Pensar criticamente a política habitacional brasileira e chilena

Veronica Donoso, Carolina Arrau

Veronica Garcia Donoso é graduada e doutora em Arquitetura e Urbanismo. É Professora Adjunta da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no curso de Arquitetura e Urbanismo, Campus de Cachoeira do Sul. Atua nas áreas de Projeto de Arquitetura e Urbanismo, Paisagismo e Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo. vgdonoso@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/7791541625837991

Carolina Arrau Besoain é psicóloga clínica e doutora em Psicologia. É Professora Adjunta da Facultad de Psicología da Universidad Alberto Hurtado, em Santiago, Chile. É pesquisadora no Laboratorio Interdisiciplinario de Subjetividad y Cambio Social (UAH-UC-COES) e membro do Capítulo Chileno de la Asociación Internacional de Psicoanálisis y Psicoterapia Relacional. cbesoain@uahurtado.cl https://www.researchgate.net/profile/Carolina_
Besoain


Como citar esse texto: DONOSO, V. G.; BESOAIN, C. A. Pensar criticamente as políticas habitacionais brasileira e chilena. V!RUS, São Carlos, n. 22, Semestre 1, julho, 2021. [online]. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus22/?sec=4&item=12&lang=pt>. Acesso em: 18 Abr. 2024.

ARTIGO SUBMETIDO EM 7 DE MARÇO DE 2021


Resumo

O artigo analisa dados sobre políticas habitacionais no Chile e no Brasil e apresenta pesquisa de campo com moradores de habitação social em Santiago do Chile. Optou-se por privilegiar o olhar subjetivo gerado pelo processo de aquisição da casa própria. A experiência chilena demonstra que há grande complexidade na produção de habitação social sob a ótica empresarial. Os recentes interesses políticos brasileiros por essa forma de atuação, desde 2009, levantaram a discussão sobre os impactos desse modelo para as cidades brasileiras. Porém, as pesquisas têm dado maior ênfase à crítica arquitetônica, urbanística e política do modelo, mas os impactos na subjetividade das práticas sociais ainda precisam ser estudados. Através da combinação de métodos, como levantamento bibliográfico, pesquisa documental, entrevistas e observação, este trabalho demonstra, a partir de uma aproximação entre as realidades brasileira e chilena, que os impactos das políticas habitacionais neoliberais ocasionam processos de subjetivação complexos, de relações cruzadas entre a reprodução de uma imposição social e a contestação de padrões bastante singulares. O trabalho contribui para a discussão de habitação no contexto latino-americano, principalmente considerando os programas habitacionais e as consequências dos modelos neoliberais para o cotidiano das famílias beneficiadas por eles

Palavras-chave: Neoliberalismo, Política habitacional, Habitação, Subjetividade, Narrativas



1Introdução

A questão habitacional atual na América Latina envolve, entre outros aspectos, os desafios que a produção de moradia enfrenta em contexto de políticas neoliberais. Esse formato de produção habitacional social com ação da iniciativa privada é muito presente em vários países latino-americanos, como México (SÁNCHEZ, 2020), Argentina (LAZARINI, 2014), Chile (TAPIA ZARRICUETA, 2011; DONOSO, 2017) e também Brasil, a partir do Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV1 (DONOSO, 2017). Essa produção latino-americana tem também relação com o papel dos bancos na disseminação do modelo de financiamento da moradia, a partir dos anos 1980, e com a associação desse modelo com as concessões de empréstimos internacionais por instituições financeiras multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), bastante atuante no caso chileno. Esse modelo foi também aplicado em diversos países em desenvolvimento na América Latina desde o final da década de 1980, quando o crescimento das cidades e dos assentamentos informais pedia urgentemente por soluções de moradia (ROLNIK, 2015). 

No contexto mais recente, observando o cenário de crescimento do conservadorismo em lideranças políticas mundiais e do chamado “liberalismo antidemocrático” (MOUNK, 2018), uma forma de liberalismo que serve predominantemente a interesses específicos de grupos econômicos, se expõe também o risco potencial de maiores perdas de conquistas sociais importantes no cenário mundial. No Brasil, essas perdas já começam a ser previstas pelas primeiras ações políticas ocorridas em 20192, quando se iniciou um governo com agenda fortemente neoliberal. 

Nos anos 2000, já se reestruturava, no Brasil, a política de crédito habitacional (ROYER, 2014), que tanto possibilitou maior acesso de grupos sociais ao mercado de consumo, quanto estimulou o processo de financiamento da política habitacional, mesmo que seja um processo de produção habitacional no contexto empresarial. (ROYER, 2014, SHIMBO, 2010, FIX, 2011, CAMARGO, 2017). Prevê-se, para os próximos anos, um aumento do entusiasmo neoliberal e dos seus consequentes resultados urbanos de segregação socioespacial e de diminuição das práticas sociais públicas, coletivas e completas (DONOSO, 2017). Observar as experiências de países que estão, há mais anos, lidando com os impactos dos modelos neoliberais, como o Chile, é certamente interessante. Este artigo apresenta, principalmente na análise mais específica de estudo de caso em Santiago de Chile, informações sobre esses impactos no cotidiano dos moradores de habitações sociais. 

Na política habitacional brasileira recente, destacou-se, já na criação do Programa Minha Casa Minha Vida na época da crise mundial de 2008, a articulação política de empresas que buscavam, junto ao governo, participar de programas habitacionais nos moldes neoliberais mexicano e chileno, que permitissem à iniciativa privada atuar também no mercado imobiliário das faixas de renda mais baixas, inclusive na habitação social. Tal modelo, embora tenha auxiliado a questão econômica do país por ser uma política anticíclica, criou também uma produção baseada em atingir um déficit, e se baseou em práticas neoliberais que tiveram resultados drásticos para as cidades e para a população de menor renda (ROLNIK, 2015; BONDUKI, 2014; DONOSO, 2017). 

A produção massiva de habitação social regida pela lógica do mercado e interesses de particulares, implicará, na maioria dos casos, na replicação de um modelo de produção que traz diversas consequências socioespaciais e subjetivas, as quais consistem na concentração de habitação social em um mesmo trecho urbano (gerando bairros social, econômica e funcionalmente homogêneos com problemas sociais, como violência e tráfico de entorpecentes); em carências de equipamentos urbanos; em questões de falta de conectividade urbana e em estigmas criados por cenários de violência e pobreza, dentre outros. Essa é a paisagem social em que as desigualdades não só se tornam visíveis, mas também se reproduzem, o que caracteriza de modo assombroso grande parte do fracasso das políticas neoliberais de construção de habitação social.

Este artigo apresenta dados sobre o impacto das políticas neoliberais para o cotidiano de famílias em situação de vulnerabilidade social no Chile e, através de estudos das narrativas pessoais, que tipo de resistência a elas têm surgido. Essas resistências não ocorrem necessariamente por políticas ou programas, mas pela força e pela luta dos grupos sociais que buscam melhores condições de vida, mesmo em meio a tantas adversidades. Essa observação, então, depende do olhar ao indivíduo, ao seu cotidiano e aos processos subjetivos. 

