Como citar esse texto: COSTA, A.E.; SAMURIO, M.R. Casa PA: entre Paulo Mendes da Rocha e Metro Arquitetos. V!RUS, São Carlos, n. 12, 2016. Disponível em: . Acesso em: 00 m. 0000.

Ana Elísia Costa é Doutora em Arquitetura e Urbanismo e Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estuda Projeto e Patrimônio Arquitetônico.

Mariana Rodrigues Samurio é acadêmica em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estuda a casa contemporânea brasileira.

Resumo

Em 2003, a Casa PA é construída em São Paulo, com projeto desenvolvido pelo Metro Arquitetos Associados, escritório fundado em 2000, e Paulo Mendes da Rocha, formado em 1954. A casa ganha destaque por nela estarem hibridizadas referências e práticas de duas gerações de arquitetos. Potencialmente, trata-se de um obra “radical” por traduzir um movimento dialético de referência ao ideário moderno e, ao mesmo tempo, de sua negação ou superação. Para mensurar essa “hibridização ou radicalidade”, emprega-se o conceito de tipo em arquitetura e o modo como ele passou a ser tratado na concepção projetual moderna. Mais do que uma pré-figuração do projeto, o tipo passou a ser adotado como uma estrutura formal aberta a investigações que permite a incorporação de deformações e sobreposições de tipos ou “fragmentos de tipos” já testados em projetos anteriores. Decorrente deste procedimento, em uma sequência de projetos de um arquiteto, é possível identificar um “tipo mãe” e a interferência de um modelo na construção de outro, principalmente através do arranjo e reutilização de “alas-tipo” e da inserção dos elementos irregulares de composição (escadas e os núcleos hidráulicos), cuja função e proporção favorece ou impede a configuração da planta livre. À luz desta discussão, o artigo objetiva identificar como casas anteriores de Mendes da Rocha e do Metro interferem no projeto da Casa PA, entendendo ser esta análise um procedimento privilegiado para discutir o projeto como uma prática reflexiva.

Palavra-chave: Arquitetura Moderna; Arquitetura Contemporânea; Arquitetura Residencial.

INTRODUÇÃO


A palavra “radical”, conceitualmente, pode caracterizar algo que se afasta do que é tradicional ou usual, algo extremado. Contraditoriamente, a palavra também pode relaciona-se à origem, à raiz ou algo original que provém de uma raiz. O ato de radicalizar, assim, é aqui entendido como um movimento dialético que envolve a volta às origens e, ao mesmo tempo, à sua negação.

Neste contexto dual, busca-se investigar obras contemporâneas que, em diferentes níveis, buscam referências no ideário moderno e, ao mesmo tempo, as superam, estimulado reflexões sobre o mundo contemporâneo, suas dissonâncias e consensos.

Atenção especial é dada à Casa PA que, em 2013, foi construída em São Paulo, com projeto desenvolvido pelo escritório Metro Arquitetos Associados, em parceria com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O Escritório Metro é paulista e foi fundado em 2000, com uma equipe constituída originalmente pelos arquitetos Martin Corullon (USP - 2000), Gustavo Cedroni (FAAP - 2001) e Anna Ferrari (Mackenzie - 2000). Em 2014, a Anna Ferrari abandonou a equipe e, em 2016, foi anunciada a participação de dois novos membros – Helena Cavalheiro (UFRGS - 2008) e Marina Ioshii (USP - 2013). Com uma ampla produção, em 2010, a equipe foi elencada pela Revista AU como um dos vinte e cinco escritórios que irão configurar a “nova geração da arquitetura brasileira”. O perfil do arquiteto Paulo Mendes da Rocha praticamente dispensa apresentações pela sua produção e projeção no cenário da arquitetura nacional e internacional, cabendo destacar que, em 2006, o arquiteto recebeu o prêmio de maior prestígio no mundo da arquitetura - o Pritzker. O estudo específico desta casa merece atenção por envolver duas gerações de arquitetos brasileiros renomados e que, hipoteticamente, hibridizam ou radicalizam neste trabalho suas referências e práticas.

