Milton Luz da Conceição é graduado em Arquitetura e Urbanismo, Doutor em Geografia Humana, e Professor Associado da Universidade Federal de Santa Catarina. É pesquisador do Núcleo de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da UFSC.
Como citar esse texto: CONCEIÇÃO, M. L. Mercado público: chave para conhecer Florianópolis. V!RUS, São Carlos, n. 16, 2018. [online] Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus16/?sec=4&item=4&lang=pt>. Acesso em: 09 Nov. 2024.
Resumo
As transformações de uso que sofre a arquitetura, como meio ambiente construído através dos processos de requalificação urbana, e a consequente preservação deste patrimônio edificado, metamorfoseiam os espaços públicos. Com ela, alteram-se também os complexos laços espaciais e sociais que reuniram populações em seu entorno ao longo dos anos. Laços, estes, responsáveis pela construção da memória coletiva dos diversos grupos urbanos que compõem uma sociedade. É a sensação de pertencimento a um lugar ou grupo social que acompanha as pessoas, quase como uma sombra, que aqui definimos como memória coletiva. O edifício do Mercado Público, anexo ao Centro Histórico de Florianópolis, faz parte da história pública da cidade, estando presente em seus principais momentos metamórficos. A expectativa de sua implantação e uso, como locomotora do progresso, que se avizinhava em meados do século XIX, o faz nascer já como ícone urbano. A ideia se pauta em buscar no território da cidade de Florianópolis e em sua ampliação, a ilha de Santa Catarina, marcas das transformações de uma cidade, através de uma permanência arquitetônica preservada. No entanto, os novos usos deste objeto arquitetônico o afastam da memória coletiva do grupo social envolvido em sua história. A memória coletiva presente e que ajuda a compreender um passado recente, atropelado por migrações internas, é produto do modo de produção que leva a cidade a uma abrupta aceleração em seu crescimento populacional. Estudar este tema, ou seja, a complexa captura de um espaço público, com seus laços sociais e espaciais, pelo processo de globalização e a posterior gentrificação, nos conduz a comparações com processos idênticos em países centrais. Estas comparações revelam equívocos e suscitam a necessidade de políticas sociais, que redistribuam nossas riquezas, levando a população a um novo patamar de qualidade de vida e convivência para amenizar os conflitos entre as classes sociais.
Palavras-Chave: Comércio, Defesa, Espaço público, Gentrificação, Globalização
1 Introdução
As transformações de uso que sofre a arquitetura, como meio ambiente construído através dos processos de requalificação urbana, e a consequente preservação deste patrimônio edificado, metamorfoseiam os espaços públicos. Com ela, alteram-se também os complexos laços espaciais e sociais que reuniram populações em seu entorno ao longo dos anos. Laços, estes, responsáveis pela construção da memória coletiva dos diversos grupos urbanos que compõem uma sociedade. É a sensação de pertencimento a um lugar ou grupo social que acompanha as pessoas, quase como uma sombra, que aqui definimos como memória coletiva.
O edifício do Mercado Público, anexo ao Centro Histórico de Florianópolis, faz parte da história pública da cidade, estando presente em seus principais momentos metamórficos. Esta edificação, conhecida pela população nativa apenas como “o mercado”, somada à carga de significação que traz consigo, faz parte do imaginário local desde o primeiro dia. A escala de suas formas em contraste com o entorno arquitetônico impacta o visitante. Sua localização estratégica domina toda a paisagem. A expectativa de sua implantação e uso, proposto como locomotora do progresso que se avizinhava, despertou um sentimento de tal magnitude que, desde sua concepção, o consolida como ícone urbano.
Entenda-se por ícone construção de impacto, seja por sua localização estratégica, visibilidade, escala, forma, aparência, monumentalidade ou uso. Ícone é aquela construção que, desde a sua concepção, vem causar alguma expectativa em relação à sua implantação (HAZAN, 2008, p. 25).
O processo de preservação arquitetônica tradicional que atualmente sofre este espaço, muitas vezes, não contempla a memória coletiva presente na população. Segundo Dolores Hayden, a “memória do lugar” vai ser, de fato, a chave para o poder dos lugares históricos, na ajuda aos cidadãos para definir o seu passado comum.
2 O comércio como agente transformador
O comércio é o principal agente impulsionador desta cidade insular, que teve, como elemento gerador, um posto avançado de defesa da costa sul do Brasil.
A função comercial ganha importância a partir de meados do século XVIII (VEIGA, 1997), sendo inevitável o surgimento de um forte mercado junto ao porto militarizado. Este mercado vai ganhar um edifício que o abrigue somente na metade do século XIX. Pode se afirmar, porém, que a atividade comercial, junto ao edifício, é a locomotora do desenvolvimento econômico da cidade.
A trajetória deste espaço público vai de impulsionador da economia da Vila de Nossa Senhora do Desterro - primeiro nome da atual cidade de Florianópolis - cruza um período de estagnação econômica, que permeia toda a primeira metade do século XX, e avança à posição de principal edifício do processo de requalificação urbana do Centro Histórico da Cidade de Florianópolis, na virada do século.
O crescimento acelerado dos últimos 20 anos, que aumenta em 400% a população insular, gerando, ainda, um aumento de 500% nos municípios conurbados continentais, é um marco na história recente da cidade. Estes novos moradores, oriundos de todas as partes do país, provocaram alterações na cultura e nos costumes locais. O fenômeno provoca o desaparecimento ou a metamorfose das referências e símbolos culturais preexistentes. Este processo também se reflete sobre o território, transformando a paisagem urbana e o perfil sociocultural da cidade.
A desativação do porto (1964) e a posterior ampliação da área urbana, através de um aterro sobre uma das baias (1974), subtrai do conjunto, Mercado Público/Centro Histórico, sua relação com o mar. Toda a cidade abdica de sua presença como porto atlântico, e assiste ao edifício, catalisador deste papel, transformar-se em apenas mais uma edificação comercial. Segue-se a dinâmica urbana usual nos espaços históricos das cidades dos anos 80; toda a região e seu entorno imediato mergulham num processo de desvalorização, que facilitará sua aquisição por grandes corporações, sua mudança de uso e consequente revalorização dentro de processos gentrificadores.
Em busca dos incentivos à cultura oferecidos pelo governo federal, as gestões locais começaram a encarar o Centro também como forma de alavancar recursos, usando a sua preservação como pretexto. Dentro dessa ótica, em 04 de agosto, de 1992, é feito o tombamento de toda a área central, como Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Município de Florianópolis.
O surgimento do Ministério das Cidades (2003) auxilia na captação de muitos recursos pelos governos estadual e municipal. Vários projetos foram elaborados, porém nenhum encarado com a responsabilidade exigida. Somente em março de 2005, o governo de Santa Catarina apresenta seu primeiro projeto de preservação urbana: a reforma da Ponte Hercílio Luz (23 anos após seu fechamento). Seguem-se então vários projetos, inclusive o de reforma do edifício do Mercado Público, no bojo de dois projetos maiores chamados “Viva a Cidade” e “Centro Sapiens”.
