O Lugar Judaico na obra de Moacyr Scliar: memória e narratividade

Cristiane Rose Duarte, Ilana Sancovschi

Cristiane Rose Duarte é arquiteta e doutora em geografia. Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora do Laboratório “Arquitetura, Subjetividade e Cultura”. Estuda projeto do espaço urbano, aspectos culturais da construção do espaço, acessibilidade e etnografia da cidade nas áreas.

Ilana Sancovschi é arquiteta e Mestre em Arquitetura. Pesquisadora no Laboratório “Arquitetura Subjetividade e Cultura”, do Programa de Pós Graduação em Arquitetura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Como citar esse texto: DUARTE, C.; SANCOVSCHI, I. O lugar judaico na obra de Moacyr Scliar: memória e narratividade. V!RUS, São Carlos, n. 15, 2017. [online] Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus15/?sec=4&item=3&lang=pt>. Acesso em: 15 Out. 2024.


Resumo

Neste artigo apresentamos um estudo de caso que se indagou sobre a existência de um “Lugar Judaico” como um lugar coletivo construído no imaginário de um povo diaspórico. A partir desse estudo de caso, foi possível demonstrar que as narrativas, inclusive as literárias e ficcionais, acionam, constroem e colocam em continuidade as memórias tendo, desta forma, a capacidade de reafirmar e consolidar o entendimento de um lugar coletivo imaginário que conecta indivíduos mesmo que dispersos no território físico. Nesse sentido, refletimos aqui sobre processos de construção e preservação de memórias afetivas na consolidação de Lugares, demonstrando ainda a importante contribuição das narrativas nesses processos. O estudo se apoia em uma análise das subjetividades dos espaços por meio da leitura de duas obras de Moacyr Scliar, que parecem delimitar um lugar cultural específico vivenciado centralmente por personagens judeus.

Palavras-chave: Memória coletiva, Narrativa, Ambiência, Judaísmo


Introdução

Os avanços e barreiras criadas pelo que hoje entendemos como um processo de globalização vem sendo debatidos em diversas áreas, inclusive na arquitetura. Na década de 80, Frampton (1982) escreve um ensaio, que se tornará referência no campo da arquitetura1. Nesse ensaio Frampton dialoga com o texto escrito por Paul Ricoeur (1968 [1961]), intitulado “Civilização Universal e Culturas Nacionais”. O texto de Ricoeur apresenta um paradoxo: “Como tornar-se moderno e voltar às raízes; como reviver uma civilização antiga e adormecida e participar da civilização universal...” (RICOEUR apud FRAMPTON, 2003.p.381), embora coloque-se reticente ao resultado de uma cultura de diálogo que possibilite novos encontros, Ricoeur afasta a ideia do encontro colonizador, que vem sendo sucessivamente implementado frente à diversidade e promovendo cada vez mais um fenômeno de universalização. Nesse sentido, a proposta de Frampton é justamente o diálogo, ao estabelecer seis pontos a serem adotados para uma arquitetura que tenha a capacidade de resistir diante de uma homogeneidade inerente à sociedade moderna em avanço progressivo.

O ensaio de Frampton, citado acima, abre uma discussão no campo da arquitetura ainda atual nos dias de hoje. Nesse sentido, a pesquisa desenvolvida veio buscar referência em lugares construídos no imaginário que se estabelecem como resistência à ideia de universalização das cidades, dos lugares habitados.

A referida pesquisa focou seu estudo de caso na cultura judaica, uma cultura que permanece relevante através de tempos reinventando-se e mantendo-se viva apesar de diversos processos de desterritorialização e assimilação. Buscou-se, então, dentro deste paradoxo “ser moderno e voltar às raízes”, as características que configuravam uma ideia de um lugar cultural especifico, que seria capaz de transcender os avanços impostos pela modernidade. Trata-se, assim, de ir ao encontro de uma percepção de lugar cultural que se destacaria dos demais lugares.

A partir desses questionamentos indagamo-nos se esse Lugar seria construído a partir de uma “memória coletiva” (HALBWACS, 1990), reafirmando-se e consolidando-se através de ambiências reais e imaginadas. Um lugar virtual que, mesmo não constituindo território físico, se espalharia em um território simbólico representando uma “comunidade imaginada” (ANDERSON, 20082), um sentimento de pertencimento.

Como ferramenta metodológica foi usada uma análise literária para buscar a existência de um consenso, de um entendimento subjetivo do espaço, para o encontro de um lugar de resistência cultural. A pesquisa que está na base deste artigo nos levou a refletir sobre memória e narratividade, encontrando grandes contribuições da narrativa nos processos de construção de memórias afetivas e fortalecimento de memórias coletivas. Ao final da pesquisa, verificou-se que as narrativas, mesmo as literárias e ficcionais, têm a capacidade de acionar, “construir” e colocar em continuidade memórias que compõe um Lugar coletivo imaginário, lugar esse, que como outros lugares imaginários, complementam a configuração das cidades contemporâneas.

2 As narrativas na construção do mundo contemporâneo.

Para falar de espaços e lugares, reais e imaginários, que se constroem e se consolidam por meio de narrativas contadas ou escritas, torna-se relevante a compreensão do que entendemos por narrativa e suas relações.

Barthes (1976 [1966]) fala das várias formas de narrativas, e também como os diversos grupos humanos se vinculam a elas. Segundo o autor, a narrativa sempre existiu, sendo importante forma de transmissão de ideias e vínculo forte nas relações interpessoais. A narrativa ultrapassa fronteiras nacionais, temporais e culturais. Barthes fala ainda de uma renovação e multiplicação das formas de narrativa na contemporaneidade. Esse imperativo da narrativa, que parece hoje ser intransponível, segundo o autor, nem sempre foi considerado desta forma. Em um artigo intitulado “O Narrador”, Benjamin (1987 [1936]), após discorrer sobre a importância e o refinamento da construção narrativa, defende que a modernidade propiciaria o expansivo desaparecimento da figura do narrador.

Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo. [...]. No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos dos campos de batalha não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável. (BENJAMIN, 1987, p198).

É certo que momentos sombrios calaram e seguem calando narradores. Falando especificamente do grupo com o qual trabalhamos na pesquisa, entre os judeus, a geração que vivenciou a experiência traumática do Holocausto permaneceu calada por anos, privando uma geração inteira de suas narrativas, de seu testemunho. Hoje, no entanto, sabe-se que este testemunho é essencial para a continuidade da história do povo e da humanidade. Acreditamos, assim, que o resgate da “faculdade de intercambiar experiências” (BENJAMIN,1987) coloca em evidência memórias vividas e memórias construídas, nos levando a experienciar o lugar do outro, relativizando nossos lugares ou ainda construindo e consolidando lugares imaginários, como mostraremos em nosso estudo de caso. Nesse sentido, as narrativas tornaram-se importantes peças na construção do mundo contemporâneo, assim como na construção das cidades contemporâneas, colocando-se como uma forma de testemunho, de denúncia, de reafirmação identitária e cultural, além de nos levar ao entendimento de nossos espaços e lugares.