Este trabalho é um produto parcial da pesquisa “Casas Contemporâneas Brasileiras: regra e a transgressão tipológica no espaço doméstico”, desenvolvida a partir de 2014 por cinco universidades - UFRGS, UFPB, UFPel, UCS, UEG. (Disponível em: https://www.ufrgs.br/casacontemporanea/).

Para mensuração da “hibridização ou radicalidade” desta obra, emprega-se o conceito de tipo em arquitetura. O conceito de tipo aqui tratado é o clássico elaborado por Quatremère de Quincy no final do século XVIII. Para ele, o tipo é um conceito capaz de elucidar a razão “oculta” da arquitetura, tendo como base a natureza da obra e a satisfação estética. Assim, a ideia de tipo se aproxima de um ideal platônico, “(...) algo permanente e complexo, um enunciado lógico que está antes da forma e que a constitui” (ROSSI, 1995, p. 25). Essa razão oculta manifesta-se através da permanência de determinadas características dos edifícios ao longo da história. Como algo abstrato, o tipo não pode ser confundido com o modelo, passível de ser materializado e repetido; é, em vez disso, um princípio que serve de regra para um grupo de modelos ao longo do tempo. De modo mais claro, Aldo Rossi esclarece: “É como uma espécie de núcleo em torno do qual se aglomeravam e se coordenavam em seguida os desdobramentos e as variações de formas de que o objeto era suscetível” (ROSSI, 1995, p. 26).

O afastamento ou transgressão deste tipo é que promove o objeto “extremado ou radical”, procedimento este fortemente ligado à concepção projetual moderna. Segundo Rafael Moneo (1999), a partir do modernismo, a operacionalização do tipo sofre profundas transformações. O arquiteto começa a trabalhar associando um tipo ao seu projeto e, na sequência, intervém sobre esse tipo, seja respeitando-o, destruindo-o ou transformando-o, através de deformações e sobreposições de tipos diferentes ou de fragmentos de tipos que alteram a configuração tipológica original. Assim, a noção de tipo a partir da arquitetura moderna assume o papel de uma matriz projetual aberta a investigações, o que torna o seus estudo mais desafiador e, talvez por isso, mais necessário.

Neste universo investigativo, os arranjos das alas ou setores podem ser entendidos como fragmentos de tipos, que, já testados previamente, são replicados em novos projetos, cuja “montagem” busca uma melhor adaptação ao novo contexto (MARTI ARÍS, 1993). Assim, o resultado final é uma estrutura tipológica flexível que permite a coordenação de diversas soluções projetuais.

Decorrente deste procedimento, em uma sequência de projetos de um mesmo arquiteto ou escritório, é possível identificar o que Martí Aris (1993) e Rafael Moneo (1999) definem como “séries tipológicas”. A série tipológica é a relação que o tipo, como estrutura formal comum, estabelece em um conjunto de obras. Na série tipológica, é possível identificar o “tipo mãe” que orienta a continuidade de uma série, bem como analisar como um modelo é capaz de interferir na construção de outro.

Entre modelos desenvolvidos por um mesmo escritório, chama atenção o modo como os arranjos das alas são estabelecidos e reutilizados em novos projetos. Nas alas, merecem menção as estratégias de inserção dos elementos de composição irregulares, como as escadas e os núcleos hidráulicos – banheiros, cozinha, área de serviço -, cuja função e proporção favorece ou impede a configuração da planta livre e a racionalização do projeto (MARTINEZ, 2000).

No modernismo, segundo Martinez (2000), a inserção dos elementos de composição irregulares se deu de formas recorrentes, destacando: 1) inserção destes entre elementos regulares (Fig. 1a); 2) inserção destes em faixas e na periferia da planta, favorecendo a integração dos elementos regulares e a configuração da planta livre ou flexível (Fig. 1b); 3) internalização destes elementos na planta, configurando núcleos internalizados e, às vezes, escultóricos (Fig. 1c).

