Fenomenologia do espaço e do habitar:noites estreladas e invólucros simbólicos

Rodrigo Gonçalves dos Santos

Rodrigo Gonçalves dos Santos é Arquiteto e Doutor em Educação. Professor do Curso de Tecnologia em Design de Produto do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). Pesquisa experiências estéticas e perceptivas e livre expressão por meio de um corpo-espaço-objeto.

Como citar esse texto: SANTOS, R. G. Fenomenologia do espaço e do habitar: noites estreladas e invólucros simbólicos. V!RUS, São Carlos, n. 5, jun. 2011. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus05/?sec=4&item=3&lang=pt>. Acesso em: 26 Abr. 2024.

Resumo

O espaço e uma maneira de habitá-lo e entendê-lo transitam neste artigo. A escritura assume uma postura fenomenológica na qual são descritos vividos de quem habita com a tentativa de acionar em que lê vividos semelhantes que explicitem um existir perante ao espaço.

Palavras-chave: fenomenologia, corpo-espaço-objeto, poética.

Quando se chega a Tecla, pouco se vê da cidade, escondida atrás dos tapumes, das defesas de pano, dos andaimes, das armaduras metálicas, das pontes de madeira suspensas por cabos ou apoiadas em cavaletes, das escadas de corda, dos fardos de juta. À pergunta: Por que a construção de Tecla prolonga-se por tanto tempo?, os habitantes, sem deixar de içar baldes, de baixar cabos de ferro, de mover longos pincéis para cima e para baixo, respondem:
– Para que não comece a destruição. – E, questionados se temem que após a retirada dos andaimes a cidade comece a desmoronar e a despedaçar-se, acrescentam rapidamente, sussurrando: – Não só a cidade.
Se, insatisfeito com as respostas, alguém espia através dos cercados, vê guindastes que erguem outros guindastes, armações que revestem outras armações, traves que escoram outras traves.
– Qual é o sentido de tanta construção? – pergunta. – Qual é o objetivo de uma cidade em construção senão uma cidade? Onde está o plano que vocês seguem, o projeto?
– Mostraremos assim que terminar a jornada de trabalho; agora não podemos ser interrompidos – respondem.
O trabalho cessa ao pôr-do-sol. A noite cai sobre os canteiros de obras. É uma noite estrelada.
– Eis o projeto – dizem.
(CALVINO, 1990, p. 117)

O espaço me fascina. Desde que me perco em minhas lembranças e (re)visito meus vividos reparo que o espaço está lá. Primeiramente, é a dimensão mais caseira que possa um espaço ser: o espaço da casa, espaço doméstico, e, mais precisamente, o espaço de um quarto. Quando pequeno me recordo de um quarto enorme com piso de assoalho de madeira e uma janela voltada para um terreno que ao fundo tinha um córrego (o qual mais tarde descobri ser uma vala formada pelas águas que desciam do morro) e um abacateiro gigantesco. Minha escrivaninha ficava em baixo desta janela e ali eu desenhava e coloria um mundo infantil cheio de formas, cores, cheiros e texturas. Modelava minha imaginação com massa de modelar e com ela experimentava heróis e toda a ficção que uma infância solicita. Este quarto – este espaço – era um mundo, ou uma parte do mundo que era o meu mundo. Minha cama ficava encostada em uma parede e um guarda-roupa com portas de correr de vidro ficava encostado em outra parede. Em uma terceira parede havia meu terror de infância: um amontoado de tecidos que compunham um estúdio fotográfico de meu pai. Ali, minha imaginação fértil alimentava monstros horríveis de cor escura se movimentando principalmente à noite. O arranjo espacial daqueles tecidos sobre aquela terceira parede formava um palco para o desfile fantasmagórico destes monstros e personagens assustadores. Eram noites de verdadeiro pânico fomentado pela escuridão e um não-ver infantil peculiar de uma criança que tinha o espaço como protagonista de suas brincadeiras. Aquele estúdio fotográfico para meu corpo-infantil era enorme, quase a metade de meu quarto. Depois vim saber que eram poucos centímetros configurando um corredor que apenas entrava meu pai. Mas o que me confortava mesmo era o assoalho de madeira e a janela que se abria para este córrego-vala. Ali eu sentia o tão grande era aquele quarto.

Fisicamente, provavelmente, esta casa não existe mais hoje. Sei que esta casa e meu quarto apenas existem em meus vividos, naquilo que experenciei. Robert Sokolowski1 (2004) nos fala que a memória e a recordação estão ligadas à percepção antiga de algo, uma vez que o que guardamos como memórias não são imagens das coisas que percebemos, e sim nós guardamos as próprias percepções antigas evocando-as quando recordamos. Assim, lembramos os objetos como foram dados naquele momento. Minha antiga casa e meu quarto de infância (re)aparecem para mim justamente da maneira como eles foram dados naquele momento de minha existência. É ainda em Sokolowski (2004) que entendo o processo de meus vividos virem à tona num esquema de presença e ausência, na qual uma acentua a outra. Sei que o quarto e toda sua configuração espacial estão ausentes agora, mas esta ausência marca a presença deste espaço em minha memória. E a cada momento que relembro o pequeno (embora grande) quarto, por mais que ele esteja ausente, sua presença vem forte, (re)marcando as marcas que estão arquivadas em meu corpo. Sinto o torpor do medo, a alegria da janela aberta, a textura do assoalho de madeira. Cada uma destas lembranças são novas e reinventadas a cada momento que eu as consulto. É assim que meu quarto de infância, um espaço generoso e de acolhimento por natureza, (re)aparece marcando seu ineditismo na parede de minha memória. Numa pausa, podemos constatar que

O passado vem à vida novamente, junto com as coisas nele, mas vem à vida com um tipo especial de ausência, uma que não podemos superar indo para nenhum lugar, como podemos superar as ausências dos outros lados da mesa movendo-nos para outra parte da sala e olhando desde lá (SOKOLOWSKI, 2004, p. 77).

Retorno a minha frase inicial “o espaço me fascina”. Não sei muito bem quando foi, mas posso afirmar que em meus devaneios infantis e nas incursões na escola, sempre me interessava pela dinâmica espacial, sem mesmo saber que tal dinâmica existia. Em muitos momentos ia afirmando uma noção de espaço a qual lanço novos olhares ressemantizados a cada momento de minha trajetória. Lembro-me de medir as coisas com meu corpo: um palmo disto, um braço daquilo, dois dedos daquele lá, um punhado disso aqui… Até mesmo num exercício de escrita eu deixava o espaço de um dedo à frente da linha que inicia um novo parágrafo. Era meu corpo dando sinais que ele faz parte do mundo e não é apenas um mero suporte existencial. Criei assim minhas referências dimensionais partindo de meu próprio corpo. E as brincadeiras continuavam, cada vez mais incrementando este sistema de referências dimensionais sabiamente conduzidas pelo meu corpo. “Fique cinco passos longe de mim para começarmos a brincadeira de pega-pega!” ou “A alturinha só vale como barra se for da altura da metade da minha canela” eram proposições frequentes no mundo das brincadeiras e parlendas infantis.