O presente trabalho une resultados de duas pesquisas de doutorado em uma colaboração latino-americana. Essas pesquisas utilizaram metodologias diversas, como levantamento bibliográfico, pesquisa documental, entrevistas e observação, tanto participante quanto sistemática enquanto técnica de coleta de dados (GIL, 2008). A combinação dos métodos se fez necessária tanto para o levantamento e para a análise dos dados necessários sobre os temas (analisados pela metodologia de pesquisa documental e bibliográfica), quanto para a compreensão dos fenômenos sociais por uma lógica próxima entre o observador e observado, analisada pelos métodos de observação e entrevista. Isso considerado, explora-se o olhar individual de luta e as adversidades enfrentadas por famílias que receberam uma residência em Santiago do Chile através de programa habitacional. Essa análise interdisciplinar, dessa forma, une olhares da arquitetura e da psicologia, para possibilitar maior compreensão da complexidade do fenômeno do habitat.

Neste momento de mudanças políticas e sociais em âmbito mundial, ressalta-se a importância de se observarem as narrativas e o cotidiano, analisando as ações individuais que surgem na contralógica do pensamento hegemônico e homogeneizante. Além disso, a reflexão sobre o Chile nos mostra a fragilidade das ações políticas no tocante ao cotidiano dos grupos sociais em uma realidade muito próxima à brasileira, o que permite diversas aproximações e levanta a necessidade de serem observadas as resistências do dia a dia para o fortalecimento de pautas sobre o planejamento das cidades e das políticas habitacionais.

2Experiências em políticas habitacionais chilenas e suas aproximações com o Brasil

A experiência em políticas habitacionais chilenas se aproxima do Brasil por alguns pontos de intersecção, podendo ser divididas de acordo com quatro períodos principais até o momento atual (DONOSO, 2017): 

1. Anterior a 1964: Trata-se das experiências anteriores ao período militar, singelas e relacionadas ao maior período de crescimento urbano, em que se destaca, no Chile, a criação da Corporación de la Vivienda (CORVI), o primeiro programa de erradicação de ocupações irregulares (TAPIA ZARRICUETA, 2011);  

2. De 1964 a 1990: São as grandes produções de habitação durante o governo militar, que no Brasil corresponde ao período de 1964-1985 e, no Chile, de 1973-1990. Nesse período, no Chile, foram criados o Ministério de Vivienda y Urbanismo (MINVU) e o Servicio de Vivienda y Urbanización (SERVIU), e o liberalismo econômico passou a instituir a participação da iniciativa privada na produção de habitação social. Em ambos houve redução do papel do Estado e a produção do período foi marcada por uma preocupação em solucionar a crescente demanda por habitação (TAPIA ZARRICUETA, 2011; OPAZO, 2014; OLAVARRÍA, 2014);

3. De 1990 a 2000: Período da retomada da democracia nos dois países, com a manutenção – no caso chileno –, e cisão – no caso brasileiro, da estrutura da política habitacional criada durante a ditadura. No Chile, embora o modelo de inspiração neoliberal tenha se mantido nos governos democráticos, foram criados novos programas buscando diminuir os impactos negativos das produções habitacionais já existentes (TAPIA ZARRICUETA, 2011; BONDUKI, 2014);

4. A partir de 2000: No Chile, destacam-se a criação de novos programas habitacionais, a continuidade de outros, a ênfase na participação popular e as estratégias para a negociação de dívidas obtidas com a aquisição da casa própria. No Brasil, destaca-se o restabelecimento de uma Política Nacional da Habitação e a criação de diversos órgãos, planos e programas, como o Ministério das Cidades, o Estatuto da Cidade e o Programa Minha Casa Minha Vida. Este último inseriu, pela primeira vez no país, a iniciativa privada na produção de habitações sociais, modelo que guarda semelhanças com a política vigente no Chile, embora não tenha se espelhado nos melhoramentos que foram realizados nos programas chilenos a partir da redemocratização (TAPIA ZARRICUETA, 2011; ROLNIK, 2015; BONDUKI, 2014; DONOSO, 2017).

2.1O neoliberalismo na política habitacional chilena

Foi durante o governo do General Augusto Pinochet (1973-1990) que se instituiu o liberalismo econômico (1975), seguido de diversos processos que desencadearam profundas mudanças na cidade de Santiago do Chile, como a liberalização do mercado do solo urbano através da Política de Desarrollo Urbano, de 1979, que aumentou a possibilidade de construção em áreas periféricas, impulsionando a expansão dos limites urbanos e incentivando a aquisição da casa própria por meio de regras de subsídio. A instalação do modelo neoliberal trouxe crescimento econômico, o que contribuiu para uma relativa diminuição nos índices de pobreza, ainda que, ao mesmo tempo, tivesse alterado a estrutura socioeconômica e populacional e agravado as desigualdades territoriais, gerando maior homogeneidade socioeconômica nas comunas3, o que acabou por acentuar a segregação socioespacial (DE MATTOS, 1999).

Se, por um lado, os resultados físicos da produção de habitação social durante a ditadura militar foram de qualidade urbana questionável, com a criação de um modelo de desenho urbano amplamente criticado (embora utilizado até hoje), por outro lado, os resultados sociais foram ainda mais perversos. Perseguições, violência política e eliminação de movimentos populares sob a justificativa de erradicação de habitações irregulares foram parte das operações realizadas no período. A Operação Condor, criada em 1975 com apoio da Central Intelligence Agency (CIA), coordenou ações em um período de suspensão dos Direitos Humanos (DINGES, 2005).

Em relação à política habitacional, a retomada da democracia não provocou grandes alterações, e o ideário da política habitacional com participação da iniciativa privada se manteve, ainda que com alterações no cenário social e econômico (TAPIA ZARRICUETA, 2011). Foi a partir dos governos da Concertación que se iniciou o mais intenso período de construção de habitações sociais do Chile, utilizando-se os mecanismos neoliberais criados durante o regime militar (OPAZO, 2014). Os resultados foram de maior produção quantitativa, embora criticados pela manutenção da segregação socioespacial e pela questionável má qualidade dos espaços produzidos.

A dificuldade de se lidar com as leis de mercado para a localização, a qualidade da construção, o endividamento da população e o estímulo muitas vezes questionável do ideário da casa própria tem levado o governo chileno a buscar a implementação de estratégias para minimizar as deficiências do modelo de produção habitacional neoliberal. Dentre elas, principalmente nos programas chilenos criados a partir dos anos 2006, encontram-se a ênfase na participação popular, a busca pela manutenção e pelo fortalecimento de organizações e redes sociais e o olhar para programas mais focados em intervenções territoriais do que em unidades habitacionais, como o Programa Quiero Mi Barrio (PQMB) e o Programa Plan Integral. Além disso, as preocupações não se restringem somente à produção de novas habitações, mas se ampliam até a qualidade das construções entregues nos anos anteriores, visto que algumas delas passaram por um processo de constante demolição e reconstrução, ao qual se somam também as catástrofes naturais que acometem periodicamente o território chileno, como terremotos, incêndios e chuvas.

A mudança da habitação irregular para habitação social possibilitou que as famílias sem recursos fossem inseridas nas regras econômicas e sociais do mercado do solo urbano. Entretanto, essa mudança, embora vista de forma favorável por elas, por advir da aquisição da casa própria, foi pensada a partir de um modelo individual de conquista, e não pela realização coletiva. O modelo de subsídio atual, assim, não fortalece a rede social, pois as ações são individuais, além de levar ao endividamento da população, que não consegue arcar com os custos básicos da nova forma regular de moradia.

