A produção do espaço cotidiano de uso público

Lígia Milagres, Silke Kapp, Ana Paula Baltazar

Lígia Milagres é Arquiteta e Pesquisadora do Grupo Morar de Outras Maneiras (MOM-UFMG).

Silke Kapp é Arquiteta, Doutora e Mestre em Filosofia, Professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenadora do Grupo Morar de Outras Maneiras (MOM-UFMG).

Ana Paula Baltazar é Arquiteta, Doutora em Arquitetura e Ambientes Virtuais e Mestre em Arquitetura. Professora Adjunta da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e Pesquisadora do Grupo Morar de Outras Maneiras (MOM-UFMG).

Como citar esse texto: MILAGRES, L.; KAPP, S.; BALTAZAR, A. P. A produção do espaço cotidiano de uso público. V!RUS, São Carlos, n.4, dez. 2010. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus04/?sec=4&item=7&lang=pt>. Acesso em: 27 04 2024.

Resumo

Esse artigo é um excerto da Dissertação de Mestrado da autora, sobre a produção do espaço cotidiano de uso público. Ao invés de considerar os espaços públicos em geral, em seu sentido histórico ou institucional, procura-se investigar os espaços restantes, quando os terrenos privados e fechados são subtraídos. São as calçadas, ruas, canteiros centrais de vias principais, pequenos parques de bairros, espaços residuais e outros espaços abertos que podem ser ocupados ou mesmo fisicamente transformados pelos moradores da vizinhança. Contudo, como o planejamento urbano normalmente prioriza a circulação de carros, mercadorias e pessoas, essa possibilidade é limitada e raramente explorada. Para estruturar a discussão sobre o envolvimento das pessoas com a produção de tais espaços, esse artigo descreve um caso específico em Belo Horizonte – umas das maiores cidades brasileiras. É o caso de um trecho interrompido de rua que está abandonado, localizado em um bairro de classe média-alta. Para testar o grau de envolvimento ou passividade dos vizinhos, foi adotada uma tática de distribuir panfletos direcionando as pessoas a um blog criado para discutir o que se fazer com esse espaço público. O artigo descreve as evidências, levantadas pelas discussões no blog, quanto à passividade cotidiana e à habitual delegação de decisões sobre espaços públicos para terceiros. Nossas descobertas estruturam uma discussão sobre um urbanismo alternativo que baseia-se em ferramentas com as quais as pessoas deveriam se engajar na produção de espaços públicos.

1. Espaço público especializado e espaço público cotidiano

Em se tratando do tema da revista, desenhar coexistência é necessário ir além da discussão que considera apenas a apropriação dos espaços públicos, avançando para um debate sobre a sua produção coletiva. Ou seja, é importante que uma reflexão crítica sobre os espaços públicos não se restrinja àqueles projetados por especialistas, mas se dirija aos espaços passíveis de produção coletiva na escala microlocal, isto é, na escala da moradia e de seu entorno urbano imediato. Para tanto, buscamos investigar uma situação urbana em que há condições para o desenho coletivo, no cotidiano, de tal coexistência, compreendida aqui como a prática política de discussão e transformação dos espaços.

Em lugar de abordar os espaços públicos genericamente, recorrendo ao sentido institucional e formal do grande equipamento público, importa investigar o uso de tudo aquilo que resta quando se subtraem do espaço cotidiano o lote privado e o condomínio fechado: são as calçadas, as ruas, os canteiros centrais das avenidas, as pequenas praças de bairro, os resquícios de empreendimentos passados e quaisquer outros espaços livres. Eles podem ser ocupados de muitas formas, mais ou menos espontâneas, mais ou menos organizadas: para encontros, festas, esportes, comércio ou ócio; esporádica ou rotineiramente; em empreendimentos de algumas horas ou de meses; com usos que dispensam a transformação física ou que, pelo contrário, a exigem.

No entanto, essas possibilidades de ocupação e transformação são pouco exploradas no contexto de um planejamento urbano que prioriza a circulação de carros, mercadorias e pessoas, e no contexto de um parcelamento do solo feito quase sempre à revelia da qualidade do espaço público que une as parcelas. O resultado tem sido, por um lado, praças e equipamentos projetados por especialistas, mas não apropriados e zelados pelos moradores e, por outro lado, o descaso com o logradouro público no entorno da moradia.

Tal padrão de ocupação, que se repete mesmo nas áreas autoproduzidas da cidade, se conjuga perfeitamente bem com uma gestão centralizada. Juntas, a lógica do lote privado e a lógica da gestão centralizada interditam o engajamento das pessoas no espaço público cotidiano. Há inúmeros bairros e vizinhanças onde os moradores ignoram ou negligenciam por completo a possibilidade de intervir, considerando que seria tarefa da prefeitura cuidar de tudo o que não é propriedade privada. Mas, por outro lado e apesar de todas as interdições, também há locais onde os moradores tomam a iniciativa e se empenham em melhorias.

Essa variação do nível de engajamento da população deve ser considerada no debate sobre a produção dos espaços públicos. Certamente não se pode tomar o engajamento por pressuposto, mas nem tampouco o não-engajamento. O que está em jogo não é somente o uso, nem muito menos a adesão popular a um uso predefinido por um plano ou projeto, mas a prática do direito à cidade como propõe David Harvey (2008), além da liberdade individual de acesso aos recursos urbanos, ou, dito de outro modo, o exercício de decisão e ação direta sobre o espaço urbano da coexistência cotidiana.

O comportamento das pessoas em relação aos espaços não especializados, isto é, não desenhados por especialistas e sem programa de usos predefinidos, são amostras concretas do grau de engajamento com o espaço urbano presente no entorno da moradia. Esse engajamento consiste na capacidade de organização, discussão e transformação autônoma e coletiva dos espaços e é condicionado pelas características de cada contexto, variando do grau mínimo [os espaços são ignorados] ao máximo [a comunidade do entorno se apropria dos espaços, não só cuidando, mas propondo e executando intervenções]. Para informar essa discussão foram observados espaços localizados em áreas residenciais de Belo Horizonte. A cidade tem características da maioria das grandes metrópoles brasileiras: seus logradouros públicos privilegiam as pistas de rolamento em detrimento das calçadas, gerando áreas públicas que nada mais são do que resíduos territoriais ermos e inóspitos. Como o objetivo é compreender o que está por trás de um quadro no qual o desengajamento parece ser regra, buscamos investigar inicialmente um exemplo do caso mais comum: aquele em que o grau de engajamento é baixo.