Estas brincadeiras e parlendas foram mudando… Hoje sou arquiteto e meu fascínio pelo espaço tem outra dimensão. Proponho espaços para corpos conviverem. Analiso espaços observando como os corpos se movem e se apropriam destes mesmos espaços. Leio nestes corpos as percepções espaciais. É ainda em Sokolowski (2004) que busco clarificar a noção de recordação e percepção. O autor coloca-nos que a percepção presenta um objeto diretamente para nós, e esse objeto é sempre dado numa mistura de presenças e ausências. Em virtude desta dinâmica que mistura presença e ausência trazendo-nos multiplicidade de manifestações, um e o mesmo objeto continua a manifestar a si mesmo para nós. O espaço acaba se tornando um e o mesmo para cada corpo que ali desenha sua trajetória.

Meu corpo-de-arquiteto desenha uma trajetória num foyer de um teatro. Este meu corpo-de-arquiteto especula com o olhar cada milímetro e depois o experencia com cada parte do corpo aquele espaço. Vou a cada canto, vejo cada pormenor se revelando. Este foyer se revela para mim. Este foyer dá-se a oportunidade de ser enunciado por meu corpo-de-arquiteto. Agora, um ator desenha outra trajetória neste mesmo foyer. Não é melhor ou pior que a minha trajetória. É apenas a trajetória do corpo-de-ator a qual dá a oportunidade do mesmo foyer ser enunciado no mundo. Pode até ser que em alguns momentos nossos enunciados, nossas trajetórias desenhadas, se toquem, se entrelacem, mas mesmo assim são duas distintas enunciações de um e do mesmo foyer.

É neste toque de trajetórias, nesta zona litorânea onde o mar da percepção toca as areias da praia do existir que arrisco colocar meu corpo(-de-arquiteto). É um risco o qual assumo. É uma escolha… Tento assumir a posição de estar nas margens e observar o rio e seu percurso, numa atitude transcendental. É aqui que quero estar e colocar (alguns) aspectos entre parênteses para a partir dali, das margens do rio da existência, realizar indagações de um e do mesmo rio…

Novamente retorno: o espaço me fascina. Mas que espaço é este? Sempre me pergunto exatamente isto… Para um arquiteto, seu trabalho é arquitetura, é projetar espaços… Mas acontece que não sou apenas um arquiteto… Sou também um professor… Arrisco-me dizer que sou um arquiteto-professor. Provavelmente este seria meu trabalho: arquitetar e professorar. São duas margens pelas quais observo, e é nelas que paro tudo e (re)penso, (re)vejo, (re)lembro e (re)escrevo. Não quero que esta escritura seja autobiográfica, desejo apenas que esta escritura seja autoral. Quero que ao ser lido este escrito ative no leitor um corpo latente que proporcione desenhar trajetórias num espaço porvir. Meu trabalho é desenhar espaços e ensinar possíveis trajetórias que podem ser desenhadas nos espaços que desenho. Sempre assumi um papel de desenhador. Ao arquitetar e professorar enfatizo o poder do desenho. Desenho para corpos e em corpos… Corpos que, por sua vez, desenham nos desenhos que fiz para eles. Ao ler Sokolowski (2004), constato que na fenomenologia, o espaço pode ser categorialmente enunciado por muitas pessoas e não apenas por mim, podendo ser pensado e compreendido sob muitos modos. O espaço, assim, também acaba sendo conhecido por outras pessoas sob outras formas de descrição e conhecimento. Sokolowski (2004) alerta-me que não sou apto a formular todos os modos pelos quais um espaço pode ser conhecido, pois qualquer conhecimento que temos é determinado e pode ser limitado. É a partir do autor que reparo a riqueza deste cruzamento de possibilidades de desenhos:

A mistura de real e de potencial é elevada quando outros perceptores entram em cena. Se outros estão presentes, então constatamos que quando vemos o objeto desse lado os outros atualmente vêem-no de algum outro ângulo que poderíamos possuir se nos movêssemos para onde eles estão. O que é potencial para nós é real para eles (SOKOLOWSKI, 2004, p. 164).

Assim, o espaço e as possibilidades de desenhos transcendem a nós próprios. O espaço ou o desenho que fiz (projetei) não é só o que vejo ou que poderia ver, mas é o que todos os envolvidos neste espaço/desenho podem ver. A intersubjetividade espacializa-se nesta gama de possibilidades.

É, por este viés, que reflito acerca dos diversos espaços que nos circundam. O espaço doméstico, o de nossa casa, é o mais comum e onde podemos nos deter por mais tempo. Minha principal indagação vem ao encontro da mutabilidade deste espaço doméstico. Sempre modificamos algo em nossa casa. É no livro A poética do espaço, de Gaston Bachelard, que percebo o quanto a casa é prenhe de efemeridades poéticas. É no âmbito doméstico que o espaço assume e reassume papéis, é (re)desenhado por corpos e trajetórias corporais são traçadas. É muito pretensioso ao arquiteto desenhar esses pormenores poéticos. Parece-me que, objetivamente, ao arquiteto cabe apenas a estrutura física do espaço; e não-objetivamente, ao arquiteto cabe desenhar as possíveis possibilidades que desencadearão os desenhos das trajetórias corporais no espaço. É nesta ação não-objetiva que entra os vividos de quem desenha/projeta, e, em meu caso, em meus vividos cruzam-se o arquiteto e o professor, fundindo-se na figura de arquiteto-professor. Em Bachelard (1993), constato que espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e reflexão do geômetra. Assim, o espaço é um espaço vivido. Ressalto que é vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação. Logo, o que experenciei com meu corpo serve como alicerce, como ponto de partida para se criar a possibilidade de outro corpo experienciar.

O desenho deve portanto resultar da cor, se quisermos que o mundo seja mostrado em sua espessura, pois ele é uma massa sem lacunas, um organismo de cores, através das quais a fuga da perspectiva, os contornos, as retas e as curvas se instalam como linhas de força; o limite do espaço se constitui vibrando. […] Na percepção primordial, as distinções do tato e da visão são desconhecidas. É a ciência do corpo humano que nos ensina, posteriormente, a distinguir nossos sentidos. A coisa vivida não é reconhecida ou construída a partir dos dados dos sentidos, mas se oferece desde o início como o centro de onde estes se irradiam (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 130) [grifos meus].

