Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano

Ecléa Bosi, Mozahir Salomão Bruck

Ecléa Bosi foi Psicóloga e Doutora em Psicologia. Professora Titular Emérita do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, do Instituto de Psicologia, da Universidade de São Paulo, USP. Desenvolveu suas principais pesquisas na área de memória, cultura e sociedade.

Mozahir Salomão Bruck é jornalista e Doutor em Literatura. Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC-Minas. Estuda radiodifusão, aspectos sociais, linguagens e radiojornalismo, e narrativas jornalísticas.


Como citar esse texto: BOSI, E.; BRUCK, M. Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano. (Entrevista). V!RUS, São Carlos, n. 15, 2017. [online] Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus15/?sec=2&item=1&lang=pt>. Acesso em: 24 Abr. 2024.


Pela primeira vez desde a criação da V!RUS, a entrevista que publicamos nesta edição não foi realizada pelo Comitê Editorial da revista. Teria sido uma honra imensa encontrar a professora Ecléa Bosi pessoalmente, ouví-la discorrer sobre sua maneira única de conectar pesquisa e justiça social, sua postura extremamente ética em relação à academia e à sociedade. Uma das pouquíssimas pessoas a receber a distinção acadêmica máxima de nossa universidade, a professora Bosi foi homenageada em um belo discurso de sua amiga e colega professora Marilena Chauí, na cerimônia de outorga do título de Professora Emérita. Nele, Chauí enfatiza que uma das maiores contribuições de Ecléa Bosi para a Psicologia Social foi relacionar "teoria, método e técnicas de pesquisa e militância social, política e cultural, a partir da definição da Psicologia como fenomenologia dos atos expressivos e da relação de amizade entre o pesquisador e o pesquisado como pessoa" (CHAUÍ, 2008). Não é pouco, pois consiste em um desafio quotidiano, que permeia todos os atos de todo pesquisador que acredita que a memória, mais do que uma restauração do passado, pode ser "geradora do futuro de uma sociedade".

De sua vasta obra teórica, derivaram diversas ações muito concretas, como o programa Universidade Aberta à Terceira Idade, que franqueia a presença de pessoas com mais de sessenta anos em qualquer disciplina de graduação da USP. Também foi iniciativa sua a formação de comunidades de leitores em bibliotecas públicas paulistanas, uma ideia decorrente do seu trabalho sobre as leituras de mulheres operárias. Em uma edição, portanto, em que abordamos o multifacetado tema da construção da memória, ninguém melhor do que Ecléa Bosi para ajudar-nos a ampliar nossa compreensão sobre o assunto.

Ocorre que, muito tristemente, a professora Bosi nos deixou este ano, falecendo, em São Paulo, no dia 10 de julho. E mesmo assim, e também por esta razão, decidimos prestar-lhe uma singela homenagem póstuma, republicando aqui uma de suas últimas entrevistas, originalmente publicada na revista acadêmica Dispositiva, do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC-Minas. A entrevista, conduzida pelo Prof. Dr. Mozahir Bruck, contém um conjunto de ideias centrais da pesquisadora, enviadas ao professor Bruck por e-mail, discutidas em uma conversa telefônica, e por ele editadas em formato de pergunta/resposta. Nesta republicação da V!RUS, almejando contribuir para ampliar o interesse e o acesso ao trabalho de Bosi, referenciamos alguns trechos presentes em suas importantes publicações.

Agradecemos à revista Dispositiva e, em especial, ao Prof. Dr. Mozahir Bruck, pela gentil autorização de republicação.1

Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano

Mozahir Salomão Bruck

Em tom de apreço e reconhecimento da sua importante obra no âmbito das Ciências Humanas, a Revista Dispositiva apresenta, nesta edição, entrevista com a Professora Emérita da Universidade de São Paulo, Ecléa Bosi. Autora de vários livros, como "Memória e sociedade: lembranças de velhos" (já na 16ª edição), "Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias", "Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão", e "Velhos amigos", Ecléa Bosi apresenta, nesta entrevista, reflexões importantes sobre passado e memória e aspectos da pesquisa de campo que se utiliza da memória oral.