2. Engajamento [quase] zero



Figura 1: Vista aérea do trecho não urbanizado da Rua Nicarágua e das suas extremidades. Fonte: Google Earth.

Encontramos um exemplo típico do grau mais baixo de engajamento num bairro de classe média-alta da Região Sul de Belo Horizonte. Trata-se de um trecho não urbanizado da Rua Nicarágua, fruto de um erro no projeto geométrico do arruamento que gerou um desnível em relação à malha viária adjacente e impediu a conexão com essa malha. A área é circundada por prédios, ou melhor, pelas palafitas que os sustentam e os nivelam em relação às ruas próximas. Assim, nenhum dos prédios tem acesso direto à área em questão, o que contribui significativamente para o seu abandono pelos moradores. O espaço não é cuidado senão pela Superintendência de Limpeza Urbana, que o capina mensalmente. E não é usado, exceto por alguns transeuntes que o aproveitam como atalho e, segundo o depoimento dos vizinhos, por jovens em práticas supostamente ilícitas. Essa relativa falta de atividade gera um ambiente vulnerável e intimidador, cujas possibilidades de convivência e vitalidade não são vislumbradas pelos moradores. Assim, uma área que poderia conformar um espaço público positivo, regendo a implantação das edificações tal como num cluster1, é apenas espaço negativo, resíduo da implantação ensimesmada dos prédios vizinhos.

Como a rua Nicarágua faz parte de um bairro de moradias de classe média-alta, os motivos estruturais do aparente desinteresse por ela podem parecer óbvios: quem dispõe de facilidades e prazeres no espaço privado não se importa com a qualidade do espaço público. No entanto, isso ainda não explica como a situação é incorporada pelos moradores no dia-a-dia, isto é, como a percebem pessoalmente. Para confirmar ou desmentir o desinteresse e para compreender a ausência de iniciativas de uso ou transformação, recorremos a uma tentativa de mobilização por meio da distribuição de um panfleto na vizinhança2. (Figura 03 e 04).

Figura 2: Panfletos. Fonte: Arquivo pessoal da autora.

O panfleto incluiu um convite para a participação num blog criado para essa finalidade, já que apesar da falta de hábito dos vizinhos de se encontrarem para debater problemas comuns, eles se enquadram no perfil de usuários de internete redes sociais. Com perguntas como “Você usa o pedaço verde da rua Nicarágua?” e imagens que remetem ao abandono real e a alguns usos potenciais, o panfleto deveria dar visibilidade ao local e instigar os moradores a discutirem o assunto. Para tanto, houve o cuidado na elaboração do conteúdo, para que as imagens não induzissem essa ou aquela proposta.

Foram distribuídos 400 panfletos nos prédios próximos à Rua Nicarágua. Contrariando a prática panfletária mais comum de distribuição na rua sem maiores formalidades, foi necessário camuflar os panfletos em envelopes, para que os porteiros dos prédios não questionassem sua procedência e de fato os encaminhassem aos apartamentos. Mesmo nos poucos prédios sem porteiro, os panfletos foram envelopados e endereçados a cada apartamento, para aumentar a chance de os moradores lhes darem alguma atenção. Outros 100 panfletos foram depositados, sem envelopes, em caixas de correio de residências unifamiliares e nos balcões da lanchonete e da padaria da região.

Figura 3: Blog de discussão sobre a Rua Nicarágua e fotos do espaço. Fonte: http://ruanicaragua.blogspot.com/ e arquivo pessoal da autora.

As reações no blog totalizaram 14 postagens durante os 11 dias após a panfletagem. Como havia sido criado um colaborador denominado “morador”, com e-mail e senha abertos para que qualquer pessoa pudesse postar contribuições sem necessariamente se identificar, a grande maioria se manifestou anonimamente. Dentre o grupo dos anônimos, o tom predominante foi de medo, reclamação sobre os impostos e reivindicação ao poder público, demonstrando que os participantes vêem a Rua Nicarágua como um problema a ser resolvido por uma instância externa. Também freqüente foi a referência, por vezes extremamente preconceituosa, aos moradores de uma favela próxima e à necessidade de policiamento para mantê-los afastados.

[...] temos um terreno baldio onde o lixo e os viciados em droga tomaram conta. Gostaria que o final da rua fosse transformado em uma praça pública com um posto policial; pois foi aberto um atalho que dá em frente ao Morro do Papagaio. (Blog Rua Nicarágua, 28/07/2010)
É uma vergonha a prefeitura ciente do problema não tomar nenhuma atitude [...] nós pagamos um IPTU elevado e não temos os serviços que são obrigação do estado. Sou a favor de uma praça com uma guarita de policiais no local. Pagamos alto por viver nesta zona daí podemos cobrar o que é devido. (Blog Rua Nicarágua, 29/07/2010)
Isso pra mim é uma vergonha, VERGONHA. Espero que façam alguma coisa a respeito, já que pagamos e esperamos resultados. Os EUA cobram 6% de imposto e fazem tudo para a sociedade, aqui cobram mais de 60% e não conseguem esticar o braço. (Blog Rua Nicarágua, 28/07/2010)
[...] não é nada fácil viver ao lado desse propício ninho de marginais. Acho que deveria haver um parque com uma travessia decente [...] Claro, tudo isso com uma guarita PERMANENTE da Polícia Militar, afinal dessa favela ao lado... ninguém pode esperar muita coisa boa, né?? Espero que nossas "preces" sejam ouvidas, pois o imposto, nós pagamos!!! Abraços e parabéns pela iniciativa do blog! (Blog Rua Nicarágua, 25/07/2010)

Alguns participantes do blog pareciam pressupor a existência de uma ação previamente definida e comandada por uma instituição ou empresa, à maneira das pesquisas de mercado ou daquelas campanhas publicitárias que anunciam o produto apenas depois de uma fase preparatória de suspense. Nesses casos, os participantes julgaram que deveriam se posicionar contra ou a favor, mesmo sem conhecer o conteúdo da suposta “obra”.

