Tecendo a cidade: a quem a decisão de preservar?

Sandra Schmitt Soster, Anja Pratschke

Sandra Schmitt Soster é publicitária e arquiteta, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, pesquisadora do Nomads.usp. Estuda o uso de meios digitais na gestão e preservação do patrimônio cultural.

Anja Pratschke é arquiteta e Doutora em Ciências da Computação, professora e pesquisadora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e Co-coordenadora do Nomads.usp. Desenvolve e orienta pesquisas nas áreas de processos de design e comunicação em arquitetura.


Como citar esse texto: SOSTER, S. S.; PRATSCHKE, A.Tecendo a cidade: a quem cabe a decisão de preservar? V!RUS , São Carlos, n. 14, 2017. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus14/?sec=6&item=1&lang=pt>. Acesso em: 27 Abr. 2024.


Resumo

As práticas patrimoniais são processos que alteram o tecido urbano ao escolher o que preservar e, consequentemente, o que destruir. Seus atores tecem a cidade e possuem o privilégio de escolher o que é digno de pertencer à história, à memória e à identidade de um povo. No Brasil, a atuação do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em seus 80 anos, tem sido marcada pelo discurso autorizado formulado pela primeira geração de técnicos que buscava uma identidade nacional única. Em sua maioria arquitetos modernistas de ascendência portuguesa, os técnicos definiram o patrimônio nacional segundo sua genealogia e formação. Contudo, a população brasileira não é homogênea e seu multiculturalismo é excluído desse patrimônio. Este artigo busca apresentar e problematizar práticas patrimoniais excludentes em três instâncias: da escolha do patrimônio, do patrimônio em si e da cidade tombada.

Palavras-chave: Patrimônio; Políticas de preservação; População; Exclusão.


Introdução

Em 1937, Getúlio Vargas instituiu o governo ditatorial denominado Estado Novo e, um mês depois, assinou o decreto-lei no 25, que criou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN1), instituiu o conceito de "Patrimônio Histórico e Artístico" e criou a ferramenta do tombamento. O anteprojeto para criação da instituição, elaborado por Mário de Andrade, entendia o “Patrimônio Artístico Nacional” como “[...] todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita [...]” (ANDRADE, 1936, p. 55). O texto foi alterado por Gustavo Capanema e definiu o patrimônio nacional como “[...] o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (BRASIL, 1937, s.p.). Ao eliminar a ênfase à inclusão tanto de arte popular quanto erudita e ao condicionar o patrimônio ao memorável e excepcional, o decreto-lei afastou o conceito de patrimônio dos bens das camadas populares da nação, priorizando uma memória e uma composição urbana específicas.

Os técnicos do IPHAN, em sua maioria arquitetos de ascendência portuguesa, imprimiram sua visão de mundo aos bens nacionais tombados: a lista está repleta de igrejas barrocas mineiras. As escolhas baseavam-se na apreciação estética e eram justificadas por sua autoridade; o valor histórico era pouco analisado (FONSECA, 2005).

[...] desde logo, repudiou-se o tradicionalismo de José Mariano e o neocolonial, que fingia, não reproduzia a tradição legítima. [...] Numa lenta elaboração conceitual, basicamente feita por Dr. Lúcio [Costa], e adotada por todos, foi-se juntando, entre 1919 e 1952, a simplicidade desataviada e popular da arquitetura portuguesa na colônia, o temperamento torturado do Aleijadinho, a concepção dinâmica e sensual do barroco, o equilíbrio e a serenidade do neoclássico e o modernismo de Niemeyer [...] (CAMPOFIORITO, 1985, p. 4).

Segundo Renata Cabral (2010, p. 124):

Não foram poucos os edifícios modernos a receberem um tombamento precoce. Em 1947, a Igreja de São Francisco de Assis (da Pampulha), em Belo Horizonte, foi tombada ainda inconclusa [...]. Na ocasião, estava ameaçada de abandono pelos proprietários. Em 1948, o edifício do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, foi também tombado. O edifício tinha sido inaugurado poucos anos antes. [...] Em 1965, era tombado, com um terço do projeto executado, o Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro. [...]

Enquanto algumas edificações modernistas tomaram um atalho até a lista de bens tombados, o caminho para os bens populares é bem mais árduo, pois “os critérios de eleição patrimonial cunhados pelo Sphan/IPHAN desde a década de 1930 ainda impactam as ações das três esferas governamentais - federal, estadual e municipal [...]” (MARINS, 2011, p. 5). Mesmo que a Constituição de 1988 tenha dado a todo cidadão o direito de propor o tombamento de um bem, ainda são poucos os exemplos e, quando ocorrem, são pouco considerados pelos órgãos.

Para que o patrimônio brasileiro reflita uma história e identidade em que a população se veja retratada, ela deve ser incluída nos processos decisórios. O caminho mais coerente seria que Estado - com seu conhecimento metodológico - e população - detentora do saber e do interesse pelos bens - se unissem para a realização dos inventários e para a tomada de decisões.

Excluída da escolha

Laurajane Smith (2006) trabalha o conceito de discurso autorizado do patrimônio: um conjunto de práticas sociais e culturais histórica, institucional e politicamente dominantes que excluem o patrimônio que não se encaixa em sua concepção. Segundo ela, essa exclusão do patrimônio não-oficial tem consequências sobre a expressão da identidade social e cultural.

A definição de patrimônio cultural brasileiro concebida nos primórdios do IPHAN exclui a parcela da população de diversas etnias; uma mistura complexa, inclusive pela vasta extensão territorial. “[...] somos um caso notável de diversidade no interior da unidade [...]. Nessa rica diversidade cultural, se encontram as variedades de mestiços que resultam das muitas misturas que vêm desde os inícios da colonização [...]” (WEFFORT, 1996, p. 5).

Esse multiculturalismo impõe ao Estado a capacidade de aceitar as diferenças e integrá-las por meio de políticas que não sejam institucionalmente impostas e ou pasteurizadas para se encaixarem no padrão atualmente aceitável (SEMPRINI, 1999 apud MENESES, 2015). Ao contrário, esse cenário tem pressionado sem êxito a instituição a uma maior permeabilidade aos anseios populares e à participação da sociedade nas decisões patrimoniais. O discurso autorizado das instituições de preservação do patrimônio cria intencionalmente “[...] barreiras significantes para a negociação pública ativa sobre o significado e a natureza do patrimônio, e os papéis social e cultural que ele deve desempenhar [...]” (SMITH, 2005, p. 44, tradução nossa2).

Diversos documentos oficiais demonstram que a participação popular vem sendo discutida no âmbito governamental. A Constituição de 1988 garantiu a participação popular na indicação dos bens patrimoniais. Encontro interno do IPHAN para reflexão sobre as ações da instituição, realizado em 2009, apontou a necessidade de diversas mudanças, dentre elas incorporar as definições da Constituição de 1988 (vinte anos após sua promulgação). Dentre os desafios estratégicos apresentados no relatório de gestão de 2011 do IPHAN estava a “[...] ampliação do diálogo com a sociedade através de meios e formas que permitam a socialização do conhecimento e da informação sobre o patrimônio cultural3” (IPHAN, 2012, p. 36). Portanto, o tema é pauta da instituição, mas ainda não está incorporado a suas ações.