Trabalhando mais a fundo o próprio conceito de narrativa, Paul Ricoeur (2008) discute a respeito da aproximação entre temporalidade histórica e narrativa, atento ainda às questões da memória. Segundo Ricoeur, somente a narrativa, que propõe uma ordenação sequencial de eventos dispersos, nos permite compreender a experiência do tempo humano, do tempo histórico. A narrativa nos permite pensar nossa temporalidade, nossa historicidade. Para nós, pesquisadores no campo da Arquitetura e Urbanismo, contudo, chama atenção a associação proposta por Ricoeur entre tempo, narrativa e espaço.

Em “A Memória, a História e o Esquecimento” (RICOEUR, 2008), o autor aborda a questão do espaço habitado, onde associa o destino do espaço ao destino do tempo. “Ao passar da memória à historiografia, mudam de signo conjuntamente o espaço no qual se deslocam os protagonistas de uma história narrada e o tempo no qual os acontecimentos narrados se desenrolam” (RICOEUR, 2008, p.156). Esse cruzamento entre tempo e espaço é exemplificado por Ricoeur com o testemunho da expressão: eu estava lá.

O imperfeito gramatical marca o tempo, ao passo que o advérbio marca o espaço. É em conjunto que o aqui e o lá do espaço vivido da percepção e da ação e o antes do tempo vivido da memória se reencontram enquadrados em um sistema de lugares e datas do qual é eliminada a referência ao aqui e ao agora absoluto da experiência viva. (RICOEUR, 2008. p.156).

É exatamente esse enlaçamento das noções de tempo e espaço, atravessadas uma pela outra, que nos possibilita a sustentação de uma história, de uma narrativa, que permitirá a transmissão de um testemunho da experiência individual ou coletiva dos lugares que vivemos, como vivemos e o que esperamos. Podemos dizer, portanto, que as narrativas (literárias ou não) se apresentam como um testemunho da experiência individual e coletiva do narrador, que viveu e esperou em determinado tempo e espaço.

No texto “Arquitetura e Narratividade”, Ricoeur (1998) aprofunda ainda mais a associação tempo, narrativa e espaço. Nesse texto, o autor traça um paralelo entre a arquitetura e a narratividade, no qual “a arquitetura seria para o espaço o que a narrativa é para o tempo” (RICOEUR, 1998, p.44). Por meio dos mesmos marcos de análise usados em “Tempo e Narrativa” (RICOEUR, 1994), o autor demonstra que arquitetura e narratividade se constituem em movimentos paralelos, onde a narratividade é descrita no tempo e a arquitetura no espaço. Acompanhamos então os três estágios citados pelo autor. Na “prefiguração”, a narrativa está associada à vida cotidiana, enquanto que a arquitetura está conectada ao ato de habitar. Na “configuração”, narrativa e vida cotidiana se descolam, e o tempo narrado é construído através de formas literárias; enquanto que no plano espacial, se estabelece um estágio efetivamente intervencionista ligado ao ato do construir, o projeto arquitetônico. Finalmente o terceiro estágio, citado pelo autor, é o da “refiguração”, onde se estabelece uma situação de leitura e releitura que ocorre também sob o ângulo do espaço. Neste se estabelece a leitura e releitura de cidades e de todos os lugares de habitação.

Ricœur (1998) levanta ainda a possibilidade de um entrecruzamento ainda mais verdadeiro entre a “configuração” arquitetural do espaço e a “configuração” narrativa do tempo:

Em outras palavras, trata-se de cruzar espaço e tempo através do construir e do contar. Tal é o horizonte dessa investigação: embaralhar a espacialidade da narrativa e a temporalidade do ato arquitetural pelo intercâmbio, de certa forma, entre espaço-tempo nas duas direções. Poder-se-á assim encontrar, ao final, sob a condução da temporalidade do ato arquitetural, a dialética da memória e do projeto no próprio seio dessa atividade. (RICOEUR, 1998, p.44).

Propomos-nos, então, a seguir esse embaralhamento entre tempo e espaço. Porém, no lugar de buscarmos a dialética da memória e do projeto na arquitetura, a buscamos na narrativa. Para isso, tomamos o projeto arquitetônico, mencionado por Ricoeur, não somente como “projeto arquitetônico em seu sentido técnico, mas principalmente ao projeto de lugares como resultado de aspirações coletivas e individuais do homem” (DUARTE et.al, 2007). Nesse sentido, a narrativa funcionaria também como o ato arquitetural, construindo lugares no imaginário, lugares esses que, sob nosso ponto de vista, acionam memórias e reverberam no imaginário coletivo, na memória coletiva, através do estágio de “refiguração”. Assim, na “prefiguração” a narrativa estaria conectada à vida cotidiana, ao ato de habitar, na “configuração” uma forma literária abarcaria a memória de tempo e espaço vividos, construindo no imaginário os reflexos da vida cotidiana e do ato de habitar e, finalmente, no estágio de “refiguração” a leitura e releitura da narrativa consolidariam os lugares imaginários por ela construídos. Desta forma, nossa pesquisa vai ao encontro do pensamento de Ricoeur quando afirma que “a narrativa projeta no futuro o passado rememorado” (RICOEUR, 1998, p.45).

O estudo que apresentamos neste artigo trabalha com narrativas já consolidadas, ou seja, elas já se encontram em um estágio de “refiguração”. Acreditamos, portanto, que ao acompanharmos – através da leitura e releitura –as narrativas da obra de Moacyr Scliar, estamos vivenciando um passado rememorado no presente, contribuindo para uma consolidação de seus lugares no imaginário futuro. Assim, sustentamos que o “Lugar Judaico” que vemos emergir das narrativas faz o elo entre passado-presente-futuro, projetando-se como um “Lugar coletivo imaginário”.

3 Entendendo os espaços a partir de sua complexidade

Tendo compreendido as questões que envolvem a narrativa nas relações com tempo, espaço e cultura, passamos a conceitos mais familiares ao campo da Arquitetura e Urbanismo, e seu exercício profissional.

Na sociologia, Castells (1999) apresenta o espaço como um suporte material de práticas sociais de tempo compartilhado” (CASTELLS. 1999, p.500). Nesse sentido, vida social e espaço são indissociáveis, no entanto o autor trata o espaço como matéria inerte, suporte para as relações ali presentes.

Por este motivo, fomos buscar na geografia humanista de Tuan (1983) uma perspectiva experiencial, que vai determinar a compreensão do espaço (e do lugar) na sua relação com o corpo, com o indivíduo. Para Tuan, o que se entende por espaço - amplo, aberto, sem definições - acaba por se tornar Lugar ao passo que o reconhecemos e o significamos. O processo de significação e identificação dos espaços se dá através da experiência, podendo ocorrer de modo individualizado e intuitivo3, ou de modo intencional4, onde o ser humano e o espaço se constituem simbioticamente. Uma vez que nos interessa as relações indivíduo-indivíduo (presentes no espaço), mas também as relações indivíduo-espaço, optamos por trabalhar com uma ideia de espaço relacional, onde o espaço é suporte, mas também agente.

Essa concepção de espaço nos levou ao conceito de Ambiência Sensível5. A ambiência funciona como mediador, agenciando e sendo agenciada pelas relações entre indivíduo (s) e espaço, importando ainda as relações sociais e culturais ali estabelecidas. A partir deste conceito, entendemos o espaço, não somente pela sua dimensão física, mas também por dimensões sensíveis, sensoriais e dinâmicas. A “ambiência é tanto subjetiva quanto objetiva. Ela envolve a experiência vivida pelas pessoas assim como o ambiente construído” (THIBAUD, 2011. p.1, tradução nossa). A experiência vivida seria, portanto, uma experiência de abstração fundamentada em várias dimensões, sejam elas visual, tátil, cinética ou sonora (...) que materializam relações socioculturais presentes no espaço interagindo com o ambiente construído, constituindo, assim, as ambiências. Para nós as ambiências, mais do que uma forma complexa de compreender os espaços, são elemento essencial na compreensão da relação entre espaço e indivíduo.