  • Queríamos dar total apoio a obra que ira acontecer na rua Nicarágua […] Estamos a favor. (Blog Rua Nicarágua, 25/07/2010)

Diante dessas postagens, muito focadas na reivindicação ou no apoio passivo, fizemos uma interferência no blog para sugerir a possibilidade da intervenção pelos próprios moradores:

  • Será que a gente não consegue pensar aqui em ações que estão ao nosso alcance para começar a melhorar a rua? Fui lá outro dia e vi que alguém plantou mudas perto da estrutura do prédio... (Blog Rua Nicarágua, 27/07/2010)

Depois desse comentário, a perspectiva mudou ligeiramente. Alguns moradores demonstraram uma atitude mais propositiva e, curiosamente, passaram a se identificar.

1 Christopher Alexander defende a disposição em cluster [cacho ou agrupamento] contra a disposição convencional das moradias em grid [malha hipodâmica]. Ver The production of houses (1985), especialmente o capítulo “The collective design of common land”.

2 O grupo MOM vem usando panfletos como tática de mobilização para discutir a produção do espaço, inspirados nos panfletos distribuídos pelas Suffragettes no início do século que, além de veicular ideias, tinham objetivo político explícito. A panfletar: panfletos para discutir a produção do espaço. Disponível em <http://www.mom.arq.ufmg.br/>.

Bem, a postura típica brasileira de esperar por iniciativa governamental resulta, quase sempre, em decepção. Assim, considerando nosso contexto, a pró-atividade comunitária poderia render mais frutos. (Blog Rua Nicarágua, 28/07/2010)
Pois é, um dos principais mecanismos para se desmarginalizar um recinto, é o seu uso. Imagino que se houvesse arborização, passeio, brinquedos, quadras, aparelho de ginástica [para alongamentos, barras, etc. como na praça JK] e as pessoas frequentassem o local, nem de guarita precisaria. (Blog Rua Nicarágua, 25/07/2010)
Também acredito que se o espaço for usado pela vizinhança, ele deixaria de ser ermo e perigoso, sem precisar de guarita. Além disso, muitas janelas são voltadas para a rua Nicarágua, já é um espaço fácil de tomar conta. (Blog Rua Nicarágua, 29/07/2010)
Seria maravilhoso contar com um espaço verde, que com certeza só acrescentaria ao nosso bairro. Topo entrar nesse movimento. Vamos nos mobilizar e ver se esse prefeito está realmente preocupado e voltado a tornar nossa cidade mais agradável. (Blog Rua Nicarágua, 29/07/2010)

Esse último comentário evidencia, no entanto, que, mesmo entre os participantes com disposição para agir, não predomina a perspectiva de intervenções diretas no espaço em questão, mas a de pressão sobre instâncias externas supostamente responsáveis por ele.

  • Se conseguíssemos desenhar um esboço da re-urbanização do local, ou algo assim, poderíamos elaborar um projeto com o qual pleitearíamos recursos para o desenvolvimento de um projeto executivo e para a sua implementação. Como? Acho que é totalmente factível conseguir recursos advindos de compensação ambiental/social de empreendimentos minerários, por exemplo. No entanto, seria necessário, antes de mais nada, a criação de uma entidade jurídica que representasse a comunidade e que desse legitimidade e credibilidade para eventuais tentativas de prospecção de recursos.

  • Acredito que o caminho é buscar o auxílio de algum político que representa o bairro, ou entidades públicas [que cuidam de parques na região metropolitana] para desenvolver um projeto "verde" e de sinalização para o local. E muito cuidado para não deixar transformarem a passagem em uma rua para automóveis, ou em um local de bagunça nos finais de semana. (Blog Rua Nicarágua, 28/07/2010)

O blog foi usado pelos moradores como um meio para emitir posicionamentos de forma cômoda, o que fica claro pelo fato de a grande maioria dos comentários serem anônimos. Durante os dias de discussão no blog, não houve nenhuma ação concreta no espaço, nem mesmo aumentou o número de transeuntes. Ou seja, o blog não foi usado como meio para estruturar ações no espaço, mas abriu um canal de discussão e troca de informações que não existia. Pudemos constatar que os moradores não são inteiramente indiferentes ao tema, embora suas inquietudes também não sejam suficientemente fortes para superar o hábito de delegar as decisões sobre o espaço público a terceiros.

O caso da Rua Nicarágua não é exceção, mas, pelo contrário, indica com relativa clareza como a lógica mencionada no início [imóvel privado + gestão centralizada do espaço público] é incorporada pelos indivíduos. Pressupõe-se a funcionalização do logradouro público e sua consequente compartimentação em espaços especializados, seja para o lazer, seja para a circulação monótona de pedestres e ou de carros apressados. Assim, o contato dos moradores com a rua também tende a ser meramente funcional. Como queria Le Corbusier, a rua é usada apenas para circular. O que está do outro lado da divisa parece não interessar o suficiente para despertar ações ou mesmo discussões sobre o seu uso. É praxe apoiar [verbalmente] a implantação de uma obra de melhoria pela prefeitura, mas o interesse dificilmente vai além do fato de ela valorizar o imóvel particular.

Nos bairros, na escala do cotidiano, essa funcionalização poderia ser subvertida localmente pela vizinhança, a partir da apropriação de áreas que, por lapsos de planejamento ou gestão, ainda não foram etiquetadas. Diferentemente da produção agenciada por um grupo externo, que costuma gerar espaços ociosos, a produção coletiva local com alguma autonomia é mais ágil e direta, podendo propiciar ambientes organicamente atrelados aos moradores. Locais como o trecho verde da Rua Nicarágua têm dimensões e um tipo de inserção que favoreceria intervenções pelo próprio público ao qual ele pertence, isto é, os habitantes da vizinhança. De fato, a Rua Nicarágua necessitaria de poucos incrementos para ser freqüentada no dia-a-dia. Ela dispensa projetos complexos e até mesmo o aval de órgãos municipais, pois não há problemas geotécnicos, e iluminação e drenagem estão instalados.