Esta reforma propõe uma restauração arquitetônica tradicional que visa somente o aspecto físico do edifício. Todo o espaço social e seus laços com o edifício, ou seja, toda a população que possui uma história dialógica com este lugar é desprezada, empobrecendo o patrimônio imaterial da cidade. Ao transformar o Mercado Público numa espécie de “Shopping Center” e espaço turístico de consumo gastronômico elitizado, expulsa-se daí, definitivamente, as classes mais populares, seus frequentadores históricos.
3 Aproximação ao centro histórico de Florianópolis
A fundação da cidade de Florianópolis, ilha de Santa Catarina, capital do Estado de mesmo nome, no Sul do Brasil, é atribuída ao bandeirante vicentista Francisco Dias Velho, em data envolta em polêmica, já que o ano de 1673, adotado pela historiografia oficial, não coincide com a data gravada em um cruzeiro de pedra, no local da construção da primeira capela: 1651 (PAULI, 1978).
O local escolhido para a fundação deste povoado é o centro da costa oeste, onde ilha e continente são separados por um canal de apenas 500 m, formando duas baías, ao sul e ao norte. Assim, temos em meados do século XVII a ocupação oficial da ilha de Santa Catarina, dentro do princípio comum da ocupação insular portuguesa: uma capela frente a um largo, ladeado das casas dos colonizadores, tudo junto à linha da costa. A baía sul foi escolhida por ser a mais abrigada. Póvoa de Santa Catarina, depois Nossa Senhora do Desterro e, em 1894, Florianópolis foram os nomes que acompanharam a evolução desse lugar através dos séculos.
A importância estratégica desta ilha na conquista portuguesa da costa sul do Brasil apresenta-se logo após sua fundação. O próprio Dias Velho, em janeiro de 1680, a mando do Governador Geral do Rio de Janeiro, Manuel Lobo, funda Sacramento, a primeira tentativa de se estabelecer uma colônia (1679 / 1681), no atual território do Uruguai, às margens do Rio da Prata, em frente à Buenos Aires. Este episódio marca o ponto mais avançado ao sul da colonização lusa na América.
Em 1687, a ilha de Santa Catarina é atacada por piratas, o povoado é destruído, sua reconstrução é lenta, e só retomará sua importância a partir do início do século XVIII. Esta retomada de importância vai além das características geoestratégicas da ilha, é também consequência da descoberta da costa sul atlântica pelas grandes companhias mercantis da época, como lembra Chang (CHANG, 2009) sobre a exploração mercantil da região.
O porto do Rio de Janeiro era o principal parceiro do porto do Desterro, mas os produtos saídos daí chegavam mais longe, até Recife, no Norte, e Montevidéu, ao Sul (MAMIGONIAN, 1991). A importância desta movimentação mercantil é manifestada no relato do governador da capitania, Tenente Coronel João Alberto Ribeiro, no final do século XVIII:
Em 1796 a população da ilha era de 3.757 habitantes, dos quais 2.652 brancos, 110 alforriados e 99 escravos, mais 1.027 militares. Havia 18 tendas de pano, com produtos variados desde fio de algodão até botões de ouro e prata, tecidos brancos de algodão e linho, tabaco, lã branca e colorida, meias de lã e seda, cobertores etc. 43 armazéns vendiam os alimentos, e suas mercadorias eram azeite, aguardente, algodão, manteiga, passas de uva, vinho, chá etc.. O porto este ano recebeu 116 navios, provenientes do Rio de Janeiro, Salvador, São Sebastião, Pernambuco, Goitacazes, Ilha Grande, Paranaguá, Parati, São Francisco, Laguna, Rio Grande, Santos e Biscaya. Os artesãos que atendem a população local eram: oito alfaiates, dezenove sapateiros, quatro barbeiros, quatro ferreiros, dois carpinteiros e um de cada das seguintes profissões; serralheiro, linguiceiro, pintor. Encontrava-se ainda nas tendas para a agricultura e criação de gado dois curtidores e dois veterinários. A exportação era variada: farinha de mandioca, arroz, milho, feijões, mel, açúcar, óleo de baleia, madeira, peixe seco, carne de baleia, cebolas, couro, cal, telhas, tijolos etc… (PELUSO JUNIOR,1991, p. 44)
Esta diversificada divisão social do trabalho denuncia a intenção da administração colonial em projetar o porto do Desterro, dando destaque à importância geoestratégica da ilha, a meio caminho entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires - as duas principais cidades do litoral sul da América. Este apoio à navegação gera um comércio de abastecimento em toda a região, que vai se somar às próprias necessidades do lugar. É neste contexto que se consolida um mercado informal junto à praia, em frente ao largo da igreja (Fig. 1).
Fig. 1. À esquerda, mercado ao fundo da praça; à direita, mercado junto à praia. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2018.
A inauguração do mercado, no dia seis de janeiro de 1851, junto ao citado mercado informal, traz ao enclave uma nova etapa de desenvolvimento, que se complementará com melhorias no porto e a ampliação da malha urbana de seu entorno.
A agora já vila de Nossa Senhora do Desterro entra no século XIX, com seu porto e mercado perfeitamente integrados ao intenso comércio costeiro atlântico sul da América. Esta integração vai fazer desse território um polo de atração sobre as correntes imigratórias. Durante o século XIX, o excedente populacional Europeu e as guerras no Oriente Médio vão provocar uma forte imigração rumo a América, em busca de melhores condições de vida. Este fluxo de imigrantes se intensifica a partir de 1850, com a chegada à ilha de europeus não ibéricos (italianos, alemães e poloneses) e contingentes do oriente próximo. A esse respeito diz Darcy Ribeiro:
A terceira configuração histórico-cultural da região sul é constituída por brasileiros de origem alemã, italiana, polonesa, libanesa, japonesa e outras introduzidas como imigrantes do século passado, principalmente em suas últimas décadas. (RIBEIRO, 1999, p. 427)
O espaço urbano em questão sofrerá um impulso de desenvolvimento repentino, em função deste acréscimo de população. Do norte da Europa os imigrantes trazem as máquinas da Revolução Industrial, e os “turcos”, como eram chamados os Sírios e os Libaneses, revolucionam o comércio. Todos estes incentivos alteram as condições sociais da população, com o surgir de uma burguesia local concentradora de renda. Esta dinâmica exige um novo edifício para o Mercado Público que é inaugurado em 1899, quinhentos metros mais a oeste do edifício antigo, junto ao mar (Fig. 2).