Na contramão da apologia da memória exclusivamente depositada em dispositivos tecnológicos, Ecléa lembra que enraizar-se é um direito fundamental do ser humano, e que a negação a esse direito tem conseqüências graves para a cultura e para a vida em sociedade. Entre tantos ensinamentos que a obra de Ecléa Bosi, professora de Psicologia Social da USP, já nos proporcionou vale destacar essa noção de que ao pesquisador cabe, além da sensibilidade e respeito ao ouvir, o compromisso de que aquilo que ele coleta do passado deve reverberar e fecundar o futuro. A entrevista a seguir foi feita por meio de uma conversa telefônica. Bosi teve o cuidado de solicitar antecipadamente as perguntas, preparando, gentilmente, um texto para respondê-las, que editamos a seguir em formato pergunta/resposta.

Mozahir Bruck Começamos esta entrevista citando um pensamento de Walter Benjamin, mencionado em seu livro "Memória e sociedade: lembranças de velhos": a memória como uma faculdade épica, por excelência. A frase, além da força conceitual que abriga, nos coloca uma questão que atravessa toda a discussão acerca do memorialismo: inevitavelmente instalada em uma narrativa e sujeita a adequações (muitas vezes até inconscientes), falhas, reescritas, a memória não é, ao final, um processo e um objeto do tempo presente?

Ecléa Bosi De fato, como sugere sua pergunta, a memória atende ao chamado do presente. Mas teremos que transpor, muitas vezes, a enorme distância temporal entre o fato narrado pela testemunha e o acontecido. Experiência sempre muito difícil, devido às transformações ocorridas, sobretudo nas mentalidades. O passado, a rigor, é uma alteridade absoluta que só se torna cognoscível mediante a voz do nosso depoente, nosso narrador. Eu insisto sempre, com meus alunos, na formação do pesquisador que vai entrevistar o seu memorialista: quando a narrativa deste é hesitante, cheia de silêncio, ele não deve ter pressa de fazer interpretação ideológica do que está escutando ou de preencher as pausas. É importante destacar que a fala emotiva e fragmentada do nosso memorialista é portadora de significações que nos aproximam da verdade.

Nós temos que aprender a amar esse discurso tateante, as suas pausas, as suas franjas, com fios perdidos quase irreparáveis (Bosi, 2003b, p. 65). Bem mais que um documento unilinear, a narrativa da testemunha mostra a complexidade do real. Oferece uma via privilegiada para compreender a articulação dos movimentos da história com a quotidianeidade. É muito belo escutar esse rememorar meditativo da testemunha. Nós, então, compreendemos que se pode fazer da memória um apoio sólido para a construção do presente, e ela se torna, para nós, uma verdadeira matriz de projetos.

Mozahir Bruck Muito se diz sobre a contemporaneidade ter colocado em crise parâmetros importantes para o homem, como a relação com o tempo e com o espaço. Estando a memória indissociavelmente ligada à noção de tempo, pode-se afirmar que a memória hoje ganha novos contornos e processos? Quando o tempo se torna tão fugidio, com o imediato sobrevalorizado, qual é a potência da memória em termos da nossa necessária aprendizagem com o passado, com o já vivido?

Ecléa Bosi Esta é uma questão relevante para pensarmos a memória: qual versão de um fato deve ser considerada verdadeira? Nós estávamos e sempre estaremos ausentes do fato que está sendo narrado. Não temos, pois, o direito de refutar o fato contado pelo memorialista, como se ele estivesse no banco dos réus, e dele exigir que nos diga a verdade, somente a verdade. Ele, como todos nós, vai nos contar a sua verdade (Bosi, 2003b, p. 65). Depois, na interpretação de uma colheita de lembranças, nós temos que pensar, como cientistas humanos que somos, em um projeto – que tipo de conhecimento estamos buscando e produzindo. Porque o passado reconstruído não é um refúgio, mas uma fonte, um manancial de razões para lutar. Assim, a memória deixa de ter, aqui, um caráter de restauração do passado, e passa a ser a memória geradora do futuro: memória social, memória histórica e coletiva (Bosi, 2003b, p. 66).

Nós, pesquisadores que recolhemos o passado, sabemos que ele é um dos conceitos mais difíceis e misteriosos. O passado não é uma sucessão de fatos ou camadas que se vai escavando. A memória desconhece a ordem cronológica. Minha hipótese é de que ela opera com grande liberdade, recolhendo fatos memorados no espaço e no tempo, não arbitrariamente, mas porque se relacionam através de índices de significação comum. São constelações de eventos mais intensas quando, sobre elas, incide o brilho de um significado coletivo. Esse intenso movimento de recuperação da memória nas Ciências Humanas se constitui, hoje, em uma verdadeira moda acadêmica. O vínculo com o passado, que é vital, porque dele se extrai a seiva para a formação da identidade. Nesse sentido, também está a noção de direito ao enraizamento, de Simone Weil, para quem este é um direito humano semelhante a outros direitos ligados à sobrevivência do homem.