As consequências são, portanto, de grande complexidade subjetiva, com maiores problemas no cotidiano das famílias, como será visto nos estudos de caso. Essa complexidade traduz-se por uma série de problemas: prática social voltada mais ao interior da habitação do que ao espaço público; desinteresse por regras condominiais e de boa vizinhança, principalmente em uma rede social fragilizada; aumento dos índices de delinquência e violência no espaço público (tanto pela presença de apropriações individualizadas por algumas lideranças relacionadas a tráfico de drogas, como pelo receio dos demais moradores em se apropriarem dos espaços públicos); maior dependência dos grupos sociais em relação a subsídio e às orientações dos líderes comunitários e maiores chances de abandono da habitação adquirida para o retorno à irregularidade (DONOSO, 2017).

3Cotidiano em habitação social, narrativas individuais e subjetividade

Segundo Massey (2005), a incorporação do espaço na teoria social é essencial para visibilizar a multiplicidade, momento em que os discursos da globalização anulam qualquer tipo de resistência, movimento ou alternativa frente ao panorama do capitalismo contemporâneo (HARVEY, 2008). Assim, não é possível dissociar as relações sociais e os processos de subjetivação do espaço: para fazer justiça à multiplicidade e à simultaneidade que os efeitos do neoliberalismo enquanto sistema social provocam na vida cotidiana dos cidadãos, especialmente latino-americanos, é essencial realizar considerações espaciais.

A análise da subjetivação sob o ponto de vista espacial implica também compreender que nem todos os corpos habitam o espaço da mesma maneira. Por exemplo, quando as feministas falam sobre suas experiências espaciais habitualmente se referem à dificuldade e à opressão (ROSE, 1993). A divisão sexual do trabalho e da vida social implicou também uma divisão do espaço e da experiência de familiaridade e hospitalidade nos corpos que o habitam. Assim, as diferenças sociais são efeito de como os corpos habitam o espaço.

O “sentir-se em casa” é, para Ahmed (2006), uma experiência de orientação no corpo que não é igual para todos. A familiaridade se conforma através das maneiras em que os espaços se imprimem nos corpos, ou seja, é um efeito do habitar. Isso implica um processo de negociação de proximidades em espaços que não são uma exterioridade do corpo, mas sim parte deste, como uma segunda pele, uma extensão da própria subjetividade. Nesse sentido, alguns espaços permitem a extensão de certos corpos e não deixam lugar para outros (AHMED, 2006).

A partir desse olhar, compreender os modos de habitar os espaços significa compreender os parâmetros – corporais, materiais, discursivos, imaginários, relacionais – que participam da constituição da subjetividade. Pensar o lar como espaço de subjetivação é se aproximar da compreensão das mutações da subjetividade contemporânea, compreendendo a indissociável relação entre os projetos de subjetivação e os conflitos, relações e possibilidades do espaço habitado. A seguir, apresentam-se estudos de casos de narrativas pessoais de famílias chilenas. Os relatos demonstram a subjetividade presente no contexto da habitação social, com grande relação com as ações mais individualistas, geradas pela pouca identificação com o modelo de moradia imposto pelo programa habitacional.

3.1Gênero, políticas sociais neoliberais e subjetividade

As primeiras análises sobre o processo de subjetivação em grupos sociais da cidade de Santiago ocorreram em uma primeira pesquisa de campo com moradores de habitações sociais que receberam sua moradia entre os anos 2000 e 2009. A narrativa do sacrifício como organizador dos processos de subjetivação foi um dos eixos centrais das descobertas dessa pesquisa, a qual buscava compreender algumas das contradições no verdadeiro “trânsito para a modernidade” (SKEWES, 2006), que implicava mudar da habitação informal para uma situação regularizada. O objetivo geral foi compreender os processos de subjetivação presentes na narrativa da história da mudança para conjuntos habitacionais sociais (BESOAIN, 2012).

Foi interessante escutar as palavras-chave da história social e política da habitação popular e dos movimentos sociais de Santiago, presentes nas narrativas biográficas das mulheres participantes4. Esta questão não é casual, na medida em que as políticas sociais chilenas se apoiam desde tempos imemoráveis na figura da mãe como principal nó mítico da família popular, marcada pela ausência do pai/conquistador, tal como sinalizou Sonia Montecino (1991) para o caso chileno, e Octavio Paz (2015) para o caso mexicano5.

Uma das palavras-chave escutada na história dos grupos sociais é a luta. Essa é uma palavra recorrente nas narrativas dos participantes em relação à mudança para a habitação social regularizada. Porém, essa luta não é visível na esfera do público, mas sim em tramas que tendem à interiorização: essa luta revela a centralidade de um esforço individual, em um espaço privado, próximo ao corpo, ao doméstico e à ordem de sobrevivência

A mudança para a habitação regularizada vai se configurando, então, como uma luta individual. Instala-se nos relatos e na vida contada a partir de um determinado universo de valores, segundo os quais a chegada à habitação social é associada a um momento de triunfo pessoal, do qual se orgulham, juntamente com a própria capacidade de sacrifício. Esse sacrifício costuma ocorrer com mais frequência nas histórias das mulheres, com configurações de gênero e maternidade tradicionais. Os filhos constituem, assim, o caminho para a interiorização das responsabilidades sobre a própria vida. Essa interiorização do desejo pela moradia, que podemos chamar de maternidade sacrificial, é o que permite compreender a tolerância dessas mães a qualquer mal-estar vinculado à nova habitação.

A questão do lar e seus conflitos parece ficar, assim, restringida à gestão heroica de mães que lutam contra suas próprias necessidades para conseguir casa própria para seus filhos. A casa, assim, implica a celebração de um triunfo individual de um novo espaço de soberania pessoal, do qual é possível desdobrar a própria autonomia, o que marca também o início da ênfase do espaço doméstico e do medo do espaço externo à moradia6 (BESOAIN, CORNEJO, 2015).

4Idealização da casa própria, dificuldades e resistência

Em trabalho posterior de pesquisa em Santiago do Chile7, investigou-se a experiência da saudade e o desejo de retorno à moradia irregular, o que tensionou a celebração da nova propriedade nas histórias da aquisição da casa própria. Em alguns casos, esse sentimento se converteu em realidade, dando lugar a um trânsito inverso dos esforços de formalização e inclusão social: os participantes da pesquisa que receberam algum tipo de solução habitacional, deixaram-na, venderam ou abandonaram para retornar ao modo de vida anterior.

Essa resistência revela o processo de idealização do passado, onde se sente falta de uma outra experiência de reconhecimento e morar. Esse retorno é mobilizado pela busca de um lugar impossível, que surge como uma imagem idealizada que condensa desejos, frustrações e conflitos da experiência do morar na cidade, nas margens da sua formalidade. Porém, logo após retornar à moradia anterior, instala-se novamente a dificuldade de apropriação, agravada pelos sentimentos de melancolia e de perda de localização, que expressam o sentimento de ter ficado sem lugar.

Assim, retornar à moradia irregular tem um sentido duplo, tanto de resistência como de fracasso. A resistência se expressa pela luta para recuperar o sentido da apropriação que não foi obtido na nova moradia; e o retorno aparece como resistência às novas formas de vida que se consolidam em conjuntos de habitação social, onde os moradores não encontram respeito, calma, segurança e uso adequado dos espaços. Porém, junto ao retorno, a irregularidade e o lar já não conseguem ser sentidos como se desejava. O que as famílias sentiam como uma luta vai se perdendo, promovendo vivências entre nostalgia e desespero.