Fig. 2. O atual Mercado Público de Florianópolis foi construído em duas etapas: a primeira, entre 1896 e 1899, contava apenas com uma ala. Posteriormente, em 1912, a obra foi complementada com rampas, galpões e uma cobertura que unia toda a extensão da face que ficava voltada para o mar. Somente, entre 1928 e 1931, é que foi construída a segunda ala, bem como as torres, as pontes que as interligam e o vão central. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2018.
O século XX inaugura uma onda de desenvolvimento, com a população se heterogeneizando, aprofundando a divisão por classes, e um desejo geral de mudanças. A modernidade sustenta este desejo de mudança e a promessa da construção de uma ligação da ilha de Santa Catarina ao continente próximo materializa este desejo, como um visto de entrada de Florianópolis neste novo período. Hercílio Luz (29/05/1860 a 20/10/1924) executou essa obra no segundo de seus três mandatos (1918 a 1922) como governador. Executam-se uma série de obras, visando reformar e consolidar Florianópolis como cidade voltada para o mundo e equiparada às cidades modernas. Mesmo que seja, nesse caso, uma “modernidade periférica” no dizer de Beatriz Sarlo (SARLO, 2010), conforme Silveira da Costa:
Florianópolis não acompanhou a velocidade das reformas urbanas de cidades como o Rio de Janeiro, capital política e centro econômico do país, na época. Constituía-se, desta forma, uma modernidade distante e periférica (COSTA, 2007, p. 16).
A formação urbana de Florianópolis se dá em torno de um rocio, a atual praça XV de novembro, com a Igreja e a burguesia local ocupando o setor norte da mesma, ficando os trabalhadores e a população menos privilegiada ao sul, junto à praia. O mercado e o porto forçam a primeira expansão da malha urbana, com sua intensa movimentação. Essa primeira ocupação indicava um desenvolvimento da cidade no sentido do eixo norte-sul, sentido este já consolidado no início do século XX. Com a inauguração da ponte Hercílio Luz, a cidade sofre uma mudança no fluxo de pessoas, veículos e mercadorias que circulavam no sentido Norte-Sul, e agora passam a circular no sentido Leste-Oeste (Fig. 3).
Fig. 3. À esquerda, mudança de fluxos na cidade. À direita, ponte Hercílio Luz. Fonte: Autor, sobre ilustração de VEIGA (Figura à esquerda). Acervo UFSC (Figura à direita), 2018.
Esta alteração no sentido do funcionamento da cidade terá significativa importância na consolidação de sua socioespacialidade. Entre outras questões, traça-se uma fronteira imaginária, que separa os ricos e os pobres: ricos ao norte e pobres ao sul, acirrando, durante um bom período, a desintegração destes dois grupos. Negros recém libertos, ex-marinheiros, lavadeiras, população flutuante do porto, prostitutas e comerciantes formam esta população do sul da praça XV, que se apropria dos espaços públicos e seus edifícios – o mercado, a alfândega, a prefeitura (antiga Casa de Câmara e Cadeia) a estação marítima (o miramar) –, transformando as ruas paralelas ao porto em um espaço de comércio livre, comida barata, trabalho provisório, artesanato, consertos e um forte comércio atacadista comandado por imigrantes recentes. A população, que dá a cotidianidade deste lado, ocupa os cortiços e habitações unifamiliares, sobre os espaços de comércio, e aos poucos vai se formando a primeira favela (Mocotó), sobre as encostas do morro do Antão, na saída sul do centro histórico. A população elitizada do norte da praça expande-se e passa a habitar pequenos palacetes e chácaras, junto ao mar da baía norte. Esta população só transpunha a fronteira imaginária esporadicamente, as mulheres jamais. As compras no mercado eram feitas por empregados e transportadas nas muitas carroças de aluguel (Fig. 4).
Fig. 4. A população do sul da praça, seus comércios e carroças de aluguel. Fonte: Acervo UFSC, 2018.
A profunda divisão social, em função da endêmica má distribuição de renda do país, divide a cidade fisicamente entre ricos, ao norte, e pobres, ao sul. A primeira metade do século XX é marcada pelo que se chama, popularmente, de “duas mortes da cidade”: sendo, a primeira, consequência da oposição florianopolitana à Revolução Federalista de 1894, o que levou parte da elite local ao fuzilamento, a nomeação de um interventor sanguinário (Moreira Cesar), além da mudança do nome da cidade (Cidade Floriana – Florianópolis) para homenagear Floriano Peixoto; e a segunda, ligada à resistência ao golpe de Getúlio Vargas (as tropas getulistas não conseguem penetrar na ilha, que resiste sitiada). O preço desta rebeldia é o isolamento físico da ilha, o que leva a uma grande estagnação, principalmente após o Estado-Novo.
4 Florianópolis e a globalização
Os reflexos das diversas fases da modernidade brasileira, a adoção do projeto rodoviarista e as consequentes transformações econômicas e políticas, que se iniciam com o chamado “desenvolvimentismo brasileiro” dos anos 50, somente chegam à cidade em questão a partir dos anos setenta. A relação próxima dos militares, do golpe de março de 64, com as elites locais contempla a cidade com vários investimentos federais. A instalação da Universidade Federal de Santa Catarina, a vinda da ELETROSUL (empresa federal de economia mista), a conclusão da BR-101 e outros investimentos de menor importância são exemplos disso. Impulsionada pelos PND´s dos governos de exceção e pela vitória mundial das ideias neoliberais, nos anos 80, a economia local consolida suas transformações; ou seja: aumento das riquezas e das pobrezas, nunca proporcionalmente.
As elites locais e suas estruturas econômicas arcaicas têm como indício a concentração da renda de forma individual ou em pequenos grupos familiares - hábito que engessa o mercado imobiliário causando grandes vazios urbanos. Este engessamento é o oposto do que prega a nova ordem econômica mundial, o que justifica o atraso da economia local por alguns anos.
A chegada do turismo, nos anos 1970, aponta o norte da ilha como local para os investimentos nesta nova atividade. Estes investimentos, guiados pela “lógica da localização”, se concentram na costa marítima norte. A presença do turismo, como ordenador do território, é denunciada pela explosão do setor terciário local. A chegada dos grandes supermercados, shopping centers, hotéis, e o desenvolvimento dos transportes geraram uma hipertrofia na paisagem urbana do norte da ilha. O centro histórico, ou seja, o tradicional coração da cidade vai sofrer, a princípio, um processo de declínio comercial acentuado e consequente degradação física. Florianópolis não foge à velha estratégia da especulação imobiliária, que leva a degradação os centros históricos para comprá-los, posteriormente, por valores depreciados, e, imediatamente, forçar processos de revitalização urbana, por parte da administração pública, revalorizando a área e apropriando-se das rendas diferenciais. A recomposição do centro histórico se faz notar no início do século XXI. A associação entre o capital especulativo, proveniente de variadas latitudes, e o capital avaro e improdutivo, das elites locais, vão alterar a morfologia do espaço; isso através de novas tipologias arquitetônicas, sobre as áreas degradadas e recém adquiridas, somadas às reservas fundiárias dos vazios urbanos.