Ao aceitarmos que os lugares se constituem das significações atribuídas a eles por meio de subjetividades inscritas em cada grupo cultural, entendemos que cada um desses grupos constrói para si um “lugar de identificação”, ou ainda um entendimento do seu “lugar de pertencimento”; em nosso caso o “Lugar Judaico”. Os “lugares de identificação”, segundo Stock (2006), se estabelecem pela prática dos lugares6, a qual entendemos pela vivência, pelos rituais e, pelas ações cotidianas presentes nos espaços. Então, se as práticas dos lugares constroem “lugares de identificação”, sustentamos que as ambiências que envolvem essas práticas e lugares reafirmam e fortalecem os vínculos do indivíduo com o espaço. Logo, mais do que as ações em seus suportes espaciais, as ambiências têm um papel fundamental na construção das identidades e dos territórios simbólicos.

4 Percursos imaginados: uma etnotopografia através da literatura.

Por adotarmos como objeto de estudo os espaços narrados na literatura, e ainda estarmos alinhados com uma abordagem experiencial, foi necessário desenvolver uma metodologia de pesquisa que nos proporcionasse a aproximação da dimensão sensível com a leitura dos textos propostos e com isso uma vivência aproximada dos espaços narrados.

A metodologia desenvolvida tem como ponto de partida uma “leitura sensível” dos textos literários que proporciona uma aproximação corpo-texto, levando o leitor, por meio de sua memória sensível, a uma experiência sensorial da leitura. Para tanto nos apoiamos em dois teóricos de arte e literatura.

A escritora e crítica de arte Susan Sontag (1964) coloca-se contrária à ideia da “interpretação consciente” da obra de arte, propondo que a direção tomada pela “leitura” da obra de arte, seja ela qual for, deva ser na direção de saber como ela é, e não o que ela significa. “O que é importante, agora, é recobrarmos os sentidos. Devemos aprender a ver mais, escutar mais, sentir mais. [...] No lugar de uma hermenêutica, precisamos de um erotismo da arte” (SONTAG,1964. p.10, tradução nossa). Nesse sentido, a autora propõe uma aproximação sensível do corpo com a arte, ou com o texto.

Na mesma direção, o teórico em literatura Gumbrecht (2014) defende que textos literários devam ser lidos a partir de uma experiência sensorial – “leitura pelo Stimmung”. A leitura por este princípio, como defende o autor, tem a capacidade de fazer presente em nós uma ambiência de um outro lugar. Ao concentrar-se nas ambiências e atmosferas, o leitor reivindica para si uma vitalidade e proximidade estética de algo distante ou desaparecido. “O objetivo é seguir as configurações da atmosfera e do ambiente, de modo a encontrar, em formas intensas e íntimas, a alteridade” (GUMBRECHT,2014. p.22).

Dessa forma, a partir da leitura sensível, partimos para um “percurso imaginado” que nos leva a vivenciar os espaços inscritos nas narrativas literárias. A metodologia que desenvolvemos tem base no método de análise das ambiências chamado “percursos comentados” (THIBAUD,2002). O “Percurso Imaginado”, está pautado em três etapas: ler, “caminhar”, perceber. Traçamos, através da “Leitura Sensível”, percursos fictícios, caminhadas imaginárias, dentro dos espaços representados nas narrativas. No entanto, ao iniciarmos os percursos, não temos um caminho definido. A partir das leituras, nós lançamos nos espaços propostos. Andamos por eles como “flaneurs” na cidade, cortando caminhos e sentindo suas ambiências.

Assim, por meio desses percursos imaginados, vivenciamos os espaços inscritos em duas obras de Moacyr Scliar, com o intuito de encontrar as significações culturais impregnadas nas ambiências desses espaços, que constroem e consolidam memórias em um processo de “refiguração” da narrativa, estabelecendo uma ideia de um lugar coletivo imaginário, em nosso caso “o Lugar Judaico”.

5 Vivenciando ambiências judaicas na obra de Scliar

Ao se falar do estudo sobre cidades, espaços ou lugares por meio da literatura, é comum verificar o uso de uma literatura de memórias, ou uma literatura viática. No entanto, optamos aqui pelo uso da literatura ficcional, na qual o plano material e o plano imaginário se misturam, acionando memórias vividas e construindo novas memórias. Nesse sentido, o “Lugar Judaico” que buscamos encontrar, tal qual a identidade judaica ou a judeidade, configura-se como um processo em permanente transformação, como um devir, estando sempre em um plano entre o material e o imaginário, colocando-se desta forma entre “ser moderno e voltar às raízes”.

A escolha de Moacyr Scliar, e sua obra, aconteceu principalmente devido à nossa busca pelo entendimento da condição judaica através de uma perspectiva do pertencimento cultural e não de uma perspectiva religiosa.7

Filho de emigrantes europeus, Scliar nasce em Porto Alegre e passa boa parte de sua infância no bairro do Bom Fim. Parte de sua educação escolar se passa no Colégio Iídiche, e parte em um Ginásio Católico. Mesmo vivenciando um lugar comunitário judaico, teve contato intenso com a cultura brasileira e sua literatura. Conquistou diversos prêmios e foi nomeado membro da Academia Brasileira de Letras. Scliar é considerado um dos escritores mais representativos da literatura brasileira contemporânea, com temas que passeiam desde a realidade social urbana no Brasil até a medicina. No entanto, não podemos deixar de notar que sua condição judaica é uma das maiores influências de sua obra, incluindo o autor na categoria da literatura judaica contemporânea.

As obras de Moacyr Scliar analisadas na pesquisa nos levam a um passeio pelo bairro do Bom Fim, em Porto Alegre. Os livros “A Guerra no Bom Fim” (SCLIAR,2014), lançado em 1972 e, “Exército de um Homem Só” (SCLIAR,2012), lançado em 1973, carregam consigo uma experiência construída entre memória vivida e a fantasiada pelo autor.

Em “A Guerra no Bom Fim”, Scliar abre sua narrativa nos apresentando um lugar de identidade própria. Lá o Bom Fim era um país independente, lá se vivia de forma diferente. Seus limites eram claros.

Consideremos o Bom Fim um país – um pequeno país, não um bairro de Porto Alegre. Limita-se, ao norte, com as colinas dos Moinhos dos Ventos; a oeste com o centro da cidade; a leste, com a Colônia Africana e mais adiante Petrópolis e as Três Figueiras; ao sul, com a Várzea, da qual é separado pela Avenida Oswaldo Aranha. (SCLIAR, 2014, p.21).

Em uma narrativa que mistura história e fantasia, Scliar retrata a vida dos judeus do Bom Fim, seu cotidiano e os impactos das memórias vividas na Europa e, principalmente, da eclosão da Segunda Guerra Mundial e o avanço das tropas nazistas. Nessa obra de Scliar, as crianças combatem as invasões nazistas e resistem firmemente às tentativas de eliminação dos judeus. A ideia de reunir em um lugar dois tempos distintos marca também um traço interessante da identidade judaica que aqui se revela.