Fig. 1: Inserção dos elementos de composição irregulares nas Casas Modernas:
(a) Casa Guilherme Brandi, 1952. Petrópolis. Sérgio Bernardes; (b) Casa Hildebrando Accioly, 1950. Francisco Bologna; (c) Casa Chiyo Hama, 1967. Ruy Othake. Fonte: (a) RESIDÊNCIA, 1955, p. 451; (b) LE BRÉSIL, 1952, p. 18-21; (c) ZEIN, s.d. Intervenções na base: das autoras.

No contexto desta discussão, o projeto da Casa PA será abordado. Seria o projeto da Casa PA um modelo “hibridizado”, que sofre a “interferência” de modelos produzidos por Mendes da Rocha e pelo próprio escritório Metro? Identificar como as casas de Paulo Mendes da Rocha e do escritório Metro interferem no projeto da Casa PA é o objetivo principal deste artigo. Ao identificar reverberações e derivações da produção da arquitetura moderna na produção contemporânea brasileira, este estudo ganha relevância.

A INVESTIGAÇÃO EM PAULO MENDES DA ROCHA

Entre 1953 e 1973, cinco casas desenvolvidas por Paulo Mendes da Rocha se destacam no contexto do brutalismo paulista (ZEIN, 2005) – Casa Celso Silveira Mello (1962); Casa no Butantã (1964-1966) e Casa Mario Masetti (1968), ambas em parceria com o arquiteto João Eduardo de Gennaro; Casa Fernando Millan (1970); e Casa Francis Francis King (1972). Fora do recorte cronológico sugerido por ZEIN (2005), merece ainda menção a Casa Antônio Gerassi Neto (1989 - 1991). Neste contexto e de modo ilustrativo, cinco casas com volumes compactos são elencadas para análise.

A Casa Celso Silveira Mello (1962), construída em Piracicaba, marca o início do emprego da linguagem do concreto armado aparente na arquitetura residencial de Paulo Mendes da Rocha (ZEIN, 2005). O volume compacto da casa possui proporções retangulares, sofrendo pequenas subtrações volumétricas nas duas fachadas transversais. Nas empenas longitudinais em concreto aparente, ocorrem poucas aberturas, contrapondo às grandes aberturas das fachadas transversais. No pavimento térreo, semienterrado e em dois níveis, quatro elementos irregulares – cozinha, lavabo e escadas - estão pulverizados. No pavimento superior, um vazio central, com escadas e passarela, conecta os setores íntimo e social, dispostos nos dois extremos longitudinais da volumetria. Os banheiros estão internalizados no setor íntimo, assumindo formas escultóricas; e, no setor social, o lavabo junto com um estar configuram um bloco que compartimenta a planta livre do setor (Fig. 2).

Fig. 2: Inserção dos elementos de composição irregulares na Casa Celso Silveira Mello, 1962. Piracicaba. Paulo Mendes da Rocha. Fonte: ZEIN, s.d. Intervenções na base: das autoras.

As Casas no Butantã (1964-1966) são duas casas similares, com variações nas plantas e aberturas, que foram construídas num mesmo terreno em São Paulo, sendo uma para o arquiteto e outra para sua irmã, Lina C. Secco. Volumetricamente, as casas se configuram como prismas puros com bases de proporções quadradas, apoiados em pilotis configurado por quatro pilares recuados das fachadas. Decompostos, cada um destes volumes se configura por empenas cegas em concreto armado que “envolvem” o pavimento-base, sendo este tratado como um corpo independente. No pilotis semienterrado, os elementos irregulares estão agrupados em um volume cilíndrico, de expressão quase escultórica. A planta do primeiro pavimento das duas casas é tripartida, estando definido em faixas: o setor social, que se abre amplamente para o exterior; o setor íntimo, sem a sua clássica circulação; e uma varanda, para onde se abrem os quartos. Na faixa íntima, os elementos de composição irregulares – banheiros e closets – estão agrupados linearmente e internalizados, liberando a planta para a disposição livre e periférica dos quartos e sala. Com o mesmo objetivo de liberar a planta, a cozinha e a escada são dispostas na sua periferia (Fig. 3) (FRACALOSSI, 2014; ACAYABA, 2011; NOBRE, 2007; ZEIN, 2005; LEMOS; CORONA, 1983).