A população residente foi expulsa, salvo alguns poucos e antigos edifícios residenciais. O comércio popular ocupa todo o entorno do Mercado Público. Este comércio é realizado entre vendedores dos mais diversos produtos e serviços e seus clientes que, mesmo não habitando este espaço, fazem aí sua cotidianidade.
5 Turismo e gentrificação
A mudança de perfil da população de Florianópolis, a partir da segunda metade do século XX, é impressionante. A atração que a ilha de Santa Catarina passa a exercer sobre os habitantes de outros estados, devido aos progressos econômicos e ao mito da melhoria da qualidade de vida, ambos exaltados pelo marketing turístico, provocaram uma migração interna intensa. Em 30 anos, aumenta a população de 115.547 habitantes, em 1970, para 421.240, no ano de 2010 (IBGE), e a região metropolitana de Florianópolis de 192.000 habitantes para 1.012.831(IBGE), no mesmo período. Este aumento populacional, de quase 400%, em Florianópolis, e 500%, junto aos municípios conurbados continentais, têm raízes para além do simples marketing turístico; algumas delas refletindo as conjunturas econômicas nacionais do período, outras, específicas, conectadas a questões regionais. Segundo o projeto “Observatório das Migrações em Santa Catarina”, vinculado ao Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC):
Dos 421.240 habitantes de Florianópolis, 219.819 deles não nasceram no município, ou seja, 52,18% da população residente não são naturais da cidade. Ademais, 127.978 habitantes de Florianópolis não nasceram sequer em Santa Catarina, o que corresponde a 30,38% da população residente do município. Muitos destes novos moradores chegaram à cidade recentemente, como mostra a Tabela 1 (UDESC, 2013, p. 6).
Tabela 1. População residente e migrantes nos últimos 5 anos (regiões selecionadas, em 2010). Fonte: IBGE, 2013.
Os reflexos desse aumento populacional logo se fazem sentir sobre o território. A atividade comercial, que inicialmente se concentrava no centro histórico, vai migrar para regiões imediatamente periféricas - formando aí centralidades secundárias em novos bairros, reforçando a importância do núcleo fundante de Florianópolis. Os outros núcleos ganham nova visibilidade, suas centralidades se revigoram, provocando novas periferias no interior da ilha.
No centro histórico, o comércio mais ao norte da Praça XV foi substituído por um centro de prestação de serviços, onde grandes corporações e profissionais liberais ocupam “escritórios” em novos edifícios. As ruas foram adquirindo um aspecto homogeneizado de arquitetura contemporânea espetacularmente incrementada, nos últimos anos, pela demanda imobiliária por esta tipologia, obedecendo ao planejamento que Milton Santos chama de urbanização corporativa:
A partir de um equipamento seletivo do território, dá-se uma urbanização corporativa rapidamente crescente e despontam metrópoles e cidades corporativas, onde, de um lado, a modernização do meio ambiente construído favorece as grandes empresas e, de outro, o êxito das reivindicações dos grupos sociais vai depender de pressões corporativas. Nessas condições, parcela importante dos recursos públicos se dirige a um equipamento urbano seletivo, do interesse da economia hegemônica e das camadas sociais hegemônicas (SANTOS, 2009, p. 37).
Dentro deste quadro de profundas e radicais transformações no espaço urbano e social da Ilha de Santa Catarina, mudam-se também os valores culturais. As populações recém-chegadas, responsáveis pelo maior crescimento de uma cidade/capital brasileira em três décadas, também trazem consigo novos hábitos.
Esta nova Florianópolis, do século XXI, vê na atividade turística o seu grande projeto estratégico. Esgotada a exploração dos mitos turísticos naturais, das 42 praias, dunas de areias brancas e velas ao mar, a administração local volta-se para o centro histórico – impulsionado pelo surgimento de incentivos a cultura, por parte do governo federal –, passando a encarar este espaço como forma de alavancar recursos, usando a sua revitalização como motivação. A palavra “gentrificação” logo surge como novidade na criação de novos produtos de oferta turística. Do inglês “gentry” (fidalgo ou burguês), entende-se, no seu contexto inicial (a Inglaterra dos anos 1960), como elitização da área. Este exemplo vindo do exterior inspira as mutações sociais e espaciais que converteram, em outras latitudes, espaços degradados em espaços elitizados. A oferta destes novos espaços se embasa em um novo tipo de consumo, mais elitizado, que mescla arte, design e vida noturna.
6 O novo Mercado Público
Dentro deste processo de reforma o novo Mercado Público foi o destaque. Este equipamento, conforme explanado ao longo do texto, sempre foi elemento catalisador da dinâmica comercial de seu entorno, fazendo a intermediação dos produtos entre o mar e a cidade.
As relações com o mar foram se ampliando, da técnica de coleta e de rudimentares armadilhas para a captura de crustáceos e peixes, graças a meios de locomoção como canoas e as mais resistentes baleeiras, às redes de fibras de algodão, anzóis e arpões inicialmente importados. A caça a mamíferos aquáticos, baleias, que eram abundantes nestas latitudes, tornou-se o primeiro grande negócio relacionado aos recursos marinhos, acionado por empresa que apenas utilizou o estoque açoriano e afro-brasileiro como mão de obra. O óleo, obtido em armações, teve importância na iluminação e como impermeabilizante em construções (LAGO, 2000, p. 36).
Com o afastamento do mar (1974), sua dinâmica se modifica, porém sua função segue a mesma: um entreposto comercial, onde peixarias, açougues e hortifrutigranjeiros eram os locomotores e muitos bares e restaurantes baratos complementavam a oferta. Mascates a sua volta vendiam toda a sorte de produtos. A frequência era marcadamente popular, e este quadro vai se consolidar ao longo de quarenta anos. Em 2014, a mudança chega ao Mercado Público (Fig. 5). Após um incêndio de origem suspeita todo o mercado é fechado e alguns meses depois se inicia a reforma. Um ano depois se apresenta o novo espaço, ao custo de dezesseis milhões de reais, provindos dos cofres públicos, resultando na comercialização de 104 espaços comerciais. Dezenove dedicados à gastronomia de alto padrão, e os restantes divididos entre o comércio em geral, com ênfase em alimentos. Um teto retrátil se implantará no vão central, onde funcionarão bares que impulsionarão espetáculos noturnos.
Numa cidade de brutal desequilíbrio social é evidente que desapareça a convivência de classes no espaço coletivo. O novo espaço se torna, simplesmente pela oferta de consumo, exclusivo para as classes privilegiadas da cidade e dos turistas endinheirados. Aos milhares de populares, que frequentavam este espaço diariamente e que tiravam daí o seu sustento, restam os prometidos 160 empregos que serão gerados, segundo a Prefeitura Municipal de Florianópolis.