Como já mencionado, fizemos uma inserção noblog da Rua Nicarágua para lembrar que existem ações ao alcance dos moradores, que não demandam muito dinheiro, nem a ajuda de uma instância externa. No entanto, prevaleceu o entendimento de que se deveria recorrer a um especialista, fazer um projeto de re-urbanização e, com a ajuda de algum político, pleitear a implantação pela administração pública. Consultamos, então, a Regional Centro-Sul, órgão da Prefeitura de Belo Horizonte responsável pelo bairro3. Seus técnicos consideram que o trecho necessita de uma grande e morosa intervenção. Eles recomendam que os moradores façam um convênio com a Prefeitura ou se alinhem com algum político para conseguir que a “grande obra” seja priorizada no orçamento municipal. Em outras palavras, os entraves a uma ação dos moradores num espaço público que lhes diz respeito direta e cotidianamente são duplos. O poder público assume a posição heróica de atender a todas as demandas em quaisquer escalas [coisa que obviamente nunca acontece de fato] e os cidadãos, quando muito, se engajam na reivindicação desse atendimento.

O pressuposto de que o espaço público é de responsabilidade de uma instância externa faz com que a segurança do local também seja abordada predominantemente pela via da heteronomia. Uma das contribuições acima citadas atentou para a possibilidade de vigilância espontânea pela vizinhança, já que muitas janelas estão voltadas para a Rua Nicarágua. Mas a maioria dos participantes aderiu à proposta de instalação de uma guarita da Polícia Militar, que garanta a segregação da favela próxima, sempre vista como ameaça. Nesse sentido, a opinião mais difundida parece coincidir com a “Teoria dos Espaços Defensáveis”, criada por Oscar Newman na década de 1970, que prega um desenho urbano policialesco, sem “tocaias”, para que os cidadãos considerados de bem estejam a salvo das ações dos delinquentes.4 Acredita-se que um desenho urbano adequado, com a funcionalização dos espaços e a distribuição minuciosa das atividades, facilite a vigilância e o controle dos espaços por parte dos vizinhos. É cultivada uma visão paranóica na qual os transeuntes são tratados como intrusos, bandidos em potencial. Nesse modelo, as pessoas que caminham a pé pela cidade, além de enfrentarem diariamente espaços ermos, são submetidas ao julgamento de vizinhanças hostis. Um desenho urbano como esse é muito diferente de um espaço urbano produzido e cuidado por vizinhos do entorno, que pode também ser usufruído pelos transeuntes.

Ao contrário de uma configuração “disneyficada”, cujo objetivo é a proteção da propriedade privada e dos interesses individuais, Alexander (1985) propõe que os espaços comuns a um grupo de moradias tenham seu layout e conformação determinados pelas famílias e não por um agente externo. Além disso, no lugar de uma configuração específica, ele defende a produção coletiva do arranjo formado por espaços privados e espaços urbanos. Seria pertinente refletir sobre o que ele chama de “desenho coletivo do espaço comum” [the collective design of common land] em relação aos ambientes urbanos consolidados, sem perder de vista de que não se trata da proteção da propriedade privada ou de um espaço pertencente a um grupo, mas da atuação sobre um determinado espaço urbano por parte dos moradores do entorno que decidem por cuidar e usar, improvisando melhorias. No contexto em questão é raro encontrar ações engajadas nessa direção, pois grande parte das pessoas entende que o espaço pertence ao poder público e é de sua responsabilidade.

A falta de hábito de negociar e discutir o espaço urbano cotidiano faz com que a burocratização dos procedimentos para a sua melhoria seja assimilada sem questionamento. Ou seja, a institucionalização é assimilada nas ações cotidianas e engessa as possibilidades de contribuição autônoma dos indivíduos ou pequenos grupos. Inicialmente, os panfletos cumpriram o papel de fazer com que moradores se lembrassem do espaço público e pensassem sobre ele, no entanto, ficou claro que é necessário um instrumento catalisador de ações colaborativas e uma plataforma que possa mantê-las continuamente.

3. Abrindo a caixa de ferramentas

Ivan Illich aponta, já na década de 1970, que seria preciso reaprender a usar e a criar as chamadas “ferramentas de convivialidade” [tools for conviviality], para facilitar a colaboração entre indivíduos e grupos primários, sem uma instância centralizadora que lhes ditasse o que fazer. Illich entende por ferramenta não só objetos mas as próprias organizações, institucionais ou não, como associações de bairro e a escola, por exemplo. Ferramentas de convivialidade são aquelas disponíveis para serem manipuladas, usadas e transformadas por qualquer pessoa, sendo de fácil apreensão, não pretendendo exclusividade ou monopólio e não criando dependência ou heteronomia estrutural. Num sentido análogo, embora menos otimista, Michel de Certeau (1994) traz a distinção entre tática e estratégia da prática militar para as ciências sociais. Enquanto a estratégia equivale ao grande plano e pressupõe uma posição de poder com certa visão de totalidade [por mais distorcida ou equivocada que ela seja], a tática é o procedimento que tira proveito da ocasião, do improviso local, da contingência, da circunstância particular.

Pode-se dizer que a tática está para a estratégia, como o cotidiano está para o institucional, ou, inversamente, que a ação institucionalizada tende a demandar estratégias, enquanto a ação cotidiana demanda táticas, mais imediatamente relacionadas a uma situação específica, cujas peculiaridades escapam à visão panorâmica dos estrategistas, e que é passível de alterações contínuas. Portanto, também é na escala local, ou microlocal como preferimos enfatizar, que a retomada de “ferramentas de convivialidade” seria possível como alternativa à produção heterônoma do espaço cotidiano; moradores de lugares como a rua Nicarágua podem se organizar em torno de um problema comum, reinventando as ferramentas que têm em mãos. Isso é possível porque nenhuma função urbana de grande escala depende daquele espaço; ele não é imprescindível como acesso ou articulação viária, não importa nem exporta impactos ambientais significativos e não atende à população para além da vizinhança. Existem muitos casos semelhantes na cidade, cujas melhorias poderiam ser agenciadas pelos moradores sem passar por processos dos quais esses moradores não têm controle.

Ora, se os instrumentos disponíveis estão institucionalizados e inseridos numa cadeia burocrática, é preciso imaginar outros, consonantes com a escala microlocal, que facilitem o acesso à informação e à comunicação, potencializando práticas colaborativas autônomas entre os moradores.