Tendo isto em mente posso retomar a memória de meu quarto com a janela que se abria para o córrego-vala e com assoalho de madeira. Aquela situação espacial é uma das primeiras que me vem à tona quando me pego a desenhar um novo espaço. A preferência pela madeira e por janelas amplas ficaram marcadas em meu corpo desde que foram experenciadas em minha infância e procuro ressemantizar aquele espaço em cada espaço que desenho. Bachelard (1993, p. 24) situa esta preferência quando se refere que é preciso dizer como habitamos o nosso espaço vital de acordo com nossas dialéticas de vida, as quais geram nossas raízes cotidianas num “canto do mundo”. Ora, a casa é nosso “canto do mundo”, nosso primeiro universo, e uma vez vista intimamente ela mostra-se humildemente bela em uma primitividade que pertence a todos os quais aceitarem sonhar. No entanto, procuro ensinar em um novo desenho como transpor o medo daquele canto escuro que fora o estúdio fotográfico de meu pai. É a volta daquele espaço de infância com uma nova roupagem e o convite a outras pessoas desenharem com seus corpos suas trajetórias e me mostrarem formas de vir-a-ser, fazendo com que, desta maneira, posso manter vivo em mim cada experiência por que passou meu corpo. Ressalto aqui que o corpo se desloca de uma experiência para outra experiência, somando experiências e marcando trajetórias existenciais.

Muitas indagações povoam minha mente quando penso desta maneira e ao tentar respondê-las o cansaço toma conta… Enfim, como posso ativar com meus vividos os vividos de outrem? Como posso incorporar os desenhos do outro no meu desenho? Que respostas o outro me dá ao desenhar com seu corpo uma trajetória existencial no espaço desenhado por mim?

Por vezes observo esta série de indagações e deixo outras indagações virem ao ponto de que apenas torno-me espectador de meus pensamentos. Na tentativa de achar respostas vejo que todos os caminhos apontam para os sentidos mais viscerais de um corpo… Mais uma vez apoio-me nas margens e observo o rio e vejo aí uma possibilidade de tecer caminhos… É justamente deste lugar que desenvolvo juntamente com Sokolowski (2004) uma possibilidade (nova) de olhar (e compreender) o espaço. Ao abraçarmos alguém, o que está acontencendo? Nós damos o abraço ou recebemos o abraço? Sokolowski (2004) nos coloca a noção de reversibilidade ao experienciar o corpo, ilustrando tal noção concentrando-se no sentido do tato. É pelo tato que temos nossa posição no espaço, a resistência à ação da gravidade, a pressão da cadeira ou do chão, enfim, é pelo tato que estabelecemos nossa corporalidade. O autor ainda contempla que “toda nossa visão, audição e paladar tomam lugar dentro do espaço do corpo, e nossas memórias são armazenadas lá também” (SOKOLOWSKI, 2004, p. 136). Assim, todas as atividades do ser humano acontecem dentro do espaço assinalado pelo topo da cabeça à sola dos pés, nossa frente e costas, nossos lados direito e esquerdo e nossos braços. Logo, é com todo o meu corpo que experencio o espaço e não apenas com um sentido deste corpo. Percebo que Sokolowski (2004) ainda contempla a relação espaço-corpo quando argumenta que o corpo move-se através do espaço do mundo, e ao mover-se no espaço pontos (ou relações) são estabelecidos.

É neste momento que penso em como os espaços estão por serem acabados, estão inacabados. Tal como a cidade de Tecla belamente descrita por Italo Calvino (1990) em seu livro As cidades invisíveis, acredito que cada espaço por que passamos tem como plano, como projeto, o desenho mutante das estrelas, onde nascem e morrem milhares delas todos os dias (ou noites?). Acredito que é difícil finalizar um espaço enclausurando-o num desenho final de relacionamentos, possibilidades e trajetórias… Desde o espaço doméstico de uma casa até a complexidade urbana de uma cidade pode-se ver o inacabamento. Identifico aí neste inacabamento a zona litorânea que quero estar para observar, para pôr entre parênteses, para realizar minha leitura fenomenológica.

Desvela-se perante meus vários sentidos possibilidades e convites de diversos pesquisares… Novos (ou velhos) ares de pesquisar aquilo que sempre pesquisei, mas poucas vezes o observei da outra margem do rio.

Iñaki Ábalos2 (2003) no texto Picasso em férias: a casa fenomenológica de seu livro A boa-vida: visita guiada às casas da modernidade me faz pensar a respeito desta constelação como o projeto, como o planejamento de ações, um norteador da apropriação do espaço… Ábalos (2003) ressalta que o olhar fenomenológico não carrega consigo uma consistência temporal, mas uma intensidade do vínculo pessoal com o espaço como fenômeno do sentido (tanto emocional quanto intelectual). O sujeito protagonista seria, assim, um indivíduo diante de si mesmo e do mundo, um corpo sensível constituído através de sua experiência, vinculado, por meio da intenção, ao mundo e às coisas. Com isto, percebo que o tempo fenomenológico é um tempo lento e em suspensão, colocado entre parênteses, tornando-o também autoral e personalizado. É um tempo à margem de qualquer velocidade impulsionada quer pela nostalgia do passado ou pela incerteza do futuro.

Reparo, ainda, que em Merleau-Ponty a intensificação da experiência e a suspensão do tempo são relevantes; assim como em Bachelard (1993) tudo será ativação da lembrança e do sonho. Sugiro pensarmos o espaço fenomenológico com a técnica do devaneio (BACHELARD, 1993) a qual nos remete à infância e à casa natal onde a relação entre o eu e o mundo, segundo Ábalos (2003), ainda não foi deteriorada pela imposição de um modelo racional.

Assim, o sujeito que constitui e polariza a casa fenomenológica é um indivíduo cuja experiência do espaço provém tanto das lembranças e rememorações do passado, quanto das experiências sensoriais do presente: o seu passado não é um passado transcendente, relacionado à linhagem, mas um passado imanente e individual, relacionado à infância e à dupla ação do segredo e da descoberta. O sujeito fenomenológico será o menino escondido em cada um de nós, desfrutando do prazer proporcionado por férias prolongadas nessa imaginária casa natal, em que a convivência com muitos facilita a multiplicação e, consequentemente, a dissolução das hierarquias familiares cotidianas (ÁBALOS, 2003, p. 96).