Mozahir Bruck Na contemporaneidade, tão marcada, entre outras noções, pela idéia de desterritorialização, como entender esse direito ao enraizamento?

Ecléa Bosi Eu aprecio muitíssimo esse conceito criado por Simone Weil para entendimento da cultura: o enraizamento. Os deslocamentos constantes a que nos obriga a vida moderna não nos permitem um enraizamento num dado espaço ou numa comunidade, mas este continua sendo um direito humano fundamental. Como dizia Simone Weil, o ser humano tem uma raiz por sua participação real numa coletividade, que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro (Weil, 1996 [1943]). O desenraizamento a que nos obriga a vida moderna é uma condição desagregadora da memória. Um dos mais cruéis exercícios da opressão na sociedade moderna (opressão de natureza econômica) é a espoliação das lembranças.

Eu penso que os urbanistas, quando fazem projetos sobre as cidades, deveriam escutar os velhos moradores e estar abertos à sua memória, que é a memória de cada rua, de cada bairro. Eles estariam recuperando a dimensão humana do espaço, que é um problema político dos mais urgentes. A sobrevida de um grupo se liga estreitamente à morfologia da cidade, e essa ligação se desarticula quando a especulação urbana causa um grau intolerável de desenraizamento. Há, nos habitantes do bairro, o sentimento de pertencer a uma tradição, a uma maneira de ver, que anima a vida das ruas, das praças, dos mercados e das esquinas (Bosi, 2003a, p. 206). E tudo isso se reflete bem nos depoimentos dos nossos memorialistas. Então, os pesquisadores devem ter a consciência de que uma história de vida que nós escutamos não é feita para ser arquivada ou guardada em uma gaveta como coisa: ela existe para transformar a cidade onde ela floresceu (Bosi, 2003b, p. 69).

Referências

BOSI, E. Cultura de massa e cultura popular: leitura de operárias. 5a ed. Petrópolis: Vozes, 1981.

BOSI, E. Memória da cidade: lembranças paulistanas. Revista Estudos Avançados, São Paulo, USP, n. 47, p. 198-211, 2003a. [online] Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0103-401420030001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 Nov. 2017.

BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003b.

BOSI, E. Velhos amigos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003c.

CHAUÍ, M. Homenagem a Ecléa Bosi. Psicologia USP, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 15-24, mar. 2008. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/41945>. Acesso em: 08 Nov. 2017.

WEIL, S. O enraizamento. Trad. Ecléa Bosi. In: BOSI, E. (Org.) A condição operária e outros estudos sobre a opressão. 2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 1a ed. 1943.

1 Entrevista originalmente publicada em: BRUCK, M. S. Profa. Eclea Bosi - Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano. Dispositiva, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 196 - 199, nov. 2012. ISSN 2237-9967. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/dispositiva/article/view/4301>. Acesso em: 08 Dez. 2017.

Memory: rooting is a fundamental human right

Ecléa Bosi, Mozahir Salomão Bruck

Ecléa Bosi has been a Psychologist and Doctor in Psychology. Emeritus Professor of Department of Social Psychology and Labor, of Institute of Psychology, at University of São Paulo (USP). She developed her main researches in the area of ​​society, memory and culture.

Mozahir Salomão Bruck is Journalist and Doctor in Literature. Associate Professor at Pontifical Catholic University of Minas Gerais (PUC-Minas). He studies broadcasting, social, languages ​​and radio journalism and journalistic narratives.


How to quote this text: Bosi, E. and Bruck, M., 2017. Memory: rooting is a fundamental human right. (Interview). Translated from Portuguese by Marcelo Tramontano. V!RUS, São Carlos, n. 15. [e-journal] [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus15/?sec=2&item=1&lang=en>. [Accessed: 24 April 2024].