Os estudos mostram, nesses grupos sociais, o sentimento de vulnerabilidade por não serem escutados, reconhecidos e legitimados no seu desejo de moradia. Inicia-se dessa forma um processo de individualização e internalização da situação, predominando o sentimento de culpa pessoal. Finalmente, a circunstância de precariedade habitacional termina por se sedimentar e passa a ser um problema pessoal engatilhado por uma “falha própria”. Assim, o retorno termina sendo vivido como um fracasso em primeira pessoa (MORALES et al., 2017).

À luz dessas pesquisas, o lar se configura tanto como espaço de reprodução como de contestação dos discursos e ideais neoliberais; torna-se um espaço complexo e de natureza contraditória: é tanto um lugar de opressão e instrumento de reprodução do capitalismo, como um dos poucos lugares seguros frente às iniquidades (MCDOWELL, 1999). Os grupos sociais articulam, criam e recriam em suas falas e práticas de morar às tensões entre os múltiplos discursos, relações de poder, materialidades e imaginários. O doméstico, portanto, reforça na intimidade cotidiana as contradições do capitalismo.

Nos últimos trinta anos, ocorreram importantes mudanças demográficas no Chile, que se traduziram no surgimento de novos arranjos habitacionais (CALVO, TARTAKOWSKY, MAFFEI, 2011; INE, 2010; MORENO, ARRIAGADA, 2008; OLAVARRÍA, 2014). Essas mudanças implicaram importantes desafios para as políticas públicas, na medida em que hoje não seria possível realizar uma equivalência entre a noção de família conjugal (nuclear biparental, heterossexual, com filhos) e a noção de lar. Embora as mudanças demográficas tenham trazido representações do tipo igualitário e democrático na experiência familiar chilena, estas convivem com representações do tipo tradicional e conservador (VALDÉS, VALDÉS, 2005).

A sociedade chilena estaria experimentando um liberalismo pragmático e um conservadorismo fraturado, caracterizado por um fenômeno de tradição seletiva por meio do qual algumas significações e práticas são eleitas e acentuadas, enquanto outras são omitidas e excluídas (MARTÍNEZ, PALACIOS, 2001). Assim, enquanto a separação entre os papéis sexuais diminuiu e apareceram novas formas de relações, as regras institucionais continuaram presentes nas lógicas de ação das pessoas no momento de organizar sua vida íntima (ARAÚJO, 2005).

Nesse complexo cenário de mudanças e continuidades, as relações entre gênero e lar se desestabilizaram, e se estabeleceram novas interações entre significados, práticas e imaginários. Embora a habitação e o lar representam um dos lugares mais relacionados ao gênero do espaço social, é importante ler o espaço sem assumir as associações como permanentes ou estáveis (MCDOWELL, 1999). O lar se configura em um processo complexo de reprodução e resistência às formas tradicionais de organização do espaço doméstico e suas relações com o espaço extradoméstico, tensionando as fronteiras e relações entre o interno e o externo, o dentro e o fora, o público e o privado.

5Os impactos da produção habitacional social neoliberal nas práticas sociais

Em se tratando do Brasil, o neoliberalismo na política de habitação social brasileira ainda é recente, mas seus impactos na subjetividade já são perceptíveis. Na Região Metropolitana de São Paulo, implantaram-se diversos condomínios verticais de habitação social em áreas urbanas que já concentravam vulnerabilidade social, como, por exemplo, os conjuntos Vila Pimentas I e II e o Condomínio Residencial Parque Estela, em Guarulhos. Nesses novos conjuntos habitacionais, também se verificam a interiorização da prática social, a luta individual e o receio pelo uso dos espaços externos ao condomínio, associados ao medo e à violência, assim como práticas sociais incompletas, já que elas ocorrem nas áreas comuns dos condomínios habitacionais, intermediadas por regras e limitadas aos moradores de um mesmo conjunto (DONOSO, 2017).

O histórico chileno tem suas semelhanças com o caso brasileiro tanto pelo modelo formal monofuncional de concentração de unidades habitacionais em um mesmo trecho urbano, quanto pelo uso do padrão de condomínio habitacional social vertical para grandes cidades. Também estão presentes, nos dois países, problemas construtivos derivados da baixa qualidade das construções entregues pelas empresas contratadas, fruto das falhas do complexo modelo de parceria público-privada (como poucas exigências e escassa fiscalização do órgão público ou financiador) e da lógica de lucro necessária para viabilizar os empreendimentos. Em Santiago do Chile, por exemplo, tais problemas de construção, somados às intempéries, resultaram em demolições, como o dramático caso das Casas Copeva8, na comuna de Puente Alto, ou mesmo do Conjunto Habitacional Las Viñitas, em Cerro Navia, e resultaram não só em um grande custo público, mas também em um grande impacto subjetivo e social, com sentimentos de estigma, isolamento e discriminação, além de abandono (DONOSO, 2017).

No caso brasileiro, embora as construções do Programa Minha Casa Minha Vida sejam recentes, já se verificam conjuntos habitacionais com problemas estruturais, e laudos técnicos já indicam a necessidade de demolição, caso do condomínio habitacional Duque de Caxias em Foz do Iguaçu, PR, condenado poucos anos após ser entregue aos moradores, ou do conjunto habitacional Zilda Arns II, em Niterói, RJ, condenado antes de ser entregue à população. Esse último estava sendo construído para os sobreviventes dos deslizamentos de terra do Morro do Bumba, em 2010.

6Considerações finais

As relações entre o singular e o global, no caso do lar, estão atravessadas por múltiplas dimensões, associadas tanto a efeitos dos processos de financiamento das políticas habitacionais neoliberais, situação presente em diversos países da América Latina, quanto a relações de gênero em uma sociedade de forte vínculo colonial e tradicional. Essas situações estão presentes no Brasil e no Chile, no marco de uma história de luta por cidades, violentamente interrompida pela ditadura militar em ambos os países. Os novos universos de valores se entremeiam com as antigas narrativas, dando lugar a processos de subjetivação híbridos, cujas contradições se sustentam, resistem e são recriadas pelos indivíduos de maneira autônoma. Trata-se de um movimento complexo, de relações cruzadas entre reprodução e contestação de novos e antigos mandatos que se articulam de forma singular em cada caso.

O que se verifica através das análises das narrativas das famílias chilenas inseridas em programas habitacionais é que há grande impacto subjetivo nos processos de aquisição de uma casa própria, principalmente para grupos sociais em contexto de vulnerabilidade. Tal situação, se desconsiderada das políticas habitacionais e das noções de arquitetura e urbanismo, poderá estar facilitando, mesmo que não intencionalmente, a fragmentação social, a marginalização e o receio no uso dos espaços públicos.

Tal como sinaliza Raquel Rolnik (2015), para as políticas neoliberais devemos entender os processos de subjetivação vinculados ao espaço da habitação como uma amálgama entre dois momentos: o da destruição parcial do existente e a criação tendencial de novas estruturas. O exposto mostra os efeitos do neoliberalismo nas políticas habitacionais, na subjetividade e nas sociabilidades urbanas através de estudos de casos chilenos, que demonstram a complexidade no processo de resistir às ações hegemônicas de reprodução social.

As narrativas das famílias nos demonstram que as políticas habitacionais desencadeiam um paradoxo: junto ao êxito individual da moradia, há o possível enfraquecimento das redes sociais e das condições de sociabilidade, devido às práticas sociais serem cada vez mais interiorizadas. Isso ocorre tanto pela subjetividade quanto pelo individualismo, pois há um estímulo provocado pela luta individual de conquista da casa própria que tem particularizado uma celebração que deveria ser de um grupo social (MÁRQUEZ, 2004; BESOAIN, 2012).