É interessante destacar que Bachelard (1993) ressalta que a casa não vive somente no dia-a-dia, no curso de uma história, na narrativa de nossa história. É por meio dos sonhos que as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e guardam os tesouros de dias antigos. Logo, quando, na nova casa, as lembranças das antigas moradas retornam, somos transportados a um país no qual vivemos fixações de felicidade. Desta maneira, somos reconfortados ao reviver lembranças de proteção. Bachelard (1993) ainda destaca que lembranças do mundo exterior não têm a mesma tonalidade das lembranças da casa, e, ao evocarmos as lembranças da casa adicionamos valores de sonho. No espaço de meu quarto de infância onde havia minha escrivaninha posicionada sob a janela que se abria para o córrego-vala, o guarda roupa com portas de vidro, minha cama e o aterrorizante estúdio fotográfico de meu pai feito com tecidos num canto escuro, observo a irracionalidade poética de um sujeito ocupar um espaço… O espaço fenomenológico constrói sua ideia através da excitação do ar, de uma ativação completa de sua inércia. O espaço deixa de ser compreendido como uma extensão neutra e transforma-se em um ente habitado por estímulos e reações e do nosso corpo entre eles. Desta maneira, qualquer objetividade é anulada, favorecendo uma presença protagonista polarizada pela revelação dos fenômenos físicos em interação com a própria subjetividade. O espaço passa a ser um contínuo umbral, uma transição na qual se regularizam os intercâmbios e se organiza a complexidade labiríntica.

Observando este meu quarto de infância que paira em minha memória, reparo o quanto havia nele momentos de especial resplendor fenomenológico, desde a luminosidade que adentrava por aquela janela até o momento de total escuridão que ressuscitava os monstros do estúdio fotográfico. Eram momentos ligados aos fenômenos relevantes em cada caso, buscando a máxima intensificação da experiência por meio de seus esquemas desdobráveis e labirínticos. Cada um destes momentos mostra como o espaço fenomenológico (ou a casa fenomenológica?) e eu como habitante mantemos uma relação de extremo comprometimento ativo com o meio físico.

1 Robert Sokolowski é professor de Filosofia da Catholic University of America.

2 Iñaki Ábalos estudou Arquitetura em Madri (ETSAM, 1978), onde vive e trabalha. Além de autor de diversos livros é, junto a Juan Herreros, sócio-fundador de Ábalos & Herreros e de Exit LMI. Sua obra construída foi amplamente coligida pelos meios especializados, em três monografias (Catálogos de Arquitectura Contemporánea, Áreas de impunidad e Reciclando Madrid).

Espreguiçando-me sobre a cadeira para dar uma pausa às minhas reflexões e observando mais criteriosamente as imagens formadas em minha mente de meu quarto de infância, mergulho com mais profundidade nas palavras de Merleau-Ponty (1994). Sempre tentei imaginar o que Merleau-Ponty diria acerca do espaço e o quanto suas palavras acrescentariam naquilo que experienciei quando criança e experiencio agora ao escrever… O autor não me surpreende (pois já imaginava o que ouviria ao escutá-lo), ele simplesmente me faz demorar ainda mais em meus devaneios a respeito do espaço… Prontifiquei-me, inevitavelmente, à uma escuta atenta de Merleau-Ponty. Percebi que Merleau-Ponty (1994) situa o espaço não como um ambiente (real ou lógico) no qual as coisas se tornam possíveis. Em vez de imaginá-lo como uma espécie de éter no qual todas as coisas mergulham, o autor nos recomenda pensá-lo como a potência universal de suas conexões.

Portanto, ou eu não reflito, vivo nas coisas e considero vagamente o espaço ora como o ambiente das coisas, ora como seu atributo comum, ou então eu reflito, retomo o espaço em sua fonte, penso atualmente as relações que estão sob essa palavra, e percebo então que elas só vivem por um sujeito que as trace e as suporte, passo do espaço espacializado ao espaço espacializante (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 328).

Assim, ouvindo Merleau-Ponty vejo a facilidade em mostrar que uma direção só pode existir para o sujeito que a traça, bem como um espírito constituinte pode traçar todas as direções no espaço.

Timidamente, aceito o convite de Merleau-Ponty (1994, p.334) para investigar a experiência do espaço para aquém da distinção entre a forma e o conteúdo. Digo timidamente pois sei ser justamente aqui que me deparo com a experiência espacial que tanto me desperta uma curiosidade científica. Experiência espacial e curiosidade científica que se entrelaçam com a minha trajetória existencial, uma vez que, como já disse anteriormente, o espaço me fascina… Merleau-Ponty polidamente me intimida ao colocar-me que o “alto” e o “baixo” são simples nomes para designar uma orientação em si dos conteúdos sensoriais. Intimida o arquiteto (que sou) que manipula estes “simples nomes” para configurar espaços para as pessoas desenharem suas trajetórias com seus corpos… Intimida (ou coloca em perspectiva?) uma formação calcada num objetivismo. O conforto à intimidação vem do próprio Merleau-Ponty:

Assim como o alto e o baixo, a direita e a esquerda não são dados ao sujeito com os conteúdos percebidos e são constituídos a cada momento com um nível espacial em relação ao qual as coisas se situam, da mesma maneira a profundidade e a grandeza advêm às coisas pelo fato de que elas se situam em relação a um nível das distâncias e das grandezas que define o longe e o perto, o grande e o pequeno, anteriormente a qualquer objeto-referência. Quando dizemos que um objeto é gigantesco ou minúsculo, que ele está distante ou próximo, frequentemente é sem nenhuma comparação, mesmo implícita, com algum outro objeto ou mesmo com a grandeza e a posição objetiva de nosso próprio corpo, é apenas em relação a um certo ‘alcance’ de nossos gestos, a um certo ‘poder’ do corpo fenomenal sobre sua circunvizinhança. Se não quiséssemos reconhecer este enraizamento das grandezas e das distâncias, seríamos reenviados de um objeto referência a outro, sem compreender nunca como pode haver aqui distâncias ou grandezas para nós. […] Assim, a profundidade não pode ser compreendida como pensamento de um sujeito acósmico, mas como possibilidade de um sujeito engajado. (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 359-360) [grifos meus]

Ao ouvir estas palavras de Merleau-Ponty tranquilizei-me, pois afinal de contas, começo a lançar um novo olhar ao que me fascina (o espaço). Entendo que enquanto massa de dados táteis, labirínticos, cinestésicos, nosso corpo não tem mais orientação definida do que outros conteúdos. Esta orientação nos chega do nível geral da experiência, pois, por exemplo, se me concentrar apenas no campo visual tal concentração pode impor uma orientação que não é a do corpo. Sinto, desta maneira, um entrelaçamento do corpo com o espaço. O poder de mudar de nível e de compreender o espaço vem com a “posse” de um corpo, assim como a “posse” da voz traz consigo o poder de mudar de tom. “O campo perceptivo se apruma e, no final da experiência, eu o identifico sem conceito, porque coloco ali, por assim dizer, meu centro de gravidade” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 338).