Por enquanto, a possibilidade de ação não foi tomada seriamente no caso da Rua Nicarágua, mas, não só neste caso como também em outros contextos, a experiência inicial dos panfletos e doblog poderia se desdobrar no uso de instrumentos voltados para a realização de transformações do espaço. Os panfletos poderiam, por exemplo, veicular dicas de cultivo de hortas e jardins, de técnicas variadas para a construção mobiliário e equipamentos ou mesmo informações sobre cuidados com a drenagem e pavimentação. O meio digital, poderia funcionar não só como fórum de discussão, mas também como uma plataforma para a troca e coleção de experiências, podendo contar com a participação de pessoas de outras partes da cidade. Ou seja, uma vez inicialmente organizados em torno da situação, os moradores poderiam manejar as ferramentas de acordo com seus interesses.

Não propomos, contudo, a presença de um mediador [seja institucional ou mesmo um líder da comunidade] constantemente interferindo ou iniciando os chamados processos participativos nos quais a população interessada vota numa dentre uma gama restrita de propostas. Vislumbramos, sim, o desenvolvimento e a difusão de “ferramentas de convivialidade” que funcionem como interfaces capazes de incentivar o engajamento das pessoas na produção coletiva dos espaços (BALTAZAR; KAPP, 2010). Independente da boa vontade de um mediador institucional ou líder comunitário, tais ferramentas devem ser capazes de mediar o acesso à informação e meios de produção da população imediatamente interessada na produção social dos espaços passíveis de uso coletivo.

Se a informação e meios de produção, até então tratados como pertencentes a especialistas, forem disponibilizados e manipulados por qualquer um que esteja interessado em transformar determinado espaço, o quadro atual de impotência e negligência da população em relação ao ambiente urbano poderia ser revertido paulatinamente. O fato de os próprios moradores atuarem coletivamente no entorno imediato de suas casas, eles mesmos desenhando seus espaços de coexistência, poderia amortecer as fronteiras entre público e privado, transformando espaços inóspitos e sem dono em espaços incrementados de acordo com interesses coletivos.

Referências

ALEXANDER, C.; DAVIS, H.; MARTINEZ, J.; CORNER, D. The collective design of common land. In____. The Production of Houses. Oxford University Press, NY, 1985.

BALTAZAR, A. P.; KAPP, S. Against determination, beyond mediation. In: KOSSAK, F.; PETRESCU, D.; SCHNEIDER, T.; TYSZCUK, R.; WALKER, S. (org.). Agency: working with uncertain architectures. Abingdon: Routledge, 2010.

BONDARUK, R. L. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: Edição do autor, 2007.

CERTEAU, M. Artes de fazer. In____. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.

HARVEY, D. The right to the City. New Left Review, no 53, setembro-outubro, 2008, s.p. Disponível em: <http://www.newleftreview.org/?view=2740>. Acesso em: 20 jan. 2010.

ILLICH, I. Tools for conviviality, 1973. Disponível em: <http://opencollector.org/history/homebrew/tools.html>. Acesso em: 09 mai. 2010.

NEWMAN, O. Defensible spaces: crime prevention through urban design. London: MacMillan, 1972.

33 Informação de um técnico da Administração Regional Centro-sul, obtida em entrevista por telefone realizada por Lígia Milagres.

44 Uma versão brasileira ainda mais policialesca dessa teoria pode ser conferida em A prevenção do crime através do desenho urbano, de autoria do Coronel Bondaruk.

NEWMAN, O. Creating defensible spaces,1996. Disponível em: <http://www.huduser.org/portal/publications/pubasst/defensib.html>. Acesso em: 24 ago. 2010.

MOM (Morar de Outras Maneiras). A panfletar: panfletos para discutir a produção do espaço.Disponível em: <http://www.mom.arq.ufmg.br/12_panfletos/panfletar.htm>. Acesso em: 12 jun. 2010.

The production of everyday life public space

Lígia Milagres, Silke Kapp, Ana Paula Baltazar

Ligia Milagres is an Architect and Researcher of the group Living in Other Ways (MOM-UFMG), Brazil.

Silke Kapp is an Architect, Doctor and Master in Philosophy, Associate Professor at School of Architecture, Universidade Federal de Minas Gerais and Coordinator of the group Living in Other Ways (MOM-UFMG), Brazil.

Ana Paula Baltazar is an Architect, Ph.D. in Architecture and Virtual Environments and Master in Architecture, Associate Professor at School of Architecture, Universidade Federal de Minas Gerais and Researcher of the group Living in Other Ways (MOM-UFMG), Brazil.

How to quote this text: Milagres, L. Kapp, S. and Baltazar, A. P., 2010. The production of everyday life public space. Translated from Portuguese by Daniel Paschoalin, V!RUS, [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus04/?sec=4&item=7&lang=en>. [Accessed: 27 04 2024].

Abstract

The paper is an excert of the author's Masters thesis about the production of everyday public spaces. Instead of addressing the public spaces in general, in its historical or institutional sense, it seeks to investigate the spaces left when private and closed lands are subtracted. They are sidewalks, streets, central walkways in main roads, small neighborhood parks, residual spaces and other open spaces that can be occupied or even physically transformed by the neighborhood dwellers. However, as urban planning usually prioritizes the circulation of cars, commodities and people, this possibility is limited and rarely explored.

To inform the discussion on people’s engagement with the production of such spaces, this paper describes a specific case in Belo Horizonte — one of the largest Brazilian cities. It is the case of an interrupted stretch of street that is abandoned, located in an upper middle class neighbourhood. In order to test the degree of engagement or passiveness of the neighbours, a tactic of distributing leaflets directing people to a blog created to discuss what to do with this public space was adopted. This paper describes the evidences raised by the discussions in the blog concerning people’s everyday passivity and the habitual delegation of decisions about public spaces to third parties. Our findings inform a discussion on an alternative urbanism that relies on tools with which people might engage in the production of public spaces.

Keywords: public spaces, collective production, engagement

1. Specialized public space and everyday public space

When it comes to the issue of the journal, designing coexistence, it is necessary to go beyond the discussion that considers only the appropriation of public spaces, moving towards a debate about their collective production. Namely, a critical reflection on the public spaces should not be restricted to those designed by specialists, but directed to areas subject to collective production in the micro-local scale, that is, the dwelling scale and its immediate urban surroundings. To this end, we investigate an urban situation that have conditions for collective design in everyday life. Such coexistence is understood here as the political practice of discussion and transformation of spaces.