Fig. 3: Inserção dos elementos de composição irregulares nas Casas do Butantã, 1964-1966. São Paulo. Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro.
Fonte: ZEIN, s.d. Intervenções na base: das autoras.

Observa-se ainda que a composição volumétrica das Casas no Butantã, segundo Zein (2005), configura variações de um mesmo tema, denominado por ela como “casa-apartamento” – volumetria compacta de base aproximadamente quadrada apoiada sobre pilotis. Neste volume, duas empenas paralelas são mais abertas e duas mais fechadas. Internamente, observa-se que o programa se organiza em três faixas paralelas transversais, com o setor social e o setor íntimo ocupando os dois extremos. Tais características também podem ser observadas na Casa Bento Odilon Ferreira em Goiânia (1963) e na Casa Francisco Malta Cardoso em São Paulo (1964).

No bairro Pacaembu, em São Paulo, o volume da Casa Mario Masetti (1968) assume proporções retangulares, como na Casa Celso Silveira Mello, sendo este apoiado em pilotis, como nas Casas no Butantã. Assim, é possível observar o início de um processo projetual em que modelos anteriores e/ou a hibridização dos mesmos começam a interferir na construção de outro. O pilotis apoia-se em uma plataforma com um volume semienterrado e é configurado por quatro colunas, sendo duas recuadas da fachada e duas erguidas no eixo de uma das empenas laterais, estando parcialmente explicitadas na fachada. O tratamento do prisma obedece às estratégias já observadas anteriormente – duas empenas longitudinais mais fechadas que se contrapõem às fachadas transversais mais abertas, sendo as aberturas transversais protegidas pelo prolongamento do plano da cobertura e das empenas laterais, o que sugere visualmente subtrações volumétricas (Fig. 4).

Como na Casa Celso Silveira Mello, um elemento central conecta os setores íntimo e social, dispostos nos dois extremos longitudinais do volume. Neste caso, contudo, o elemento central é reduzido, assumindo a feição de um corredor agigantado que é enfatizado pela iluminação zenital. Com esta solução, as duas escadas que conectam os pavimentos são exteriorizadas, como nas Casas do Butantã. No setor íntimo, diferente das soluções anteriores, os banheiros configuram uma faixa transversal que ocupa a periferia do volume, o que lhes garante ventilação e iluminação direta. A solução restringe o contato visual dos quartos com o exterior, dialogando diretamente com o corredor central. No setor social, a cozinha assume posição periférica que garante a configuração do grande estar, como nas Casas no Butantã (Fig. 4) (ACAYABA, 2011; ZEIN, 2005; XAVIER; LEMOS; CORONA, 1983).

Fig. 4: Inserção dos elementos de composição irregulares na Casa Mario Masetti, 1968. São Paulo. Paulo Mendes da Rocha.
Fonte: ZEIN, 2005, p. 12. Intervenções na base: das autoras.

A Casa Fernando Millan (1970), construída em São Paulo, ainda mantém proporções retangulares observadas em duas das casas analisadas anteriormente. Como na Casa Celso Mello, o arranjo dos setores se dá a partir de um vazio central que absorve escada e passarela. Também neste caso, não há pilotis e a casa está semienterrada no terreno íngreme. No térreo, cortado por um muro curvo, os elementos irregulares se agrupam linearmente na periferia do volume, compondo faixas paralelas ao vazio central. No primeiro pavimento, o banheiro do setor íntimo e o banheiro do social se inserem entre os elementos regulares, recebendo iluminação e ventilação direta do exterior e fragmentando a sugestão de uma planta livre em que os quartos são modularmente inseridos (Fig. 5) (ZEIN, 2005)

Fig. 5: Inserção dos elementos de composição irregulares na Casa Fernando Millan, 1970. São Paulo. Paulo Mendes da Rocha.
Fonte: ZEIN, s.d. Intervenções na base: das autoras.