Lanço-me sem muitos pudores às relações orgânicas entre o sujeito e o espaço, sabendo que pode ser nesse poder do sujeito sobre seu mundo a origem do espaço. Neste lançamento, a princípio em queda livre, sou amparado num outro entrelaçamento. Neste novo entrelaçamento, o do espaço com a percepção, reparo que, em geral, o espaço e a percepção indicam no interior do sujeito o fato de seu nascimento – a contribuição perpétua de sua corporeidade – ser uma comunicação com o mundo mais velha que o pensamento. Ainda engajado no entendimento das relações orgânicas entre sujeito e espaço, percebo que os signos, de acordo com Merleau-Ponty (1994, p.346) os quais hipoteticamente deveriam nos introduzir na experiência do espaço só podem significar o espaço se tais signos já são apreendidos nele e se o espaço já é conhecido. Assinala-se, desta maneira, que a percepção é a iniciação ao mundo e que não podemos colocar nela as relações objetivas que em seu nível ainda não estão constituídas.

Como derradeira pausa a este ensaio, remeto-me novamente a Italo Calvino (1990) e perco-me um pouco na cidade de Tamara…

Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma outra coisa: a pegada na areia indica a passagem de um tigre; o pântano anuncia uma veia de água; a flor do hibisco, o fim do inverno. O resto é mudo e intercambiável – árvores e pedras são apenas aquilo que são.
Finalmente, a viagem conduz à cidade de Tamara. Penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das paredes. Os olhos não vêem coisas mas figuras de coisas que significam outras coisas: o torquês indica a casa do tira-dentes; o jarro, a taberna; as alabardas, o corpo de guarda; a balança, a quitanda. Estátuas e escudos reproduzem imagens de leões delfins torres estrelas: símbolo de que alguma coisa – sabe-se lá o quê – tem como um símbolo um leão ou delfin ou torre ou estrela. Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar – entrar na viela com carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte – e aquilo que é permitido – dar de beber às zebras, jogar bocha, incinerar o cadáver dos parentes. Na porta dos templos, vêem-se as estátuas dos deuses, cada qual representado com seus atributos: a cornucópia, a ampulheta, a medusa, pelos quais os fiéis podem reconhecê-los e dirigir-lhes a oração adequada. Se um edifício não contém nenhuma insígnia ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na organização da cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a casa da moeda, a escola pitagórica, o bordel. Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem em suas bancas valem não por si próprias mas como símbolos de outras coisas: a tira bordada para a testa significa elegância; a liteira dourada, poder; os volumes de Averróis, sabedoria; a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade. O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes.
Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que esconde, ao se sair de Tamara é impossível saber. Do lado de fora, a terra estende-se vazia até o horizonte, abre-se o céu onde correm as nuvens. Nas formas que o acaso e o vento dão às nuvens, o homem se propõe a reconhecer figuras: veleiro, mão, elefante…
CALVINO, 1990, p.17-18)

…e, reencontrando-me após a visita à cidade de Tamara, demoro-me nos detalhes, tento experienciá-los, tento apreender numa totalidade (será possível?) o espaço de Tamara. Reparo que isto gera movimentos em meu corpo… Um corpo que tenta desenhar trajetórias no espaço de Tamara… Sinto que para ter a experiência da estrutura do espaço da cidade de Tamara não posso recebê-la passivamente. Tenho que vivê-la, retomá-la, assumi-la, para então reencontrar seu sentido imanente.

Referências

ÁBALOS, I. A boa-vida: visita guiada às casas da modernidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

CALVINO, I. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

SOKOLOWSKI, R. Introdução à fenomenologia. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

Space and dwel phenomenology: starry nights and symbolic wrappers

Rodrigo Gonçalves dos Santos

Architect and Doctor. in Education, professor of Technology in Product Design at the Federal Institute Federal of Education, Science and Technology of Santa Catarina (IFSC), Brazil, he studies aesthetic and perceptual experiences.

How to quote this text: Santos, R. G., 2011. Space and ewl phenomenology: starry nights and symbolic wrappers. Translated from Portuguese by Fábio Abreu de Queiroz. V!RUS, [online] June, 5. [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus05/?sec=4&item=3&lang=en>. [Accessed: 26 April 2024].

Abstract

Space and a way to inhabit and understand it flow through this paper. The writing takes a phenomenological posture to describe experiences of who inhabits trying to activate on the readers similar experiences that make a certain existing before space explicit.

Keywords: phenomenology, body-space-object, poetics.

“When one gets to Thekla, little can be seem of the city, hidden behind the fences, the cloth defenses, the scaffolds, the metallic armors, the wooden bridges hung by cables or leaning on their stands, the rope bridges, the loads of jute. To the question: Why does the construction of Thekla prolong itself for so long?, the inhabitants, still raising buckets, lowering iron cables, moving long brushes up and down, answer:
- So the destruction won’t begin. – And, questioned if they fear the city will start decaying and tearing apart after the scaffolds are removed, they quickly add, in a whisper: - Not only the city.
If, unsatisfied with the answers, someone spies through the fences, he will see cranes lifting other cranes, frames covering other frames, beams supporting other beams.
- What is the meaning of such constructions? – he asks. – What is the objective of a city under construction other than a city? Where is the plan you follow, the project?
- We will show it to you as soon as the working hours are over; now we cannot be interrupted – they answer.
The working stops at sunset. Night falls over the construction site. It’s a starry night.
- That is the project – they say.” (CALVINO, 1990, p.117)

Space fascinates me. Ever since I get lost in my memories and (re)visit my experiences I notice space was there. Firstly, it’s the more homely dimension a space can be: the home space, domestic space, and, more exactly, a bedroom space. From when I was little I remenber a huge bedroom with wooden floor and a window opened to a terrain with a stream on the back (later I discovered it was a ditch formed by the waters coming down from the hill) and an enormous avocado tree. My desk sat beneath this window and there I’d draw and color a childish world full of forms, colors, scents and textures. I was shaping my imagination with modeling clay and with it I experienced heroes and all the fiction a childhood demands. This bedroom – this space – was the world, or a part of the world that was my world. My bed was leaning against one of the walls and a sliding glass doors wardrobe against another wall. By a third wall, my childhood terror: a pile of tissues from my father’s photographic studio. At that pile my fertile imagination would breed horrible dark colored monsters, moving – especially at night. The spatial arrangement of the tissues over that third wall created a stage where the monsters and scary characters could make their phantasmagoric parade. Nights of true fear resulting from the darkness and a childish non-seeing peculiar to a child who had space as the protagonist of his games. That photographic studio was enormous to my infantile-body, almost half my bedroom. Later I came to know it was only a few centimeters shaping a corridor where only would enter my father. But what really comforted me was the wooden floor and the window opened to that ditch-stream. There I felt how huge that bedroom was.