A temática da “des-re-territorialização” (HASBAERT, 2001) vivida nessa obra é compartilhada pela segunda obra de Scliar que analisamos. O mesmo “país”, o Bom Fim, é cenário de “A Guerra de um Homem Só”, onde o Capitão, a personificação do judeu Estrangeiro (SIMMEL,1983), “um homem perseguido, cuja dor seu destino de excluído traz estampada nas suas ações [...]” (SZKLO, 1990. p.64), vive uma tentativa frustrada de criar uma utopia. Nesta obra, vive-se um constante conflito entre o cotidiano do lugar vivido e a expectativa de uma “terra prometida”. O Capitão segue sua vida entre o cotidiano no Bom Fim, no convívio de conhecidos judeus, e o projeto da criação de um núcleo judaico, um lar nacional. Nesse, vive a ilusão de um mundo melhor, entre homens iguais, onde não existam exploradores ou explorados.8

Em suas novelas, Scliar evoca precisamente esse momento de ruptura em que a cidadezinha judia, na sua forma tradicional – aqui o bairro do Bom Fim das décadas de 30 e 40 – oscila entre um passado que lhe escapa irremediavelmente e um futuro imprevisível. (SZKLO, 1990, p.70).

Como uma forma de ilustrar os resultados da pesquisa, apresentamos dois trechos da narrativa de Scliar que, acionando uma memória coletiva, apresentam características que atribuem significado aos espaços da vida cotidiana judaica de Porto Alegre, durante e após a Segunda Guerra Mundial.

No primeiro trecho percebemos principalmente uma dupla temporalidade vivenciada nos espaços de vida judaica, mas também é possível verificar referências de uma espacialidade e sensorialidade simbólicas desta cultura:

E de repente chega o domingo. Não se trabalha; não se trabalha sábado nem domingo. Sábado é feriado no país do Bom Fim, domingo é feriado no Brasil. Sábado pela manhã se vai à sinagoga. No domingo a família se aboleta na charrete e vai fazer um piquenique nas Três Figueiras. “Malke Tube” trota com garbo, Samuel canta em iídiche, Joel grita e abana para os amigos, Nathan sorri, Shendl alimenta-os com sanduiches e maçãs. Descem a Rua Fernandes Vieira, tomam à esquerda na Avenida Oswaldo Aranha, passam pela frente do Pronto Socorro, abanam para uma enfermeira – uma mulata vestida de branco –, passam pelo Campo de Polo, pelo Cinema Rio Branco, pelo Campo do Força e Luz. Já estão fora do Bom Fim e, à medida que sobem o Caminho do meio, as casas vão escasseando e o mato começa a surgir. É então que passam pelo palacete dos judeus petrificados. (SCLIAR, 2014, p.54).

A passagem acima nos deixa entender que aos sábados, a vida muda no Bom Fim. O que transforma essa rotina, essa vivência, esse espaço, é um ritual semanal judaico, o shabat. Um feriado do “País” do Bom Fim. A sinagoga, representa o lugar de encontro, de ritos e de descanso também. Aos domingos é feriado no Brasil e também não se trabalha no Bom Fim. Mas a ambiência que envolve esse dia é outra. A sinagoga não é, neste dia, uma referência. Aos domingos, as famílias saem a passeio transbordando os limites do Bom Fim, carregando para os espaços de fora suas músicas, sons, comidas e cheiros como se carregassem consigo seus lugares e suas temporalidades. Reconhecendo pelo caminho espaços habitados por judeus que optaram por uma vida fora da comunidade, os “judeus petrificados”, nos remetendo a dualidade entre “modernidade e tradição” e nos mostrando que a crença em um poder divino faz parte da vida dos judeus do Bom Fim.

Assim, a passagem apresentada acima nos leva a olhar para o Lugar Judaico a partir de referências temporais específicas, que se constroem na dualidade entre uma temporalidade judaica e não judaica. Quanto à espacialidade, vemos que esse lugar possui referências e marcos simbólicos próprios delimitando algumas fronteiras, que apesar de tudo podem ser quebradas ou ultrapassadas por características sensoriais. Desta forma, o fato de reconhecer caminhos através de lugares habitados por outros judeus, ter na sinagoga uma referência momentânea, delimita um espaço de pertencimento que parece querer extravasar seus limites por meio de uma sensorialidade que também marca o lugar judaico através de sons (como das músicas, dos sotaques ou palavras em iídiche), cheiros e gostos (de comidas judaicas e europeias).

Em uma outra passagem o sentimento de “estrangeiro”, de não pertencimento, ou ainda de forma mais definitiva o sentimento de ausência, que acompanha o indivíduo judeu é forte referência no Lugar Judaico:

Neste Mar, o Capitão Birobidjan flutua imóvel, meio afogado. Do cais os homenzinhos contemplam-no em silêncio.

A mão de Birobidjan bate em algo duro: a quilha de um barco. Instantaneamente reanimado, ele sobe a bordo do pequeno veleiro.

Não há ninguém. O Capitão prepara-se para partir. Um dia haverá de desenhar-se assim: em pé, na proa, a cabeça erguida, o olhar penetrante sondando a escuridão: um dia, quando houver tempo para a arte. (SCLIAR, 2012, p.5).

A passagem acima retrata o momento de chegada ao Brasil. Os judeus que chegam, em sua maioria de países europeus, parecem se sentir sozinhos, perdidos em um “mar imenso”. Como o Capitão, “flutuam imóveis e meio afogados”. Neste sentido, ao chegar no Bom Fim, os judeus se instalam em uma ambiência de incerteza, imensidão e solidão. No entanto, como a narrativa apresenta, “em pé, na proa, a cabeça erguida, o olhar penetrante sondando a escuridão” o judeu segue em frente mesmo diante da imensidão e da escuridão, seguindo na tentativa de desbravar esse novo espaço, organizando uma estrutura e uma ocupação comunitária no espaço físico, mas que é reforçada pelas características simbólicas que se estabelecem. Além disso, o apelido da personagem, Capitão Birobidjan9, evidencia a imensa ânsia pela “Terra Prometida”.

6 A consolidação do lugar imaginário.

Os dois trechos apresentados acima são ilustrações de uma longa análise das referidas obra de Moacyr Scliar10. A pesquisa que está na base deste artigo verificou que narrativas literárias, mesmo que ficcionais, ao retratar as práticas judaicas dos lugares por meio da descrição de ambiências em suas características sensíveis e culturais, acabam por acionar no leitor uma empatia capaz de trazer à tona memórias coletivas, vividas e construídas. Dessa forma, a literatura faz chegar ao leitor a representação de um território simbólico, imaginado e caracterizado pela cultura judaica.

Por meio da leitura sensível foi possível localizar nas narrativas características como: a temporalidade, que estabelece uma dupla vivência temporal do espaço marcada por um lado com rituais cotidianos e específicos da cultura judaica, e por outro, com rituais cotidianos e específicos de outras culturas; a espacialidade, que estabelece distâncias entre lugares comunitários, rituais e cotidianos, além de estabelecer também fronteiras internas e externas; a sensorialidade, que materializa no espaço uma dimensão sagrada dos rituais judaicos assim como uma dimensão profana das relações cotidianas e interpessoais; e finalmente a sensibilidade, que faz presente nos espaços sentimentos de estranhamento e ausência.