A Casa Gerassi (1989 - 1991), como nas Casas no Butantã, é construída em São Paulo e se organiza em um prisma puro de base quadrada apoiado em pilotis. Contudo, o pilotis aqui se configura por seis pilares que são destacados na volumetria. Nas fachadas em que os pilares são aparentes, predomina os cheios sobre os vazios e, nas fachadas livres, se abrem grandes janelas apoiadas nas vigas que sustentam as lajes de piso e cobertura.

No térreo, observa-se dois volumes isolados - banheiros e circulação vertical. No primeiro pavimento, a tripartição observada anteriormente é abandonada e os núcleos compartimentados se dispersam pela planta. Um núcleo é composto por ambientes do setor de serviços, sanitários e pela escada que, neste caso, perde a feição de elemento isolado e/ou escultórico como observado nas soluções anteriores. Os outros dois núcleos, perpendiculares ao primeiro, são compostos por banheiros e dispostos entre a sala e os quartos. Estes dois últimos núcleos desalinham-se pela necessidade de ampliar as dimensões da suíte de casal, solução essa que ajuda a configurar uma espécie de hall íntimo delimitado pela claraboia central. Por outro lado, o arranjo desse hall também pode sugerir o resgate da hierarquia entre as zonas íntima e social, cuja separação era culturalmente mais empregada (Fig. 6) (FRACALOSSI, 2013).

Fig. 6: Inserção dos elementos de composição irregulares na Casa Gerassi, 1991. São Paulo. Paulo Mendes da Rocha.
Fonte: FRACALOSSI, 2014. Intervenções na base: das autoras.

Nas cinco casas analisadas, observa-se a continuidade de uma estratégia projetual - moldar os espaços a partir de um prisma puro. Cronologicamente, esta estratégia sobre variações que são retomadas alternadamente - arranjo de volumes de proporções retangulares, com a organização feita a partir de um vazio central (Celso Silveira Mello – 1962; Fernando Millan – 1970) e arranjo de volumes de proporções quadráticas, apoiados em pilotis (Butantã - 1964-1966; Gerassi - 1989 - 1991). A Casa Mario Masetti (1968) representa um exemplo de hibridização destes dois esquemas principais, assumindo a configuração de um volume de proporções retangulares, com a organização feita a partir de um eixo central, e apoio em pilotis.

Em quatro das casas, observa-se a planta tripartida e, em três delas, os elementos de composição irregulares estão internalizados, liberando as fachadas para os ambientes de permanência prolongada – quartos e salas. No entanto, processualmente, a casa Gerassi (1991) revela que há uma ruptura no arranjo rígido da planta tripartida, na disposição escultórica da escada e no arranjo concentrado dos núcleos hidráulicos.

METRO E SUAS CASAS

Se as cinco casas de Mendes da Rocha recorrem a volumes puros de base quadrada ou retangular, o vocabulário formal empregado nas casas do Metro é mais diversificado. No site do escritório - http://www.metroo.com.br/, estão publicadas apenas seis casas produzidas entre 2003 e 2014, das quais uma não tem dados suficientes para a análise (Santa Helena – 2014) e uma se constitui em uma reforma (SMA – 2016). Nas quatro casas restantes, observa-se a adoção inicial de partidos compactos (PA – 2003; RCM - 2009) e, posteriormente, de partidos aditivos (LP - 2012; BN - 2015). De qualquer modo, na maioria das casas, ainda predomina o uso de grandes superfícies cegas contrapostas a superfícies envidraçadas, como observado nas obras de Paulo Mendes da Rocha.