Physically, probably, that house doesn’t exist anymore. I know this house and my bedroom only exist in my experiences, on that which I felt. Robert Sokolowski1 (2004) tells us memory and remembrance are linked to the old perception of something, once what we keep as memories are not the images of the things we perceived, but our very personal past perceptions evoking them as we remember. Thus, we remember the objects as they were given at that time. My childhood house and bedroom (re)appeared before me just as I had perceived them at that moment of my existence. It’s still through Sokolowski (2004) I understand the process of my experiences surfacing on a scheme of presence and absence, in a way that one accentuates the other. I know the bedroom and its entire spatial configuration are absent now, but this absence sets the presence of that space in my memory. And every time I recall that small (though huge) bedroom, no matter how absent it is, its presence comes with power, (re)marking the marks already filed in my body. I feel the freezing of fear, the happiness of an open window, the texture of the wooden floor. Each one of these memories are new and reinvented each time I consult them. That’s how my childhood bedroom, a generous space, characteristically cozy, (re)appears marking its newness on my memory wall. Taking a break, we can realize that:

"The past comes back to life, along with things in it, but it comes back to life with a special kind of absence, one we cannot overcome going anywhere, as we can overcome the absence of the other sides of the table by moving to another part of the room and looking from that point."
(SOLOKOWSKI, 2004, P. 77)

I’m back to my first sentence: “Space fascinates me”. I cannot tell exactly when it happened, but it is certain that during my childhood daydreams and my time in school I was always interested in spatial dynamics – not even knowing such dynamics existed. I was building a notion of space to which I look back with resemantisized new eyes during each moment of my trajectory. I remember measuring things with my body: one hand-span of this, one arm of that, two fingers of those, one handfull of this… Even at writing exercises I would leave one finger of space before a paragraph. They were signs of my body, telling me it was part of the world and not only a simple existential support. I created my dimensional references from my own body. And the games continued, gradually increasing this system of dimensional references wisely conducted by my body. “Get five feet away from me, so we can play catch!”, or “The line must be as high as my knee” were common propositions on the world of childhood playfulness.

This playfulness and nursery rhymes gradually took a new form… Now I am an architect and my fascination for space has another dimension. I make propositions of spaces where bodies can coexist. I analyze spaces watching how the bodies move and appropriate these very spaces for themselves. I read on these bodies the spatial perceptions. It is still in Sokolowski (2004) I try to clarify the notion of remembrance and perception. The author tells us that perception presents an object directly to us, and this object is always given in a mixture of presences and absences. Due to this dynamics that mixes presence and absence bringing us a multiplicity of manifestations, one and the same object continues to manifest itself before us. Space becomes one and the same to each body that draws its trajectory in it.

My architect-body draws a trajectory over a theater foyer. This architect-body of mine speculates each millimeter with its gaze and then experiences that space with each part of its body. I walk to each corner, watch as each detail reveals itself. This foyer reveals itself to me. This foyer gives itself the opportunity to be enunciated by my architect-body. Now, an actor draws another trajectory on the same foyer. It’s not better or worse than mine. It’s just the actor-body’s trajectory which gives that same foyer the opportunity to be enunciated on the world. It may even be that, during certain moments, our enunciates, our drawn trajectories, touch each other, interlacing, but they are still two separate enunciations of one and the same foyer.

It’s in this trajectory interlacing, in this coast where the perception sea touches the sands of the existence beach that I venture placing my (architect-)body. It’s a risk I assume. It’s a choice… I try assuming the position of being by the shore, watching the river and its course in a transcendental attitude. Here is where I want to be and put (some) aspects in parenthesis so, from the shores of the river of existence, I can make enquiries of one and the same river...

I’m back again: space fascinates me. But what is this space? I often ask myself this very question… For an architect, architecture is his job; projecting spaces… However I’m not only an architect… I am also a teacher… I venture saying I’m a teacher-architect. Teaching and architecting are, probably, my job. Two shores from where I see, and it’s over them I stop everything and (re)think, (re)see, (re)remember, (re)write. I do not wish this scroll to be autobiographical, I wish it only to be authorial. I want that, at being read, this written activates on the reader a latent body witch provides drawing trajectories in a future space. My job is designing spaces and teaching possible trajectories that can be drawn on the spaces I design. I aways assumed a role of designer. When architecting and teaching I emphasized the power of design. I design for bodies and on bodies... Bodies who, in turn, draw on the designs I made for them. When reading Sokolowski (2004), I see that in phenomenology space can be categorically stated by many people and not just by me, may be thought and understood in many ways. Space thus also is known by other people in other forms of description and understanding. Sokolowski (2004) warns me I am not able to formulate all the ways in which a space can be known, since any knowledge we have is determined and may be restricted. It is based on the author that I repair the richness in this crossing of design possibilities:

"The mixture of real and potential is raised when other perceivers come into play. If others are present, then we realize when we see the object from this side the others actually see it from some different angle we could take if we moved to where they are. Potential to us is real for them." (SOKOLOWSKI, 2004, p.164)

Thus, space and the possibilities of designs transcend ourselves. The space or the drawing I made (designed) is not only what I see or could see but what all the involved in this space/drawing can see. Intersubjectivity spatializes within this range of possibilities.

By this way I reflect on the several spaces surrounding us. Domestic space, that of our house, is the most common one and where we can hold ourselves for longer. My major question comes to meet the mutability of domestic space. We always change something in our houses. In Gaston Bachelard's book The Poetics of Space I notice how the house is full of poetic ephemeralities. In the domestic sphere space assumes and reassumes roles, is (re)designed by bodies and corporal trajectories are drawn. It is too pretentious to the architect to draw these poetical details. It seems to me that, objectively, it is up to the architect only the physical structure of space and, non-objectively, it is up to the architect designing the possible possibilities that will trigger the drawings of corporal trajectories in space. In this non-objective action comes the experienced of who draws/designs and, in my case, my experienced intersects the architect and the teacher, blending them into the figure of architect-professor. In Bachelard (1993) I see that space perceived by imagination cannot be indifferent space given to geometer's measurement and reflection. Thus, space is a lived space. I emphasize that it is lived not in its positivity but with all the partiality of imagination. So what I experienced with my body serves as a foundation, as a starting point to create the possibility of another body experience.

