Como citar esse texto: BARRETO, A. B. L.; DIEB, M. A. Proposta de parque linear no rio Jaguaribe, entre os bairros de Miramar e Cabo Branco, João Pessoa, PB. V!RUS, São Carlos, n. 14, 2017. [online] Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/virus/virus14/?sec=7&item=2&lang=pt>. Acesso em: dd mmm. aaaa.

André Baltazar de Lima Barreto é arquiteto e urbanista.

Marília de Azevedo Dieb é arquiteta e urbanista, Doutora em Urbanismo, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal da Paraíba. Estuda projeto de arquitetura, paisagismo, urbanismo, meio ambiente e proteção do patrimônio ambiental urbano.

RESUMO

O presente trabalho consiste em uma proposta de parque linear para o trecho do Rio Jaguaribe situado entre os bairros de Miramar e Cabo Branco, em João Pessoa - PB. O principal objetivo é propor uma intervenção que poderá auxiliar a recuperação e reintegração dessa área à malha urbana, possibilitando seu usufruto pela população como espaço público de lazer e propiciando melhor conectividade entre os bairros circundantes. Para elaboração do presente trabalho foram realizados revisão de literatura e estudos sobre o recorte espacial, visando assim melhor embasar e direcionar a presente proposta de parque linear. Espera-se com esse trabalho demonstrar o papel das áreas verdes e corpos d’água na constituição da cidade como espaços de vivência coletiva e a importância dos parques lineares no processo de recuperação e requalificação de rios urbanos, a exemplo do Rio Jaguaribe, questões relevantes ao tema “Tecendo a cidade” da presente edição da revista V!RUS.

Palavras-chave: Parque linear; Rio Jaguaribe; Requalificação.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste em uma proposta de parque linear para o trecho do Rio Jaguaribe situado entre os bairros de Miramar e Cabo Branco, em João Pessoa - PB. O principal objetivo desse trabalho é propor a recuperação e reintegração dessa área à malha urbana, melhorando a conectividade entre os bairros circundantes e possibilitando seu usufruto pela população como espaço público de lazer. Espera-se assim demonstrar a importância dos parques lineares na recuperação e requalificação de rios urbanos e na sua reintegração ao tecido urbano como espaços de vivência coletiva, sendo, portanto, de grande relevância ao tema “Tecendo a cidade” da presente edição da revista V!RUS.

1.1 Apresentação do Tema

Os cursos d’água desempenham importantes funções ambientais e sociais na formação e no desenvolvimento das zonas urbanas, possibilitando, por exemplo, conforto térmico, circulação de pessoas e oportunidades de convívio e lazer (CENGIZ, 2013; GORSKI, 2010; TIMUR, 2013).

Porém, o crescimento desordenado das cidades, a fragmentação e a supressão da vegetação ciliar, a poluição do solo e da água com o descarte de lixo e esgotos, e as alterações em seus cursos naturais através de canalizações, retificações, represamentos e desvios resultam na degradação desses rios e córregos (GORSKI, 2010; PENTEADO; CASER, 2005; SANCHES, 2007).

Consequentemente, intensificam-se diversos problemas urbanos, como impermeabilização e erosão nas margens, fortes inundações e transmissão de doenças. Forma-se então uma imagem negativa e equivocada dos rios urbanos, como espaços problemáticos a serem segregados, embora as atividades humanas sejam a verdadeira origem de sua degradação (ALMEIDA; ARAUJO; GUERRA, 2005; HOUGH, 2004; SANCHES, 2007).

Visando a recuperação ambiental desses cursos d’água e sua reintegração à malha urbana e ao convívio social, estão sendo realizadas intervenções em rios e córregos urbanos em diversas partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e na Ásia (CENGIZ, 2013; FRIEDRICH, 2007).