Quanto ao arranjo dos elementos de composição irregulares, também se observa uma maior diversidade de soluções nos projetos do Escritório Metro, destacando-se três esquemas principais que remetem ao que já foi discutido nas casas modernas (Fig. 1). O primeiro esquema se refere àquele em que os elementos de composição irregulares são internalizados na planta, como pode ser ilustrado pelas Casas PA (2003) e RCM (2009), assim como nas casas Mello, Butantã e Gerassi de Mendes da Rocha, já analisadas (Fig. 7a). No segundo esquema, os elementos irregulares são agrupados em faixas periféricas, viabilizando a configuração de outra faixa como planta livre e/ou modulada. Ilustra esse esquema a Casa LP (2012), construída em São Paulo – SP. Nela, área de serviço, cozinha e banheiros configuram um volume longitudinal e periférico que se contrapõem ao volume principal, onde estares e quartos modulados estão dispostos linearmente, de modo a usufruir das melhores visuais e melhor orientação solar (Fig. 7b). Por fim, no terceiro esquema, os elementos irregulares estão inseridos na interface direta com os elementos regulares (quartos e salas). Este esquema é ilustrado pela Casa BN (2015), em que volumes individualizados são reunidos ao redor de um espaço central e os banheiros se isolam em cada um dos volumes, juntos aos quartos. Esta última é a casa que mais se distancia das soluções estudadas neste trabalho (Fig. 7c).

Fig. 7: Inserção dos elementos de composição irregulares nas casas do escritório Metro Arquitetos: (a) Casa RCM, 2009. Ibiuna - SP; (b) Casa LP, 2012. São Paulo - SP; (c) Casa BN, 2015. São Paulo – SP.
Fonte: (a e b) SAMURIO, 2015; (c) METRO, s.d.b Intervenções na base: das autoras.

Cronologicamente, percebe-se as duas primeiras casas do Metro – PA (2003) e RCM (2009) – se aproximam mais das soluções empregadas por Mendes da Rocha, quer por seus partidos compactos, quer pela concentração e internalização dos elementos de composição irregulares. Nas outras duas casas – LP (2012) e BN (2015), as soluções adotadas sugerem a exploração de outros arranjos tipológicos, com uma crescente fragmentação volumétrica e dispersão de núcleos hidráulicos na planta.

A CASA PA: O ENCONTRO DE PAULO MENDES DA ROCHA E METRO

A Casa PA foi projetada em 2003, em parceria com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. De modo genérico, a casa é assim apresentada pelo escritório:

A casa, volume de dois pavimentos elevado em relação à cota da rua, tem estrutura em concreto armado moldado in loco com vedações em blocos de concreto.

No subsolo encontram-se as dependências de serviço e um salão.

No térreo localiza-se o espelho d’água, área coberta para estacionamento de automóveis, um sanitário e o acesso à escada e elevador, entrada principal da casa.

No primeiro pavimento encontram-se a sala de estar e jantar, copa, cozinha, lavanderia e um dormitório. No segundo pavimento, estão localizados os dormitórios com seus respectivos sanitários. Na cobertura, com piso em placas pré- moldadas de concreto, estão os reservatórios de água quente e fria e as máquinas externas do ar-condicionado.

A circulação vertical, conta com uma escada principal em concreto e uma escada externa, descoberta metálica para acesso de serviços (METRO, s.d.a).

Uma análise mais atenta da sua volumetria revela um prisma retangular sobre pilotis, formado por seis pilares recuados das fachadas. Hibridiza-se assim os dois arranjos observados nas casas de Paulo Mendes da Rocha – o prisma retangular, que antes se apoiava no terreno, e o uso do pilotis, que antes se associava aos prismas de base quadrada. Portanto, há ai uma relação tipológica com a Casa Mario Masetti (1968). Novamente, o tratamento de fachada recorre ao tratamento de empenas longitudinais mais fechadas, contrapostas a superfícies transversais envidraçadas. Como as superfícies envidraçadas não se abrem para o jardim, o conjunto é completado por uma grande laje-terraço, que paralela e longitudinalmente ao volume principal abre o primeiro pavimento para o jardim que é cuidadosamente projetado (Fig. 8).

Figura 8: Volumetria prismática sobre pilotis e laje-terraço na Casa PA, 2003. São Paulo – SP. Metro Arquitetos Associados e Paulo Mendes da Rocha.
Fonte: SAMURIO, 2015.

Em planta, o uso do prisma retangular não impõe o arranjo tripartido com um vazio ou eixo central, como nas casas Mello, Millan e Masetti de Paulo Mendes da Rocha. Aqui, a geometria prismática do volume e sua relação com o jardim impõem o arranjo dos elementos de composição no sentido longitudinal da planta, quer seja o núcleo vertical de banheiros e circulações, quer o vazio do pilotis no térreo e ainda, o grande estar do primeiro pavimento, o que difere de todas soluções anteriormente estudadas (Fig. 9).