"Therefore, the drawing must result from color if we wish to show the world in its density, as it is a mass with no gaps, a body of colors through which the perspective escape, the shapes, straights and curves settle as lines of force; space boundaries vibrates as it is constituted. [...] In primordial perception this distinctions between touch and vision are unknown. Later, the science of human body teach us to distinguish our senses. The lived thing is not recognized or constructed based on sensitive data, yet offering itself from the begining as the center from which they irradiate." (MERLEAU-PONTY, 2004, p.130) [boldface mine]

With this in mind I can return to the memory of my room with the window witch opened into that ditch-stream and with wooden floor. That spatial situation is one of the first that comes to surface when I get myself drawing a new space. The preference for wood and large windows has been marked in my body since they were experienced during my childhood and I try resemanticizing that space in each new space I design. Bachelard (1993, p.24) sets this preference when he refers that it must be said how we inhabit our vital space according to our dialectics of life, witch generate our daily roots in a "corner of the world". Well, the house is our "corner of the world", our first universe and once seen intimately it shows up humbly beautiful in a primitivity that belongs to all who accept dreaming. However, in a new design I try to teach how to transpose the fear of the dark corner that was my father's photo studio. It's the return of such space of childhood with a new cloak and the invitation to others to draw their trajectories with their bodies and showing me ways of coming-to-be, so that I can keep alive in myself each experience my body passed by. I stress that the body moves from one experience to another experience, adding experiences and marking existential trajectories.

Many questions fill my mind when I think that way and by trying to to answer them tiredness takes me over... Anyway, how can I activate with my lived the lived of others? How do I incorporate the drawings of others in my drawing? Which answers the other gives me by drawing a trajectory with his body in the existential space designed for me?

Sometimes I observe this series of questions and let other questions come to the point that I become just a spectator of my thoughts. In an attempt of finding answers I see that all roads point to the most visceral senses of a body… Once again I base myself on the banks and watch the river seeing there a possibility of weaving pathways ... It is precisely from this place that I develop with Sokolowski (2004) a (new) possibility to look (and to understand) space. When we hug someone, what's going on? We give the hug or received the hug? Sokolowski (2004) brings the notion of reversibility when experiencing the body, illustrating such concept by focusing on the sense of touch. Through touch we take our position in space, the resistance to the action of gravity, the pressure of the chair or the floor, finally, by touch we establish our corporeality. The author also considers that "all our vision, hearing, and taste take place within the body space and also our memories are stored there" (Sokolowski, 2004, p.136). Thus, all activities of human being take place inside the space marked by the top of head to the feet soles, our front and back, our right and left sides and our arms. So, with all my body I experiment space and not only with one sense of this body. I realize that Sokolowski (2004) also considers the relation space-body when he argues that the body moves through space in the world, and by moving in space points (or relations) are established.

In this moment a think how spaces are to be finished, they are unfinished. As the city of Thekla, beautifully described by Italo Calvino (1990) in his book Invisible Cities, I believe each space we went through has a plan, as blueprint, the mutant design of stars where thousands of them are born and die every single day (or nights?). I believe it is hard to finish an space enclosing it in a final design of relationships, possibilities and trajectories... From the domestic space of a house to the urban complexity of a city the incompleteness can be seen. I identify in such incompleteness the coastal zone where I want to be to observe, to put into parenthesis, to accomplish my phenomenological reading.

Possibilities and invitations from several investigations are unveiled before my various senses... New (or old) manners of researching what I have ever researched but rarely observed from the other riverbank.

Iñaki Ábalos2 (2003) in his text Picasso on Vacation: the phenomenological house from his book The Good Life: a guided visit to the houses of modernity makes me think about this constellation as the project, as the planning for actions, a guide for the appropriation of space... Ábalos (2003) emphasizes that the phenomenological view does not takes with it a temporal consistency but an intensity of personal bond with space as a senses' phenomenon (both emotional and intellectual). The main subject would be, thus, an individual before himself and the world, a sensible body made through his experience, bound by purpose to the world and to things. Therefore, I see that phenomenological time is an slow and suspended time, put into parenthesis, making it also authorial and personal. It is a time outside any speed driven either by nostalgia for the past or uncertainty of the future.

I notice, also, that in Merleau-Ponty the intensification of experience and the suspension of time are relevant; so everything will be, as in Bachelard, activation of memory and dream. I suggest we consider the phenomenological space with the technique of reverie (Bachelard, 1993) which takes us back to childhood and to native house where the relation between the self and the world, according to Ábalos (2003), has not been damaged by the imposition of a rational model.

"Thus, the subject witch constitutes and polarized the phenomenological house is an individual whose space experience comes both from memories and recollections of past and present sensory experiences: his past is not a transcendent past, related to lineage, but an immanent individual past related to childhood and to dual action of secret and discovery.The phenomenal subject will be the hidden child in each one of us, enjoying the pleasure afforded by extended vacation in this imaginary native house, where living with many makes easier multiplication and hence the dissolution of everyday family hierarchies". (Ábalos, 2003, p.96)

It is interesting to highlight that Bachelard (1993) emphasizes that the house does not live only in day-to-day, in the course of a history, the narrative of our history. It is through the dreams that many homes of our lives interpenetrate and keep the treasures of ancient days. So, when in the new house, the memories of the old homes return, we are transported to a land in which we live recordings of happiness. Thus, we are comforted by reliving memories of protection. Bachelard also stresses that memories of the outside world does not have the same hue of house memories, and evoking memories of the house we add dream values. In the space of my childhood bedroom where my desk sat beneath the window that opened into the ditch-stream, the wardrobe with glass doors, my bed and my father's terrifying photo studio made with tissues in a dark corner, I observe the poetic irrationality of a subject to occupy a space... The phenomenological space builds its idea through the excitation of the air, a full activation of its inertia. Space is no longer understood as a neutral extension and becomes an entity inhabited by stimuli and reactions with our body among them. Thus, any objectivity is lifted, favoring a polarized protagonist presence by revealing the physical phenomena in interaction with its own subjectivity. Space becomes a continuous threshold, a transition in which exchanges regulate themselves and the labyrinthine complexity is organized.

Observing that bedroom of my childhood witch hangs in my memory I notice how much it had moments of especially phenomenological resplendence, from the light coming in through that window to the moment of total darkness that raised the monsters of the photographic studio. These were moments related to the relevant phenomena in each case, searching for the maximum intensification of experience through its folding and labyrinthine schemes. Each of these moments shows how the phenomenological space (or phenomenological house?) and I, as an inhabitant, maintain a relationship of extreme active engagement with physical environment.

1 Robert Sokolowski is professor on Philosophy at Catholic University of America.

2 Iñaki Ábalos studied architecture in Madrid (ETSAM, 1978), where he lives and works. Besides being author of several books he is, along with Juan Herreros, founding partner of Ábalos & Herreros and Exit LMI. His built work was largely gathered by media experts in three monographs (Catálogos de Arquitectura Contemporánea, Áreas de impunidad and Reciclando Madrid).