For the first time since V!RUS was created, the interview we publish in this issue was not carried out by the journal's Editorial Committee. It would have been an immense honor to meet Professor Ecléa Bosi personally, to listen to her about her unique way of connecting research and social justice, her extremely ethical stance toward academia and society. One of the very few people to receive the maximum academic distinction from our university, Professor Bosi was honored in a beautiful speech of her friend and colleague Professor Marilena Chauí, in the ceremony of granting the title of Professor Emeritus. In her remarks, Chauí emphasizes that one of Ecléa Bosi's greatest contributions to Social Psychology was to relate "theory, method, and techniques of research and social, political and cultural militancy, from the definition of Psychology as a phenomenology of expressive acts and the relation of friendship between the researcher and the individual being studied as a person." (Chauí 2008). This is no small task since it consists of a daily challenge that pervades every act of every researcher who believes that memory, rather than a restoration of the past, can be "a generator of the future of society."

From her vast theoretical work, many very concrete actions were derived, such as the University Open to Senior Citizens Program, which gives access for people over sixty to any undergraduate course at USP. Under her initiative, communities of readers have also been created in public libraries in Sao Paulo, an idea derived from her work on the readings of working women. In this V!RUS issue, which addresses the multifaceted theme of the construction of memory, no one better than Ecléa Bosi could help us broaden our understanding of the subject.

It happens that, sadly, Professor Bosi left us earlier this year, passing away in Sao Paulo on July 10th. And even so, and for this reason, we decided to pay her a simple posthumous homage, republishing here one of her last interviews, initially published in the academic journal Dispositiva, of the Graduate Program in Social Communication, Pontifical Catholic University of Minas Gerais, PUC-Minas. Conducted by Prof. Dr. Mozahir Bruck, the interview contains a set of the researcher core ideas, sent to Professor Bruck by email, discussed in a telephone conversation, and edited by him in a question/answer format. In this republishing by V!RUS, we have added references to Bosi's writings in some sections, aiming to contribute to broadening the interest and access to her work.

We wholeheartedly thank Dispositiva journal and especially Prof. Dr. Mozahir Bruck for their kind permission to republish this document. 1

Memory: rooting is a fundamental human right

Mozahir Salomão Bruck

In appreciation and recognition of her outstanding work in the field of Human Sciences, the Dispositiva Journal presents, in this issue, an interview with Professor Emeritus Ecléa Bosi, from the University of São Paulo. Author of several books, such as "Memory and Society: Memories of Old Men" (already in its 16th edition), "Mass Culture and Popular Culture: Readings of Working Women", "Simone Weil: The Working Condition and Other Studies on Oppression" , and "Old friends", Ecléa Bosi presents, in this interview, some essential reflections on past and memory and aspects of field research that uses oral memory.

Contrary to the apology of memory exclusively deposited in technological devices, Professor Bosi recalls that rooting is a fundamental right of the human being and that the denial of this right has severe consequences for culture and life in society. Among the many teachings that the work of Ecléa Bosi, Professor of Social Psychology at USP, has provided, it is worth noting the notion that, in addition to sensitivity and respect for listening, the researcher is committed to the fact that what he collects from the past must reverberate and fecundate the future. We conducted the following interview via a telephone conversation. Bosi was careful to ask the questions in advance, kindly preparing a text to answer them, which we edited as follows in a question/answer format.

Mozahir Bruck We start this interview by quoting a thought of Walter Benjamin, mentioned in his book "Memory and Society: Memories of Old Men": memory as an epic faculty, par excellence. The phrase, beyond the conceptual force it shelters, raises an issue that crosses the whole discussion about memorialism: inevitably installed in a narrative and subject to adaptations (often even unconscious), faulty, rewritten, memory is not, in the end, a process and an object of the present time?

Ecléa Bosi As your question suggests, memory serves the call of the present. But we will often have to cross the enormous temporal distance between the fact narrated by the witness and what happened. This experience is always challenging, because of the changes that have occurred, especially in mentalities. Past, strictly speaking, is an absolute otherness that only becomes knowable through the voice of our deponent, our narrator. I always insist, with my students, on the training of the researcher who will interview his memoirist: when his narrative is hesitant, full of silence, he should not be in a hurry to make an ideological interpretation of what he is listening to or to fill in the pauses. It is important to emphasize that the emotive, fragmented speech of our memorialist carries meanings that bring us closer to the truth.

We must learn to love this groping speech, its pauses, its fringes, with lost wires almost irreparable (Bosi, 2003b, p. 65). Much more than a unilinear document, the witness narrative shows the complexity of the real. It offers a privileged way to understand the articulation of the movements of history with daily life. It is stunning to hear this meditative remembrance of the witness. We then understand that one can make of memory a substantial support for the construction of the present, and it becomes, for us, a real array of projects.