Os pedidos populares de tombamento ocorrem geralmente quando a população vê ameaçados os bens patrimoniais que lhe são caros. Nesses casos, é preciso “reconhecer que as políticas de preservação frequentemente estão à reboque das transformações urbanas, pois os órgãos de patrimônio são chamados a agir na iminência do desaparecimento, quando em teoria, deveriam se antecipar à qualquer ameaça e proteger os bens antes do fato criado” (SCIFONI, 2013, p. 519).

Na cidade de São Paulo, ocorreu recentemente um levante popular em prol do Cine Belas. Fundado em 1967, o espaço foi fechado em 2011 a pedido do proprietário do imóvel, que cancelou o contrato de locação. A população se organizou e recolheu mais de 90 mil assinaturas contra o fechamento, mas não conseguiu evitá-lo (CAIXA, s.d., s.p.). O pedido de tombamento do Cine Belas Artes foi encaminhado às três instâncias de preservação pelo “Via Cultural: Instituto de Pesquisa e Ação Pela Cultura”.

No âmbito municipal, o processo de tombamento foi iniciado por meio da Resolução nº 01/2011 do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), que concluiu que o imóvel não possuía valor arquitetônico que justificasse o tombamento. Em abril de 2012 foi instaurada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar o assunto. Em dezembro do mesmo ano, a CPI aprovou a indicação do Cine Belas Artes como patrimônio cultural material e imaterial da cidade de São Paulo e apontou que “[...] o CONPRESP agiu em total dissonância com as aspirações de parcela expressiva da sociedade paulistana que se viu frustrada e decepcionada face à atuação de seu órgão de proteção do patrimônio histórico e cultural da cidade [...]” (SECRETARIA, 2012, p. 40). A reabertura do Cine Belas Artes ficou a cargo da Secretaria Municipal da Cultura, a quem coube avaliar as possibilidades orçamentárias.

No âmbito estadual, tramitou no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) sob o número de processo 65359/2011. Segundo os relatores, o Cine Belas Artes possuía mérito para sua preservação, contudo a questão principal tornou-se como executá-la (CONDEPHAAT, 2013, p. 290). Por tratar-se da preservação de um lugar de memória e não da edificação em si, solicitaram ao CONDEPHAAT uma proposta de documento legal que conseguisse “[...] dar cabo dos desafios prementes colocados, demonstrando que talvez existam formas menos rígidas e engessadas de se trabalhar a preservação cultural de lugares de memória, cuja relevância não esteja atrelada à sua excepcionalidade arquitetônica”. O proprietário entrou com pedido de reconsideração, já que o projeto de intervenção na edificação já havia recebido parecer favorável do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) e do CONPRESP. Em outubro de 2012, ocorreu o tombamento pelo CONDEPHAAT da fachada do prédio e de parte do seu interior (os primeiros quatro metros a partir da fachada), proposta muito peculiar e controversa.

Em âmbito nacional, o processo tramitou na categoria edificação, sob o número 1649-T-12. Após análise da documentação, o IPHAN indeferiu o pedido e encaminhou para arquivamento em maio de 2013, sob a seguinte justificativa:

[...] fica claro que o que se deseja garantir é a permanência de uma determinada função, ou seja, a preservação do uso do edifício como o lugar de projeção de filmes e de encontros culturais. [...] Ocorre que o imóvel privado que abrigava o Cine Belas Artes (desde 1943), por decisão judicial de 30/12/2010, foi devolvido ao proprietário [...] estamos aqui frente a mais um caso onde se busca – empregando os instrumentos do IPHAN – resolver problemas de outra ordem. [...] O tombamento é um Instrumento e não uma Políticade preservação. [...] sendo apenas um instrumento, atuará única e exclusivamente sobre o bem: sobre a edificação, e não sobre a sua função (o que se deseja realmente preservar!) [...] (IPHAN, 2011, fl. 113-114).

Nota-se a discrepância entre as três instâncias: o nacional não considerou o pedido popular, o municipal foi obrigado pela CPI instaurada a revogar sua primeira decisão, e o estadual optou por uma medida específica, nunca antes utilizada, devido aos conflitos entre o lugar de memória e a edificação. Existe uma “batalha urbana” no campo do patrimônio, “[...] a competência federal se choca com a competência estadual e com a competência municipal nos diversos Conselho e nos diversos níveis da administração [...]” (CONSELHO, 2006, p. 9).

Como aponta Scifoni (2013), as lutas patrimoniais evidenciam a tensão entre as esferas pública e privada na tecitura da cidade, onde a população tenta impedir a atuação da lógica capitalista atual, para quem a cidade é mercadoria. No Brasil, a legislação ainda não conseguiu compatibilizar essas duas esferas: os bens entendidos como patrimônio nacional e o proprietário com seu direito de negar-se a cedê-lo para uso social (CONDEPHAAT, 2013, p. 284).

Excluída do patrimônio

A rotina consolidada de métodos inquestionados do IPHAN (MOTTA, 1987) produziu uma lista de bens tombados de uma homogeneidade indesejada. Composta por 88,61% de bens isolados ou conjuntos envolvendo edificações (Tabela 1), dos 841 bens classificados como “edificação” ou “edificação e acervo”, 399 são de cunho religioso. Predominância que já existia em 1982: 94% 4dos bens eram arquitetônicos, predominando igrejas no Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (estados que, em conjunto, sediavam 25% dos bens tombados).

Nesta lista, a predominância do patrimônio elitista é indiscutível e o número de bens populares é insignificante. São duas faces do discurso autorizado: o Brasil que se escolhe mostrar e aquele que se deseja esconder. Fazem parte do segundo grupo trabalhadores e imigrantes, mesmo tendo sido responsáveis pela constituição do Estado e pelo desenvolvimento econômico da nação.

Tab. 1: Bens tombados pelo IPHAN (1938-2015). Fonte: As autoras sobre dados do IPHAN (2016).


O multiculturalismo brasileiro foi formado a partir da tomada de território aborígene e da inserção (voluntária ou involuntária) de povos estrangeiros: colonizadores espanhóis e portugueses, escravos africanos e imigrantes das mais diversas nacionalidades5 (Tabela 2). O número de estrangeiros e naturalizados residentes no Brasil é significativo desde a década de 1870 (Tabela 3), e entre os anos de 1900 e 1980 eram mais de um milhão de pessoas.

Legenda: NaN: Indefinido.

Tab. 2: Imigração no Brasil, por nacionalidade (1884-1959). Fonte: As autoras sobre dados do IBGE (2000a, p. 226).

Tab. 3: População residente no Brasil (1872-2010). Fonte: As autoras sobre dados do IBGE (2000a, 2000b, 2016).

Segundo Schwartzman, Bomeny e Costa (1984, s.p.),

[...] Nunca houve, por parte das diversas correntes políticas de alguma significação na história brasileira, quem defendesse para o país a constituição de uma sociedade culturalmente pluralista, que desse a cada nacionalidade aqui aportada e aos próprios habitantes primitivos do país as condições de manter e desenvolver sua própria identidade étnica e cultural. [...]