Ao nosso entendimento, o estágio de “refiguração” da narrativa de Scliar, como propõe Ricoeur (1998), faz o leitor reviver e reconstruir memórias comuns a um grupo específico. Esse processo acaba por delimitar um território simbólico reconhecido em diversas localidades, trazendo assim à tona uma noção de um Lugar Judaico Imaginário. Esse Lugar se mantém vivo em um espaço virtual, onde o sentimento cultural está fortemente ligado a suas raízes, encontrando assim um equilíbrio entre “tornar-se moderno e voltar às raízes”.

De fato, nossa pesquisa verificou que a territorialidade e a identidade cultural podem ser compreendidas - e até sentida – a partir das ambiências referenciadas pela literatura. Com base nisso, sustentamos que as narrativas não só oferecem importante contribuição nos processos de construção, e preservação de memórias pessoais, coletivas e ainda de espaços e lugares diversos, como ainda se apresentam como uma ferramenta relevante para estudos que propõe um entendimento subjetivo e memorial dos espaços, tão importante nos processos de projetação e transformação da cidade.

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1 Sob o título original: “Towards a Critical regionalism: Six Points for an Architecture of Resistence”. Inicialmente publicado na Perspectiva: The Yale Architectural Journal, em 1982.

2 Nos referimos aqui ao conceito utilizado por Anderson (2008), que apresenta a comunidade imaginada como aquela em que seus membros não possuem um relacionamento face a face. Embora o termo seja utilizado para caracterizar nações referenciadas em um território físico, entendemos que a “comunidade judaica”, mesmo espalhada por diversos territórios físicos, constitui-se em referência a um território simbólico.

3 Referimo-nos aqui intuição sensível definida por Kant “Sensível é a Intuição de todo ser pensante finito, ao qual o objeto é dado: ela é, portanto, passividade, afeição” (apud. ABBAGNANO ,1998) A intuição pode ser atribuída ao homem e considerada a experiência como conhecimento de um objeto presente, sendo, nesse sentido, percepção” (ABBAGNANO, 1998. p.582).

4 Como intencional, nos referimos aqui a significações mediadas pela cultura, onde entendemos a cultura como na abordagem de White (WHITE; DILLINGHAM 2009), para quem a capacidade de “simbologizar” envolve a possibilidade de criar, atribuir e compreender significados.

5 O conceito Ambiência Sensível, vem sendo estudado e desenvolvido por uma rede internacional, The International Ambiances Network, que pesquisa no campo das ambiências nos espaços urbanos e arquiteturais. A rede busca promover o domínio sensorial nas pesquisas e projetos de espaços habitados.

6 Usamos aqui a tradução direta do termo usado por Stock, em francês, “pratiques des lieux”, que se refere aos usos e formas de usos dos espaços. Ver: STOCK, Mathis (2006).

7 Ao buscar o entendimento do equilíbrio entre modernidade e tradição, excluímos a perspectiva religiosa, uma vez que esta em geral tende a isolar-se para manter-se fiel a suas raízes e preceitos.

8 A fantasia de um lugar igualitário faz referência aqui aos ideais Kibutzianos.

9 A referência utilizada por Scliar é uma mistura da ideia das colônias judaicas anteriores fundação do Estado de Israel e o movimento Kibutziano; em última instância, Birobidjan representava uma “terra prometida”, um Lar Nacional.

10 A pesquisa contou ainda com a análise de obras de outros dois autores da literatura judaica contemporânea.

The Jewish place in Moacyr Scliar’s work: memory and narrativity

Cristiane Rose Duarte, Ilana Sancovschi

Cristiane Rose Duarte is architect and Doctor in Geography. Professor at Faculty of Architecture and Urbanism, at Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ). She is Coordinator of Architecture, Subjectivity and Culture Research Group. She studies urban space design, cultural aspects of space construction, accessibility and ethnography of the city in the areas.

Ilana Sancovschi is architect and Master in Architecture. She is researcher at Architecture, Subjectivity and Culture Research Group, at Graduate Program in Architecture, at Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ).


How to quote this text: Duarte, C. and Sancovschi, I., 2017. The Jewish place in Moacyr Scliar’s work: memory and narrativity V!RUS, 15. [e-journal] [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus15/?sec=4&item=3&lang=en>. [Accessed: 15 October 2024].


Abstract

The aim of the current study is to present a case study that investigated the “Jewish Place” as a collective place built in the imagination of diasporic people. Based on the case study it was possible showing that narratives - including literary and fictional ones - trigger, build and put memories in continuity; thus, they are able to reaffirm and consolidate the understanding about an imaginary collective place connecting individuals, even if they are dispersed in the physical territory. Therefore, we herein reflect about affective memory construction and preservation processes involved in the consolidation of Places, as well as address the key role narratives play in these processes. The present study is based on the analysis of space subjectivities through the reading of two Moacyr Scliar’s works, which seem to delimit a specific cultural place centrally experienced by Jewish characters.

Keywords: Collective memory, Narrative, Ambience, Judaism


1 Introduction

The advances and barriers created by what we now understand as globalization process have been discussed in several knowledge fields such as architecture. The essay by Frampton (1982), who sets a dialogue with the text written by Paul Ricoeur ([1961], 1968) - entitled “Universal Civilization and National Cultures” -, became a benchmark in the architecture field. Ricoeur's text presents a paradox: “how to become modern and to return to sources; how to revive an old, dormant civilization and take part in universal civilization? ...” (RICOEUR apud FRAMPTON, 2003.p.381). Although Ricoeur remains reticent about the result of a dialogue culture that enables new encounters, he takes away the idea of a colonizing encounter, which has been successively implemented to meet diversity and increasingly promote the universalization phenomenon. Thus, Frampton's proposition lies precisely on the dialogue, since he establishes six points to be adopted in an architecture able to withstand the homogeneity inherent to modern society, which is progressively advancing.

The essay by Frampton opened a discussion that remains current in the architecture field1, nowadays. In this sense, our research sought reference in places built in the imagination, which are set as resistance to the universalization of cities and inhabited places.

This research focused its case study on the Jewish culture - a culture that remains relevant throughout times, reinvents itself and remains alive despite several deterritorialization and assimilation processes. Within the paradox - “to be modern and to return to sources” -, we investigated characteristics configuring the idea of a specific cultural place able to transcend the advancements imposed by modernity. In other words, he pursued the perception about a cultural place able to stand out among other places.

Thus, it is worth questioning whether this Place would be built from a “collective memory” (HALBWACS, 1990) by reaffirming and consolidating itself through real and imagined ambiences; a virtual place that, although not constituting a physical territory, would spread itself in a symbolic territory representing an “imagined community” (ANDERSON, 2008)2, the feeling of belonging.

The herein adopted methodological instrument comprised a literary analysis about consensus - of a subjective understanding about space – to find a place of cultural resistance. The research underlying the current article made us reflect about memory and narrativity, and allowed finding great narrative contributions to processes such as building affective memories and strengthening collective ones. At the end of the research, it was possible concluding that narratives, even literary and fictional ones, are able to trigger, “build” and put into continuity memories composing an imaginary collective Place, which, like other imaginary places, complete the configuration of contemporary cities.

2 Narratives building the contemporary world.

It is necessary understanding what we herein mean by narrative and its relations in order to address (real and imaginary) spaces and places, which are built and consolidated by means of oral or written narratives.