As práticas cotidianas subentendem as redes sociais e as relações que se estabelecem no cotidiano, momento em que se possibilita superar o dia a dia alienado, através de pensamento crítico e da ação transformadora. A superação das adversidades ocorre quando os sujeitos se tornam atores da sua própria ação, e é no lugar que a prática social supera o dia a dia, onde se permite que a vida social e a resistência frente às relações de dominação ocorram (RIBEIRO, 2013, SANTOS, 1996). Essa resistência cotidiana crítica, no entanto, não ocorre sem contradições.

Agradecimentos

As autoras agradecem os financiamentos concedidos para a realização das pesquisas: à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pela Bolsa de Doutorado no país e Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (processos 2013/04592-0 e 2015/07233-6) e ao CONICYT (Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica de Chile), através do Proyecto Fondecyt Nº 11160337.

Referencias

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1 Sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, Raquel Rolnik, Alvaro Luis dos Santos Pereira, Fernanda Accioly Moreira, Luciana de Oliveira Royer, Rodrigo Faria Gonçalves Iacovini, Vitor Coelho Nisida, Ana Paula de Oliveira Lopes e Luis Guilherme Alves Rossi (2015) comentam que “(...) inspirou-se em políticas habitacionais que já vinham sendo implementadas em outros países da América Latina, como México e Chile, desde os anos 1980.” (ROLNIK et al., 2015, p. 131).

2 Nos primeiros meses do ano de 2019 e do novo governo do Presidente Jair Bolsonaro (PSL), algumas Medidas Provisórias, Decretos e mudanças nos Ministérios causaram bastante controvérsia. Dentre elas estão: a diminuição do salário mínimo, abaixo do valor determinado pelo governo anterior e em uma correção de 5,45% sobre o anterior (de R$ 954,00 para R$ 998,00); a assinatura de decreto que facilita a posse de arma de fogo e altera o Estatuto do Desarmamento; a proposta de Reforma da Previdência, com mudanças pouco compatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira, como o aumento do tempo mínimo de contribuição e mudanças nas regras do Benefício de Prestação Continuada.

3 No governo chileno, a comuna é a menor unidade administrativa, dirigida por um conselho comunal e presidida por um alcalde. O governo comunal atua em diversos âmbitos, similarmente a um município brasileiro.

4 Importante destacar que são as mulheres/mães as principais beneficiárias da política habitacional chilena realizada a partir do Fondo Solidario de Elección de Vivienda.

5 Duas referências fundamentais nesses temas são a obra “Madres y Huachos: alegorías del mestizaje chileno” de Sonia Montecino, e “El laberinto de la soledad”, de Octavio Paz.

6 Na habitação social, o âmbito do encontro com outros se reduz ao espaço interior da intimidade familiar, desencadeando um processo de diferenciação e estranhamento com o exterior, que é visto como ameaçador e temido. Esse processo abre caminho para os discursos sobre insegurança, e poderia estar facilitando os processos de fragmentação social e marginalização na cidade.

7 Essa pesquisa, intitulada “Ser sujeto en la ciudad informal: procesos de subjetivación en pobladores retornados desde la vivienda social al campamento”, foi financiada pelo “Fomento a Proyectos de Investigación/Facultad de Psicología”, Universidad Alberto Hurtado, no ano de 2014.

8 Mais informações podem ser encontradas na tese de Doutorado de Verônica Donoso (2017).

Critically thinking about the Chilean and Brazilian housing policies

Veronica Donoso, Carolina Arrau

Veronica Garcia Donoso has a degree and a doctorate in Architecture and Urbanism. She is an Adjunct Professor at the Federal University of Santa Maria, Brazil. She works in the areas of Architecture and Urbanism Design, Landscaping, and Architecture and Urbanism Fundamentals. vgdonoso@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/7791541625837991

Carolina Arrau Besoain is a clinical psychologist and a Ph.D. in Psychology. She is Adjunct Professor at the Facultad de Psicología at the Universidad Alberto Hurtado, Chile. She is a researcher at the Interdisciplinary Laboratory of Subjectivity and Social Change, and a member of the Chilean Chapter of the International Association of Psychoanalysis and Relational Psychotherapy. cbesoain@uahurtado.cl https://www.researchgate.net/profile/Carolina_
Besoain


How to quote this text: Donoso, V. G.; Besoain, C. A., 2021. Thinking critically about Brazilian and Chilean housing policies. Translated from Portuguese by Renata Ferrari Novato. V!RUS, 22, July. [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus22/?sec=4&item=12&lang=en>. [Accessed: 18 April 2024].

ARTICLE SUBMITTED ON MARCH, 7, 2021


Abstract

The article analyzes the information on Chilean and Brazilian housing policies and presents field research conducted with social housing residents in Santiago, Chile. This work emphasizes the subjective perspective generated by the process of homeownership. The Chilean experience demonstrates a great complexity in the production of social housing from a business perspective. Since 2009, Brazil's recent political interest in this course of action has raised the debate on the impacts of this model on Brazilian cities. Although studies have given greater emphasis to the architectural, urban, and political criticism of the model, the impacts on the subjectivity aspect of social practices are yet to be studied. Through a combination of methods, such as bibliographic research, documentary research, interviews, and observation, this work demonstrates the impacts of neoliberal housing policies through the approximation between Brazilian and Chilean realities. These policies cause complex subjectivation processes characterized by crossed relationships between the reproduction of a social imposition and the contestation of unique patterns. The work contributes to the discussion of housing in the Latin American context by taking into account housing programs and the consequences of a neoliberal model for the daily lives of their beneficiary families.

Keywords: Neoliberalism, Housing policy, Housing, Subjectivity, Narratives



1Introduction

The current housing issue in Latin America involves, among other aspects, the challenges faced by social housing construction in the context of neoliberal policies. This model implicates the agency of the private sector and it is present in several Latin American countries, such as Mexico (Sánchez, 2020), Argentina (Lazarini, 2014), and Chile (Tapia Zarricueta, 2011; Donoso, 2017). In Brazil, it started after the implementation of the program My House, My Life program (Programa Minha Casa Minha Vida)1 (Donoso, 2017). This Latin American production is also related to the participation of banks in the dissemination of the housing financing model, from the 1980’s onwards, and the association of this model with the granting of international loans by multilateral financial institutions, such as the Inter-American Development Bank (IDB), which is strongly present in the Chilean case. This model has also been applied in several developing countries in Latin America since the late 1980’s, when the growth of cities and informal settlements urgently called for housing solutions (Rolnik, 2015).

In a more recent context, the observation of the growth of conservatism among world political leaders and the so-called "anti-democratic liberalism" (Mounk, 2018) — a form of liberalism that predominantly serves the specific interests of economic groups — exposes the potential risk of greater losses related to important social achievements on the world stage. In Brazil, these losses started to be predicted due to political actions taken since the inauguration of a government with a heavily neoliberal agenda in 20192.

In the 2000s, the housing finance policy was already under restructuring in Brazil (Royer, 2014). It both enabled greater access of social groups to the consumer market and stimulated the financing process of the housing policy, even if it is a process of housing production in the business context (Royer, 2014; Shimbo, 2010; Fix, 2011; Camargo, 2017). Over the next few years, the predictions point towards an increase in neoliberal actions and their consequences on urban socio-spatial segregation, and a reduction in public, collective and comprehensive social practices (Donoso, 2017). It is certainly interesting to observe the experiences of countries that have been dealing with the impacts of neoliberal models for longer years, such as Chile. This article presents information about these impacts on the daily lives of social housing dwellers through a more in-depth analysis of a case study in Santiago de Chile.