A força da construção do discurso autorizado do patrimônio no Brasil conseguiu, em seu cenário construído de pacatas cidades coloniais mineiras, excluir os conflitos e a mão-de-obra escrava que construiu e financiou tais edificações, pois também era ela a força de trabalho dos sistemas econômicos agrícolas brasileiros. Também causou um desequilíbrio entre as regiões e estados brasileiros (Fig. 1 e 2): Nordeste e Sudeste possuem número muito maior de bens tombados, sendo que Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia reúnem 51,8% do patrimônio tombado (650 bens).

Fig. 1: Bens tombados pelo IPHAN, por região (2015). Fonte: As autoras sobre dados do IPHAN (2016).

Fig. 2: Bens tombados pelo IPHAN, por estado (2015). Fonte: As autoras sobre dados do IPHAN (2016).

Segundo Souza e Crippa (2009, p. 213), “a indiferença da população com o patrimônio não se deve ao fato de ela não conhecer os valores das obras consideradas excepcionais, [...] mas à sua falta de representatividade nas obras tombadas, vinculadas apenas às elites e não a toda a nação”. No Brasil, essa falta de representatividade é evidente tanto em relação às diversas nacionalidades residentes quanto à distribuição geográfica. Uma construção histórica do país tecida sob o olhar elitista.

Excluída da cidade

No Brasil, a partir da década de 1990, ocorreu uma emulação dos projetos patrimoniais europeus e americanos: vários centros históricos brasileiros passaram por requalificação urbana para utilização econômica por meio da cultura e do turismo, buscando aproveitar-se do crescimento do consumo global do lazer (inclusive patrimonial). Nessa década, o governo lançou medidas para ampliar o fluxo de estrangeiros no país e estimular o desenvolvimento econômico, especialmente de regiões menos desenvolvidas.

Em 1992, foi estabelecida a Política Nacional de Turismo (PNT) e, durante a década, foram realizados altos investimentos na melhoria da infraestrutura nacional, incluindo reforma de aeroportos e pavimentação de antigos caminhos de terra (CRUZ, 2005). As ações de revitalização dos centros históricos com finalidade turística foram vinculadas a intensa divulgação no exterior. Atualmente, é possível analisar os efeitos econômicos e sociais das ações realizadas nesse período de propulsão do turismo.

O Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador, na década de 1990, foi uma grande intervenção realizada pelo governo estadual por questões de marketing político e focada na cultura local como possível valor agregado ao produto turístico a ser oferecido ao exterior. Durante o processo inicial do projeto, “A intervenção removeu e indenizou cerca de 1.900 famílias, que se transferiram para outros bairros distantes ou se acomodaram nas imediações, invadindo imóveis abandonados” (RODRIGUES, 1995 apud SANT’ANNA, 2003, p. 46). Os 382 imóveis desocupados abrigavam uma média de quatro famílias e cada uma delas recebeu em média o equivalente a atuais R$5.654,926 (IPAC, 1997 apud SANT’ANNA, 2003).

Os investimentos massivos para a retirada da população e para a recuperação das edificações históricas objetivaram tecer a revitalização da área com a criação de um shopping a céu aberto, como proposta de autossuficiência econômica para a região. Foi tecido um cenário urbano fotogênico e alegre, reduto de uma agitação cultural inicial a ser vendida publicitariamente ao Brasil e ao exterior como representação da beleza, da alegria e da hospitalidade do povo baiano.

Contudo, a intervenção foi marcada por favorecimentos políticos na escolha dos empresários e na completa isenção de taxas próprias de conjuntos comerciais, como condomínio, publicidade e serviços na área envoltória. A isenção foi inicialmente pensada como atrativo à ocupação dos espaços comerciais, juntamente com aluguéis baratos e acesso a linhas de crédito, mas a situação se estendeu até os dias atuais. Para Sant’anna (2003, p. 52), “A concepção da área como um shopping, mas sem as regras comerciais desse tipo de empreendimento e sem a adesão de todos os envolvidos, não permite também que a intervenção caminhe com os próprios pés [...]”.

Além disso, as expectativas iniciais de fluxo de turistas não foram confirmadas. Estudo encomendado pelo Estado em 1996, realizado nas semanas anterior e posterior ao Carnaval, contabilizaram cerca de 30 mil e 40 mil pessoas, respectivamente (Futura Instituto de Pesquisa, 1996 apud SANT’ANNA, 2003). Dentre elas, em média, 8% eram turistas estrangeiros, 10% eram turistas nacionais e 80% dos visitantes eram moradores da própria cidade, sendo 60% de áreas fora do centro e de suas adjacências. Ou seja, os maiores frequentadores do local eram moradores locais apesar de alto investimento publicitário direcionado ao exterior.

Diante da situação, o governo realizou estudos e investiu durante seis anos na promoção de atividades culturais permanentes para manter o fluxo de visitantes locais, a um custo anual médio equivalente a atuais R$15.780.083,117. Enquanto isso, “[...] Os proprietários de imóveis esperavam passivamente um novo investimento do governo, e a população pobre do entorno permanecia também esperando suas indenizações” (SANT’ANNA, 2003, p. 47). Um governo extremamente paternalista e a acomodação popular transformaram o centro histórico revitalizado em um fardo econômico para o Estado.

Cabe refletir sobre a validade de projetos que, como esse, expulsam a população residente e posteriormente precisam se responsabilizar pela manutenção econômica de espaços embelezados e esvaziados, apenas para tecer um cenário fotográfico direcionado a um mercado turístico pequeno e que precisa ser estimulado constantemente. Qual o resultado social de um alto investimento público para criar uma área embelezada e vazia em meio a um bairro carente de assistência básica do Estado?

Ulpiano Meneses (2015) afirma que essa mercantilização da cidade por meio do turismo a transforma em um commodity não só para o visitante, mas também para o residente. Com o aumento do fluxo de turistas nos centros históricos, seus moradores passam a desfrutar menos de seu próprio patrimônio, história e cultura, já que eles passam a ser planejados e apresentados em formato rentável dentro da lógica do capitalismo, direcionados ao turista. Além disso, muitas vezes são esvaziados de sua função social em prol de uma suposta integridade do patrimônio local para uso do turista.

Outro exemplo de exclusão da população do cenário turístico a ser vendido ao estrangeiro é o centro histórico da cidade de Paraty-RJ. O conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade foi tombado pelo IPHAN em 1958, nomeado Monumento Nacional em 1966 e seu entorno foi tombado em 1974. Seu valor patrimonial é descrito por Lúcio Costa, em 1960, na publicação “Prospecto arquitetônico de Paraty”:

[...] do ponto de vista da arquitetura civil, Paraty é mais um testemunho daquela serena maturidade a que a Colônia impedida de qualquer contato que não fosse com o mundo português se viu conduzida, como criança asilada, e da qual resultou esse modo simples e peculiar de ser e de expressarmos, isto que, em termos arquitetônicos, se traduz no que se chama estilo o nosso estilo [...] (apud CAMPOFIORITO, 1985, p. 9).