Mozahir Bruck Much is said about the fact that contemporaneity has put in crisis parameters relevant to men, such as the relationship with time and with space. With memory inextricably connected to the notion of time, can we say that memory gains today new contours and processes? When time becomes so fleeting, with the immediate moment overvalued, what is the power of memory regarding our necessary learning from the past, from what has already been lived?

Ecléa Bosi This is a relevant question for us to think about memory: which version of a fact should be considered correct? We were and always will be absent from the fact he is narrating. We do not have the right to refute the fact told by the memorialist, as if he was in the dock, requiring him to tell us the truth, only the truth. Like all of us, he will tell us his truth (Bosi, 2003b, p. 65). Then, in interpreting a harvest of memories, we have to think, as human scientists, of a project - what kind of knowledge are we seeking and producing. Because the rebuilt past is not a refuge, but a source, a source of reasons to fight. Thus, memory has no longer a character of a restoration of the past but becomes the generating memory of the future: social memory, historical and collective memory (Bosi, 2003b, p. 66).

We, researchers who collect the past, know that it is one of the most difficult and mysterious concepts. Past is not a succession of facts or layers that one can excavate. Memory is unaware of the chronological order. I hypothesize that it operates with great freedom, collecting facts memorized in space and time, not arbitrarily, but because they relate through indices of shared meaning. They are more intense constellations of events when, on them, the brilliance of a collective sense shines. This fierce movement of recovery of the memory in Human Sciences constitutes today a real academic fashion. The bond with the past is vital because from it is extracted the sap for the formation of identity. In this sense, there is also Simone Weil's notion of the right of rooting, for whom this is a human right similar to other rights associated with man's survival.

Mozahir Bruck In contemporaneity, so marked, among other notions, by the idea of deterritorialization, how to understand this right to rooting?

Ecléa Bosi I greatly appreciate this concept created by Simone Weil for understanding culture: rooting. The constant displacements forced upon us by modern life do not allow us to be rooted in a given space or community, but this remains a fundamental human right. As Simone Weil put it, the human being has a root for his real participation in a collectivity, which keeps alive some treasures of the past and some forebodings of the future (Weil, 1996 [1943]). The uprooting of modern life is a disaggregating condition of memory. One of the cruelest exercises of oppression in contemporary society (economic oppression) is the plundering of memories.

I think that urban planners, when planning cities, should listen to the old residents and be open to their memory, which is the memory of every street, every neighborhood. They would be thus recovering the human dimension of space, which is a most urgent political problem. The survival of a group is intimately connected to the city's morphology, and such connection disarticulates itself when urban speculation causes an extreme degree of uprooting. Inhabitants of a neighborhood carry the feeling of belonging to a tradition, a way of seeing, that animates the life of streets, squares, markets, and corners (Bosi, 2003a, p. 206). All this is well reflected in the testimonies of our memorialists. So researchers must be aware that a life story we listen to is not meant to be archived or stored in a drawer as a thing: it exists to transform the city where it has flourished (Bosi, 2003b, p. 69).

References

Bosi, E., 1981. Cultura de massa e cultura popular: leitura de operárias. 5th ed. Petrópolis, RJ: Vozes.

Bosi, E., 1994. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras.

Bosi, E., 2003a. Memória da cidade: lembranças paulistanas. Revista Estudos Avançados, USP, 47, pp.198-211. [online] Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0103-401420030001&lng=pt&nrm=iso> [Accessed 8th November 2017].

Bosi, E., 2003b. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial.

Bosi, E., 2003c. Velhos amigos. São Paulo: Companhia das Letras.

Chauí, M., 2008. Homenagem a Ecléa Bosi. Psicologia USP, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 15-24. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/41945>. [Accessed 8th November 2017].

Weil, S., 1996. O enraizamento. Trans. Ecléa Bosi. In: E. Bosi, org., 1996. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. 2st ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1st ed. 1943.

1 Interview initially published at: BRUCK, M. S. Profa. Eclea Bosi - Memória: enraizar-se é um direito fundamental do ser humano. Dispositiva, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 196 - 199, nov. 2012. ISSN 2237-9967. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/dispositiva/article/view/4301>. Acesso em: 08 Dez. 2017.