Instead of a generically approaching public spaces, using the formal and the institutional sense of the large public facility, matter investigating the use of all that is left when the private lot and the gated community are subtracted of the everyday space: the sidewalks, streets, gardens on median strips of avenues, small neighborhood parks, the remnants of past projects and other free spaces. They can be employed in many ways, more or less spontaneous, more or less organized, for meetings, parties, sports, business or leisure; sporadic or routinely; in projects of few hours or months, considering uses that dispense physical transformation or that, on the contrary, require it.

However, these possibilities of occupation and transformation have been under-exploited in the context of an urban planning that prioritizes circulation of cars, goods and people, and in the context of a land subdivision often done without concerning the quality of public space linking the plots. The results have been squares and equipment designed by specialists but not suitable and not cared by residents, and the disregard for the public areas surrounding the dwelling.

This occupational pattern, which repeats itself also at the self-produced areas of the city, fits perfectly with a well centralized management. Together, the logic of the private lot and the logic of centralized management interdict the engagement of people in the public everyday space. There are many districts and neighborhoods where residents ignore or neglect completely the possibility of intervening, considering that caring for everything that is not private property should be governance’s duty. But, and despite all the prohibitions, there are also places where residents take the initiative and engage in improvements.

This variation in the level of engagement of the population should be considered in the debate on the production of public spaces. Surely the commitment cannot be taken as an assumption, but neither the non-engagement. What is involved here is not only the use, much less a popular adherence or use to a plan or design, but the practice of the right to the city as David Harvey (2008) proposes, in addition to individual freedom of access to urban resources, or in other words, the decision-making exercise and the direct action on the urban space of everyday coexistence.

The behavior of people in relation to non-specialized areas, namely, not designed by experts and having no predefined program uses, are concrete samples of the degree of engagement with the urban area surrounding the dwelling. This engagement is the ability to organize, discuss and transform autonomously and collectively the spaces, being conditioned by each context characteristics, ranging from the minimum degree [spaces are ignored] to the maximum [the surrounding community appropriates space, not only caring but proposing and implementing interventions]. To inform this discussion were observed spaces located in residential areas of Belo Horizonte. The city has features of most major Brazilian cities: their public spaces emphasize the transport lanes at the expense of sidewalks, generating public areas that are nothing more than barren wastelands. Since the goal is to understand what is behind a picture in which the disengagement seems to be the rule, we initially investigate one example of the more common case: that in which the degree of commitment is very low.

2. [Almost] zero engagement

Figure 1: Aerial view of the undeveloped portion of Nicaragua Street and its extremities. Source: Google Earth

We find a typical example of the lower degree of engagement in a neighborhood of upper-middle class in southern region of Belo Horizonte. This is an undeveloped stretch of the street Nicaragua, due to an error in the geometric design of the street which led to a gap in relation to the level of adjacent roads that impedes the connection with the overall frame. The area is surrounded by buildings, or rather the stilts that support and level them in relation to nearby streets. Thus, none of the buildings have direct access to the area in question, which contributes significantly to its abandonment by its residents. The city’s superintendent of urban cleaning, monthly weeding the place, is the only carrying the space. And it not used except by some passer-by who use it as a shortcut, and according to the testimony of neighbors, by young-ones doing supposing illegal practices. This relative lack of activity creates an intimidating and vulnerable environment, whose ways of living and vitality are not envisioned by the residents. Thus, an area that could settle a positive public space, conducting the construction of the buildings as a cluster1, is only a negative space, residual of the self-absorbed implantation of neighboring buildings.

As Nicaragua street is part a of upper-middle class neighborhood, the structural reasons for the apparent disinterest it may seem obvious: who has the ease and pleasures in private space does not care about the quality of public space. However, this still does not explain how the situation is handle by residents on a day-to-day, that is, as they perceive it personally. To confirm or deny the lack of interest and to understand the lack of initiatives of use or appropriation, we resorted to an attempt to mobilization by distributing a flyer in the neighborhood2 (Figura 3 and 4).

Figure 2: Flyer. Source: Author's Personal Archive

The flyer included a call for participation in a web-blog created for this purpose because, despite the lack of neighbors meet to discuss common problems, they fit the profile of Internet and social networks users. With questions like "Do you use the green piece of street Nicaragua?" and images that refer to the real abandon and some potential uses, the flyer should give visibility to the site and urge the residents to discuss the matter. To do so, care was taken in preparing the content, so the images do not induce this or that proposal.

Forty Thousand flyers were distributed in the buildings near the street Nicaragua. Contrary to the most common distribution practice of pamphleteering on the street without ceremony, it was necessary to mask the flyers in envelopes, so that the gatekeepers of the buildings would not question its merits and send them to the apartments. Even in the few buildings with no doorman, the flyers were enveloped and addressed to each apartment, to increase the chance for residents to give them some attention. Another thousand flyers were posted, without envelopes, in mailboxes of residences and in the counters of the snack bar and bakery in the region.

Figura 3 - Blog for discussion of the Nicaragua Street. Source: Nicaragua Street Blog. Available at: <http://ruanicaragua.blogspot.com/> and author's personal archives.

The web-blog received fourteen postings during the eleven days of leafleting. A collaborator called "resident" had been created, with open email and password, so that anyone could post contributions without the need of identification. Thus, the most manifested anonymously. Among the group of anonymous, the prevailing tone was of fear, complaints about taxes and claims for the government, demonstrating that participants see the street Nicaragua as a problem to be solved by an external body. Also frequent was the reference, sometimes extremely biased, to the residents of a nearby slum and the need for policing to keep them away.

[...] We have a vacant lot taken by garbage and drug addicts. I wish the end of the street was transformed into a public square with a police station, because it was opened a shortcut that goes to the [slum] Morro do Papagaio. (Nicaragua Street Blog, 7/28/2010)
[..] It's a shame that the city prefecture, aware of the problem, takes no action [...] we pay a high property tax and we do not have the services that are states’ obligation. I am in favor of a square with a police guardhouse on the site. We pay a lot to live in this area then we can take what is owed. (Nicaragua Street Blog, 7/29/2010)
[..] This for me is a shame, SHAME. I hope they do something about it, since we pay and expect results. The U.S. charge 6% tax and do everything to society, here we pay more than 60% and they cannot stretch an arm. (Nicaragua Street Blog, 7/28/2010)
[..] Is not easy to live next to that nest of criminals. I think there should be a park with a decent crossing [...]. Of course, with a PERMANENT military police guardhouse, after all, from this slum next to it... we can’t expect much good. I hope our "prayers" to be heard because we pay the taxes! Hugs and congratulations for the blog initiative! (Nicaragua Street Blog, 7/25/2010)

Some participants of the blog seemed to assume the existence of a previously defined action, controlled by an institution or company, like in market research or advertising campaigns that advertise the product only after a preparatory phase of suspense. In these cases, participants felt that they should stand for or against, without even knowing the content of the supposed "work".