Entre as estratégias de intervenção, destacam-se os parques lineares, cuja principal intenção é associar a recuperação dos cursos d’água e seus ecossistemas à promoção de espaços de lazer, esporte e cultura para a população (FRIEDRICH, 2007; PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2011; SANCHES, 2007).

Os parques lineares beneficiam as cidades e seus cursos d’água ao prover áreas permeáveis ao longo de suas margens, possibilitando uma maior infiltração e um escoamento mais lento das águas pluviais e, consequentemente, minimizando a erosão das margens, o assoreamento do rio e as enchentes (ALMEIDA; ARAUJO; GUERRA, 2005; FRIEDRICH, 2007).

Também favorecem o ambiente fluvial ao permitir a reintrodução de espécies vegetais nativas, auxiliando na estabilização e proteção das margens e na drenagem e limpeza do solo e das águas (HOUGH, 2004; PENTEADO; CASER, 2005). De acordo o Código Florestal Brasileiro, essa recomposição da vegetação nativa e a remoção de plantas invasoras são consideradas atividades de interesse social, sendo admitidas em Áreas de Preservação Permanente (APPs) como as margens de rios (BRASIL, 2012).

Através de passeios e pontes para pedestres e ciclistas, os parques lineares reintegram os rios e córregos urbanos ao seu entorno, conectando bairros de distintas características e usos e, consequentemente, contribuindo para a dinâmica da cidade (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2011; TIMUR, 2013).

Também beneficiam a população ao prover espaços para variados tipos de usuários e de lazer, como atividades recreativas, contemplativas e culturais (CENGIZ, 2013; FRIEDRICH, 2007). Segundo o Código Florestal Brasileiro, a implantação dessa infraestrutura pública destinada a lazer, esportes e cultura também é considerada de interesse social e permitida em Áreas de Preservação Permanente (BRASIL, 2012).

Enfim, os parques lineares são importantes por possibilitar o livre acesso ao ambiente fluvial e a interação com o curso d’água (CENGIZ, 2013; TIMUR, 2013), estimulando assim a presença e circulação contínuas de pessoas ao longo de seus cursos e entre suas margens e, consequentemente, destacando a importância dos rios e córregos urbanos para a qualidade de vida urbana (DIEB, 2013; FRIEDRICH, 2007).

1.2 Delimitação do problema

O Rio Jaguaribe, em João Pessoa, Paraíba, é um exemplo de curso d’água urbano deteriorado pela urbanização desordenada ocorrida a partir da década de 1970. Esse crescimento desordenado da cidade ocasionou desmatamento, poluição, desestabilização do solo, assoreamento da calha, aumento das inundações e dificuldade de visualização e acesso ao rio e a suas margens, inviabilizando assim seu usufruto por parte da população (DIEB, 2013; PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2012; SILVA, 2012).

A implantação de parques lineares é um importante meio de recuperar e reintegrar os cursos d’água às cidades (FRIEDRICH, 2007; SANCHES, 2007). Porém, em João Pessoa, o poder público tem apenas delimitado e, em alguns casos, cercado áreas destinadas a parques, sem realmente promover a recuperação desses remanescentes da natureza nem implantar espaços públicos de lazer e convivência (SILVA, 2012).

Atualmente, de acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, existem dez parques municipais em João Pessoa (Fig. 1), porém apenas dois estão efetivamente implantados: o Parque Zoobotânico Arruda Câmara, de 1922, no bairro de Tambiá; e o Parque Sólon de Lucena, de 1924, no Centro.

Fig. 1: Mapa dos Parques no Município de João Pessoa - PB, destacando os parques existentes (em laranja) e os não implantados ao longo do Rio Jaguaribe (em vermelho). Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2012 (editado pelo autor).

Dentre os parques não implantados, dois estão localizados ao longo do Rio Jaguaribe: o Parque Linear Parahyba, criado em 2010, nos bairros Aeroclube, Bessa e Jardim Oceania, e o Parque Ecológico Jaguaribe, recorte espacial eleito para o presente trabalho.

