Como citar esse texto:

REQUENA, G. APARTAMENTO Bohemian Cyborg, São Paulo – Brasil. V!RUS, São Carlos, n. 5, 2011. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus05/?sec=7&item=2&lang=pt>. Acesso em: dd mmm aaaa.


Arquiteto e Mestre em Arquitetura e Urbanismo, diretor do Estudio Guto Requena, estuda cibercultura e o impacto das novas tecnologias no design e no espaço residencial.


Resumo

“Bohemian Cyborg” é um projeto de reforma para um apartamento, em São Paulo, que se utiliza de conceitos da virtualidade e que possibilita que os moradores se tornem co-designers do projeto, pois eles participam da transformação e da customização dos ambientes conforme suas necessidades. Parte-se do princípio de que as famílias mudaram e seus hábitos também. Consequentemente, seus espaços de morar, devem acompanhar tais transformações.


Palavras-chave:

flexibilidade, interação, memória afetiva, re-uso, cibercultura.

APARTAMENTO Bohemian Cyborg


O projeto “Bohemian Cyborg” aproveita-se de conceitos da virtualidade em sua concepção e possibilita que seu morador torne-se, em alguns níveis possíveis, co-designer do projeto, gerando uma apartamento em que é possível deslocar paredes e mobiliários, customizando e transformando seus ambientes, em um processo de design participativo. As tendências na relação entre arquitetura, design e tecnologia numérica estão se movendo na direção da construção de ambientes mutáveis e interativos. Se a família mudou e seus hábitos também mudaram, seu espaço de morar deve certamente acompanhar tais transformações.

Esse projeto, situado em um quarteirão histórico próximo à Avenida Paulista, em São Paulo, Brasil, é parte da pesquisa de mestrado intitulada “Habitar Híbrido: Interatividade e Experiência na Era da Cibercultura” (disponível emhttp://gutorequena.com.br/site_mestrado/intro.htm), desenvolvida entre 2003 e 2007, na Universidade de São Paulo, no grupo de pesquisa Nomads – Núcleo de Estudos de Habitares Interativos (www.nomads.usp.br).

A planta original do apartamento, construído em 1970, com 80 metros quadrados, reproduzia a tradicional configuração espacial, baseada na clássica tripartição parisiense do século XIX (social, íntimo e de serviços), com cômodos isolados e com duas entradas distintas: de patrões e de empregados. O imóvel encontrava-se em completo abandono, com inúmeros vazamentos, umidade e problemas de elétrica.

Após a retirada de todas as vedações, elétrica, hidráulica e alguns revestimentos do antigo imóvel, criamos um espaço vazio e que se organiza ao redor de um cubo. As faces desse cubo são formadas por cortinas translúcidas que abrigam as áreas molhadas do apartamento: banheiro, cozinha e lavanderia. Esse espaço flexível possui mais de 10 configurações possíveis, como loft, escritório, galeria de arte, cozinha gourmet ou uma pista de dança.

Com um orçamento muito restrito, tivemos de buscar soluções não usuais, como a saladeira amarela de plástico comprada por cinco reais e utilizada como pia do lavabo amarelo. Outro exemplo é a pia branca chamada Narciso, feita a partir de um tonel de gasolina abandonado, e que abriga um espelho em seu interior.

O mobiliário e as vedações foram pensados para amparar estas diferentes atividades no espaço mutante, permitindo reprogramar o apartamento de acordo com os desejos do seu morador. Assim, todos os móveis podem se reagrupar e deslocar-se pelo espaço, através de rodízios. O apartamento não se organiza mais através de cômodos estanques e monofuncionais, como quarto, sala ou cozinha, mas sim a partir das atividades, como dormir, trabalhar, comer, fazer amor, higiene e cuidado com as roupas.

Como sabemos o futuro do design será baseado em menos impacto ambiental e esse é um dos focos do processo de projeto do nosso estúdio. Acreditamos em espaços com identidade e preenchidos de memória. Para o projeto Bohemian Cyborg vasculhamos o baú da minha avó e bisavó atrás de objetos de família antigos. Estes pedaços de história encontram-se agora expostos pelo apartamento.

Nossa visão do que constitui o ser humano passa por mudanças profundas, vivemos um momento de convergência entre o orgânico e o tecnológico. O homem, nesta condição interposto pela cibercultura, resignifica seu sensorial e seu corpo transita entre físico e virtual, incorporando diferentes próteses tecnológicas, redes neurais, vida artificial e robótica. Engenharia genética, novas técnicas de reprodução, organismos transgênicos, melhoria genética de organismos, mapeamento do genoma e clonagem são exemplos da nossa era de controle biológico, que torna o homem produto de uma prática híbrida entre natureza e técnica.

Vivemos o superequipamento digital e, pelo que parece, estamos cada vez mais dotados de autonomia em relação aos espaços físicos, graças ao uso das redes telemáticas e da proliferação de zonas wireless em centros urbanos. Novos comportamentos nos recordam que estamos diante de uma potencialização da comunicação à distância associada à mobilidade e à acentuação da individualidade, até pouco tempo atrás desconhecida. Fica nítido que inserido neste ambiente hiperconectado, um novo perfil de cliente é definido, mais naturalizado com a tecnologia digital e cada vez mais apto a estabelecer o diálogo com as máquinas. Estamos mudando de uma cultura de sensibilidade de leitor, telespectador e espectador, para uma cultura de usuário e interator. Estes são dados fundamentais para entender quem é esse morador ciborgue.

EQUIPE:

Arquiteto: Guto Requena