Reconhecido, portanto, como exemplar representativo do patrimônio histórico nacional apregoado pelo discurso autorizado (que o próprio Lúcio Costa construiu), segundo Carvalho (2009), o centro histórico de Paraty foi “acorrentado” pela prefeitura municipal em 1948 com a finalidade de impedir a circulação de veículos para conservar pavimentações e edificações. O cenário preservado pelas correntes é ilustrativo do Brasil colonial e constitui espaço monetizado mantido para uso do turista. A população em si reside fora da barreira, tendo no centro histórico seu local de trabalho e não mais um espaço de fruição.

A mercantilização do patrimônio altera as práticas comerciais e sociais, delimitando regiões das cidades em que a população local é privada de seu pleno relacionamento com os bens e espaços que contam sua história, inclusive pelos altos preços ali praticados. A cidade passa a ser organizada para o turista, não mais para o habitante local. As correntes são barreiras físicas facilmente transponíveis, mas delimitam uma porção do espaço urbano marcada pela dinâmica excludente da comercialização turística do bem tombado.

Nesse cenário, a Paisagem Cultural do Rio de Janeiro-RJ é um caso único e intrigante: aparentemente uma recente manobra política internacional que utilizou o patrimônio como promotor econômico da cidade. Em âmbito nacional, a cidade do Rio de Janeiro possui 162 bens tombados pelo IPHAN: 64 edificações, 35 edificações com seus acervos, 14 bens integrados, 13 equipamentos urbanos, 11 patrimônios naturais, 10 conjuntos arquitetônicos, 7 coleções e acervos, 5 jardins históricos, 2 conjuntos rurais e 1 conjunto urbano. Sozinha a cidade possui mais bens tombados pelo IPHAN do que toda a região sul.

No cenário mundial, um dossiê sobre o Rio de Janeiro foi encaminhado à UNESCO em 2009 para candidatura na categoria de Paisagem Cultural (depois de tentativa na categoria de Patrimônio Misto). De acordo com Figueiredo (2014 apud CHIURATTO, 2015, p. 237), o dossiê “[...] voltou inúmeras vezes para reelaboração exatamente para resolver ou, mais precisamente, evitar a inclusão de áreas urbanas e da problemática do desenvolvimento”. Segundo Chiuratto (2015, p. 237), “[...] Fica a impressão que a UNESCO foi a responsável pela retirada das áreas urbanas e dos ‘elementos não conformes’, como as favelas, da área delimitada [...]”.

Em 1º de julho de 2012, a cidade tornou-se a primeira do mundo a receber o título de Paisagem Cultural pela UNESCO, com o dossiê “Rio de Janeiro: paisagens cariocas entre a montanha e o mar”. Um documento que intriga por ser composto quase exclusivamente de área naturais, excluindo não só a população, mas a própria cidade do patrimônio reconhecido. Também chama atenção o fato de que os bens são retratados por ilustrações e não fotografias (Fig. 3 e 4).

Fig. 3: Baía de Guanabara e Cristo Redentor: desenhos apresentados no dossiê. Fonte: Brasil (2011, p. 65).

Fig. 4: Rio de Janeiro visto da Baía de Guanabara: desenho apresentado no dossiê. Fonte: Brasil (2011, p. 31).

A cidade é conhecida pela bela paisagem formada pela relação cidade-natureza, então é contraditória a não-utilização de fotografias. Mas, ao analisar os dados apresentados por Figueiredo e Chiuratto sobre a alteração do dossiê inicial, nota-se que as ilustrações permitiram minimizar a cidade e sobressaltar a natureza. Mais importante ainda, conseguiram excluir as favelas, escondendo uma realidade indesejada e tecendo uma imagem idealizada da cidade.

Campofiorito (1985, p. 9) já levantava a questão dentro do contexto do discurso autorizado do patrimônio tombado pelo IPHAN:

[...] E a apreciação do espaço na expressão coletiva das favelas, no que tem de criação da pobreza e dos quilombos contemporâneos? Não haverá traços, ainda que tênues e combalidos, de nada disso a documentar, a tombar e a conservar? Coisas outras ou outras leituras das mesmas coisas, mas que não demonstrem apenas a "criança asilada" e conduzida pela empresa colonial?

Pensar em Rio de Janeiro é lembrar de belas paisagens, de adensamento urbano nas áreas litorâneas e de favelas em áreas naturais de morros, inclusive próximas a grandes símbolos da cidade. Então por que esconder algo que já é mundialmente conhecido?

Em 2007, a cidade foi anunciada como sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Talvez não seja coincidência que, em 2012, dois anos antes do primeiro evento, a paisagem Cultural do Rio de Janeiro tenha sido reconhecida pela UNESCO. É possível que a negociação tenha sido facilitada para que o reconhecimento fosse utilizado com fins publicitários, buscando aumentar o número de visitantes no período dos eventos mundiais, aquecendo a economia nacional. Segundo o Ministério do Turismo, em 2014, mais de 6,4 milhões de estrangeiros visitaram o Brasil, sendo a Copa do Mundo a principal responsável por esse crescimento de 10,6% em relação ao ano anterior (JÚNIOR, 2015). Como a revitalização dos centros históricos na década de 1990, essa seria mais uma tentativa de ampliar o turismo para um país que nunca esteve entre os destinos mais visitados da América Latina e cujos turistas provêm, em sua maioria, das vizinhanças da América do Sul.

Considerações finais

Patrimônio de quem? No Brasil, o patrimônio reconhecido é aquele instituído pelo discurso autorizado construído pelos técnicos do IPHAN, não o da população. Elitização que está implícita no princípio da preservação patrimonial brasileira: na definição constante do Decreto-Lei no 25, que condiciona o patrimônio ao memorável e excepcional. Embora todo cidadão tenha o direito de propor a preservação de um bem, pela Constituição de 1988, o IPHAN ainda precisa melhorar suas políticas de participação efetiva da população para que a cidade seja tecida pelas mãos de seu ator mais importante.

Como já salientava Miceli em 1987 (p. 47),

Os dilemas com que se defronta qualquer política de patrimônio atualmente [...] se referem quase todos à questão da democratização. [...] trata-se de democratizar o acervo, os métodos de exposição do acervo, os meios de acesso ao acervo, os espaços de debate sobre o acervo; trata-se igualmente de assegurar a representatividade dos setores da comunidade e dos movimentos sociais atingidos por decisões preservacionistas. [...]

Mesmo decorridos 30 anos, a crítica de Miceli ainda é atual no contexto brasileiro. A percebida falta de representatividade da população no patrimônio ditado pelo Estado contribui para seu pouco interesse e envolvimento nas questões de salvaguarda pela sensação de não-pertencimento. O que é ampliado em um país como o Brasil, onde a população é formada pelos mais diversos povos imigrantes.