[...] We would fully support the work that will happen on the street Nicaragua [...] We are please. (Nicaragua Street Blog, 7/25/2010)

Facing these postings, too focused on claims or passive supporting, we made interference on the blog suggesting the possibility of intervention by the residents:

Can’t we think on actions that are within our reach to begin the street improvement? I went there the other day and saw that someone planted seedlings near the buildings’ structure ... (Nicaragua Street Blog, 7/27/2010)

After that comment, the perspective has changed slightly. Some residents showed more proactive and, curiously, came to be identified.

Well, the typical Brazilian posture of waiting for the government initiative often results in disappointment. Thus, given our context, the pro-community activity could be more fruitful. (Nicaragua Street Blog, 7/28/2010)
Well, one of the main mechanisms for de-marginalizing a place is its use. I imagine that if there were trees, sidewalks, toys, squares, gymnastic equipments, bars for stretching etc... as the JK square, and with local people frequenting the local more often, a guardhouse would not be necessary. (Nicaragua Street Blog, 7/25/2010)
I also believe that if the space is used by the neighborhood, it would no longer be bleak and dangerous, without needing guardhouse. Moreover, there are plenty of windows facing the street Nicaragua, it is already a space easy to watch over. (Nicaragua Street Blog, 7/29/2010)
It would be wonderful to have a green space that surely would only add (value) to our neighborhood. I agree joining this movement. Lets mobilize and see if the mayor is really concerned and turned into making our city more enjoyable. (Nicaragua Street Blog, 7/29/2010)

1 Christopher Alexander argues the provision in cluster [cluster or group] against the conventional layout of dwellings in the grid [mesh Hippodamic]. See “The production of houses” (1985), especially the chapter "The collective design of common land".

2 The MOM group is using flyers as a tactic to mobilize to discussing the production of space, inspired in pamphlets distributed by the Suffragettes at the beginning of the century, in addition to conveying ideas, had an explicit policy goal. The pamphlets, flyers to discuss the production of space. Available at: <http://www.mom.arq.ufmg.br/>.

This last comment indicates, however, that even among participants with a willingness to act, the perspective of intervene directly in the space is not predominant, but the idea of pressuring on external bodies supposedly responsible for it.

If we could draw a sketch of the re-urbanization of the place or something, we could develop a project to plead resources for developing a executive project for the implementation. How? I think it's quite feasible to get resources from environmental/social compensation of mining ventures, for example. However, it is necessary first of all, creating a legal entity that represents the community and to give legitimacy and credibility to any attempts of prospecting resources.
I believe the path is to seek the help of some politician who represents the neighborhood, or public entities who take care of parks in the metropolitan area to develop a "green" project to the site. But carefully, not transforming it in a car road or in a place of mess on the weekends. (Nicaragua Street Blog, 7/28/2010)

The blog was used by residents as a mean to deliver positions in a comfortable way, what is clear by the fact that the vast majority of comments are anonymous. During the discussion days in the blog, there has been no concrete action in space or even increased the number of passers-by. That is, the blog was not used as a means to structure activities in space, but opened a channel for discussion and exchange of information that did not existed before. We observed that the residents are not entirely indifferent to the subject, though their concernment is also not sufficiently strong to overcome the habit of delegating decisions about public space to third parties.

The case of street Nicaragua is no exception, but rather indicates with relative clarity how the logics mentioned in the beginning (private estate and centralized management of public space) are embedded by individuals. It is assumed the functionalization of the public area and the consequent subdivision into specialized areas, whether for leisure, either to the monotonous movement of pedestrians and rushed cars. Thus, contact of the residents with their street also tends to be purely functional. As Le Corbusier wanted, the street is only used to circulate. What's on the other side of the fence does not seem interesting enough to arouse actions or even discussions on its use. It is a practice giving support, verbally, to the deployment of a improvement work made by the city management, but the interest hardly extends beyond the fact that it values the particular property.

In neighborhoods, on the scale of everyday life, such functionalization could be subverted by residents, beginning with the appropriation of areas that, for lapses in planning or management, have not yet been tagged. Unlike the production brokered by an outside group, which often leads to empty spaces, the collective production with some local autonomy is more direct and agile and can provide environments organically linked to the residents. Places like the green stretch of street Nicaragua have dimensions and a kind of integration that would facilitate interventions by the public to which it belongs, the inhabitants of the neighborhood. In fact, the Nicaragua street would need few increments to be frequented on the day-by-day, dispensing complex projects and even the backing of municipal bodies, because there is no geotechnical problems, and lighting and drainage are installed.

As already mentioned, we did an insertion on the web-blog to remember that there are actions within the reach of residents who do not require much money or the help of an external body. However, prevailed the understanding that they should appeal to a specialist, make a re-urbanization project and, with the help of some politician, plead the implementation by government. We consulted then, the South Central Regional, the body of the municipality of Belo Horizonte that is responsible for the neighborhood3. Its technicians consider that the place needs a large and lingering intervention. They recommend that residents make an agreement with the city hall or align with any politician to get the “great work” prioritized in the municipal budget. In other words, the obstacles to an action of residents in a public space that concerns them directly and daily are doubles. The government takes the heroic position to meet all the demands on any scales – which obviously never actually happens – and citizens, at best, engage in claim this assistance.

The assumption that public space is the responsibility of an external body makes that the security of the site also to be addressed mainly by the way of heteronomy. One of the contributions mentioned above has looked at the possibility of spontaneous surveillance in the neighborhood, since there are many windows facing the street Nicaragua. But most of the participant adhered to the proposed installation of a military police guardhouse, to ensure the segregation of the nearby slum, which was seen as a threat. In this sense, the most widespread opinion seems to coincide with the "Defensible Space Theory" formulated by Oscar Newman in the 1970s, an urban design that folds police state, without "ambushes", so that the considered well citizens are safe from actions of offenders4. It is believed that an appropriate urban design, with the functionalization of spaces and thorough distribution of activities facilitates the monitoring and control of space by neighbors. It is cultivated a paranoid vision in which passers-by are treated as intruders, potential criminals. In this model, people who walk around town on foot, bisedes daily facing wilderness areas, are subjected to the trial of hostile neighborhoods. An urban design like this is very different from an urban space produced and cared by the surrounding neighbors, which can also be enjoyed by passers-by.