O Parque Ecológico Jaguaribe ocupa seis hectares da margem esquerda do rio, situando-se no bairro de Miramar, entre as Avenidas Beira Rio e Epitácio Pessoa, importantes vias na cidade. Foi criado em 2007, por meio da Lei Complementar Municipal Nº 46/2007, proposta pelo então vereador Flávio Eduardo Maroja Ribeiro, mas permanece sem previsão de ser efetivamente implantado (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2010).

A margem direita desse trecho do rio, no bairro de Cabo Branco, encontra-se parcialmente ocupada por residências e estabelecimentos comerciais, estando a maioria dessas construções fora da faixa de 30 metros delimitada como Área de Preservação Permanente (APP) pelo Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2012). Portanto, não há base legal para propor a desapropriação e incorporação de toda essa margem ao parque já delimitado.

Porém, incorporar a APP da margem direita seria importante para a paisagem do parque e, principalmente, para a recuperação e preservação do rio. Nessa margem, há também três lotes desocupados, totalizando 21.000 m², cuja incorporação ao parque, além de ampliar e favorecer o trabalho de recuperação e proteção do rio, também possibilitaria estabelecer novas conexões entre os bairros de Miramar e Cabo Branco.

Quanto à margem delimitada como parque, apesar de estar totalmente desocupada, há poluição no rio e nas margens e trechos desmatados. Além disso, de acordo com a Prefeitura Municipal de João Pessoa (2012), sua vegetação encontra-se bastante descaracterizada, predominando espécies exóticas, como as “castanholas”, em decorrência da forte interferência humana no local.

Diante dos problemas identificados nesse trecho do Rio Jaguaribe, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (2010) apresentou uma série de recomendações para recuperação desse recorte do rio e de toda a sua bacia, como a limpeza do curso d’água e suas margens, a restauração do solo, a redução do volume de plantas aquáticas flutuantes e a recomposição da vegetação ciliar com espécies nativas, disponíveis no Viveiro Municipal.

O diagnóstico elaborado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (2010) finalizou recomendando a implantação de um parque linear nesse local, assim como outros parques ao longo do Rio Jaguaribe, a fim de possibilitar a preservação de seus recursos naturais, auxiliar na drenagem urbana e permitir seu usufruto por parte da população, através da inserção de equipamentos de lazer, cultura e esportes.

A presente proposta de parque linear (Fig. 2) fundamenta-se, portanto, na necessidade de recuperação ambiental do Rio Jaguaribe; na intenção de reincorporar esse trecho à malha urbana e estabelecer novas conexões entre os bairros de Miramar e Cabo Branco; e na possibilidade de reduzir o déficit de parques urbanos na cidade de João Pessoa.

Fig. 2: Esquema da presente proposta de parque linear no Rio Jaguaribe. Fonte: Google Earth (editado pelo autor).

2 Estudo do recorte especial

A fim de melhor compreender as características naturais e urbanas do recorte e seu entorno, foram elaborados mapas de topografia e cobertura vegetal, de sistema viário e transporte público e de uso e ocupação do solo com base no mapa em Cad disponibilizado on-line pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, na imagem aérea atual do Google Earth e nas visitas ao local em companhia dos botânicos Profa. Dra. Rita Lima e Prof. Carlos Alberto Beltrão, do Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba.

Na elaboração dos mapas de sistema viário e transporte público e de uso e ocupação do solo, foi definido um raio de abrangência de 500 metros, considerando a dimensão do parque proposto (10 hectares) e a distância considerada confortável para caminhar a pé (GEHL, 2013; YEANG, 2013).