Como já afirmava Campofiorito em 1985 (p. 10),

[...] é preciso virar de novo a mesa da ideologia dominante e escolher para nossa cultura um rosto, desta vez marcado pela pluralidade, pela diversidade brasileira das várias substâncias do bem cultural e de suas diferentes origens sociais e regionais. O rosto claramente conflituoso de um país em formação, para quem a independência cultural é arma indispensável para conquistar o comando do seu próprio futuro.

Para isso é preciso que os órgãos de preservação, em especial o IPHAN por sua importância nacional e reconhecimento mundial, repensem não somente a composição do patrimônio, mas também as práticas instituídas a fim de que o patrimônio reconhecido local, regional e nacionalmente seja tecido pela população e não pelos indivíduos alocados nas repartições públicas.

Agradecimentos

Aos professores Flávia Nascimento e Paulo Marins por instigarem as reflexões aqui produzidas ao longo das discussões em suas disciplinas de pós-graduação, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo.

Referências

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CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o mundo do patrimônio. Revista do Brasil, Rio de Janeiro, n. 4, 1985.

CARVALHO, A. V. Entre ilhas e correntes: a criação do ambiente em Angra dos Reis e Paraty, Brasil. 2009. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

CHIURATTO, A. H. Paisagem Cultural e a experiência urbana latino-americana: Buenos Aires - Rio de Janeiro. 2015. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

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1À época era denominado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).

2Do original em inglês: “[...] creates significant barriers for active public negotiation about the meaning and nature of heritage, and the social and cultural roles that it may play. [...]” (SMITH, 2005, p. 44).

3Aparentemente, essa medida é unilateral: a instituição ampliaria a divulgação do conhecimento conhecido por ela, mas não se abriria às possíveis contribuições populares. O que não configuraria um diálogo, mas ainda constituiria avanço na área.

4Ver mais em Campofiorito (1985).

5Segundo o Arquivo Público do Estado de São Paulo (2009, s.p.), “Na última década do século XIX, o Brasil ocupava o 4º lugar em entrada de estrangeiros no continente americano, com 3,8 milhões de imigrantes [...]”.

6À época, segundo o IPAC (1997 apud SANT’ANNA, 2003), a média de indenizações era de R$1.222,00, que foram convertidos para a data atual utilizando o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) por meio de calculadora online disponível em: <http://calculoexato.com.br/parprima.aspx?codMenu=FinanAtualiza Indice>. Acesso em 05 jun. 2017.

7À época, segundo o IPAC (2001 apud SANT’ANNA, 2003), o valor total gasto entre os anos de 1996 e 2001 foi de R$3.410.000,00, que foram convertidos para a data atual utilizando o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) por meio de calculadora online disponível em: <http://calculoexato.com.br/parprima.aspx?codMenu= FinanAtualizaIndice>. Acesso em 05 jun. 2017.

Weaving the city: to whom the decision to preserve?

Sandra Schmitt Soster, Anja Pratschke

Sandra Soster Schmitt is advertiser and architect, Master in Architecture and Urbanism, researcher at Nomads.usp. She studies the use of digital media in the management and preservation of cultural heritage.

Anja Pratschke is architect and Doctor in Computer Science, professor and researcher at the Institute of Architecture and Urbanism of the University of Sao Paulo, Brazil, she is Co-coordinator of Nomads.usp. She develops and supervises researches in design process and communication in architecture subjects.


How to quote this text: Soster, S. S. and Pratschke, A. Weaving the city: to whom the decision to preserve? Translated from Portuguese by Anja Pratschke. V!RUS, 14. [online] Available at: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus14/?sec=6&item=1&lang=en>. [Accessed: 27 April 2024].


Abstract

Patrimonial practices are processes that alter the urban fabric when choosing what to preserve and, consequently, what to destroy. Its actors weave the city and have the privilege of choosing what is worthy of belonging to the history, memory and identity of its people. In Brazil, the procedure of IPHAN (Institute of National Historical and Artistic Heritage) in its 80 years has been marked by the authoritative discourse formulated by the first generation of technicians who sought a unique national identity. In their majority modernist architects of portuguese ascendence, the technicians defined the national heritage according to its genealogy and formation. However, Brazilian population is not homogeneous and its multiculturalism is excluded from this heritage. This article aims to present and question excluding heritage practices in three instances: the choice of the heritage, the heritage itself and the registered city.

Keywords: Heritage; Preservation policies; Population; Exclusion.


Introduction

In 1937, Getúlio Vargas established the dictatorial government called Estado Novo [New state] and a month later signed the law-decree n°25 which founded the Brazilian Historic and Artistic Heritage Institute (IPHAN), introducing the concept of “historical and artistic heritage” and creating the registration tools. The project for the institution’s foundation, elaborated by Mário de Andrade, understood the Brazilian Artistic Heritage as “[...] all works of pure art or applied art, popular or erudite [...]” (Andrade, 1936, p.55, our translation). The text was changed by Gustavo Capanema and determined national heritage as “[...] the set of existing movable and immovable assets in the country, whose preservation is of public interest, either because of its connection with memorable events of Brazil History, or because of its exceptional archaeological or ethnographic, bibliographic or artistic value” (Brazil, 1937, s.p., our translation). By eliminating the emphasis on inclusion of both popular and erudite art and conditioning heritage to the memorable and exceptional, the law-decree removed the concept of heritage from assets of Brazilian popular classes, prioritizing specific memory and urban compositions.

IPHAN’s technicians, mostly architects of portuguese ascendence, reproduced their world view on registered national assets: the list is full of Baroque churches from Minas Gerais State. The choices were based on aesthetic appreciation and were justified by higher decision; the historical value was little analysed (Fonseca, 2005).

‘[...] immediately, the Traditionalism of José Mariano and the Neo-Colonial were repudiated, pretending to not reproduce the legitimate tradition. [...] In a slow conceptual elaboration, basically thought Dr Lúcio Costa and accepted by all, it was added to the popular and unleashed simplicity of the Portuguese architecture between 1919 and 1952 the tortured life of Aleijadinho, the dynamic and sensual conception of the Baroque, the balance and the serenity of the Neoclassical and the modernism from Niemeyer [...]’ (Campofiorito, 1985, p.4, our translation).

According to Renata Cabral (2010, p.124, our translation):

‘Not a few modernist buildings received an early register. In 1947 the Church São Francisco de Assis (Pampulha), in Belo Horizonte, was registered despite being unfinished [...]. At the time, it was threatened with abandonment by its owners. In 1948 the building of the Ministry of Education and Health, in Rio de Janeiro, was also registered. The building had been inaugurated a few years before. [...] In 1965, the Flamengo Park in Rio de Janeiro was registered when it had one-third of the project executed. [...]’

While some modernist edifications took a shortcut to the registered list, the path for popular assets is much harder because “the criteria of heritage choice given by SPHAN/IPHAN, since the 1930’s, still impact the actions of three government spheres - federal, state and municipal [...]” (Marins, 2011, p.5, our translation). Even though the 1988 Brazilian Constitution gave every citizen the right to propose the register of a property there are still few examples, and those have little considerations of the institution when occur.

In order for the preservation of Brazilian heritage to reflect a history and identity in which the population may have a sense of belonging, the population must be included in the decision-making processes. The most coherent way would be for the State, with its methodological knowledge, and the people, who have knowledge and interest for the assets, to join forces to conduct inventories and make decisions together.