As mudanças socioespaciais, nas quais antigas populações são deslocadas por grupos de maior renda, são o sintoma mais identificável do fenômeno da gentrificação em todo o mundo. Mas, como já foi afirmado, existe um agravamento, na medida em que as diferenças de renda aumentam. E, no caso do território em estudo, temos uma das maiores diferenças de renda do planeta. Assim, cada espaço ressignificado ou revitalizado se transforma em espaço de consumo elitizado, gerando o aparecimento de periferias. Tais espaços urbanos, desassistidos pelo poder público e pela falta de investimentos, são amargamente degradados pela falta de infraestruturas e serviços básicos.
7 Conclusão
Finalmente, mesmo diante da dificuldade de explicitar em um artigo a abrangência de uma investigação em curso, apresentamos a ideia de se buscar sobre o território da cidade de Florianópolis e em sua ampliação, a ilha de Santa Catarina, marcas das transformações de uma cidade, através de uma permanência arquitetônica determinante em sua história. Estas transformações, porém, não contemplam a memória coletiva do lugar, presentes no imaginário dos grupos sociais envolvidos.
Na família dos imaginários da globalização e das técnicas, encontra-se a ideia, difundida com exuberância, de que a velocidade constitui um dado irreversível na produção da história, sobretudo ao alcançar os paroxismos dos tempos atuais. Na verdade, porém, somente algumas pessoas, firmas e instituições são altamente velozes, e são ainda em menor número as que utilizam. Pode-se dizer que a velocidade assim utilizada é duplamente um dado da política e não da técnica. De um lado, trata-se de uma escolha relacionada com o poder dos agentes e, de outro, da legitimação dessa escolha, por meio da justificação de um modelo de civilização. É nesse sentido que estamos afirmando tratar-se mais de um dado da política que, propriamente, da técnica, já que esta poderia ser usada diferentemente em função do conjunto de escolhas sociais. De fato, o uso extremo da velocidade acaba por ser o imperativo das empresas hegemônicas e não das demais, para as quais o sentido de urgência não é uma constante (SANTOS, 2001, p. 134).
Pensar a questão da cidade é fundamental, principalmente quando estas metamorfoses alijam do espaço público parcela significativa da população. Transformar locais e edifícios públicos em mercadorias para consumo turístico faz parte de estratégias predatórias. Os processos de gentrificação de espaços centrais, nos países em desenvolvimento, são geradores de favelas e espaços periféricos degradados, contribuindo para a segregação urbana tão dramática nestas cidades.
Estudar o tema, ou seja, a evolução urbana e sua captura pelo processo globalizante e a convergência aos processos urbanos, é pertinente e nos conduz a comparações com processos idênticos, em países centrais, revelando a necessidade de políticas sociais, que redistribuam nossas riquezas, levando a população a um novo patamar de qualidade de vida e convivência, amenizando, ainda, os conflitos entre as classes sociais.
Referências
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Milton Luz da Conceição graduated in Architecture and Urbanism, holds a Doctor degree in Human Geography, and is Associate Professor at the Federal University of Santa Catarina. He is a researcher at the Center for Theory and History of Architecture and Urbanism of the same university.
How to quote this text: Conceição, M. L. The public market: a key to understand Florianopolis. V!RUS, Sao Carlos, n. 16, 2018. [e-journal] [online] [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus16/?sec=4&item=4&lang=en>. [Accessed: 09 November 2024].
Abstract
The use changes experienced by architecture, as an environment built through urban requalification processes and the consequent preservation of this built heritage, metamorphose the public spaces. Along with it, the complex social and spatial ties that gathered people around it over the years are also changed. These ties are responsible for the collective memory of several urban groups that compose a society. It is the feeling of belonging to somewhere or to a social group that follows people almost as a shadow, which here we define as collective memory. The building of the Public Market, attached to the Florianopolis History Center, is part of the public history of the city in its main metamorphic moments. The expectation for its implementation and use as a locomotive for the upcoming progress of the middle of the 19th century turns it into an urban icon from its beginning. The idea is to search in the Florianopolis city’s territory and its extension, the island of Santa Catarina, marks of the transformation of a city through a preserved architectural permanence. However, the new uses of this architectural object moves it away from the collective memory of the social group involved in its history. The collective memory that is present and helps to understand a recent past hit by internal migration, is a result of the mode of production that leads the city into an abrupt acceleration in its population growth. Studying this theme, i.e., the complex capture of a public space with its social and spatial ties, by the globalization process and the later gentrification, led us to comparisons to identical processes in central countries. These comparisons reveal the mistakes and raise the need for social policies that redistribute our riches, promoting to the population a new level of life quality and coexistence to mitigate the conflicts between social classes.
Keywords: Trade, Defense, Public space, Gentrification, Globalization
1 Introduction
The use changes experienced by architecture, as an environment built through urban requalification processes and the consequent preservation of this built heritage, metamorphose the public spaces. Along with it, the complex social and spatial ties that gathered people around it over the years are also changed. These ties are responsible for the collective memory of several urban groups that compose a society. It is the feeling of belonging to somewhere or to a social group that follows people almost as a shadow, which here we define as collective memory.
The building of the Public Market, attached to the Florianopolis History Center, is part of the public history of the city in its main metamorphic moments. This construction known by the native population only as “the market”, summed to the significant load it brings, are part of the local imaginary since day one. The range of its forms, in contrast with the architectural surrounding, impacts the visitor. Its strategic location dominates the landscape. The expectation for its implementation and use, as a locomotive for the upcoming progress, awaken a feeling of such magnitude that, from its planning, consolidates it as an urban icon.
One must understand "icon" as an impacting construction, either by its strategic location, visibility, scale, form, appearance, monumentality or use. Icon is the construction that, from its very conception, causes expectations regarding its implementation (Hazan, 2008, p. 25, our translation).
The process of traditional architectural preservation that this space currently suffers does not contemplate, many times, the collective memory present in population. According to Dolores Hayden, the "memory of the place" will be, in fact, the key to the power of historical places in the aid of citizens to define their common past.
2 Commerce as a transforming agent
Commerce is the main impelling agent of this insular city, that had as generating element a defending outpost on southern shoreline of Brazil.
The commercial function gains importance from around the 18th century (Veiga,1997) making it unavoidable the emergence of a strong market by the militarized port. This market would have a building to shelter it only by the half of the 19th century. However, it can be confirmed that commercial activity in this building is the moving force of economic development of the city.
The course of this public space goes from the role of economic boost impeller of Vila de Nossa Senhora do Desterro - the first name of the current city of Florianopolis -, it crosses a period of economic stagnation that permeates the first half of 20th century, and advances to the position of main building of urban requalification process of Florianopolis City Historical Center, at the turn of the century.