2.1. Topografia e Cobertura Vegetal

Analisando a topografia do recorte espacial (Fig. 3), a margem esquerda apresenta diferentes declividades: no trecho próximo à Av. Epitácio Pessoa, há um desnível de 10 metros entre a Rua do Capim e o Rio Jaguaribe, com inclinação de 10%, enquanto o trecho próximo à Av. Beira Rio apresenta um desnível de 5 metros, cuja inclinação varia entre 3% e 5%. A margem direita, entretanto, apresenta um desnível homogêneo, de 3 metros, entre a Av. Paulino Pinto e o rio, cuja inclinação varia entre 1% e 3%.

Fig. 3: Mapa de topografia e cobertura vegetal do recorte espacial em estudo. Fonte: Acervo do autor.

Em relação à cobertura vegetal, ocorre um predomínio de espécies exóticas, especialmente de “castanholas” (Terminalia catappa), em ambas as margens do rio. Na margem esquerda, embora esteja totalmente desocupada, a arborização concentra-se ao longo das vias adjacentes, prevalecendo espécies arbustivas e herbáceas e havendo trechos desmatados na Área de Preservação Permanente (APP). Quanto à margem direita, encontra-se parcialmente edificada, apresentando maior parte de sua cobertura vegetal, composta principalmente por espécies de grande e médio porte, concentrada próximo ao rio, na APP.

2.2 Sistema viário e transporte público

A área de intervenção (Fig. 4) encontra-se entre duas importantes vias arteriais de João Pessoa: as Avenidas Epitácio Pessoa e Beira Rio. Ambas conectam a Área Central à Orla Marítima, apresentando assim grande fluxo de pessoas, veículos e transporte público. Portanto, facilitariam o deslocamento entre diferentes partes da cidade e o parque proposto.

Fig. 4: Mapa de sistema viário e transporte público do recorte espacial em estudo. Fonte: Acervo do autor.

A Rua do Capim e a Av. Paulino Pinto, vias coletoras adjacentes ao terreno, também são relevantes, pois facilitam a conexão entre bairros do Litoral Norte, como Manaíra e Tambaú, e do Litoral Sul, como Altiplano. Quanto ao trânsito no recorte estudado, em Miramar predominam vias locais, enquanto Cabo Branco apresenta um maior número de vias coletoras, propiciando assim um fluxo de veículos mais intenso.

2.3 Uso e Ocupação do Solo

Apesar do predomínio do uso residencial no recorte estudado (Fig. 5), destacam-se algumas particularidades em cada bairro: Cabo Branco apresenta um maior número de comércios e serviços, especialmente na Av. Marcionila da Conceição, além de hotéis e pousadas, enquanto Miramar concentra uma maior variedade de instituições de ensino, desde o Ensino Infantil ao Superior.

Fig. 5: Mapa de uso e ocupação do solo do recorte espacial em estudo. Fonte: Acervo do autor.

Essa presença de diferentes usos no recorte estudado, como comércios, instituições de ensino, equipamentos de saúde e templos religiosos, proporciona variados tipos de usuários, sendo importante para a dinâmica dos bairros e, consequentemente, do parque proposto (JACOBS, 2011; YEANG, 2013). Além disso, a possibilidade de conectar bairros com características distintas e complementares, como o caso de Miramar e Cabo Branco, é fundamental para inserção de parques urbanos (JACOBS, 2011).

Outros aspectos identificados no recorte são a pequena oferta de praças, especialmente em Cabo Branco, justificando a necessidade de um espaço público de lazer para esses bairros; e a presença de vazios urbanos, que possibilitam a apropriação para novos usos que atendam às demandas da população residente.

Em relação à Área de Preservação Permanente (APP), há algumas invasões parciais na margem direita, que podem se adequar à legislação sem realocação. Apenas dois comércios localizados na Av. Epitácio Pessoa invadem completamente a APP dessa margem, mas há diversos lotes vazios nesses bairros onde poderiam se reestabelecer, inclusive junto ao parque proposto, possibilitando assim fluxo de pessoas e, consequentemente, suporte mútuo entre ambos os usos (GEHL, 2013; JACOBS, 2011).