Barthes ([1966] 1976) addressed several forms of narratives, as well as how different human groups are bound to them. According to this author, narrative has always existed as an important way of conveying ideas and as a strong bond to interpersonal relations. Narrative goes beyond national, temporal and cultural boundaries. Barthes also addressed the renewal and multiplication of narrative forms in the contemporary world. According to him, the narrative imperative, which appears to be insurmountable nowadays, was not always seen like that. After discussing about the importance and the refinement of narrative construction in an article entitled “The Storyteller”, Benjamin ([1936] 1987) advocates that modernity would foster the expansive disappearance of the narrator’s figure.

One reason for this phenomenon is obvious: experience has fallen in value. And it looks as if it is continuing to fall into bottomlessness. […] Was it not noticeable at the end of the war that men returned from the battlefield grown silent - not richer, but poorer in communicable experience? (BENJAMIN, 1987, p198).

It is true that somber moments have been silent and continue to silence storytellers. As for the specific group addressed in the current research - the Jews -, the generation who lived through the traumatic Holocaust experience remained silent for years and deprived a whole generation of their narratives, of their testimony. Nowadays, however, it is known that such testimony is essential to the continuity of people and mankind’s history. Thus, we believe that the rescue of the “ability to exchange experiences” (BENJAMIN, 1987) highlights lived and built memories, and leads us to experience the place of the other by relativizing our own places, or by building and consolidating imaginary places, as shown in our case study. Thus, narratives have become important pieces in the construction of the contemporary world, as well as in the construction of contemporary cities, since they are a form of testimony, denunciation, as well as of identity and cultural reaffirmation, which allows understanding our own spaces and places.

Paul Ricoeur (2008) makes a close approach to the concept of narrative itself and discusses the approximation between historical and narrative temporality, although attentive to memory matters. According to Ricoeur, only the narrative, which proposes a sequential ordering of scattered events, allows understanding the human-time (historical time) experience. The narrative allows us to think about our temporality, our historicity. However, the association among time, narrative and space, proposed by Ricoeur, draws the attention of researchers from the Architecture and Urbanism field.

In “Memory, History and Forgetting”, Ricoeur (2008) addresses the inhabited space issue, in which he associates the destiny of space with the destiny of time. “In passing from memory to historiography, the space in which the protagonists of a recounted history move and the time in which the told events unfold conjointly change their sign.” (RICOEUR, 2008, p.156). This cross between time and space is exemplified by Ricoeur through the expression: “I was there”.

The use of the grammatical imperfect tense in French indicates the time, while the adverb marks the space. Together the here and there of the lived space of perception and of action, and the before of the lived time of memory, find themselves framed within a system of places and dates where the reference to the here and absolute now of lived experience is eliminated. (RICOEUR, 2008. p.156).

It is exactly the interlocking between concepts such as time and space, crossed by one another, what enables sustaining a story (a narrative), which will convey the testimony of the individual, or collective experience of places we live in, how we live and what we expect. Therefore, it is possible stating that narratives (whether they are literary or not) are the testimony about the individual and collective experience of the storyteller, who lived and expected in a certain time and space.

In “Architecture and Narrativity”, Ricoeur (1998) further deepens the association among time, narrative and space. The author draws a parallel between architecture and narrativity, in which “architecture would be to space what narrative is to time” (RICOEUR, 1998, p.44). By adopting the same frameworks of analysis used in “Time and Narrative” (RICOEUR, 1994), the author shows that architecture and narrativity constitute parallel movements, wherein narrativity is described in time and architecture is described in space. Thus, we herein follow the three stages mentioned by the author. In “prefiguration”, narrative is associated with everyday life, whereas architecture is linked to the act of dwelling. In “configuration”, narrative and everyday life move, whereas the narrated time is built through literary forms; an effectively interventionist stage linked to the act of building is set in the space sphere, namely: the architectural project. Finally, the third stage mentioned by the author is “refiguration”, which sets a reading and re-reading situation, which also occurs in the space sphere; the reading and re-reading of cities and of all housing places is set in such sphere.

Ricoeur (1998) also addresses the possibility of an even truer interlocking between the architectural “configuration” of space and the narrative “configuration” of time:

In other words, it is really a matter of crossing space and time through building and recounting. Such is the horizon of this investigation: to entangle the spatiality of the narrative and temporality of the architectural act by the exchange, as it were, of space-time in both directions. We will also be able to find, in time, as we are led by the architectural act’s temporality, the dialectic of memory and project at the very heart of this activity. (RICOEUR, 1998, p.44).

Thus, we herein follow this shuffle between time and space. However, we pursuit the dialectic of memory and design in the narrative rather than in architecture. In order to do so, we take the architectural design, mentioned by Ricoeur, not only as “architectural design in its technical sense, but mainly to the design of places resulting from collective and individual aspirations of mankind” (DUARTE et.al, 2007). Accordingly, narrative would also function as the architectural act, which builds places in the imagination; these places, according to our point of view, trigger memories and reverberate in the collective imagination, in the collective memory, through the “refiguration” stage. Thus, during the “prefiguration” stage, the narrative would be linked to everyday life, to the act of dwelling; whereas during the “configuration” stage, a literary form would encompass the memory of experienced time and space, in order to build the reflections of the everyday life and of the act of dwelling in the imagination. Finally, in the “refiguration” stage, narrative reading and re-reading would consolidate the imaginary places it has built. Thus, our research meets Ricoeur’s thought that “the narrative form projects the remembered past onto the future” (RICOEUR, 1998, p.45).

The current study deals with consolidated narratives, i.e., narratives already in the “refiguration” stage. Therefore, we believe that by following - through reading and re-reading - the narratives in Moacyr Scliar’s work, we experience a past remembered in the present, fact that helps consolidating its place in the future imagination. Thus, we maintain that the “Jewish Place” emerging from the narratives is able to link past, present and future, by projecting itself as an “imaginary collective Place”.

3 Understanding spaces based on their complexity

After understanding narrative-related issues involved in time, space and culture relations, we move towards more familiar concepts in the Architecture and Urbanism field and in its professional practice.

In sociology, Castells (1999) defines space as “the material support of time-sharing social practices” (CASTELLS 1999, p.500). Thus, social life and space are inseparable; however, the aforementioned author addresses space as an inert matter, as support for relations happening therein”.

Thus, we have sought in the humanist geography by Tuan (1983) an experiential perspective able to determine the understanding of space (and place) in its relationship with the body, with the individual. According to Tuan, what is meant by space - broad, open, without definitions - ends up becoming a Place as we acknowledge it and give it meaning. The space-meaning and identification process takes place through experience; it may happen in an individualized and intuitive way3, or even intentionally4, when human beings and spaces are symbiotically constituted. Since we are interested in individual-individual relations (present in space), as well as in individual-space relations, we made the option for approaching the idea of relational space, according to which space is support, but also agent.

This concept of space led us to the concept of Sensitive Ambience5. Ambience works as mediator; it intermediates and is intermediated by relations between individual(s) and space, with emphasis to social and cultural relations set therein. This concept allows understanding space not only in its physical dimension, but also in sensitive, sensorial and dynamic dimensions. “Ambiance is both subjective and objective: it involves the lived experience of people as well as the built environment of the place” (THIBAUD, 2011. p.1). Therefore, the lived experience would be an abstraction experience based on several visual, tactile, kinetic or sound dimensions, which materialize socio-cultural relations found in the space interacting with the built environment, thus constituting ambiances. In our opinion, ambiences are an essential element to help better understanding the space-individual relation, rather than a complex way of understanding spaces.