In the recent Brazilian housing policy, the creation of the My House, My Life program during the 2008 global crisis highlighted the political articulation of companies with the government. They sought to participate in housing programs by following the neoliberal approach taken in countries like Mexico and Chile, which allowed the private sector to act in the housing market of lower-income groups, including social housing. Despite helping the country's economic issue by being a countercyclical policy, this model established a production based on the achievement of a deficit, based on neoliberal practices that had drastic results for cities and low-income populations (Rolnik, 2015; Bonduki, 2014; Donoso, 2017).

The massive production of social housing ruled by market logic and private interests will, in most cases, imply the replication of a production model that causes several socio-spatial and subjective consequences. The most prominent results are: the concentration of social housing in a same urban stretch (generating socially, economically and functionally homogeneous neighborhoods with social problems such as violence and drug trafficking); shortages of urban equipment; issues due to the lack of urban connectivity and creation of stigmas on account of scenarios of violence and poverty, among others. This is the social landscape in which inequalities not only become visible but also reproduce themselves, astonishingly characterizing much of the failure of neoliberal social housing construction policies.

This article presents details on the impact of neoliberal policies on the daily lives of socially vulnerable families in Chile and, through the studies of personal narratives, the different kinds of reluctance to these strategies. These resistances do not necessarily occur because of policies or programs but they can happen due to the strength and struggle of social groups that look for better living conditions, even amid so many adversities. This observation, then, depends upon looking at the individual, his/her daily life, and subjective processes.

The present work merges the results of two doctoral dissertations focusing on a collaboration among Latin American countries. For the data collection, the research used different methodologies, such as bibliographic and documentary research, interviews, and observation, both participant and systematic (Gil, 2008). The combination of methods was fundamental for the survey and the analysis of the necessary data about the article’s topics (which were analyzed through documentary and bibliographic research methodologies), and for the understanding of social phenomena through a logic defined by the approximation between the observer and the observed, whose analysis was conducted through observation and interview methods. Thereafter, this work explores the individual view on the struggle and the adversities faced by families who received a residence through a housing program in Santiago de Chile. This interdisciplinary analysis brings together architecture and psychology perspectives to enable a greater understanding of the complexity of the habitat phenomenon.

This time of political and social changes worldwide highlights the importance of observing the narratives and daily life by analyzing the individual actions that arise in the opposition to the hegemonic and homogenizing thought. Moreover, the investigation on Chile shows us the fragility of political actions regarding the daily life of social groups in a reality profoundly close to the Brazilian context. This approximation allows for different comparisons and raises the urgency to observe the resistances of daily life for the strengthening of guidelines on city planning and housing policies.

2Experiences in Chilean housing policies and their approximation to Brazil

The experience related to Chilean housing policies has some points of intersection to the Brazilian experience. It can be divided according to four main periods up to the present moment (Donoso, 2017):

1. Before 1964: experiences prior to the military period characterized by a straightforwardness and related to the greatest period of urban growth. The creation of the Corporación de la Vivienda - CORVI (Housing Corporation) stands out for being the first program to eradicate irregular occupations (Tapia Zarricueta, 2011);

2. From 1964 to 1990: during the military government there was a great housing production. In Brazil, it corresponds to the period between 1964-1985, and, in Chile, 1973-1990. This period was marked by the creation of Chile's Ministry of Housing and Urbanism (MINVU - Ministério de Vivienda y Urbanismo) and Housing and Urbanization Service (SERVIU - Servicio de Vivienda y Urbanización). In the same moment, economic liberalism instituted the participation of the private sector in the production of social housing. In both cases, the role of the State was reduced and the production of the period was marked by a concern in solving the growing demand for housing (Tapia Zarricueta, 2011; Opazo, 2014; Olavarría, 2014);

3. From 1990 to 2000: Period of resumption of democracy in both countries. With regards to housing policies, Chile maintained the policies created during the dictatorship whereas the Brazilian government decided to break with them. In Chile, although the neoliberal model inspiration has remained in democratic governments, new programs for housing production were created seeking to reduce the negative impacts of the existing ones (Tapia Zarricueta, 2011; Bonduki, 2014);

4. From 2000 onwards: In Chile, It is possible to observe the creation of new housing programs, the continuation of others, the emphasis on popular participation, and the strategies for negotiating debts related to homeownership. In Brazil, the reestablishment of a National Housing Policy and the creation of various institutions, plans, and programs, such as the Ministry of Cities (Ministério das Cidades), the City Statute (Estatuto das cidades), and the My House, My Life program (Minha Casa Minha Vida - MCMV) (Tapia Zarricueta, 2011; Rolnik, 2015; Bonduki, 2014; Donoso, 2017).

2.1Neoliberalism in Chilean housing policy

The institution of economic liberalism (1975) occurred during the government of General Augusto Pinochet (1973-1990) and it was followed by several processes that triggered profound changes in the city of Santiago de Chile. For example, the liberalization of the urban land market through the 1979 Urban Development Policy (Política de Desarrollo Urbano). This policy increased the possibility of constructing in peripheral areas, boosting the expansion of urban limits and encouraging homeownership through subsidy rules. The implementation of the neoliberal model brought economic growth, which contributed to a relative decrease in poverty rates. At the same time, however, it had changed the socioeconomic and population structures and aggravated territorial inequalities. Such transformations deepened the socioeconomic homogeneity of the communes3 and accentuated socio-spatial segregation (De Mattos, 1999).

If, on the one hand, the physical results of the production of social housing during the military dictatorship had a questionable urban quality and created an urban design model that was widely criticized (although used hitherto), on the other hand, the social results were even more perverse. Persecution, political violence, and the elimination of popular movements under the justification of eradicating irregular housing were part of the operations carried out in the period. Operation Condor, created in 1975 with support from the Central Intelligence Agency (CIA), coordinated actions during a period of suspension of human rights (Dinges, 2005)

Regarding the housing policy, the resumption of democracy did not cause major changes. The principles of housing policy with the participation of the private sector were maintained, even with changes in the social and economic scenario (Tapia Zarricueta, 2011). The most intense period of social housing construction in Chile happened during the Concertación (Coalition of Parties for Democracy) governments, which still used neoliberal mechanisms created during the military regime (Opazo, 2014). The results indicate a greater quantitative production despite the critics regarding the maintenance of socio-spatial segregation and the questionable poor quality of the spaces produced.

The difficulty of dealing with market laws for location, construction quality, population indebtedness, and the often questionable stimulus of the ideal of homeownership has led the Chilean government to seek the implementation of strategies to minimize the deficiencies of the neoliberal housing production model. Among them, especially in the Chilean programs created from 2006 onwards, we mention the emphasis on popular participation, the attempt to maintain and strengthen the organizations and social networks, and the attention to programs more focused on territorial interventions than on housing units, such as the Neighborhood Recovery Program (Programa Quiero Mi Barrio - PQMB) and the Comprehensive Plan Program (Programa Plan Integral). Moreover, the concerns are not restricted to the production of new housing. They also involve the quality of the constructions handed over during the years, some of which have gone through a process of constant demolition and reconstruction, in addition to the natural disasters that periodically affect the Chilean territory, such as earthquakes, fires, and rains.