2.4 Quadro de problemas e potencialidades

A partir do estudo apresentado, elaborou-se o quadro com os problemas e potencialidades identificados (Fig. 6), a fim de embasar a proposta de parque linear do presente trabalho. Baseou-se na metodologia de Análise SWOT, tabela utilizada para avaliação de cenários em planejamento de estratégias (YEANG, 2013).

Fig. 6: Quadro de problemas e potencialidades do recorte espacial em estudo. Fonte: Acervo do autor.

3 Proposta

Com base nas análises sobre o recorte espacial e seu entorno, nos problemas e potencialidades identificados e nas soluções e estratégias estudadas na revisão de literatura sobre o tema, foram definidos as diretrizes projetuais (Fig. 7) e o zoneamento (Fig. 8 e 9) para a presente proposta de parque linear no Rio Jaguaribe.

3.1 Diretrizes Projetuais

Fig. 7: Diretrizes projetuais da presente proposta de parque linear. Fonte: Acervo do autor.

3.2 Zoneamento

Com o objetivo de proporcionar multifuncionalidade ao longo de todo o parque, propõem-se áreas de descanso e de contemplação próximas ao rio, desfrutando das Áreas de Preservação Permanente, e espaços educativos, recreativos e de convivência próximos às ruas, visando resguardar a faixa de preservação do rio e atrair a presença e o movimento de pessoas (GEHL, 2013; JACOBS, 2011; YEANG, 2013).

Na margem esquerda, no bairro de Miramar, são propostas áreas voltadas à contemplação da natureza, aproveitando principalmente a maior declividade do terreno no trecho próximo à Av. Epitácio Pessoa. A fim de envolver as instituições de ensino desse bairro, também são propostas atividades educativas e culturais, além de áreas para recreação e exercícios ao ar livre, sobretudo no trecho de menor declividade próximo à Av. Beira Rio.

Em relação à margem direita, considerando o déficit de espaços públicos de lazer para os residentes de Cabo Branco, especialmente para as comunidades carentes próximas, e a propensão desse bairro ao entretenimento e turismo, com diversos restaurantes, bares, hotéis e pousadas, propõe-se na esquina das Avenidas Beira Rio e Paulino Pinto uma área de convivência, recreação e educação esportiva, com café e quadras poliesportivas.

As praças de acesso propostas na Av. Paulino Pinto, além de possibilitar novas conexões entre os dois bairros através de pontes para pedestres e ciclistas, consistem em espaços de convivência similares aos Pocket Parks, criados nos Estados Unidos e presentes em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Quanto à Área de Preservação Permanente da margem direita, propõe-se a sua incorporação a fim de recuperar e proteger e o rio e sua vegetação ciliar, além de compor a paisagem do parque.

Fig. 8: Zoneamento da presente proposta de parque linear. Fonte: Google Earth (editado pelo autor).

Fig. 9: Quadro sobre o zoneamento da presente proposta de parque linear. Fonte: Acervo do autor.

3.3 Memorial Descritivo

A partir das diretrizes e do zoneamento elaborados, desenvolveu-se o desenho da presente proposta de parque linear para o Rio Jaguaribe (Fig. 10 e 11). A principal intenção foi preservar e recuperar o ambiente natural, por exemplo, resguardando o máximo de cobertura vegetal, que é extremamente importante para proteção do rio e de suas margens, para drenagem e limpeza do solo e das águas e para o conforto térmico da população (GORSKI, 2010; HOUGH, 2004; PENTEADO; CASER, 2005).

Também se objetivou concretizar a implantação de um espaço público de lazer, aproveitando as próprias peculiaridades do recorte para prover diferentes usos e ambiências e estabelecendo conexões claras e objetivas a partir da malha urbana existente, a fim de permitir o livre acesso e circulação da população (JACOBS, 2011; YEANG, 2013).