Excluded from choice

Laurajane Smith (2006) works on the concept of authorized heritage discourse: a set of historical, institutional and politically dominant social and cultural practices that exclude heritage that does not fit into its conception. According to her, this exclusion of the unofficial heritage has consequences on the expression of the social and cultural identity.

The definition of Brazilian cultural heritage conceived in the early days of IPHAN excludes a share of the population of diverse ethnic groups; a complex mixture, even for the vast territorial extension. "[...] we are a remarkable case of diversity within the unit [....] In this rich cultural diversity are found the varieties of mestizos that result from the many mixtures that have come from the beginning of colonization [...]" (Weffort, 1996, p.5, our translation).

This multiculturalism imposes to the state the ability to accept differences and integrate them through policies that are not institutionally imposed and pasteurized to fit the currently accepted pattern (Semprini, 1999 cited in Meneses, 2015). On the contrary, this scenario has unsuccessfully pressed the institution to a greater permeability to the popular yearnings and the participation of the society in the patrimonial decisions. The authoritative discourse of heritage preservation institutions intentionally creates "[...] significant barriers to active public negotiation on the meaning and nature of heritage, and the social and cultural roles it must play [...]" (Smith, 2005, p.44).

Several official documents show that popular participation has been discussed at the governmental level. The 1988 Constitution guaranteed popular participation in the indication of assets. IPHAN's internal meeting to reflect on the institution's actions, held in 2009, pointed to the need for several changes, including incorporating the definitions of the 1988 Constitution (twenty years after its promulgation). Among the strategic challenges presented in IPHAN's 2011 management report was "[...] broadening the dialogue with society through ways and means that allow the socialization of knowledge and information on cultural heritage1" (IPHAN, 2012, p.36, our translation). Therefore, the theme is in the institution's agenda, but it is not yet incorporated into its actions.

Popular requests for registering usually occur when the population see a threat to a property that is dear to them. In such cases, it is necessary "to recognize that preservation policies are often at the mercy of urban transformations, for the organs of cultural heritage are called upon to act on the imminence of disappearance when in theory they should anticipate any threat and protect property before the deed is done" (Scifoni, 2013, p.519, our translation).

In the city of São Paulo, there has recently been a popular uprising in favor of the Cinema Belas Artes. Founded in 1967, the space was closed in 2011 at the request of the owner of the property, who cancelled the lease. The population organized and collected more than 90 thousand signatures against the closure, but could not avoid it (Caixa, n.d., n.p.). Cine Belas Artes' application for overturning was sent by "Cultural Route: Institute of Research and Action for Culture” to the three instances of preservation.

At the municipal level, the process was initiated through Resolution No. 01/2011 of the Municipal Council for the Preservation of the Historical, Cultural and Environmental Heritage of the City of São Paulo (CONPRESP), which concluded that the property did not have an architectural value that justified its registration. Parliamentary Inquiry Commission (CPI) was set up to examine the matter in April 2012. In December of the same year, the CPI approved the nomination of Cine Belas Artes as a material and immaterial cultural heritage of the city of São Paulo and pointed out that "[...] CONPRESP acted in total dissonance with the aspirations of an expressive part of the society of São Paulo who was frustrated and disappointed in the performance of his organ of protection of the historical and cultural heritage of the city [...]" (Secretaria, 2012, p.40, our translation). The reopening of Cine Belas Artes was carried out by the Municipal Secretary of Culture, who had to evaluate the budgetary possibilities.

At the state level, the process was treated in the Council of Defence of the Historical, Archaeological, Artistic and Tourist Heritage (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico - CONDEPHAAT) under the number of process 65359/2011. According to the rapporteurs, Cine Belas Artes had merit for its preservation, but the main question became how to execute it (CONDEPHAAT, 2013, p.290). Because it was the preservation of a place of memory and not of the building itself, they asked CONDEPHAAT to propose a legal document that could "[...] overcome the pressing challenges, demonstrating that perhaps there are less rigid and plastered forms of working cultural preservation of memory places whose relevance is not tied to their architectural exceptionality." The owner filed a request for reconsideration since the intervention project of the building had already received a favourable opinion from the Department of Historic Heritage (DPH) and CONPRESP. In October 2012, the CONDEPHAAT registered the facade of the building and part of its interior (the first four meters from the facade), a very peculiar and controversial proposal.

At the national level, it proceeded in the building category under number 1649-T-12. After reviewing the documentation, IPHAN rejected the request and filed for archiving the process in May 2013, under the following justification:

‘[...] it is clear that what one wants to guarantee is the permanence of a certain function, that is, the preservation of the use of the building as the place of projection of films and cultural meetings. [...] It happens that the private property that housed Cine Belas Artes (since 1943), by judicial decision of December 30, 2010, was returned to the owner [...] we are here in front of another case where we are looking for - using the IPHAN instruments - solve problems of another order. [...] Registering is an Instrument and not a Preservation Policy. [...] being only an instrument, it will act only and exclusively on the good: on the building, and not on its function (what it really wants to preserve!) [...]’ (IPHAN, 2011, p.114, our translation).

Note the discrepancy between the three instances: the National did not consider the popular request, the Municipal was obliged by the CPI instituting to revoke its first decision, and the State opted for a specific measure, never before used, due to conflicts between the place of memory and building. There is an "urban battle" in the field of heritage, "[...] federal competence runs counter to state competence and municipal competence in the various Councils and at various levels of administration [...]" (Conselho, 2006, p.9, our translation).

As Scifoni (2013) points out, the patrimonial struggles show the tension between the public and private spheres in the city's weaving, where the population tries to prevent the current capitalist logic from acting, for which the city is a commodity. In Brazil, legislation has not yet been able to reconcile these two spheres: assets are understood as national heritage and the owner has the right to refuse to give it to social use (CONDEPHAAT, 2013, p.284, our translation).

Excluded from Preservation

The consolidated routine of IPHAN's unquestionable methods (Motta, 1987) produced a list of assets that were found to be of undesired homogeneity. Composed of 88.61% of isolated assets or sets involving buildings (Table 1), of the 841 assets classified as "building" or "building and collection", 399 are of religious nature. Predominance that already existed in 19822: 94% of the assets were architectonic, predominating churches in Rio de Janeiro, Bahia and Minas Gerais (states that, jointly, owned 25% of the listed assets ).

In this list, the predominance of the bourgeois heritage is indisputable and the number of popular assets is insignificant. They are two sides of the authoritative discourse: the Brazil that one chooses to show and the one that one wishes to hide. Workers and immigrants are part of the second group, even though they were responsible for the constitution of the state and for the economic development of the nation.

Tab. 1 3 4: Assets listed by IPHAN (1938-2015). Source: The authors on IPHAN data (2016).

Brazilian multiculturalism was formed by taking aboriginal territory and the insertion (voluntary or involuntary) of foreigners: Spanish and Portuguese settlers, African slaves and immigrants of different nationalities5 (Table 2). The number of foreigners and naturalized residents in Brazil is significant since the 1870s (Table 3), and between the years 1900 and 1980 there were more than one million people.