By accepting that places are constituted of meanings attributed to them by means of subjectivities inscribed in each cultural group, we understand that each of these groups builds an “identification place” for itself or even an understanding of its “place of belonging”; in the present case - the “Jewish Place”. According to Stock (2006), “identification places” are set based on the practice of places6, which we understand through the experience, rituals, and the daily actions found in spaces. Thus, if the practice of places builds “identification places”, it is possible stating that the ambiences surrounding these practices and places reaffirm and strengthen the bonds between individuals and space. Therefore, ambiences, rather than the actions in their spatial supports, play a fundamental role in the construction of identities and symbolic territories.

4 Imagined paths: an ethnotopography through literature.

Since we adopted the spaces narrated in the literature as object of study and made the option for an experiential approach, it was necessary developing a research methodology able to allow approaching the sensitive dimension through the reading of the herein proposed texts in order to have an approximate experience of the narrated spaces.

The herein developed methodology adopted as starting point the “sensitive reading” of the literary texts; it was done because such reading provides a body-text approximation, thus taking readers to a sensorial reading experience through their sensitive memory. In order to do so, we relied on two art and literature theorists.

Writer and art critic Susan Sontag (1964) was against the idea of “conscious interpretation” of the work of art; she suggested that the “reading” of the work of art, whatever it may be, should focus on knowing how it is, instead of on what it means. “What is important now is to recover our senses. We must learn to see more, to hear more, to feel more [...] In place of a hermeneutics we need an erotics of art” (SONTAG, 1964, p.10). Thus, the author proposes a sensible approximation between body and art, or between body and text.

Similarly, literary theorist Gumbrecht (2014) advocates that the reading of literary texts should be based on a sensory experience – “reading for the Stimmung”. According to the aforementioned author, the reading based on this principle is able to make the ambience of another place present in us. By focusing on the ambiences and atmospheres, readers claim for themselves the vitality and aesthetic proximity of something distant or missing. “The aim is to follow atmosphere and environment configurations in order to find otherness in intense and intimate forms” (GUMBRECHT,2014. p.22).

Thus, the sensitive reading allows traveling an “imagined path” that leads us to experience spaces inscribed in literary narratives. The methodology developed in the current study is based on the ambience analysis method called “commented paths” (THIBAUD, 2002). The “Imagined Path” is based on three stages, namely: reading, "walking" and perceiving. The “Sensitive Reading” allows tracing fictional paths, imaginary journeys, within the spaces represented in the narratives. However, when we start the journey, we do not have a defined path. Through the readings, we launch ourselves into the proposed spaces. We walk through them like “flaneurs” (strollers) in the city, by cutting paths and feeling their ambiences.

Thus, through the imagined paths, we experience the spaces inscribed in two Moacyr Scliar’s works in order to find cultural significations impregnated in the ambiences of these spaces, which build and consolidate memories through the narrative “refiguration” process, by establishing the idea of an imaginary collective place; in the present case, “the Jewish Place”.

5 Experiencing Jewish ambiences in Scliar’s work

When one talks about the study of cities, spaces or places through the literature, it is common seeing the use of a literature of memories, or a viatic literature. However, we herein made the option for using fictional literature, in which the material and the imaginary planes blend together, trigger lived memories and build new ones. Thus, the “Jewish Place” we seek to find, like the Jewish identity or Jewishness, is a process undergoing permanent transformation - as a becoming - and it is always between the material and the imaginary planes; therefore, it is between “being modern and returning to sources”.

Moacyr Scliar and his work were chosen as the object of the current study mainly because we aimed at understanding the Jewish condition through the cultural belonging perspective, rather than through the religious one7.

Son of European emigrants, Scliar was born in Porto Alegre City and spent most of his childhood in Bom Fim neighborhood. Part of his school education took place in a Yiddish School and the other part of it, in a Catholic High School. Even though he lived in a Jewish community, he had intense contact with the Brazilian culture and literature. He won several awards and was named member of the Brazilian Academy of Letters. Scliar is considered one of the most representative writers of contemporary Brazilian literature, since his themes range from urban social reality in Brazil to medicine. However, it is worth highlighting that his Jewish status strongly influences his work and includes him in the contemporary Jewish literature category.

Moacyr Scliar’s works analyzed in the current research take us to a walk through Bom Fim neighborhood, in Porto Alegre City. The books “The War in Bom Fim” (SCLIAR, 2014), released in 1972, and “The One-Man Army” (SCLIAR, 2012), released in 1973, depict an experience built between the author’s lived and fantasized memories.

In “The War in Bom Fim”, Scliar opens his narrative by introducing us to a place that has its own identity. In the aforementioned book, Bom Fim was an independent country, where life was lived in a different way. The boundaries were clear.

Let us consider Bom Fim a country – a small country, not a neighborhood in Porto Alegre. It is bounded, on the North, by the Windmills hills; on the West, by downtown; on the East, by the African Colony, and, farther on, by Petrópolis and Três Figueiras; on the South, by the Várzea plain, from which it is separated by Oswaldo Aranha Avenue (SCLIAR, 2014, p.21).

Scliar uses a narrative that mixes history and fantasy to portray the life of the Jews in Bom Fim, as well as their everyday lives and the impact from memories lived in Europe, and mainly from the outbreak of World War II and the advance of Nazi troops. In this Scliar’s work, children fight against the Nazi invasions and strongly resist to the attempts of eliminating the Jews. The idea of bringing together two distinct times in a single place also marks an interesting trait of the herein revealed Jewish identity.

The “de-re-territorialization” (HASBAERT, 2001) theme lived in the aforementioned work is shared by the second Scliar’s work analyzed in the current study. The same “country” - Bom Fim - is the scene of “The One-Man Army”, wherein the Captain - the personification of the Foreign Jew (SIMMEL, 1983), “a persecuted man whose pain for being excluded is depicted in his actions [...]” (SZKLO, 1990. p.64) - lives a failed attempt to create utopia. “The One-Man Army” presents a constant conflict between the everyday life of the lived place and the expectation of a “promised land”. The Captain lives his life between the daily life in Bom Fim, through the coexistence with acquainted Jews, and the project of creating a Jewish core, a national home. He lives the illusion of a better world, among equal men, where exploiters or exploited people do not exist8.

In his novels, Scliar evokes precisely this moment of rupture in which the Jewish town, in its traditional form – herein depicted through Bom Fim neighborhood in the 30s and 40s - oscillates between a past that hopelessly escapes it and an unforeseeable future. (SZKLO, 1990, p.70).

As a way of illustrating the results of the current research, we herein present two Scliar narrative excerpts that, by triggering a collective memory, present characteristics that give meaning to the spaces of the everyday Jewish life in Porto Alegre, during and after World War II.