The last 20 years' accelerated growth, increasing by 400% the insular city's population and the continental conurbations in 500% is a milestone in the city's recent history. The new residents, originated from all parts of the country, have promoted changes on local culture and costumes. The phenomenon also causes the fading or metamorphosis of preexisting cultural symbols and references. This process also reflects itself upon the land, transforming the urban landscape and the social-cultural profile of the city.
The port deactivation (1964) and following enlargement of urban area by means of a landfill over one of the bays (1974) subtracts from the set Public Market / Historical Center its relation to the sea. The whole city resigns its presence as Atlantic port and watches as the catalyzer building of this role transforms itself in just another commercial edification. Comes along the usual urban dynamic in historical spaces of the 80's cities. The whole region and its immediate limits plunge in a process of devaluation that helps its acquisition by great corporations, its use change and consequent revaluation within gentrification processes.
Going after culture incentives offered by the federal government, the local management started to see the Center also as a way to gather resources, using its preservation as pretext. Within this point of view, in August 4th, 1992, the whole central area is claimed as Florianopolis' City Historical, Artistic and Architectural Heritage Site.
The emergence of the Cities Ministry (2003) aids in the gathering of many resources from state and city government; many projects were pitched, although none was tackled with the necessary responsibility. Only on March 2005 the government of Santa Catarina unveils its first urban preservation project: the renovation of Hercílio Luz Bridge (23 years after it was closed). Several other projects follow, including the renovation of the Public Market building in the projection of two other bigger projects called "Viva a Cidade" ("Live the City") and "Centro Sapiens".
This renovation proposes a traditional architectural restoration that considers only the physical aspect of the building. All of its social space and the ties to the building, i.e. all of the population that has a dialogical history with this place is rejected, weakening the immaterial patrimony of the city. By transforming the use of the Public Market in a species of "Shopping Mall" and elite gastronomical consumerism touristic spot, one definitely expels the popular classes, its historical visitors.
3 Approaching the historical center of Florianopolis
The foundation of Florianopolis city, island of Santa Catarina, capital city of its homonymous State by southern Brazil, is assigned to the vicentist pioneer Francisco Dias Velho, in a date surrounded by controversy since it does not match the date engraved on a rock cross at the construction site of its first chapel: 1651, and the official historiography that adopted 1673 (Pauli, 1978).
The chosen site for this settlement foundation is the center of the west coast, where island and continent are separated by a canal of only 500m, forming two bays (one at south, the other at north). Thus, by mid-17th century, we have the official occupation of Santa Catarina island within the common principle of Portuguese insular occupation: a chapel facing a square, surrounded by colonizers' homes, trailing the coastline. The south bay was chosen for it was the best-covered one. Póvoa de Santa Catarina, then Nossa Senhora do Desterro and, in 1894, Florianopolis were the names that followed the evolution of this place through the centuries.
The strategic importance of this island on the Portuguese conquest of the Brazilian southern coast is shown soon after its foundation. Dias Velho himself, on January 1680, sent by General Governor of Rio de Janeiro, Manuel Lobo, founds Sacramento — the first attempt at establishing a colony (1679 / 1681) — on the current territory of Uruguay, by the borders of Rio da Prata, facing Buenos Aires. This episode marks the most advanced southern site of Portuguese colonization in America.
In 1687, the island of Santa Catarina is attacked by pirates and the settlement is destroyed. Its reconstruction is slow and it will only regain its importance as the 18th century starts. This importance recovery goes beyond the geostrategic features of the island; it is also consequence of the South-Atlantic coast discovery by the great mercantile companies of the time, as reminds us Chang (Chang, 2009) about the mercantile exploration of the meridional South-Atlantic coast of America.
Rio de Janeiro's port was the main partner of Desterro's port, but its outgoing products reached further, up to Recife at north and Montevideo at south. (Mamigonian, a, in Campos, 1991). The importance of this mercantile shifting manifests itself in the report of Lieutenant Colonel João Alberto Ribeiro, captaincy governor by the end of the 18th century:
In 1796, the island's population was of 3,757 inhabitants, of which: 2,652 white, 110 freed and 99 slaves, along with 1,027 military personnel. There were 18 cloth tents with a variety of products from cotton strings to gold and silver buttons, white fabric made of cotton and linen, tobacco, white and colored wool, socks made of wool and silk, blankets etc. 43 storehouses sold food; their products were olive oil, sugar-cane rum, cotton, butter, raisins, wine, tea etc. This year the port received 116 ships coming from Rio de Janeiro, Salvador, São Sebastião, Pernambuco, Goitacazes, Ilha Grande, Paranaguá, Parati, São Francisco, Laguna, Rio Grande, Santos and Biscaya. Artisans that serve the local population were: eight tailors, nineteen shoemakers, four barbers, four blacksmiths, two carpenters and one of each of the following professions: locksmith, butcher, painter. One could also find on tents for agriculture and cattle breeding: two tanners and two veterinarians. Export was varied: manioc flour, rice, corn, beans, honey, sugar, whale oil, wood, dried fish, whale meat, onions, leather, whitewash, tiles, bricks, etc. (Peluso Junior, 1999, p. 44, our translation)
Such diversified social division of work reveals the intention of colonial administration in projecting the port of Desterro by highlighting the geostrategic importance of the island in between Rio de Janeiro and Buenos Aires, the two main cities in America's shoreline. This support to navigation creates a commerce of provisions at the whole region, which will add to the site's own necessities. It is in this context that an informal market consolidates itself along the shore facing the church square (Fig. 1).
Fig. 1. On the left, the market by the end of the square; on the right, the same market by the beach. Source: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2018.
The market's opening on January 6th, 1851, along with the mentioned informal market, brings a new development stage to the enclave, which will supplement itself with improvements to the port and enlarging the urban mesh around it.
The now named Nossa Senhora do Desterro village enters the 19th century with its port and market perfectly integrated to the intense America’s South-Atlantic coastline commerce. This integration will turn this territory into an attraction spot over the immigratory currents. During the 19th century, the European populational exceed and the Middle-East wars will induce a strong migratory current towards America in search of better life conditions. This immigrant flow becomes more intense from 1850 onwards with non-Iberic Europeans arrival to the island (Italians, Germans and Polish) and contingent from their immediate east. Darcy Ribeiro states on this matter:
The third historical-cultural South region configuration is formed by Brazilians of German, Italian, Polish, Lebanese and Japanese heritage, along with others introduced as immigrants from the previous century, mainly its last decades. (Ribeiro, 1999, p. 427, our translation)
The urban space in question will suffer a sudden development surge thanks to this population increase. Immigrants from northern Europe bring the industrial revolution machines, and the "Turks" as were called the Syrian and Lebanese, revolutionize the commerce. All of these incentives change the population's social conditions with the uprising of a local, revenue-concentrating bourgeoisie. This dynamic demands a new building for the Public Market, which opens on 1899, 500m farther westbound from the old building, closer to the sea (Fig. 2).