Fig. 10: Planta geral da presente proposta de parque linear no Rio Jaguaribe. Fonte: Google Earth (editado pelo autor).

Fig. 11: Perspectiva diurna da presente proposta de parque linear no Rio Jaguaribe. Fonte: Google Earth (editado pelo autor).

O desenho dos passeios teve como principal referência a sinuosidade da própria natureza, principalmente do curso do rio. Quanto às pontes elevadas propostas, visam possibilitar a contemplação da paisagem e a travessia entre as margens durante o ano inteiro, mesmo em períodos de maiores precipitações, quando o nível do rio normalmente se eleva.

As edificações propostas em todo o parque serão construções pré-fabricadas modulares, visando menores impactos ao ambiente fluvial e maior versatilidade de usos. Quanto às pontes e decks, embora remetam à madeira, em referência à natureza circundante, serão constituídos por estrutura metálica com piso de madeira plástica (WPC), materiais recicláveis e mais resistentes a fatores ambientais.

Em relação aos fluxos e sistema viário do presente projeto (Fig. 12), os passeios propostos podem ser classificados em quatro tipos, de acordo com sua localização: perimetral, que permite percorrer o entorno do parque e a beira do rio; central, que percorre internamente o parque; transversal, que possibilita acessar o rio e/ou cruzar as margens; e secundário, que atua como atalho, interligando os outros passeios.

Fig. 12: Esquema de fluxos e sistema viário da presente proposta de parque linear. Fonte: Acervo do autor.

Estacionamentos são propostos próximos a esquinas e acessos do parque para facilitar a circulação de veículos e de seus usuários, sendo locados apenas na Rua do Capim e na Av. Paulino Pinto a fim de evitar grandes impactos no intenso trânsito das Avenidas Epitácio Pessoa e Beira Rio. Próximos aos acessos do parque também são propostos pontos de informação e de alimentação, visando, além de prestar serviços à população, atrair pessoas e estimular a vigilância natural nesses locais (JACOBS, 2011; YEANG, 2013).

Quanto à permeabilidade do solo (Fig. 13), ao resguardar amplas áreas verdes, o presente projeto apresenta uma grande extensão de áreas permeáveis, ocupando 64% do parque proposto. Com os pisos cimentícios drenantes sugeridos para os passeios e estacionamentos, é possível estabelecer 28% de superfícies semipermeáveis, restando assim apenas 8% de áreas impermeáveis. Importante salientar que, embora as pontes e decks propostos sejam superfícies impermeáveis, por estarem elevados sobre o solo, não comprometerão a infiltração de água nesses locais.

Fig. 13: Esquema de permeabilidade do solo da presente proposta de parque linear. Fonte: Acervo do autor.

Em relação ao paisagismo proposto (Fig. 14), além da recomposição da vegetação ciliar, as espécies sugeridas também apresentam objetivos específicos: árvores de grande e médio porte para o sombreamento; árvores frutíferas e plantas ornamentais como elementos sensoriais, especialmente nos Bosques dos Sentidos e da Diversão; e plantas aquáticas para o tratamento do escoamento pluvial nas bacias de infiltração propostas.

Importante salientar que para a recomposição de vegetação ciliar são necessários uma grande diversidade de espécies vegetais nativas e estudos mais detalhados sobre o recorte trabalhado, em parceria com outros profissionais, como biólogos e engenheiros ambientais.

Fig. 14: Esquema de paisagismo da presente proposta de parque linear. Fonte: Acervo do autor.

Quanto à iluminação (Fig. 15 e 16), são propostas luminárias LED de 5 metros de altura espaçadas a cada 20 metros ao longo dos passeios, visando auxiliar a segurança no período noturno e orientar os caminhos existentes no parque (GEHL, 2013). Outros elementos de iluminação LED são propostos para reforçar a iluminação noturna, além de propiciar efeitos paisagísticos, especialmente no Bosque da Diversão, sob o mirante do Bosque dos Sentidos e sob as pontes elevadas.