Stretching myself on the chair to give a rest to my reflections and observing more carefully the images formed in my mind from my childhood bedroom, I dive deeper into the words of Merleau-Ponty. I have always tried to imagine what Merleau-Ponty would say about space and how his words would add to what I experienced as a child and experience now as I write... The author does not surprise me (since I had already imagined what I would hear while listening to him), he just makes me take even longer in my dreams about space... I stood ready inevitably to a Merleau-Ponty's attentive listening. I realized Merleau-Ponty situates space not as a environment (real or logical) in which things become possible. Instead of imagining it as a sort of ether in which all things dive the author advises us to think of it as the universal power of its connections.

"Therefore, either I do not reflect, I live among things and vaguely regard space sometimes as environment of thing and another as their common attribute, or else I do reflect and take space in its source. Now I think of the relations under this word and then realize they only live through a subject who traces and supports them. I pass from spatialized to spatializing space" (Merleau-Ponty, 1994, p.328).

Thus, listening to Merleau-Ponty I see the easiness of showing that one direction can only exist for the subject that draws it, as well as a constituent spirit can draw all directions in space.

Timidly, I accept the invitation of Merleau-Ponty (1994, p.334) to investigate the experience of space behind the distinction between form and content. I say timidly because I know at this point I come across the spatial experience that causes me so much scientific curiosity.

Spatial experience and scientific curiosity that interlace with my existential trajectory since, as I have already said earlier, space fascinates me... Merleau-Ponty politely intimidates me by saying that "top" and "bottom" are simply names to designate one direction per se of sense-contents. Intimidates the architect (that I am) which handles these "simple names" to set up spaces for people to draw their trajectories with their bodies... Intimidates (or put into perspective?) an education grounded in objectivism. The comfort to the intimidation comes from Merleau-Ponty himself:

"As well as top and bottom, right and left are not given to the subject with the perceived contents and are constituted at each moment with a spatial level in relation to which things are situated, the same way depth and size come to things because they are situated in relation to a level of distances and sizes witch defines the far and the near, the big and the small, before any object that would serve as a reference. When we say an object is huge or tiny, distant or close, it is frequently without any comparison, even implicit, with some other object or even with our own body's size and objective position, but only in relation to a certain 'reach' of our gestures, a certain 'authority' of phenomenal body over its surroundings. If we denied recognizing this rooting of sizes and distances we would be sent back from one 'reference' object to another never understanding how distances or sizes can exist for us. [...] Thus depth cannot be understood as the thought of an acosmic subject but as possibility of a engaged subject." (Merleau-Ponty, 1994, pp.359-360) [boldface mine]

By hearing these words of Merleau-Ponty I reassured myself since, after all, I begin looking with new eyes at what fascinates me (the space). I understand that as a mass of tactile, labyrinthine, kinesthetic data, our body has no more definite orientation than other contents. This orientation arrives in the general level of experience since, for instance, if I only focus on the visual field such concentration may impose one orientation that is not the body's one. I feel, therefore, a interlacing of body and space. The power of changing the level and understanding space comes with the "possession" of a body, as well as the "possession" of voice carries the power of changing tone. "The perceptual field straightens up and at the end of the experiment I recognize it without concept since I put there, so to speak, my center of gravity" (Merleau-Ponty, 1994, p.338).

I launch myself without much shame to the organic relations between the subject and the space, knowing it can be in this power of subject over its world the origin of the space. In this launching, formerly in free fall, I am held in another interlacing. In this new interlacing, of the space with the perception, I realize that, generaly, space and perception indicate within the subject the fact of his birth - the perpetual contribution of its corporeity - being a communication with the world older than the thought. While engaged in understanding the organic relations between subject and space, I realize that the signs, according to Merleau-Ponty (1994, p.346) which hypothetically should bring us into the experience of space can only mean the space whether such signs are already comprised in it and if space is already known. Thus, perception is the initiation into the world and we cannot put on it the objective relations that are not yet established in their level.

As the last break to this essay, I refer again to Italo Calvino and lose myself in the little city of Tamara...

"One walk for days among trees and stones. Rarely he gazing at something, and when it happens he recognizes that thing by the sign of another thing: the print in the sand indicates the passing of a tiger; a swamp announces a water vein; the hibiscus flower means the end of winter. The rest is mute and interchangeable - trees and stones are just what they are.
Finally the journey leads to the city of Tamara. One can penetrates through streets filled with signs hanging on the walls. His eyes do not see things but images of things that mean other things: the pliers indicate the dentist's house; a tankard the tavern; the halberds the bodyguards; scales the grocery. Statues and shields reproduce images of lions, dolphins, towers, stars: a sign that something - heavens knows what - has as its sign a lion or dolphin or tower or star. Other signals warn of what is forbidden anywhere - come into the lane with wagons, urinating behind the kiosk, fishing with a pole in the bridge - and what is allowed - watering zebras, playing bocce, incinerating relatives' corpses. At the temple's doors he sees the gods' statues, each one of them represented with his attributes: the cornucopia, the hourglass, the medusa, by which worshipper may recognize them and address the appropriate prayers. If a building has no signboard or image, its shape and the position within city's organization are enough to indicate its function: the royal palace, the prison, the mint, the Pythagorean school, the brothel. Even the goods that vendors display on their stands are valuable not in themselves but as signs of other things: the embroidered strip for the forehead stands for elegance, the golden palanquin, power; the volumes of Averroes, wisdom and the ankle bracelet, voluptuousness. His gaze scans the streets as if they were written pages: the city says everything he must think, makes he repeats her speech, and while believing his is visiting Tamara he does nothing but recording the names with which she defines herself and all her parts.
How the city may really be under this thick shell of signs,
what it may contain or hide, it is impossible to know when one leaves Tamara. Outside, the land extends empty into the horizon, the sky opens where the clouds run. In the shapes chance and wind give to the clouds, the man proposes to recognize images: sailing ship, hand, elephant..." (Calvino, 1990, p.17-18).

...and finding myself after visiting the city of Tamara I linger in the details, try to experience them, try to learn in a whole (could it be possible?) the space of Tamara. I notice this generates movements in my body... a body that tries drawing trajectories in Tamara's space... I feel that to have the space's structure’s experience of Tamara I cannot receive it passively. I must live it, resume it, take on it, and then recover its immanent meaning.

References

Ábalos, I., 2003. A boa-vida: visita guiada às casas da modernidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili.

Bachelard, G., 1993. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes.

Calvino, I., 1990. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras.

Merleau-Ponty, M., 1994. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes.

Merleau-Ponty, M., 2004. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne. São Paulo: Cosac & Naify.

Sokolowski, R., 2004. Introdução à fenomenologia. São Paulo: Edições Loyola.