No segundo pavimento, o arranjo longitudinal dos dois primeiros pavimentos é tensionado pela disposição transversal dos quartos nos dois extremos do volume, justificando parcialmente a fragmentação dos elementos irregulares de composição. Acredita-se que a não coincidência dos núcleos hidráulicos entre os pavimentos decorra da tensão entre os eixos que organizam estes pavimentos – longitudinal (térreo e primeiro pavimento) e transversal (segundo pavimento) (Fig. 9).

Cabe destacar que a escada principal, que se mantém constante em todos os pavimentos e desde que possível vinculada aos demais elementos irregulares de composição, assume uma expressão formal modesta neste projeto. Compondo um núcleo com o elevador, a escada da Casa PA não se impõe num vazio central ou se projeta livre e externamente em relação à “caixa murada”, assumindo, assim, um caráter estritamente funcional, assim como na Casa Gerassi (Fig. 9).

Fig. 9 : Inserção dos elementos de composição irregulares na Casa PA, 2003. São Paulo – SP. Metro Arquitetos Associados e Paulo Mendes da Rocha.
Fonte: SAMURIO, 2015.

A solução aplicada no segundo pavimento da Casa PA pode ter sofrido influência de soluções já testadas ao longo da produção de Paulo Mendes da Rocha, principalmente na Casa Gerassi, onde os elementos de composição irregulares não estão rigidamente agrupados ou organizados em faixas. Essa hipótese pode ser sustentada ainda através da comprovação, por meio de estudos gráficos especulativos, de que o terceiro pavimento poderia ter mantido um maior rigor no arranjo dos núcleos hidráulicos, mesmo quando mantida a orientação dos quartos (Fig. 10).

Fig. 10: Hipóteses de inserção dos elementos irregulares de composição na Casa PA.
Fonte: SAMURIO, 2015.

O CAPÍTULO SEGUINTE OU CONTAMINAÇÕES NA RCM

Sete anos depois da experiência da Casa PA, em 2009 e em Ibiúna – SP, o Metro projeta a Casa RCM. Esta casa pode ser entendida como uma “reverberação” da parceria do Metro com Mendes da Rocha, visto que soluções empregadas anteriormente por ele estão novamente aqui hibridizadas. O prisma de base quadrada apoiado sobre pilotis, como nas casas Butantã e Gerassi, tem uma organização espacial similar ao observado nas casas com volumes de base retangular (Mello, Millan e Masetti), ou seja, observa-se um vazio central que separa os setores social e íntimo e que absorve a escada (Fig. 11).

Fig. 11: Inserção dos elementos de composição irregulares na Casa RCM, 2009. São Paulo – SP. Metro Arquitetos Associados.
Fonte: SAMURIO, 2015.

A tripartição da planta observada em Paulo Mendes da Rocha é aqui relativizada, estando parte do setor íntimo alinhada com o vazio central, sem, contudo, comprometer a sua hierarquia no arranjo espacial. Consequentemente, os núcleos hidráulicos, apesar de ainda agrupados e internalizados, ganham uma disposição com maior fluidez, como observado nas Casas Gerassi e PA, ambas com participação de Mendes da Rocha.

CONCLUSÃO: UM TÊNUE PROCESSO DE RADICALIZAÇÃO

Assim, a Casa PA e, posteriormente, a Casa RCM esboçam hibridizações e reintepretações de soluções empregadas anteriormente por Paulo Mendes da Rocha. Prismas de base retangular ganham pilotis e assumem arranjos espaciais comuns ao das casas de planta quadrada. Prismas de base quadrada ganham arranjos espaciais comuns aos das casas com planta retangular. Elementos de composição irregulares são internalizados, algumas vezes configurando agrupamentos rígidos, outras, se diluindo na planta de modo a promover uma melhor resolução do problema de projeto. Escadas ora são omitidas como elemento de arquitetura expressivo no conjunto, ora ganham expressão em meio ao vazio central.