Fig. 15: Esquema de iluminação da presente proposta de parque linear. Fonte: Acervo do autor.

Fig. 16: Perspectiva noturna da presente proposta de parque linear no Rio Jaguaribe. Fonte: Google Earth (editado pelo autor).

3.3.1 Bosque das Artes

O Bosque das Artes (Fig. 17) consiste em uma área voltada a exposições permanentes e temporárias de obras de artes, visando promover principalmente artistas locais, similar ao objetivado pela Lei Municipal Nº 5738/1988 sobre a obrigatoriedade de obras de artes em edifícios. Devido à sua localização, junto à Avenida Epitácio Pessoa, uma das mais conhecidas e frequentadas da cidade, essas obras poderão desempenhar um importante papel como marcos visuais para o parque proposto, atraindo a atenção e a presença de pessoas.

Fig. 17: Perspectiva do Bosque das Artes. Fonte: Acervo do autor.

Próximo a esse setor do parque há diversas instituições de ensino, inclusive na Avenida Epitácio Pessoa, que poderão colaborar no papel educativo e na difusão cultural e artística propostos para esse espaço, tanto através de visitas periódicas, como com exposições realizadas por seus estudantes.

Para minimizar possíveis transbordamentos do Rio Jaguaribe, também é proposta nesse setor uma bacia de infiltração, devido principalmente ao escoamento pluvial da Rua do Sol, via perpendicular ao parque. Visando o tratamento desse escoamento, propõe-se na bacia um filtro biológico constituído por plantas aquáticas e camadas de pedra e areia.

3.3.2 Bosque dos Sentidos

No Bosque dos Sentidos (Fig. 18), propõe-se um mirante sobre um jardim com espécies nativas ornamentais e de árvores frutíferas, aproveitando a declividade acentuada desse trecho do terreno para possibilitar a contemplação do rio e do parque.

Trata-se de um espaço voltado especialmente a atividades lúdicas e educativas, envolvendo diferentes percepções sensoriais, através das diversas cores, formas, texturas e aromas da vegetação, dos variados sabores das frutas locais disponíveis e dos distintos sons da natureza circundante, como da água do rio e de animais, principalmente pássaros.

Fig. 18: Perspectiva do Bosque dos Sentidos. Fonte: Acervo do autor.

3.3.3 Praças de Acesso

As praças de acesso propostas na margem direita do Rio Jaguaribe (Fig. 18) consistem em áreas de convivência inspiradas nos Pocket Parks, aproveitando os lotes vazios atualmente existentes como pequenos espaços públicos de lazer. Através de pontes elevadas para pedestres e ciclistas, essas praças também possibilitarão novas conexões entre os bairros de Cabo Branco e Miramar.

Fig. 19: Perspectiva de uma Praça de Acesso. Fonte: Acervo do autor.

No perímetro das praças, propõem-se canteiros de flores que, além de elemento paisagístico, servem como mobiliário urbano, constituindo um banco contínuo, e como barreira física entre os espaços público e privado, resguardando os lotes vizinhos. A fim de estimular a presença constante de pessoas e, consequentemente, a vigilância natural, também são propostos nessas praças quiosques de alimentação e equipamentos recreativos.

3.3.4 Bosque da Cultura

O Bosque da Cultura (Fig. 20) consiste em uma área voltada à educação ambiental e difusão cultural, visando principalmente atrair as instituições de ensino próximas. Aproveitando a baixa declividade desse trecho do terreno, é proposto um deck de convivência com café literário, núcleo de educação ambiental, sanitários públicos e praça de eventos.

Fig. 20: Perspectiva do Bosque da Cultura. Fonte: Acervo do autor.

Inspirado nos cafés literários existentes nos parques urbanos em Santiago, Chile, o café proposto incorpora o aspecto educativo desse setor do parque a suas atividades usuais, tornando-se assim um espaço de leitura e difusão cultural, além de alimentação e convivência.