Fig. 2. The current Florianopolis Public Market was built in two stages: the first one, between 1896 and 1899, had only one aisle. Afterwards, in 1912, the work was completed with ramps, storehouses and a canopy that put together the whole extent of the shore-facing front. Only between 1928 and 1931 the second aisle was build, along with the towers, the bridges that interconnect those and the central pass. Source: IHGSC, 2018.
The 20th century starts a development surge, with the population becoming more heterogeneous, the division by class gaining depth and an overall desire for change. Modernity supports this desire for changes and the promise of the construction of a connection from the island of Santa Catarina to the nearby continent materializes this desire, as a visa to enter Florianopolis in this new era. Herculin Luz (05/29/1860 to 10/20/1924) executed this work on the second of his three terms (1918 to 1922) as governor. A series of works are performed, aiming to improve and consolidate Florianopolis as a city turned to the world and matching modern cities; even if being, in this case, a "peripheral modernity", as Beatriz Sarlo (Sarlo, 2010) puts it, according to the manifest post by Silveira da Costa:
Florianopolis did not catch up with the speed of urban improvements of cities such as Rio de Janeiro, the country's political capital and economic center of the time. This way, a distant and peripheral modernity was constituted (Silveira da Costa, 2007, p. 16, our translation).
The urban formation of Florianopolis happens around a mist, the current "XV de novembro" square with the church and the local bourgeoisie occupying its north sector; and the workers and less privileged population to the south, by the shore. The market and the port forced the first expansion of the urban mesh, with its intense moving. This first occupation indicates city development in the north-south axis, route that was consolidated by the beginning of the 20th century. With the opening of Hercílio Luz's bridge, the city suffers a shift on people, vehicles and trade flow that circulated the North-South course and now start to circulate the East-West course (Fig. 3).
Fig. 3. To the left, the city's flow change.To the right, the Hercílio Luz bridge. Source: The author about illustration of VEIGA, E. V. (Figure to the left). Federal University of Santa Catarina Archives (Figure to the right), 2018.
This change in the direction of the city's functioning will have significant importance in the consolidation of its social-spatial feature. Among other things, it draws an imaginary border that separates the rich and the poor: the rich to the north and the poor to the south, instigating the dissociation of these two groups for a long time. Newly-freed black slaves, former sailors, laundresses, the floating population from the port, prostitutes and merchants form this population by the south of the "Praça XV" [XV Square], which appropriates of public spaces and its buildings - the market, the customs, the town hall (old "Council and Prison House"), the maritime station -, transforming the port’s parallel streets in a space of free market, cheap food, provisional work, artisanship, fixing parlors and a strong wholesaling commerce, led by newly immigrants. The population that gives a daily movement to this side occupies the tenements and the single family habitations over the commerce spaces and, little by little, form the first slum (Mocotó) over the slopes of Antão hill, by the south exit of the historical center. The elite population from the north of the square expands and starts to inhabit small stately houses and ranches by the sea of the north bay. This population only rarely transposed the imaginary border; women would never transpose. Shopping in markets were made by servants and transported on the many rent-wagons (Fig. 4).
Fig. 4. Population from the South of the square, the commerce and the rent-wagons. Source: Federal University of Santa Catarina Archives, 2018.
The deep social division as a result of the endemic bad income distribution in the country physically divides the city between the rich, to the north, and the poor, to the south. The first half of the 20th century is marked by what is commonly called the "two deaths of the city": the first one, a consequence of Florianopolitan opposition to the Federalist Revolution of 1894, which led to the execution of part of the local elite, the appointment of a blood-thirsty intervener (Moreira Cesar), that besides the city’s name change (Florian City - Florianopolis) to pay homage to Floriano Peixoto; the second one being the resistance to Getúlio Vargas' coup (the Getulian troops cannot take the island, that resists under siege). The price of this revolt is the physical isolation of the island, leading to a great stagnation, mainly after the New State [Estado Novo].
4 Florianopolis and globalization
The reflexes from the diverse stages of Brazilian modernity, the adoption of highways focused project and the consequent economic and political transformations that start with the called "Brazilian developmentism" in the 50s, only reach the mentioned city from the 70s. The close relation between the military people, from March 1964 coup, and the local elites brings to the city many federal investments. The implementation of Santa Catarina's Federal University, the arrival of ELETROSUL (federal company of mixed economy), the conclusion of highway BR-101 and other less important investments are such examples. Pushed by the National Development Plans (NDPs or PNDs) of authoritarian governments, and contemplated by the worldwide victory of neoliberal ideas of the 80s, the local economy consolidates its transformations; that is: wealth and poverty increase, but never on the same ratio.
The contact of this new economy with the archaic structures of power distribution and its peripheral economy instigates a shock, repressing part of the local elite. One of the signs of this archaism is the concentration of income in individual form or small family groups, rigidifying the markets, mainly the real estate. This rigidness, opposing to what the world new economic order defends, results on vast urban emptiness, mainly in the center of the city and justifies the local economy delay for a few years.
As tourism comes in the 70s, it points at the north of the island as the sweet spot for investments of this industry. Such investments, guided by "location logic", concentrate on the northern shoreline. Presence of tourism as a territory organizer is revealed by the local tertiary sector’s boom. The arrival of big supermarkets, shopping malls, hotels and transportation development created an exalted urban landscape on the north of the island. The historical center, that is, the traditional heart of the city, will initially suffer a process of steep commercial decline and consequent physical degradation. Florianopolis does not deviate from the old strategy of real estate speculation, which leads to historical centers' decay in order to be acquired afterwards on depreciated values; then, forcing immediate urban revitalization processes, issued by public administration, putting the area value back up and taking property of the differential income. The recomposition of the historical center is worthy of note at the beginning of the 21st century. The association between speculative capital proceeding from varied latitudes and the selfish, unproductive capital from local elites will change the morphology of this space; all through new architectural typology on decayed and newly-acquired areas, added to the agrarian reserves from urban emptiness.
The resident population was expelled, except for a few old residential buildings. The popular commerce takes the whole vicinity of the Public Market. This commerce is performed between merchants of the most diverse products and services and their clients that, even though they don't inhabit this space, still make daily use out of it.
