da Grande Paris, este novo itinerário não se inscreve como uma linha no território, mas como um feixe de eventos, os quais, à imagem das ações do GrandColletif, vêm dar conta das espessuras ocultas da Metrópole, além das especialidades.
Léxico:
Inframince: Noção enunciada por Marcel Duchamp como “esta experiência limite, esta sensação que escorrega insensivelmente de uma qualidade ao seu contrário, do convexo ao côncavo, do macho à fêmea, do espaço ao tempo…” e que, contextualizada territorialmente, designa a espessura intersticial e contínua, no limiar da percepção, escorregando em meio às grandes infraestruturas.
Grand Paysage: é uma representação híbrida do território. De escala geográfica, ela desenha, com o mesmo olhar prospectivo, os componentes naturais, infraestruturais e artificiais de um território não denso.
Subagglo: Território situado além dos marcos da aglomeração, ele apresenta texturas muito específicas, feitas de justaposições das funções urbanas. Não composto, sem planificação espacial, fruto de decisões setoriais, trata-se de um território organizado pelos fluxos sociais, comerciais e naturais, pelas lógicas metropolitanas ou hiper locais. (B.Mariolle, arquitete-urbanista professora e pesquisadora, Dans Subagglo 2030, Grand Paris Hors les murs, Editions recherches, ENSAPB, 2010)
Iconografia
Todos os documentos apresentados foram produzidos ao longo de toda a pesquisa-ação do evento das 24H Chrono do Grand Paris. Esta pesquisa ainda está em andamento.
LE GRAND COLLECTIF
Agrupamento de arquitetos, produtores de vídeo e artistas plásticos
(Dinah Bird - Artista-som, Diana Levin - arquiteta-fotógrafa, Leila Rose Willis - artista plástica, Jesus Alberto Benitez - artista plástico, Coletivo Interscalaire - Elsa Brès-Mariolle, Victor Maréchal, arquitetos-produtores de vídeos, Coletivo Readymake – Camille Bianchi, Marie-Ange Jambu, arquitetas )
Este mapa apresenta o contexto metropolitano da ação-pesquisa, situando as 9 estações ferroviárias envolvidas no evento da Região Île de France.
A Unidade de lugar: unir os componentes do território em um único lugar: a plataforma da estação ferroviária
COLLECTIF READYMAKE
Fábrica de intenções urbanas e arquiteturais
Camille Bianchi e Marie-Ange Jambu, arquitetas
Quando os pedágios nas rodovias, atualmente zonas estéreis e monofuncionais, são envolvidos na questão do desenvolvimento urbano e questionam a noção dos limites em escala regional: a porta de entrada torna-se um suporte para intercâmbios e atividades múltiplas, em função do seu posicionamento estratégico.
Figura 05: “A escala local: escala radar do entorno imediato da estação ferroviária de Pont de Rungis, periferia parisiense”. (Fonte: Readymake, 2012)
Este mapa apresenta o entorno imediato da estação ferroviária de Pont de Rungis e estabelece uma escala radioconcêntrica a partir da plataforma.
O mapa radar repousa em uma retranscrição das emergências visuais, sejam elas pontuais ou extensas, visíveis a partir da plataforma da estação ferroviária. Ele marca as balizas visuais percebidas ao nível do pedestre.
Este mapa das heterotopias sublinha a natureza das construções próximas da estação ferroviária e evidencia a dimensão alheia à escala humana das plataformas de estocagem, dos centros industriais e das grandes infraestruturas. Ele dá informações acerca das fronteiras geradas por esta paisagem e, em negativo, dos interstícios através dos quais a exploração tornou-se possível.
O mapa emocional diz respeito à representação dos percursos dos diferentes agrimensores membros da equipe e das suas manifestações emotivas, expressadas ao longo da exploração do território. A representação interroga a dimensão sensível que emerge durante a prática neste território, pontuando o percurso com balizas emocionais.
LEILA ROSE WILLIS
A artista plástica Leila Rose Willis produziu um vídeo em stop motion, realizada a partir da tomada visual de uma instalação formada de dobraduras de uma foto-pôster. A foto foi feita nas instalações da estação ferroviária de Pont de Rungis.
O trabalho de Leïla Rose Willis baseia-se fortemente no papel e nas suas dobraduras. Aqui ela pretende tomar posse de parte do volume da estação ferroviária alta (plataforma), colando impressões fotográficas em papel, formato 4mx3m, e inspirando-se no formato dos cartazes de metrô.
O tema que ela pretende desenvolver é voltado para os interstícios circundantes naturais, baseando-se em jogos de escalas que marcariam o espaço da estação ferroviária com macros gigantes do ambiente vegetal da Subagglo. Os Origamis, ou dobraduras, permitem ultrapassar o simples contexto do cartaz, que aqui vai além do seu enquadramento e expande-se sobre o solo e os muros circundantes.
Figura 09-10-11: “sem título” (Source: Leila Rose Willis, fotografias: Anne-Sophie Popon-BABEL XIII 2012.)
COLLECTIF INTERSCALAIRE
Elsa Brès-Mariolle, Victor Maréchal, arquitetos produtores de vídeos.
O trabalho do coletivo Interscalaire repousa em três sequências de vídeo, projetadas simultaneamente, na forma de um tríptico do qual aqui mostramos cinco screenshots.
O coletivo Interscalaire assenta a sua pesquisa na acessibilidade ao nível do pedestre do território circundante à estação ferroviária, colocando-se diante das grandes extensões industriais e infraestruturais, visíveis no mapa das heterotopias (cf. cartografia Readymake).
Três agrimensores percorrem o Grand Paysage e vencem obstáculos industriais interferirem no cerne das margens, ao longo das estradas, das vias férreas, das plataformas logísticas e aeroportuárias. Seguindo o continuum vegetal da inframince, aqui revelado pelas sequências de vídeos que acompanham a evolução dos agrimensores, surgem caminhos de travessas que introduzem uma nova trama de mobilidade lenta, lá onde à primeira vista, ela aparenta ser totalmente nula.