The relocation from irregular housing to social housing enabled families without resources to take part in the economic and social rules of the urban land market. Although this change was perceived by families as a positive step to homeownership, it was conceived based on an individual model of achievement instead of a collective one. Thus, the current subsidy model does not strengthen the social network due to the individual aspect of the actions. In addition, it leads to the indebtedness of the population who cannot afford the basic costs of the new regular form of housing.

The consequences are of great subjective complexity with greater problems in the daily lives of families, as we will see in the following case studies. This complexity translates into a series of problems: a social practice focused more on the interior of the house than on the public space; a lack of interest in condominium rules and neighborly attitudes, especially in a fragile social network; an increase in delinquency and violence rates in the public space (both due to the presence of individual appropriations by drug trafficking leaders, as well as the fear of other residents in appropriating public spaces); a greater dependence of social groups on subsidy and guidance from community leaders; and greater chances of abandoning purchased houses to return to irregularity (Donoso, 2017).

3Daily life in social housing, individual narratives, and subjectivity

According to Massey (2005), the incorporation of space in social theory is essential to make multiplicity visible. As this happens, the discourses of globalization nullify any type of resistance, movement, or alternative to the panorama of contemporary capitalism (Harvey, 2008). Thus, it is not possible to dissociate social relations and processes of subjectivation from the space: to do justice to the multiplicity and simultaneity that the effects of neoliberalism as a social system provoke in the daily lives of citizens, especially Latin Americans, it is essential to take spatial considerations into account.

The analysis of subjectivation from the spatial point of view also implies understanding that not all bodies inhabit space in the same way. For example, when feminists talk about spatial experiences they usually refer to hardship and oppression (Rose, 1993). The sexual division of work and social life also implied a division of space and the experience of familiarity and hospitality in the bodies that inhabit it. Thus, social differences are an effect of how bodies inhabit space.

"Feeling at home" is for Ahmed (2006) an experience of orientation on the body that is not the same for everyone. Familiarity is shaped through the way spaces are imprinted on bodies, that is, it is an effect of inhabiting. This implies a process of negotiating proximity in spaces that are not exteriority of the body, but part of it, like a second skin, an extension of subjectivity itself. In this sense, some spaces allow the extension of certain bodies and leave no room for others (Ahmed, 2006).

From this perspective, understanding the ways of inhabiting spaces means understanding the parameters – bodily, material, discursive, imaginary, relational – involved in the constitution of subjectivity. To think of home as a space of subjectivity is to approximate the understanding of contemporary subjectivity mutations, understanding the inseparable relationship between subjectivation projects and conflicts, relationships, and possibilities of the inhabited space. Below, we present case studies of personal narratives of Chilean families. The reports show the subjectivity present in the context of social housing and the strong relationship with the more individualistic actions generated by the lack of identification with the housing model imposed by the housing program.

3.1Gender, neoliberal social policies and subjectivity

The process of subjectivation in social groups was first analyzed in a field study conducted in Santiago. The study was carried out with social housing residents who received their homes between 2000 and 2009. The narrative of sacrifice as an organizer of the subjectivation processes was one of the central axes of the findings of this research, which sought to understand some of the contradictions in the true “transit to modernity” (SKEWES, 2006) which implied the relocation from informal housing to a regularized situation. The general objective was to understand the subjectivation processes present in the historical narrative of moving to social housing projects (Besoain, 2012). 

It was interesting to hear the keywords of the social and political history of popular housing and social movements in Santiago present in the biographical narratives of the participating women4. This is not a casual matter. Chilean social policies have been supported from time immemorial on the figure of the mother as the main mythical knot of the popular family, marked by the absence of the father/conqueror as pointed out by Sonia Montecino (1991) for the Chilean case and by Octavio Paz (2015) for the Mexican case5.

One of the keywords heard in the history of social groups is “struggle”. This is a recurrent word in the participants' narratives regarding the relocation to regularized social housing. However, this struggle is not visible in the public sphere but in plots that tend towards internalization: this struggle reveals the centrality of an individual effort in a private space, close to the body, the domestic, and the order of survival.

The replacement to formal housing is then configured as an individual struggle. This notion is installed in the stories and the life told from a certain set of values, according to which the arrival at social housing is associated with a moment of personal triumph they are proud of. They also mention their own capacity for sacrifice, which tends to occur more frequently in women's stories with traditional gender and motherhood settings. Children are, therefore, the path for internalizing responsibilities for one's own life. This internalization of the desire for housing, which we can call sacrificial motherhood, allows us to understand the tolerance of these mothers to any discomfort associated with the new housing.

Thus, the home issue and its conflicts seem to be restricted to the heroic management of mothers who struggle against their own needs to obtain a home for their children. The house, therefore, implies the celebration of the individual triumph of a new space of personal sovereignty from which it is possible to develop one's own autonomy. It also marks the beginning of the emphasis on the domestic space and the fear of the space outside the house6 (Besoain and Cornejo, 2015).

4Idealization of home ownership, difficulties and resistance

A subsequent research in Santiago de Chile7 investigated the experience of homesickness and the desire to return to irregular housing. These feelings tensioned the celebration of the new property in the stories of homeownership. In some cases, they became a reality, giving rise to an inverse transit of formalization and social inclusion efforts: research participants who received some type of housing solution left, sold, or abandoned it to return to their former way of life.

This resistance reveals the process of idealizing the past, in which they miss another experience of recognition and living. This return is mobilized by the quest of an impossible place, which appears as an idealized image that condenses desires, frustrations, and conflicts of the experience of living in the city on the fringes of its formality. However, soon after returning to the previous home, once more, the difficulty of appropriation is instituted and aggravated by feelings of melancholy and loss of location. There is the feeling of having been out of place.

Thus, returning to the irregular housing has a double meaning: of both resistance and failure. The resistance is expressed in the struggle to recover the sense of ownership that was not achieved in the new house; and the return appears as resistance to new forms of life that are consolidated in social housing projects where residents do not find respect, calm, security, and adequate use of spaces. However, along with the return, irregularity, and home can no longer be felt as desired. Families felt like a struggle being lost, promoting experiences raging from nostalgia to despair.

Studies show that in these social groups lie the feeling of vulnerability for not being listened to, recognized, and legitimized in their desire for housing. Thus, a process of individualization and internalization of the situation begins with a predominance of personal guilt. Finally, the circumstance of precarious housing ends up settling and becomes a personal problem triggered by a "personal failure". Therefore, the return results in being experienced as a failure in the first person (Morales et al., 2017).

In light of these research works, home is configured as a space for both the reproduction and the contesting of the neoliberal discourses and ideals; it becomes a complex space with a contradictory nature: it is both a place of oppression and an instrument for the reproduction of capitalism, besides being one of the few safe places facing the inequalities (Mcdowell, 1999). Social groups articulate, create, and recreate in their speeches and practices of living the tensions between multiple discourses, power relations, materialities, and imaginaries. The domestic, therefore, reinforces the contradictions of capitalism in everyday intimacy.

In Chile, over the past thirty years, important demographic changes have taken place and resulted in the emergence of new housing arrangements (Calvo et al., 2011; INE, 2010; Moreno and Arriaga, 2008; Olavarría, 2014). These changes implied important challenges for public policies because today it would not be possible to achieve an equivalence between the notion of conjugal family (nuclear biparental, heterosexual, with children) and the notion of home. Although demographic changes have brought representations of the egalitarian and democratic type to the Chilean family experience, they coexist with representations of the traditional and conservative type (Valdés and Valdés, 2005).