Na análise dos exemplares apresentados, consolida-se o que Martí Aris (1993) e Rafael Moneo (1999) definem como “séries tipológicas”. Entre as casas de Paulo Mendes da Rocha e as Casas PA e RCM do Metro, há uma estrutura formal comum que orienta a continuidade de uma série, em que um modelo interfere na construção de outro, mesmo que de modo não linear (Fig. 12).

Fig. 12: Linha do tempo com os projetos de casas de Paulo Mendes da Rocha e do Escritório Metro Arquitetos Associados em que se observa arranjos de plantas compactas quadradas e retangulares. Em destaque, arranjo dos elementos irregulares de composição.
Fonte: SAMURIO, 2015.

Os arquitetos começam a trabalhar associando um tipo ao seu projeto e, na sequência, intervêm sobre esse tipo, transformando-o, através do emprego de fragmentos de tipos já testados em projetos anteriores. Assim, a estrutura tipológica empregada no projeto das Casas PA e RCM se mostra flexível, permitindo a coordenação de diversas soluções projetuais.

Através deste estudo, é possível identificar, do ponto de vista tipológico e ao menos centrado nas figuras de Paulo Mendes da Rocha e do Escritório Metro, reverberações e derivações da produção moderna na produção contemporânea brasileira. Trata-se, contudo, de um tênue processo de “radicalização”. Se radicalizar envolve um movimento dialético de voltar às origens e de negá-la, observa-se aqui mais a volta às referências modernas do que sua superação ou negação propriamente dita. Isso, contudo, não representa a única estratégia a guiar a produção das novas gerações brasileiras que se curva à herança moderna e, ao mesmo tempo, busca uma expressão própria que ainda precisa ser melhor estudada (ZEIN; BASTOS, 2010).

REFERÊNCIAS

ACAYABA, Marlene Milan. Residências em São Paulo: 1947 - 1975. São Paulo: Romano Guerra, 2011.

FRACALOSSI, Igor. Clássicos da Arquitetura: Casa no Butantã / Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro. ArchDaily Brasil, 12 mar. 2014. Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2015.

FRACALOSSI, Igor. Clássicos da Arquitetura: Casa Gerassi / Paulo Mendes da Rocha. ArchDaily Brasil, 06 jul. 2013. Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2015.

LE BRÉSIL et l'Architecture Contemporaine. L’Architecture d’Aujourd’hui, Paris, ano 23, n. 42-43, ago. 1952.

MARTÍ ARIS, Carlos. Le variazioni dell’identità: il tipo nella architettura. Torino: Città Studio Edizione, 1993.

MARTINEZ, Alfonso Corona. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editora da UNB, 2000.

METRO. Casa PA, São Paulo, SP. s.d.a Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2016.

METRO. Metro arquitetos. s.d.b Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2016.

MONEO, Rafael. La solitudine degli edifici e altri scriti: Questioni intorno all’architettura. Torino: Umberto Allemandi & C., 1999.

NOBRE, Ana Luiza. Um em dois: as casas do Butantã, de Paulo Mendes da Rocha. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 086.01, Vitruvius, jul. 2007. Disponível em: . Acesso em: 06 mai. 2015.

RESIDÊNCIA em Petrópolis. ACRÓPOLE, São Paulo, ano 17, n. 202, p. 449-452, jul. 1955.

ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

SAMURIO, Mariana. Contaminações: do encontro entre Paulo Mendes da Rocha e Metro Arquitetos. 2015. Relatório de pesquisa (Iniciação Científica) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2016.

XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo. Arquitetura moderna paulistana. São Paulo: Editora Pini, 1983.

ZEIN, Ruth Verde. A Arquitetura da Escola Paulista: 1953-1973. 2005. Tese (Doutorado em Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

ZEIN, Ruth Verde. Arquitetura Brutalista. s.d. Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2016.

ZEIN, Ruth Verde; BASTOS, Maria Alice Junqueira. Brasil: arquiteturas após 1950. São Paulo: Perspectiva, 2010.