In the first excerpt, it is possible noticing a double temporality experienced in the Jewish life spaces; however, it is also possible seeing references of the symbolic spatiality and sensoriality belonging to the Jewish culture:

Suddenly, Sunday comes. No one works; no one works on Saturday or Sunday. Saturday is a holiday in Bom Fim country, Sunday is a holiday in Brazil. Saturday morning, people go to the synagogue. On Sunday, the family accommodates itself in the carriage and goes to Três Figueiras to have a picnic. “Malke Tube” trots gracefully, Samuel sings in Yiddish, Joel calls and waves to his friends, Nathan smiles, Shendl feeds them with sandwiches and apples. They go down Fernandes Vieira Street, turn left at Oswaldo Aranha Avenue, pass by the Primary Care Center, wave to a nurse - a mulatto woman dressed in white -, pass by Polo Field, by Rio Branco Movie Theater, and by Força e Luz Soccer Field. They are already out of Bom Fim; as they climb the Middle Path, the houses become scarce and bushes begin to appear. Then, they pass by the palace of petrified Jews. (SCLIAR, 2014, p.54).

The excerpt above informs us that, on Saturdays, life changes in Bom Fim. What transforms this routine, this experience, this space, is a weekly Jewish ritual called Sabbath, which is a holiday in Bom Fim “country”. The synagogue represents the place of meeting, rites, as well as of rest. Sunday is a holiday in Brazil and no one works in Bom Fim, as well; however, the ambience surrounding this day is different. The synagogue is not a reference in this day. On Sundays, families go out for a walk beyond the boundaries of Bom Fim; they take their music, sounds, food and smells to the outside spaces as if they were carrying their places and temporalities along with them. Throughout the way, they acknowledge spaces inhabited by Jews who make the option for living outside the community, i.e., the “petrified Jews”. It leads us to the duality between “modernity and tradition” and shows that the belief in a divine power is part of the life of Jews living in Bom Fim.

Thus, the excerpt presented above leads us to look at the Jewish Place based on specific temporal references, which are built in the duality between Jewish and non-Jewish temporalities. As for spatiality, it is possible seeing that this place has its own symbolic references and landmarks delimiting some boundaries, which, despite everything, may be broken or overcome by sensorial features. Thus, recognizing paths through places inhabited by other Jews, and having the synagogue as momentary reference, delimits a space of belonging that seems to extend its boundaries through a sensoriality that also marks the Jewish place through sounds (such as songs, accents or words in Yiddish), smells and tastes (of Jewish and European food).

The “alien” feeling, the feeling of non-belonging, or even more definitely, the feeling of absence that follows the Jewish individual in another excerpt is a strong reference to the Jewish Place:

Captain Birobidjan floats motionless, half drowned in this Sea. Silent little men stare at him from the pier.

Birobidjan's hand hits something hard: the keel of a boat. Instantly reanimated, he climbs aboard the small sailboat.

Nobody is there. The Captain gets ready to leave. One day, he will be pictured like this: standing in the front part of the boat, holding his head high and his piercing gaze probing the darkness: one day, when there is time for art. (SCLIAR, 2012, p.5).

The excerpt above depicts the moment of arrival in Brazil. Jews who arrive, mostly from European countries, seem to feel alone, lost in a “vast sea”. Like the Captain, “they float motionless and half drowned”. Therefore, when the Jews arrive in Bom Fim, they settle in an ambience of uncertainty, immensity and solitude. However, as the narrative shows, “standing in the front part of the boat, holding his head high and his piercing gaze probing the darkness”, the Jew goes ahead even in the face of immensity and darkness. He attempts to explore the new space, by organizing a structure and a communal occupation in the physical space, which is reinforced by the symbolic characteristics therein established. In addition, the character's nickname, Captain Birobidjan9, evidences the immense desire for the “Promised Land”.

6 The consolidation of the imaginary place.

The two excerpts presented above are illustrations of a long analysis applied to the herein selected Moacyr Scliar's works10. The research underlying the current article found that as literary narratives, even the fictional ones, portray the Jewish practices of places by describing ambiences through their sensitive and cultural features, they end up triggering an empathy in the reader, which is able to elicit collective, lived and built memories. Therefore, literature brings to the reader the representation of a symbolic territory, which is imagined and characterized by the Jewish culture.

The sensitive reading allowed finding the following features in the narratives: temporality - it establishes a double temporal experience of space, which, on the one hand, is marked by daily and specific rituals of the Jewish culture, and on the other hand, by daily and specific rituals of other cultures; spatiality – it sets distances between community, ritual and everyday places, besides establishing internal and external borders; sensoriality - it materializes a sacred dimension of Jewish rituals in space, as well as a profane dimension of daily and interpersonal relations; and sensitivity - it highlights strangeness and absence feelings in spaces.

To our understanding, the “refiguration” stage in Scliar's narrative, as proposed by Ricoeur (1998), makes the reader relive and rebuild memories, which are common to a specific group. This process ends up delimiting a symbolic territory acknowledged in several locations, thus bringing to light the concept of Imaginary Jewish Place. This Place remains alive in a virtual space, where the cultural feeling is strongly linked to its sources, thus finding the balance between “being modern and returning to sources”.

In fact, our research found that territoriality and cultural identity may be understood - and even felt - from the ambiences referenced by literature. Accordingly, we advocate that narratives not only make relevant contributions to processes involving the construction and preservation of personal and collective memories, as well as of distinct spaces and places; they are also a relevant tool for studies focused on proposing the subjective and memorial understanding of spaces, since this understanding is important to city design and transformation processes.

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TUAN, Yi-Fu. 1983. Espaço e Lugar: A perspectiva da experiência. Difel, São Paulo.

WHITE, L. A.; DILLINGHAM, B. 2009. O Conceito de Cultura.Ed Contraponto, Rio de Janeiro.

1 Under the original title “Towards a Critical regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance”. Initially published in Perspecta: The Yale Architectural Journal, in 1982.

2 We herein refer to the concept used by Anderson (2008), who presents the imagined community as one whose its members do not have a face-to-face relationship. Although the term is used to characterize nations referenced in a physical territory, we understand that the “Jewish community”, although spread over several physical territories, makes reference to a symbolic territory.

3 We herein refer to the sensitive intuition defined by Kant. “Sensitive is the Intuition of every finite thinking being, to which the object is given: it is therefore passivity, affection” (apud ABBAGNANO, 1998). Intuition may be attributed to man and considered experience as the acknowledgement of a present object, i.e., as perception. (ABBAGNANO, 1998. p.582).

4 As intentional, we herein refer to culture-mediated meanings; we understand culture as in White's approach (WHITE; DILLINGHAM 2009), for whom the ability to “symbologize” involves the possibility of creating, assigning and understanding meanings.

5 The Sensitive Ambience concept has been studied and developed by an international network (The International Ambiances Network), which performs researches in the field of ambiences in urban and architectural spaces. The network is focused on promoting the sensorial domain in researches and projects of inhabited spaces.

6 We herein use the direct translation of the French term “pratiques des lieux”, used by Stock; the term refers to the uses and forms of using spaces. See: STOCK, Mathis (2006).

7 In seeking to understand the balance between modernity and tradition, we exclude the religious perspective, since it generally tends to isolate itself in order to remain faithful to its roots and precepts.

8 The fantasy of an egalitarian place herein refers to the Kibbutzian ideals.

9 The reference used by Scliar is a mixture between the idea of Jewish colonies before the foundation of the State of Israel and the Kibbutz movement; in the final analysis, Birobidjan represented a “promised land”, a National Home.

10 The research also included the analysis of works by two other authors from the contemporary Jewish literature.