Chilean society is experiencing some pragmatic liberalism and fractured conservatism characterized by a phenomenon of selective tradition. Through that process, some meanings and practices are elected and emphasized while others are omitted and excluded (Martínez and Palacios, 2001). Thus, besides the emergence of the separation between gender roles decreased and new forms of relationships, institutional rules continued to be present in people's principles of action regarding the organization of their intimate life (Araújo, 2005).

In this complex scenario of changes and continuities, the relations between gender and home became destabilized, and new interactions between meanings, practices, and imaginaries were established. Although the house and the home represent the most gender-related places in social space, it is important to read the space without assuming the associations as permanent or stable (Mcdowell, 1999). The home is configured in a complex process of reproduction and resistance to traditional forms of organizing the domestic space and its relations with the extra-domestic space, tensioning the borders and relations between the internal and the external, the inside and the outside, the public and the private.

5The impacts of neoliberal social housing production on social practices

When it comes to Brazil, the presence of neoliberalism in social housing policy is still recent but its impacts on subjectivity are already noticeable. In the Metropolitan Region of São Paulo, several social housing condominiums were implemented in urban areas that were already socially vulnerable, such as Vila Pimentas I and II and Condominio Residencial Parque Estela in Guarulhos. In these new housing projects, there is also the internalization of social practice, individual struggle, the distrust of using the spaces outside the condominium, which are usually associated with fear and violence, as well as incomplete social practices, once they occur in the common areas of the condominiums, mediated by rules and limited to its residents (Donoso, 2017).

Chilean history has its similarities with the Brazilian case both for the formal monofunctional model of concentrating housing units in the same urban area and for the use of the vertical social housing condominium pattern for large cities. In both countries, construction problems are also present due to the low quality of the constructions turned over by the contractors, resulting from the failures of the complex public-private partnership model (as there are few requirements and little inspection by the government or financing agency) and the profit principle necessary to make the projects viable. In Santiago de Chile, for example, such construction problems, added to bad weather, led to demolitions, such as the dramatic cases of Casas Copeva8 in the commune of Puente Alto, or even the housing complex Las Viñitas in Cerro Navia. Besides their great public cost, they also had a great subjective and social impact, with feelings of stigma, isolation, and discrimination, in addition to abandonment (Donoso, 2017).

In the Brazilian case, although the constructions under My house, My Life Programme are recent, there are already housing projects with structural problems and technical reports indicate the need for demolition. In the case of Condomínio Residencial Duque de Caxias in Foz do Iguaçu, Paraná state, condemned a few years after being handed over to the residents, or of the Zilda Arns II housing project, in Niterói, Rio de Janeiro state, condemned even before being handed over to the population. The latter was being built for the survivors of the Morro do Bumba landslides in 2010.

6Final considerations

The relationship between the singular and the global, regarding home, is crossed by multiple dimensions, associated both with the effects of the financing processes of neoliberal housing policies — a situation present in several Latin American countries — and with gender relations in a society with a strong colonial and traditional bond. These situations are present in Brazil and Chile, within the framework of the history of struggles for cities, violently interrupted by the military dictatorship in both countries. The new sets of values are intertwined with old narratives, giving rise to a hybrid subjectivation process, whose contradictions are sustained, resisted, and autonomously recreated by individuals. It is a complex movement of relationships that cross between reproduction and contestation of new and old mandates that are articulated uniquely in each case.

What can be seen through the analysis of the narratives of Chilean families involved in housing programs is that there is a great subjective impact on the processes of homeownership, especially for social groups in a context of vulnerability. Such a situation, if disregarded by housing policies and notions of architecture and urbanism, may be facilitating, even if unintentionally, social fragmentation, marginalization, and fear of using public spaces.

As Raquel Rolnik (2015) points out, for neoliberal policies, we must understand the processes of subjectivation linked to the housing space as an amalgamation between two moments: one of the partial destruction of the existing and the other, the tendential creation of new structures. The above shows the effects of neoliberalism on housing policies, on subjectivity, and on urban sociabilities shown in the Chilean case studies, which demonstrate the complexity of the process of resisting hegemonic actions of social reproduction.

The narratives of those families show us that housing policies trigger a paradox: together with the individual success of acquiring a house, there is a possible weakening of social networks and sociability conditions, due to social practices being increasingly internalized. This occurs both through subjectivity and individualism, as there is a stimulus caused by the individual's struggle to conquer their own home that has particularized a celebration that should be that of the social group (Márquez, 2004; Besoain, 2012).

Everyday practices imply social networks and relationships that are established in everyday life, a moment in which it is possible to overcome the alienated daily life, through critical thinking and transformative action. Overcoming adversity occurs when subjects become agents of their own actions. It is also where social practice overcomes everyday life, where social life and resistance to relations of domination are allowed to occur (Ribeiro, 2013; Santos, 1996). This critical everyday resistance, however, is not without contradictions.

Acknowledgments

The authors are grateful for the funding granted by FAPESP (The São Paulo Research Foundation) for the Doctoral Fellowship in the country and the Scholarship for Research Internship Abroad (processes 2013/04592-0 e 2015/07233-6) and CONICYT (Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica de Chile - National Commission for Scientific and Technological Research), through Proyecto Fondecyt No. 11160337.

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1 Regarding My House, My Life program, Raquel Rolnik, Alvaro Luis dos Santos Pereira, Fernanda Accioly Moreira, Luciana de Oliveira Royer, Rodrigo Faria Gonçalves Iacovini, Vitor Coelho Nisida, Ana Paula de Oliveira Lopes and Luis Guilherme Alves Rossi (2015) stated that “(...) it was inspired by housing policies that had already been implemented in other Latin American countries, such as Mexico and Chile, since the 1980s.” (Rolnik et al., 2015, p. 131, our translation).

2 In the first months of 2019 and of the new government of President Jair Bolsonaro, some presidential laws, decrees, and changes in Ministries caused a lot of controversies. Among them is the reduction of the minimum wage, that is, a raise below the value determined by the previous government, in a wage adjustment by 5.45% over the previous one (from R$954.00 to R$998.00); the signing of a decree that facilitates the possession of firearms and amends the Disarmament Statute; the Social Security Reform proposal, with changes that are not compatible with the reality of the Brazilian working class, such as the increase in the minimum contribution time and changes in the rules of the Continuous Cash Benefit.

3 In the Chilean government, the commune is the smallest administrative unit, headed by a communal council and presided over by an alcalde. The communal government operates in different areas, similar to a municipality.

4 It is important to highlight that women/mothers are the main beneficiaries of the Chilean housing policy carried out through the Housing Choice Solidarity Fund (Fondo Solidario de Elección de Vivienda).

5 Two fundamental references in this theme are the works “Madres y Huachos: alegorías del mestizaje chileno” by Sonia Montecino and “The Labyrinth of Solitude” by Octavio Paz.

6In social housing, the scope of meeting others is reduced to the inner space of family intimacy, triggering a process of differentiation and estrangement from the outside, which is seen as threatening and is feared. This process paves the way for discourses on insecurity and could be facilitating the processes of social fragmentation and marginalization in the city.

7 This research titled “Ser sujeto en la ciudad informal: procesos de subjetivación en pobladores retornados desde la vivienda social al campamento” (Being a subject in the informal city: subjectivation processes in returnees from social housing to settling encampments), was funded by “Fomento a Proyectos de Investigación/Facultad de Psicología”, Universidad Alberto Hurtado, no ano de 2014.

8 Further information can be found in the Doctoral Dissertation of Verônica Donoso (2017).