Tab. 2: Immigration in Brazil, by nationality (1884-1959). Source: The authors on IBGE data (2000a, p. 226).

Tab. 3: Population residing in Brazil (1872-2010). Source: The authors on IBGE data (2000a, 2000b, 2016).

According to Schwartzman, Bomeny and Costa (1984, n.p., our translation),

‘[...] There was never, on the part of the diverse political currents of some significance in Brazilian history, one which defended the constitution of a culturally pluralistic society for the country that gave to each nationality here contributing and to the original inhabitants of the country the conditions to maintain and develop their own ethnic and cultural identity. [...]’

The strength of the authoritative discourse of heritage in Brazil succeeded in excluding the conflicts and slave labor that built and financed such buildings, as it was also the workforce of the economic systems in Brazil. It also caused an imbalance between the Brazilian regions and states (Fig. 1 and 2): Northeast and Southeast have a much larger number of assets , with Rio de Janeiro, Minas Gerais and Bahia accounting for 51.8% (650 assets).

Fig. 1: Assets registered by IPHAN, by region (2015). Source: The authors on IPHAN data (2016).

Fig. 2: Assets registered by IPHAN, by region (2015). Source: The authors on IPHAN data (2016).

According to Souza and Crippa (2009, p.213, our translation), "the indifference of the population to the cultural heritage is not due to the fact that it does not know the value of the works considered exceptional, [...] but to its lack of representativeness in the recorded works, linked only to elites and not to the whole nation. " In Brazil, this lack of representativeness is evident both in relation to the different resident nationalities and the geographical distribution. A historical construction of the country being woven under the elitist gaze.

Excluded from the city

In Brazil, from the 1990s, emulation of European and American heritage projects occurred: several Brazilian historic centres underwent urban requalification for economic use through culture and tourism, seeking to take advantage of the growth of global leisure consumption (Including preservation of cultural heritage). In that decade, the government launched measures to expand the flow of foreigners in the country and stimulate economic development, especially in less developed regions.

In 1992, the National Tourism Policy (PNT) was established and, during the decade, high investments were made in the improvement of national infrastructure, including airport reform and paving of old dirt roads (Cruz, 2005). The revitalization actions of historical centres for tourism purposes were linked to intense publicity abroad. Nowadays, it is possible to analyse the economic and social effects of the actions carried out in this period of propulsion of tourism.

The Recovery Program of the Historical Centre of Salvador in the 1990s was a major intervention carried out by the state government for political marketing issues and focused on local culture as a possible added value to the tourism product to be offered abroad. During the initial process of the project, "The intervention removed and indemnified about 1,900 families, who moved to other distant neighbourhoods or settled in the vicinity, invading abandoned properties" (Rodrigues, 1995 cited in Sant'Anna, 2003, p.46, our translation). The 382 emptied houses hosted about four families and each of them received an average of US$1,709.216 (IPAC, 1997 cited in Sant'Anna, 2003, our translation).

Massive investments for the withdrawal of the population and for the restoration of historic buildings were aimed at revitalizing the area with the creation of an open-air shopping mall as a proposal of economic self-sufficiency for the region. A photogenic and joyous urban scene was created, a stronghold of an initial cultural upheaval to be sold publicity to Brazil and abroad as a representation of the beauty, joy and hospitality of the people of Bahia.

However, the intervention was marked by political favors in the choice of entrepreneurs and the complete exemption of taxes on commercial groups, such as maintenance, advertising, and services in the surrounding area. The exemption was initially thought to be attractive to the occupation of commercial spaces, along with cheap rents and access to credit lines, but the situation has extended to the present day. For Sant'Anna (2003, p.52, our translation), "The concept of the area as a mall, but without the commercial rules of this type of enterprise and without the adhesion of all involved, does also not allow the intervention to walk with its own feet [...]".

In addition, initial expectations of tourist flow have not been confirmed. A study commissioned by the State in 1996, carried out in the weeks before and after Carnival, counted about 30 thousand and 40 thousand people, respectively (Futura Research Institute, 1996 cited in Sant'Anna, 2003). Among them, on average, 8% were foreign tourists, 10% were national tourists and 80% of the visitors were residents of the city, 60% of which were from the outside of the centre and its neighbourhoods. In other words, the visitors were mainly the locals, despite high advertising spending directed abroad.

In view of the situation, the government carried out studies and invested for six years in the promotion of permanent cultural activities to maintain the flow of local visitors, at an average annual cost equivalent to current US$ 4,720,059.567. Meanwhile, "[...] Real estate owners were passively waiting for a new investment from the government, and the surrounding poor population also awaited their reparations" (Sant'Anna, 2003, p.47, our translation). An extremely paternalistic government and popular passiveness transformed the revitalized historic centre into an economic burden for the state.

It is worth reflecting on the validity of projects that, like this, expel the resident population and later need to be responsible for the economic maintenance of embellished and emptied spaces, only to weave a photographic scene directed to a small tourist market and that needs to be stimulated constantly. What is the social result of a high public investment to create an embellished and empty area in a neighbourhood lacking basic assistance from the State?

Ulpiano Meneses (2015) states that this commodification of the city through tourism turns it into a commodity not only for the visitor but also for the resident. With the increase in the flow of tourists in the historical centre, its residents enjoy less of their own heritage, history, and culture, since they are planned and presented in a profitable format within the logic of capitalism, aimed at the tourist. In addition, they are often deprived of their social function for the purported integrity of local heritage for tourist use.

Another example of exclusion of the population from the tourist scenario to be sold abroad is the historical centre of the city of Paraty-RJ. The architectonic and landscaped set of the city was registered by IPHAN in 1958, named National Monument in 1966 and its surroundings were registered in 1974. Its patrimonial value is described by Lúcio Costa in 1960 in the publication "Architectural Prospectus of Paraty":

‘[...] from the point of view of civil architecture, Paraty is another testimony of that serene maturity to which the colony, prevented from any contact with the Portuguese world, was conducted, as an asylum child, and from which resulted this simple and peculiar way of being and of expressing, which, in architectural terms, translates into what is called our lifestyle’ (cited in Campofiorito, 1985, p.9, our translation).

Recognized, therefore, as exemplary representative of the national historical heritage preached by the authorized discourse (that the very own Lucio Costa constructed), according to Carvalho (2009), the historical centre of Paraty was "chained" by the municipal government in 1948, with the purpose of preventing the circulation of vehicles to preserve pavements and buildings. The scenery limited by thick metal chains is illustrative of colonial Brazil and constitutes monetized space maintained for the tourist's use. The population itself lies outside the barrier, having in the historic centre its place of work and no longer a space of fruition.

The commercialization of the cultural heritage changes commercial and social practices, delimiting regions of cities in which the local population is deprived of its full relationship with the assets and spaces that tell its history, owning it also to the high prices practiced there. The city happens to be organized for the tourist, no longer for the local inhabitant. Chains are physical barriers that are easily transposable but delimit a portion of the urban space marked by the exclusionary dynamics of the tourist commercialization of the listed property.