5 Tourism and gentrification
The Florianopolis population profile change, as of the second half of the 20th century, is impressive. The attraction the island of Santa Catarina triggers over inhabitants of other states due to economic progress and the myth of quality life improvement, both exalted by touristic marketing, instigated an intense internal migration. In 30 years, the population increased from 115,547 inhabitants in 1970 to 421,240 by 2010 (IBGE) and in the metropolitan region of Florianopolis from 192.000 inhabitants in 1970 to 1.012.831 (IBGE) inhabitants in the same time frame. This population boost of almost 400% in Florianopolis and 500% including conurbation continental cities, have roots from beyond simple touristic marketing; some of them reflecting the national economic complications of the period, others specifically connected to regional issues. According to the project "Santa Catarina Migration Observatory", linked to the Center of Human Sciences and Education (FAED) of Santa Catarina State University (UDESC):
Out of the 421,240 inhabitants of Florianopolis, 219,819 of them were not born in the city, that is, 52.18% of the resident population is not natural to the city. Furthermore, 127,978 inhabitants of Florianopolis were not even born in Santa Catarina, which corresponds to 30.38% of the resident population of the city. Many of these new inhabitants came to the city only recently, as shown on Table 1. (UDESC, 2013, p. 6)
Table 1. Resident population and migration in the last 5 years (selected regions, 2010).Source: IBGE, 2013.
Reflections of this population increase are soon felt along the territory. Commercial activity, initially concentrated in the historical center, will migrate to regions immediately peripheral - consolidating secondary centralities in new neighborhoods, reinforcing the importance of the founding core of Florianopolis. The other cores gain new visibility, their centralities are refreshed and incite new peripheries in the inner island.
Commerce at the historic center on the north side of Praça XV was replaced by a service provision center where big corporations and freelancers take "offices" in new buildings. Streets acquire a new homogenic state of contemporary architecture, spectacularly incremented in the last years by real estate demand of this typology, obeying what Milton Santos calls a corporative urbanization planning:
From the point of a selective territory outfitting, we have a rapidly growing corporative urbanization; corporative cities and metropolises come to sight where, on one side, the modernization of build environment favors the big companies and, on the other, the success of social groups' vindications will depend on corporative pressure. Under these conditions, an important share of public resources is directed to a selective urban asset, which is interesting to hegemonic economy and the hegemony of social layers (Santos, 2009, p. 37, our translation).
Within this frame of profound and radical transformations of urban and social space in the island of Santa Catarina, cultural values also change. The freshly-arrived populations, responsible for the steepest growth of a Brazilian city/capital in three decades, also bring along new habits.
The new Florianopolis of the 21st century sees in the tourism industry its new great strategic project. Depleted the exploration of natural touristic myths, of the 42 beaches, white-sand dunes and sails at the sea, the local administration turns itself to the historical center - stimulated by the appearance of cultural incentives from the federal government -, starting to face this space as a new way of gathering resources using its revitalization as motivation. The word "gentrification" soon shows up as new in the creation of new products of touristic offers. From the English "gentry" it is understood, in its initial context (England in the 60's) as area elitization. Inspired in this foreign example, social and space mutations took place that converted, in other latitudes, decayed spaces into elite consumerism offering spaces, blending art, design and nightlife.
6 The new Public Market
Within this process of renovation, the new Public Market was the central piece. This equipment, as explained throughout this paper, has always been the catalyzing element of its vicinities' commercial dynamic, serving as mediator of products between sea and city.
The relations to the sea started to increase, from collection technique and rudimentary traps to capture crustacean and fish, thanks to means of transportation such as canoes and more resistant whalers, the cotton-fiber nets, hooks and harpoons initially imported. The hunt to aquatic mammals, whales, which were numerous in these latitudes, became the first great business related to maritime resources, triggered by a company that has only used Azorean and Afro-Brazilian stock as workforce. Oil, obtained in frames, was important for lighting and as an edification waterproof agent (Lago, 2000, p. 36, our translation).
With the distance from the sea (1974), market's dynamic changes, although its function remains the same: a commercial outpost in which fish stores, butcheries and produce workers where the main movers and many cheap bars and restaurants would add to the offer. Peddlers around it would sell all sorts of products. The frequency was punctually popular. This frame is to be consolidated at the run of forty years. In 2014 such changes arrive at the Public Market (Fig. 5). After a fire of suspicious origin, the whole market is closed down and the renovation starts a couple of months later. In the following year, a new space is revealed at the cost of sixteen million Reais, originating from public safes, resulting in the sale of 104 commercial rooms. Nineteen of those dedicated to haute-cuisine and the remaining splits among general commerce with emphasis on the food industry. A retracting ceiling will be installed at the central aisle where there will be pubs, driving forward night shows.
In a city of brutal social unbalance, it is noticeable the lack of coexistence of classes in collective space. The new space becomes, simply due to consumerism offer, exclusive of the privileged classes and wealthy tourists. To the thousands of people who were daily frequenters of this space, many of which survived from there, remains the 160 employment positions to be created according to the Florianopolis Municipal Government.
The social space changes where old populations are shifted by groups of higher income are the most identifiable symptom of the phenomenon of gentrification in the whole world. However, as already affirmed, there is aggravation related to how income differences scale apart and, in the case of this study's territory, we see one of the biggest income difference in the planet. Therefore, every repurposed or revitalized space transforms itself in a space of elite consumerism, generating suburbs - where urban spaces with lack of public power support and low investment suffer overwhelming decay by the lack of infrastructure and basic services.
7 Conclusion
Finally, even facing the difficulty of demonstrating in an article the broadness of the ongoing investigation, we present here the idea of seeking signs of a city transformations over the territory of Florianópolis and its growth, along with the isle of Santa Catarina, through the architectural persistency, determinant in its history. These transformations, however, do not contemplate the collective memory of the place, still present in the imaginary of the involved social groups.
In the family of globalization and technique imaginary, there is the idea that, diffused out with exuberance, velocity constitutes a non-reversible data in production of history, chiefly upon reaching the current paroxysms. In fact, however, only a few people, companies and institutions have high velocity, and the ones who use it are even lower in number. One could say that such velocity is twice a data for politics and not for technique. On one side, it is about a choice related to the power given to agents and, on the other, the legitimization of the said choice through means of justification of a civilization model. In this sense we state to be more a politics data than technique itself, since this could be used differently in function of the set of social choices. Indeed, the extreme use of velocity ends up being the imperative of hegemonic companies and not the remaining, to which the sense of urgency is not constant (Santos, 2001, p. 134, our translation).
Thinking on the city's issue is crucial, mainly when these metamorphoses prevent a significant share of population from reaching public space. Transforming public places and buildings into commodities for touristic consumerism is part of predatory strategies. The processes of central spaces gentrification in developing countries are the creators of slums and decaying suburbs, contributing for a dramatic urban segregation in these cities.
It is relevant to study this subject, that is, the city, its social vein, urban evolution and building patrimony within its captivation by globalizing process. Such study drives us to make comparisons with similar processes in central countries, revealing the need of social policies that redistribute our wealth, promoting a new standard of life quality and coexistence to the population, even soothing conflicts between social classes.
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