O núcleo de educação ambiental apresenta como principal objetivo promover diferentes atividades educativas, como palestras, workshops e visitas guiadas, para os visitantes do parque, principalmente estudantes.

Quanto à praça de eventos, trata-se de um espaço multifuncional de lazer e convivência, com capacidade máxima de 1.500 pessoas (considerando três pessoas por metro quadrado). Sua principal finalidade é acomodar atividades educativas e culturais ao ar livre, como pequenas feiras e festividades locais, que poderão resultar de parcerias com escolas, templos religiosos e outras instituições próximas, além da própria administração pública.

3.3.5 Bosque da Diversão

O Bosque da Diversão (Fig. 21) consiste em um espaço recreativo para todas as idades, com playground e academia ao ar livre, visando minimizar o déficit de praças para os residentes de Miramar, principalmente para comunidades carentes na vizinhança. Também poderá atender escolas próximas, sobretudo duas escolas infantis que se conectam diretamente com esse setor através de uma via perpendicular ao parque, a Rua Ana Lucia de Melo.

Fig. 21: Perspectiva do Bosque da Diversão. Fonte: Acervo do autor.

Em razão do escoamento pluvial dessa rua perpendicular, assim como da Rua do Capim, também é proposto nesse setor uma bacia de infiltração para amenizar possíveis inundações, utilizando o mesmo sistema de tratamento d’água proposto no Bosque das Artes.

3.3.6 Bosque dos Esportes

O Bosque dos Esportes (Fig. 22) consiste em uma área de recreação e convivência, visando principalmente minimizar o déficit de praças no bairro de Cabo Branco. São propostos quadras poliesportivas, café bar, sanitários públicos e núcleo de educação esportiva, cujo objetivo é promover diferentes atividades recreativas, como futebol, basquete, artes marciais, capoeira, dança e yoga, sobretudo para comunidades carentes próximas.

Fig. 22: Perspectiva do Bosque dos Esportes. Fonte: Acervo do autor.

Quanto ao café bar, além de servir como espaço de alimentação e de convivência, poderá desempenhar um importante papel como atrativo para o parque proposto, considerando a propensão do bairro de Cabo Branco ao entretenimento e turismo, com uma variedade de restaurantes, bares, hotéis e pousadas.

4 Considerações finais

Considerando o estudo realizado sobre o tema e o recorte espacial, conclui-se que o presente trabalho alcançou seu principal objetivo: propor um parque linear que poderá auxiliar a recuperação do Rio Jaguaribe, melhorar a conectividade entre os bairros de Miramar e Cabo Branco e ofertar um espaço público de lazer para população de João Pessoa.

A iniciativa pública de criação do Parque Ecológico Jaguaribe visando proteger o recorte estudado foi importante, mas talvez devido à ausência de estudos prévios, falhou ao abranger apenas uma margem do rio e por “parque ecológico” não ser classificação prevista no Sistema Municipal de Áreas Protegidas (SMAP). Por isso, entende-se que a presente proposta de parque linear, abrangendo ambas as margens conforme definido pelo SMAP, possibilitará ao recorte trabalhado melhor atender suas funções ambientais, urbanas e sociais.

Importante salientar que o processo de intervenção em rios urbanos deve abranger toda a sua bacia hidrográfica, sendo então necessários e enriquecedores os concursos públicos de projeto, a participação popular e o trabalho conjunto de diferentes profissionais, como arquitetos, engenheiros, biólogos e ecólogos. Nesse contexto, conclui-se que parques lineares, conforme proposto pelo presente trabalho, são importantes instrumentos na recuperação e reintegração de rios urbanos ao tecido das cidades como espaços de vivência coletiva, sendo assim de extrema relevância ao tema “Tecendo a cidade” da presente edição da revista V!RUS.

Referências

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