In this scenario, the Cultural Landscape of Rio de Janeiro-RJ is a unique and intriguing case. Apparently, a recent international political manoeuvre used the cultural heritage as an economic promoter of the city. At the national level, the city of Rio de Janeiro has 162 assets listed by IPHAN: 64 buildings, 35 buildings with their collections, 14 integrated assets, 13 urban facilities, 11 natural heritage sites, 10 architectural complexes, 7 collections, 5 historic gardens , 2 rural complexes and one urban complex. Alone, the city has more assets listed by IPHAN than the entire southern region.

In the world scenario, a dossier about Rio de Janeiro was submitted to UNESCO in 2009 for candidacy in the category of Cultural Landscape (after attempted in the category of Mixed Heritage). According to Figueiredo (2014 cited in Chiuratto, 2015, p.237, our translation), the dossier "[...] has returned countless times for reworking it to solve or, more precisely, to avoid the inclusion of urban areas and the problem of development." According to Chiuratto (2015, p.237, our translation), "[...] It seems that UNESCO was responsible for the withdrawal of urban areas and 'noncompliant elements', such as the favelas [...]".

On July 1 2012, the city became the first in the world to receive the title of Cultural Landscape by UNESCO, with the dossier "Rio de Janeiro: Carioca Landscapes between mountain and sea". A document that intrigues by being composed almost exclusively of natural areas, excluding not only the population but the city itself from the recognized heritage. It also draws attention to the fact that assets are portrayed by illustrations rather than photographs (Fig. 3 and 4).

Fig. 3: Guanabara Bay and Cristo Redentor: drawings presented in the dossier. Source: Brazil (2011, p.65).

Fig. 4: Rio de Janeiro seen from the Bay of Guanabara: drawing presented in the dossier. Source: Brazil (2011, p.31).

The city is known for the beautiful landscape formed by the city-nature relationship, so it contradicts the non-use of photographs. However, when analysing the data presented by Figueiredo and Chiuratto on the alteration of the initial dossier, we can see that the illustrations allowed to minimize the city and to startle the nature. Most importantly, they managed to exclude the favelas, hiding an unwanted reality and weaving an idealized image of the city.

Campofiorito (1985, p.9, our translation) already raised the question within the context of the authoritative discourse of IPHAN's registered cultural heritage:

‘[...] And the appreciation of space in the collective expression of favelas, in what has of the creation of poverty and contemporary quilombos? Are there no traces, however tenuous and troubled, of any such thing to document, to register, and to preserve? Other things or other readings of the same things, but which do not merely demonstrate the "asylum child" and conducted by the colonial enterprise?’

To think about Rio de Janeiro is to remember beautiful landscapes, urban densification in the coastal areas and favelas in natural areas of hills, even close to great symbols of the city. So why hide something that is already known worldwide?

In 2007, the city was announced as the venue for the 2014 World Cup and the 2016 Olympics. It is perhaps no coincidence that in 2012, two years before the first event, the Cultural landscape of Rio de Janeiro was recognized by UNESCO. It is possible that the negotiation was facilitated so that the recognition was used for publicity purposes, seeking to increase the number of visitors during the period of world events, warming the national economy. According to the Ministry of Tourism, in 2014, more than 6.4 million foreigners visited Brazil, with the World Cup being the main responsible for this growth of 10.6% over the previous year (Júnior, 2015). Like the revitalization of historic centres in the 1990s, this would be yet another attempt to expand tourism to a country that has never been among the most visited destinations in Latin America and whose tourists come mostly from the neighbourhoods of South America.

Final considerations

Whose cultural heritage? In Brazil, the recognized cultural heritage is that established by the authoritative discourse built by IPHAN technicians, not the population. Elitization that is implicit in the principle of Brazilian patrimonial preservation: in the definition contained in Decree-Law no. 25, which conditions the heritage to the memorable and exceptional. Although every citizen has the right to propose the preservation of an asset the Constitution of 1988, IPHAN still needs to improve its policies of effective population participation so that the city can be woven through the hands of its most important actor.

As Miceli pointed out in 1987 (p. 47, our translation),

‘The dilemmas which have been confronted by any heritage policy nowadays [...] refer almost all to the question of democratization. [...] it is a matter of democratizing the assortment, the methods of exposing the assortment, the means of access to the assortment, the areas for debate on the assortment; It is also a question of ensuring the representativeness of sectors of the community and of social movements affected by preservationist decisions. [...]’

Even after 30 years, Miceli's criticism is still current in the Brazilian context. The perceived lack of representativeness of the population in the cultural heritage dictated by the State contributes to its little interest and involvement in the issues of safeguarding by the feeling of non-belonging. Which is amplified in a country like Brazil, where the population is formed by the most diverse immigrant background of its inhabitants.

As Campofiorito already stated in 1985 (p.10, our translation),

‘[...] it is necessary to turn again the table of the dominant ideology and to choose for our culture a face, this time marked by plurality, by the Brazilian diversity of the various substances of the cultural assets and of its different social and regional origins. A clearly conflicting face of a developing country, for which cultural independence is an indispensable weapon to gain control of its own future’.

To this end, preservation agencies, especially IPHAN, because of their national importance and worldwide recognition, must rethink not only the composition of the heritage but also the practices instituted so that the heritage recognized locally, regionally and nationally is woven by its Population and not by individuals allocated to public agencies.

Acknowledgment

Our thanks to professors Flávia Nascimento and Paulo Marins for instigating these reflections during the discussions in their graduate disciplines, at the Architecture and Urbanism Faculty, at University of São Paulo.

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1Apparently, this measure is unilateral: the institution would broaden the dissemination of the knowledge known by it, but would not be open to possible popular contributions. This would not be a dialogue, but it would still be an advance in the area.

2More information in Campofiorito (1985).

3Translator’s Note: Quilombo is a Brazilian hinterland settlement founded mostly by slaves of African origin who escaped from coffee plantation farms.

4Translator’s Note: Terreiro is a religious place where the Afro-Brazilian ceremonial cults of Candomblé are held and offerings are made to the orixás.

5According to Arquivo Público do Estado de São Paulo (2009, n.p., our translation), “In the last decade of the 19th century, Brazil occupied the 4th place in foreigners’ entry in the American continent, with 3.8 million immigrants [...]”.

6At the time, according to IPAC (1997 cited in Sant’Anna, 2003), the average indemnity was R$ 1,222.00, which was converted to the current date’s value using the General Market Price Index (IGP-M) through an online calculator available at: <http://calculoexato.com.br/parprima.aspx?codMenu=FinanAtualiza Indice> [Accessed 05 June 2017]. Then converted to US dollar in 30 June 2017.

7At the time, according to IPAC (2001 cited in Sant’Anna, 2003), the total value spend between 1996 and 2001 was R$3,410,000.00, which were converted to the current date’s value using the General Market Price Index (IGP-M) using an online calculator available at: <http://calculoexato.com.br/parprima.aspx?codMenu= FinanAtualizaIndice> [Accessed 05 June 2017]. Then converted to US dollar in 24 June 2017.