Instead of a "disneyficated" configuration, whose objective is the protection of private property and individual interests, Alexander (1985) proposes that spaces that are mutual to a group of houses would have their layout and conformation determined by households and not by an external agent. Moreover, instead of a specific configuration, he supports the collective production of the arrangement formed by private spaces and urban spaces. It would be pertinent to reflect on what he calls "the collective design of common land” in relation to the consolidated urban environments, without losing sight that this is not the protection of private property or an area belonging a group, but the performance on a certain urban area by the surrounding residents who decide to take care and use it, improvising improvements. In the context in question it is rare to find committed actions in this direction, since most people understand that the space belongs to the government and it is their responsibility.

The lack of habit to negotiate and discuss the everyday urban space makes the bureaucratization of procedures to improve it to be assimilated without questioning. In other words, institutionalization is assimilated into everyday actions and plaster possible contribution of autonomous individuals or small groups. Initially, the flyers fulfilled the role of that residents remember of the public space and think about it, however, it became clear the necessity of a catalyst instrument for collaborative action and a platform to keep them continuously.


3. Opening the toolbox

Ivan Illich defended, already in the 1970s, the need to re-learning how to use and create "tools of conviviality", to facilitate collaboration between individuals and primary groups, without a centralized body to dictate them what do. By tool, Illich meant not only objects but the organizations themselves, whether institutional or not, such as neighborhood associations and schools, for example. Tools for conviviality are those available to be manipulated, handled and used by anyone and are easy to grasp, but intending no exclusivity or monopoly and creating no dependency or structural heteronomy. In a similar though less optimistic sense, Michel de Certeau (1994) brings the distinction between tactics and strategy of military practice for the social sciences. While the strategy is equivalent to the general plan and assumes a position of power with a certain vision of the whole – albeit distorted or misguided –, the tactic is a procedure that takes advantage of the occasion, local improvisation, contingency, the particular circumstance.

It could be said that the tactic is for the strategy such as daily life is for institutional or, inversely, that institutionalized action tends to demand strategies, while the daily action demand tactics, more immediately related to a specific situation whose peculiarities escape the panoramic view of strategists, subjected to continuous change. Therefore, it is also at the local or micro-local scale, as we prefer to emphasize, that the resumption of "tools of conviviality" could be an alternative to heteronymous production of everyday space: residents of places like Nicaragua street can be organized around a common problem, reinventing the tools they have at hand. This is possible because no large-scale urban function depends on that space, it is not necessary to access or road articulation, neither imports nor exports significant environmental impacts and does not matter to people beyond the neighborhood. There are many similar cases in the city that could be improved by residents without going through processes in which these residents have not control.

Well, if the instruments available are institutionalized and inserted in a bureaucratic chain, it is necessary to imagine other, in line with the micro-local scale, to facilitate access to information and communication, increasing autonomous collaborative practices among the residents.

For now, the possibility of action was not taken seriously in the case of Nicaragua Street, but not only here but also in other contexts, the initial experience of flyers and web-blogs could open to the use of instruments aimed to perform transformations in space. The leaflets could, for example, contain tips for cultivating gardens and orchards, of various techniques for building furniture and equipment, or even information about caring for drainage and paving. The digital medium could act not only as a forum for discussion, but also as a platform for exchange and collection of experiences, counting with the participation of people from other parts of the city. That is, once initially organized around the situation, residents could wield the tools according to their interests.

We do not propose, however, the presence of a mediator, whether institutional or a community leader, constantly interfering or initiating the participatory processes in which people interested vote among a narrow range of proposals. We see the development and diffusion of "tools of conviviality" that act as interfaces capable of stimulating the engagement of people in the collective production of spaces (Baltazar; Kapp, 2010). Regardless of the good will of an ombudsman or community leader, such tools should be able to mediate access to information and means of production of the population directly interested in the social production of spaces subject to collective use.

If the information and means of production, treated as belonging to specialists, are provided and handled by anyone who is interested in transforming certain space, the current situation of helplessness and neglect of the population toward the urban environment could be reversed gradually. The fact is that the residents themselves acting collectively in the immediate surroundings of their homes, themselves designing their spaces of coexistence, could dampen the boundaries between public and private spaces, becoming inhospitable and un-owned spaces in incremented ones, in accordance with collective interests.



References

Alexander, C.; Davis, H.; Martinez, J.; Corner, D., 1985. The collective design of common land. In____. The Production of Houses. New York: Oxford University Press.

Baltazar, A. P.; Kapp, S., 2010. Against determination, beyond mediation. In: Kossak, F.; Petrescu, D.; Schneider, T.; Tyszcuk, R.; Walker, S. (org.). Agency: working with uncertain architectures. Abingdon: Routledge.

Bondaruk, R. L., 2007. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: Edição do autor.

Certeau, M., 1994. Artes de fazer. In____. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes.

Harvey, D., 2008. The right to the City. New Left Review, no 53, September-October 2008, [online]. Available at: <http://www.newleftreview.org/?view=2740> [Accessed 20 January 2010].

Illich, I., 1973. Tools for conviviality [online]. Available at: <http://opencollector.org/history/homebrew/tools.html> [Accessed 09 May 2010].

3 Information of a technical for Regional Center-South, obtained in a telephone interview conducted by Ligia Milagres.

4 A Brazilian version even more policing of this theory can be checked in crime prevention through urban design authored by Colonel Bondaruk.

Newman, O., 1972. Defensible spaces: crime prevention through urban design. London: MacMillan.

Newman, O., 1996. Creating defensible spaces. Available at: <http://www.huduser.org/portal/publications/pubasst/defensib.html> [Accessed 24 August 2010].

MOM [Morar de Outras Maneiras]. A panfletar: panfletos para discutir a produção do espaço.Available at:<http://www.mom.arq.ufmg.br/12_panfletos/panfletar.htm> [Accessed 12 June 2010].